Resumo: Com vistas a analisar a chamada “Reação Legislativa”, abordando-se recente decisão do Supremo Tribunal Federal que a considerou legítima, o presente trabalho abordará os aspectos teóricos da Ação Direta de Inconstitucionalidade, mormente quanto aos efeitos produzidos pelas decisões definitivas proferidas pela Corte Constitucional no bojo dessas ações. O objetivo central é analisar a extensão subjetiva do efeito vinculante em relação aos três Poderes da República.
Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Efeitos da decisão. Efeito vinculante. Reação Legislativa.
INTRODUÇÃO
Como se sabe, as decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade produzem, em regra, efeitos erga omnes e ex tunc (retroativos) e vinculante.
Especialmente quanto ao efeito vinculante, sabe-se que tais decisões proferidas pela Corte Constitucional atingem os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, em todas as esferas.
Muitas discussões se levantaram, entretanto, a respeito do alcance desse efeito vinculante. Inicialmente, discute-se sobre se o próprio Supremo, enquanto órgão do Judiciário, ficaria também vinculado ao posicionamento adotado em ADI.
De outra banda, questiona-se se o Presidente da República, enquanto chefe da Administração Pública, tem o dever de vetar projetos de lei que tratem determinado conteúdo de maneira diversa ao que decidiu a Corte Constitucional.
Por fim, o cerne das discussões passa para o Legislativo, ao questionar-se se seria possível a edição de leis ou emendas constitucionais contrariando aquilo que fora decidido pela Suprema Corte em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Eis o que se chama de “Reação Legislativa” ou “Ativismo Congressual”.
O presente trabalho pretende abordar os aspectos teóricos da Ação Direta de Inconstitucionalidade, mormente quanto aos efeitos das decisões definitivas do Supremo, procedendo-se à análise acerca da extensão subjetiva do efeito vinculante, especialmente quanto ao Poder Legislativo.
Outrossim, o artigo visa analisar a recente decisão do STF acerca da legitimidade da Reação Legislativa, ponto que está diretamente relacionado às questões anteriores que se pretende abordar.
1 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
1.1 Aspectos gerais
A Ação Direta de Inconstitucionalidade é uma das espécies de ação do controle concentrado de constitucionalidade, que é realizado exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal. Nos dizeres de Pedro Lenza:
“O que se busca com a ADI genérica é o controle de constitucionalidade de ato normativo em tese, abstrato, marcado pela generalidade, impessoalidade e abstração. Ao contrário da via de exceção ou defesa, pela qual o controle (difuso) se verificava em casos concretos e incidentalmente ao objeto principal da lida, no controle concentrado a representação de inconstitucionalidade, em virtude de ser em relação a um ato normativo em tese, tem por objeto principal a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado. O que se busca saber, portanto, é se a lei (lato sensu) é inconstitucional ou não, manifestando-se o Judiciário de forma especifica sobre o aludido objeto.” (2016, p. 343)
O objetivo da ADI, portanto, é tutelar a ordem constitucional, procedendo-se à uma análise abstrata de compatibilidade de determinada norma jurídica para com a Constituição Federal. Fala-se, portanto, que a ADI constitui “um processo de fiscalização abstrata”. (MASSON, 2016, p. 1164)
Prevista no art. 102, I, “a”, da Constituição Federal, a ADI possui um rol taxativo de legitimados previsto na própria CF (art. 103). Tem por objeto a as leis e atos normativos federais e estaduais editados após a promulgação da norma constitucional invocada como parâmetro.
1.2 Efeitos das decisões definitivas
As decisões definitivas proferidas ao final da Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal produzem efeitos erga omnes, ex tunc e vinculante. Passa-se, portanto, à análise pormenorizada de cada um desses efeitos.
1.2.1 Efeito erga omnes
Em regra, por se tratar de um processo objetivo, sem partes, a decisão final proferida em ADI produzirá efeitos contra todos. Isto porque todos, indistintamente, serão atingidos pela declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade de um referido ato normativo.
Não há, portanto, como falar que uma lei será inconstitucional para parte da população e para outra parte não. Desse modo, nas palavras de Juliano Bernardes e Olavo Ferreira, é possível afirmar que o efeito erga omnes é aquele cuja “eficácia decisória é ampliada à generalidade de pessoas relacionadas com o objeto da ação, independentemente da composição subjetiva da relação processual originária.” (2016, p. 497)
Por outro lado, é importante mencionar que a Lei 9868/99, em seu art. 27, positivou a técnica denominada “declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade”, mediante a qual o ato normativo poderá ser declarado inconstitucional sem produzir todos os efeitos que, em regra, produz. Segundo prevê o dispositivo mencionado, havendo razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o STF, pela decisão de 2/3 dos Ministros, poderá restringir os efeitos da declaração (determinando, por exemplo, a exclusão de certa categoria de pessoas dos efeitos da decisão) ou definir que ela só produzirá efeitos a partir de certo momento, retirando seu efeito ex tunc.
