RESUMO: O presente trabalho irá tratar, mas sem esgotar o assunto acerca do princípio da insignificância, no qual tratamos da sua origem e transposição para o Direito Penal. Neste artigo destaco os critérios necessários para a incidência do princípio da insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade, bem como os ilícitos em que tal princípio não é possível. Por fim, embora os Tribunais entendam de maneira distinta venho defender a possibilidade da valoração desse princípio pela autoridade policial.
Palavra-chave: Princípio da insignificância, Origem, Incidência, Supralegal, Tribunais, Autoridade policial.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1-ORIGEM. 2 – CAUSA DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE MATERIAL. 3-QUANTO A SUA APLICABILIDADE E ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. 4-PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A SUA UTILIZAÇÃO PELA AUTORIDADE POLICIAL. 5-CONCLUSÃO. 6-REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tratou acerca do princípio da insignificância ou bagatela e a sua análise, no qual destaco a sua origem, que remonta ao Direito Romano, em que se iniciou no Direito Civil com a sua ulterior aplicação ao Direito Penal por Claus Roxin, tendo no Brasil como precursor Francisco de Assis Toledo.
Já nos dois capítulos seguintes destaca-se que o princípio em foco deste artigo é causa supralegal de excludente da tipicidade, mais precisamente da tipicidade material, e que para a sua concretização, exige-se que a infração tenha sido cometida sem violência ou grave ameaça a pessoa, bem como a presença de alguns requisitos.
E por fim, questiona-se a respeito da valoração do princípio da insignificância, ousando discordar do posicionamento dos Tribunais Superiores, e assim defendendo a possibilidade de análise e aplicação desse princípio pela autoridade policial.
1-ORIGEM
Pertinente ao princípio da insignificância ou da bagatela, tem sua origem no Direito Romano, no ramo do Direito Civil, em que tínhamos o adágio jurídico mínima non curat praetor, o qual o magistrado efetivamente só se preocuparia e consequentemente aplicaria a lei em situações tidas como relevantes ao detentor de direitos.
Foi com o jurista alemão, Claus Roxin, em meados da década de 60 (sessenta) que tal princípio foi introduzido ao Direito Penal. Na América do Sul tivemos dois grandes doutrinadores que influenciaram na incidência desse princípio nos respectivos ordenamentos nacionais, aqui no Brasil foi Francisco de Assis Toledo e na Argentina Zaffaroni.
No seu livro que trata dos princípios básicos do direito penal, Assis Toledo destaca quanto ao princípio da insignificância: ”que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas”.
2 - CAUSA DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE MATERIAL
Para o conceito analítico e tripartido de crime, ele seria a prática de um fato típico, ilícito e praticado por um agente dotado de culpabilidade. Especialmente quanto ao fato típico, este possui 4(quatro) elementos, que são, a conduta, o nexo causal, o resultado e a tipicidade.
Quanto à conduta, adotando o critério finalista, esta seria uma ação ou omissão destinada a produzir um resultado previsto em lei como crime ou contravenção. Já no que tange ao nexo causal, seria o liame subjetivo entre a conduta e o resultado naturalístico. Pertinente ao resultado este poderá se concretizar de dois modos, jurídico – conduta contrária à lei, logo sempre ocorrendo, e naturalístico – quando lesa ou coloca em perigo determinado bem, mas nem sempre isso ocorre, haja vista que nos crimes formais, tentado e de mera conduta não teremos o resultado naturalístico, mas apenas o normativo. No tocante a tipicidade posso conceituar como sendo um juízo de subsunção entre a conduta e aquilo que esta previsto em lei como crime ou contravenção.
A tipicidade poderá ser formal, que seria a conduta do agente contraria ao que consta no tipo penal e material, quando a conduta do agente que lesa ou expõe em perigo um bem juridicamente protegido.
É no campo da tipicidade que analisamos o princípio da insignificância, sendo considerado como uma causa supralegal de exclusão. Logo esse princípio afasta a tipicidade, tornando o fato atípico, ou seja, não delituoso.
Cabe ressaltar que essa causa supralegal só afasta a tipicidade material, mas não a formal, contudo para isso, segundo os Tribunais Superiores serão necessários alguns requisitos objetivos e subjetivos a serem observados.
Com relação aos requisitos objetivos teremos: a mínima ofensividade da conduta, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente, a ausência de periculosidade social da ação e a inexpressiva lesão ao bem jurídico tutelado. Quanto ao requisito subjetivo se levará em conta a importância do bem sobre o qual recaiu a conduta delituosa para a vítima, assim o STJ, 5° Turma, HC 60949/PE, julgado em 20.11.2007, entendeu que “deve-se conjugar a importância do objeto material para a vítima, levando-se em consideração a sua condição econômica, o valor sentimental do bem, como também as circunstâncias e o resultado do crime, tudo de modo a determinar, subjetivamente, se houve relevante lesão”.
3 – QUANTO A SUA APLICABILIDADE E ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO
O princípio da insignificância em regra é aplicado aos crimes de natureza patrimonial, porém isso não quer dizer que haja impedimento para que ele incida nos crimes de natureza diversa, ou seja, bastando haver compatibilidade.
Para a concretização desse princípio exige-se que o crime praticado pelo sujeito ativo não tenha sido com o emprego de violência ou grave ameaça, pois o resultado de tal conduta delituosa não é tido como irrelevante.
Nesse sentido o STJ: “in casu, o ora recorrido foi condenado à pena de cinco anos e quatro meses de reclusão e 13 dias-multa, pela prática do delito roubo circunstanciado, em virtude da subtração, mediante violência, de um cupom fiscal e o valor de R$ 10,00 (art. 157, § 2º, II, c/c 29 e 65, I e III, d, todos os CP). O tribunal a quo, em sede de apelação, reconheceu a incidência do princípio da insignificância, uma vez que não restou caracterizada significativa lesão ao patrimônio e à pessoa, cumulativamente, e julgou extinta a punibilidade do recorrido. Assim, o cerne da questão posta no especial cinge-se à possibilidade da incidência do principio da insignificância no delito de roubo. A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu que é inviável a aplicação do princípio da insignificância em crimes perpetrados com violência ou grave ameaça à vítima, não obstante o ínfimo valor da coisa subtraída” – STJ, 5° Turma, REsp 1.159.735-MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 15/6/2010.
Pertinente ao crime de tráfico e porte de drogas para consumo próprio (Lei 11343/2006) é pacífico o entendimento de não caber o princípio bagatelar, ainda que a quantidade de droga apreendida para fins de comprovar a materialidade delitiva seja insignificante. O fundamento vedatório é por se tratar de um crime de perigo presumido ou abstrato que atenta contra a saúde pública, pois embora o sujeito seja um simples usuário, estará movimentando a mercancia ilegal de drogas. (STJ, 6° Turma, RHC 35.920-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014).
No que tange ao crime de tráfico internacional de armas de fogo e munições também não é reconhecido a aplicabilidade do princípio em estudo, haja vista ser um crime de perigo abstrato que tem como maior clientela o crime organizado internacional(STF, 1° Turma HC 97777/MS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgado em 26/10/2010).
Referente ao crime de moeda falsa, em que o bem jurídico tutelado é a fé pública, reconhece-se também não ser uma infração insignificante, ainda que o montante encontrado com o agente seja de pequena quantidade ou representativo de pequeno valor, sob o fundamento de manter a credibilidade da moeda em circulação.
Assim decidiu STJ quanto ao crime de moeda falsa:”A 5° Turma negou a ordem por entender que não se aplica o princípio da insignificância ao crime de moeda falsa por tratar-se de delito contra a fé pública, visto que é interesse estatal a sua repreensão – STJ, 5° Turma, HC 129.592-AL, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/5/2009.”
4 – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A SUA UTILIZAÇÃO PELA AUTORIDADE POLICIAL
Como já explanado, o princípio da insignificância é causa de exclusão da tipicidade material do delito, tornando o fato atípico, contudo muito se tem discutido se tal análise caberia somente ao poder judiciário.