1.2.2 Efeito ex tunc
Considerando que o Brasil adota a teoria da nulidade no âmbito do controle de constitucionalidade, de modo que o ato normativo declarado inconstitucional é considerado nulo desde a sua origem e, portanto, retirado do ordenamento jurídico, é possível afirmar que a decisão definitiva produzirá efeitos ex tunc ou retroativos.
Como ensina Nathália Masson:
“Assim, pode-se concluir que, em face dos efeitos “ex tunc” e “erga omnes” emanados das decisões do STF em ações diretas, os atos praticados em desacordo com o entendimento firmado na decisão, por serem atos nulos, devem ser desfeitos, com a restauração da situação anterior, não cabendo invocar a proteção do direito adquirido, tampouco do ato jurídico perfeito, em relação às leis ou atos normativos considerados inconstitucionais.” (2016, p. 1186)
Ademais, sendo o ato normativo declarado inconstitucional nulo desde sua origem, fala-se que a decisão definitiva em ADI produzirá efeitos repristinatórios, de modo que a declaração de inconstitucionalidade provocará o restabelecimento de um ato normativo anterior que tenha sido por ele revogado.
Quanto a esse ponto, ensina Pedro Lenza:
“(...) tornando os atos inconstitucionais nulos e, por consequência, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, com alcance, de modo vinculado e para todos, sobre os atos pretéritos, fazendo com que, para se ter uma ideia da amplitude desses efeitos, por exemplo, a declaração de inconstitucionalidade do referido ato normativo que tenha “revogado” outro ato normativo (...) provoque o restabelecimento do ato normativo anterior.” (2016, pp. 408 e 409)
Outrossim, importante fazer a mesma ressalva feita no tópico anterior a respeito do art. 27 da Lei 9868/99, que autoriza a modulação dos efeitos decisórios para um determinado momento, passando a assumir eficácia ex nunc.
1.2.3 Efeito vinculante
Foi apenas com a edição da Emenda Constitucional 3/93 que a decisão definitiva em ADI passou a produzir também efeito vinculante. Atualmente, portanto, tal determinação consta expressamente no art. 102, parágrafo 2º, da Constituição Federal.
Inicialmente, importante analisar o alcance dessa vinculação. O dispositivo constitucional supracitado dispõe que as decisões definitivas em sede de ADI produzirão efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta nos âmbitos federal, estadual e municipal.
Aqui se encontra o ponto principal do presente trabalho, considerando que, ainda que haja tal previsão no texto constitucional, algumas observações precisam ser feitas.
No que tange ao Poder Judiciário, questão que sempre chama a atenção nos debates é saber se a decisão vincula o próprio Supremo. De início, curial destacar que as decisões monocráticas dos Ministros e as decisões das Turmas precisam observar o que ficar decidido na ADI, já que o efeito vinculante também as atinge.
Por outro lado, o Pleno do STF não fica vinculado ao que fora anteriormente decidido em ADI, ainda que se fale em efeito vinculante. Isto porque é possível que o Tribunal reflita sobre determinados assuntos e acabe por mudar de posicionamento, de modo que vincular o Plenário às decisões definitivas em ADI equivaleria a “engessar” a evolução jurisprudencial.
No mesmo sentido é a lição de Márcio André Lopes Cavalcante:
“Essa decisão não vincula, contudo, o Plenário do STF. Assim, se o STF decidiu, em controle abstrato, que determinada lei é constitucional, a Corte poderá, mais tarde, mudar seu entendimento e decidir que esta mesma lei é inconstitucional por conta de mudanças no cenário jurídico, político, econômico ou social do país. Isso se justifica a fim de evitar a "fossilização da Constituição".” (2015)
Demais disso, mister salientar que o próprio STF já se posicionou nesse sentido, permitindo, inclusive, que essa mudança jurisprudencial ocorra no bojo de uma reclamação constitucional.[1]
Por outro lado, muito se debate também sobre a vinculação do Presidente da República ao que ficar definido numa decisão final de ADI. Questiona-se se teria ele o dever de vetar projetos de lei que violassem a referida decisão. A resposta a esse questionamento é negativa. Isto porque, no âmbito do poder de veto, o Presidente está exercendo uma função legislativa e, desse modo, não será atingido pelo efeito vinculante.