Para os Tribunais Superiores somente o autoridade judiciária é que teria competência para aferir a existência de uma conduta insignificante, tendo o Delegado a obrigatoriedade de formalizar o procedimento policial, com a respectiva prisão em flagrante, ou seja, não podendo valorar a existência do princípio da insignificância.
O STJ neste julgado assim entendeu:” Segundo o Min. Relator, no momento em que toma conhecimento de um delito, surge para a autoridade policial o dever legal de agir e efetuar o ato prisional. O juízo acerca da incidência do princípio da insignificância é realizado apenas em momento posterior pelo Poder Judiciário, de acordo com as circunstâncias atinentes ao caso concreto”. STJ, 5° Turma, HC 154.949-MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 3/8/2010.
Embora o judiciário se posicione de não caber análise do princípio da insignificância a autoridade policial, arrisco em discordar, sob o fundamento de ser o Delegado de polícia bacharel em direito, bem como muitos concursos para a área exigirem um tempo mínimo de prática jurídica para ser empossado na carreira. Assim, o Delegado estaria contribuindo para evitar que chegassem ao judiciário processos pertinentes a condutas irrelevantes, que teria como consequência imediata a absolvição do agente pelo fato atípico, logo ficando o poder judiciário ocupado apenas com causas mais complexas, que exigem uma maior dilação probatória.
Essa apreciação da autoridade policial também é de suma importância na atual crise no sistema prisional, haja vista que evitará encarceramentos desnecessários, assim contribuindo para impedir a lotação dos presídios, em que os resultados vêm sendo negativo ao Estado.
5 - CONCLUSÃO
O princípio da insignificância é bastante complexo, pois exige-se para gerar a atipicidade do fato que a conduta ilícita do agente não tenha sido cometida com violência ou grave ameaça, bem como deve estar presente de maneira concomitante tanto os requisitos objetivos como subjetivos.
A doutrina e a jurisprudência destacam que todos os crimes que sejam compatíveis com esse princípio poderá gerar a atipicidade do fato, contudo, existem ilícitos que embora a conduta do agente possa parecer inexpressiva, não acarretará a absolvição do sujeito, como nos crimes previstos na lei de drogas, no tráfico internacional de armas de fogo e nos crimes de moedas falsa.
Pertinente ao posicionamento dos Tribunais Superiores, menciona-se o entendimento destes de que a análise da atipicidade da conduta com base no princípio da bagatela incumbe exclusivamente ao poder judiciário, não cabendo a autoridade policial valorar, devendo agir e lavrar o flagrante em decorrência de um ilícito.
Embora o judiciário tenha adotado o entendimento de vedar ao Delegado a valoração quanto à existência do princípio da insignificância, arrisco-me a discordar, sob o fundamento de que a autoridade policial é bacharel em direito, que grande parte dos concursos para a área exige prática jurídica em razão da atual crise no sistema carcerário. Assim, havendo a análise do Delegado, estaremos evitando em muitos casos um encarceramento desnecessário, ou seja, antecipando o papel que só caberia ao judiciário.
5- REFERÊNCIAS
MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal esquematizado – Parte Geral. v.1. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.
TÁVORA, Nestor/ ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 11ª ed. rev, ampl e atual. Editora Juspodium: Salvador, 2015;
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1986;
STF, 1°Turma, HC 97777-MS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/10/2010;
STJ, 5° Turma, HC 60949-PE, Min. Laurita Vaz, julgado em 20/11/2007;
STJ, 5°Turma, Resp. 1.159.735-MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 15/06/2010;
STJ, 6°Turma, RHC 35.920-DF, Rel. Min. Rogério Schitti Cruz, julgado em 20/05/2014;
STJ, 5° Turma, HC 129.592-AL, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 07/05/2009;
STJ, 5° Turma, HC 154.949-MG, Rel. Min. Felix Fisher, julgado em 03/08/2010;
Inspetor da Polícia Civil do Ceará. Graduado pela Universidade Christus e pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Tecnologia de Palmas.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Francisco de Assis Moreira Freire. Princípio da insignificância, sua incidência e valoração Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jan 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49033/principio-da-insignificancia-sua-incidencia-e-valoracao. Acesso em: 23 dez 2024.
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