No que se refere ao Poder Legislativo, é importante destacar que a decisão definitiva proferida pelo STF em ADI não o vincula quando se tratar do exercício de sua função típica (legislar). Nesse sentido é a lição de Nathália Masson:
“Quanto aos Poderes Executivo e Legislativo, estes também ficam vinculados, exceto quanto estão no exercício de atribuições de natureza legislativa, isto é, de produção normativa. Destarte, pode o Legislativo editar uma lei de conteúdo idêntico a outra que o STF tenha declarado inconstitucional, do mesmo modo que o Presidente da República pode editar uma medida provisória sobre o tema.” (2016, p. 1190)
A essa possibilidade de o Legislativo editar um ato normativo de conteúdo idêntico a um outro declarado inconstitucional pelo STF dá-se o nome de “reação legislativa”, que fora declarada legítima pela própria Corte Constitucional.[2] O objetivo principal de tal medida é evitar a “fossilização da Constituição”, termo cunhado pelo Ministro Cezar Peluzo. (LENZA, 2016, p. 374)
Fala-se, nesse ponto, em ativismo congressual, como forma de uma participação mais ativa do Congresso Nacional, refutando alguns posicionamentos do Supremo, a fim de provocar novos debates sobre o tema.
Fala-se em renovar os debates, porque a nova lei editada pelo Congresso, com conteúdo idêntico ao de um ato normativo declarado inconstitucional, já “nasce” com presunção de inconstitucionalidade, cabendo ao Legislativo convencer o Supremo das razões que entende presentes para que haja uma virada jurisprudencial.
Neste ponto, importante trazer à baila as lições de Márcio André Lopes Cavalcante:
“No caso de reversão jurisprudencial proposta por lei ordinária, a lei que frontalmente colidir com a jurisprudência do STF nasce com presunção relativa de inconstitucionalidade, de forma que caberá ao legislador o ônus de demonstrar, argumentativamente, que a correção do precedente se afigura legítima.
A novel legislação que frontalmente colida com a jurisprudência (leis in your face) se submete a um controle de constitucionalidade mais rigoroso.
Para ser considerada válida, o Congresso Nacional deverá comprovar que as premissas fáticas e jurídicas sobre as quais se fundou a decisão do STF no passado não mais subsistem. O Poder Legislativo promoverá verdadeira hipótese de mutação constitucional pela via legislativa.” (2015)
Alguns afirmam que tal tentativa do Legislativo seria inútil, considerando que, proposta uma ADI, a nova lei seria certamente declarada inconstitucional pelo Supremo, já que esse seria o entendimento lá consagrado. De fato, é uma probabilidade. Mas não se pode perder de vista que os Ministros da Corte podem se convencer dos argumentos utilizados pelo Legislativo e retificar o posicionamento anterior.
Eis a lição de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto:
“Se o fato ocorrer, é muito provável que a nova lei seja também declarada inconstitucional. Mas o resultado pode ser diferente. O STF pode e deve refletir sobre os argumentos adicionais fornecidos pelo Parlamento ou debatidos pela opinião pública para dar suporte ao novo ato normativo, e não ignorá-los, tomando a nova medida legislativa como afronta à sua autoridade. Nesse ínterim, além da possibilidade de alteração de posicionamento de alguns ministros, pode haver também a mudança na composição da Corte, com reflexos no resultado do julgamento.” (2016, p. 409)
CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode-se observar que a tendência doutrinária e jurisprudencial é admitir uma interpretação aberta da Constituição Federal, ampliando o rol dos agentes que podem fornecer uma visão mais adequada sobre determinado tema.
Tende a ser mitigada a ideia de que o Supremo dá a “última palavra” em assuntos relacionados à Constituição e passa-se a falar em “última palavra provisória” (expressão utilizada pelo Min. Luiz Fux), exatamente por se considerar a possibilidade de uma reação legislativa. (CAVALCANTE, 2015)
Sendo assim, é importante que se tenha em mente que as decisões da Corte Constitucional precisam ser observadas, sobretudo porque, tratando-se especialmente das decisões definitivas em ADI, possuem efeitos vinculantes, erga omnes e ex tunc, como explicado alhures.
Por outro lado, é preciso que não se perca de vista a tendência de se admitir a abertura do diálogo, estimulando-se o ativismo congressual, sobretudo em situações de aparente autoritarismo judicial. Como bem ensina Márcio André Lopes Cavalcante:
“A reação legislativa é uma forma de "ativismo congressual" com o objetivo de o Congresso Nacional reverter situações de autoritarismo judicial ou de comportamento antidialógico por parte do STF, estando, portanto, amparado no princípio da separação de poderes.
Por fim, é preciso compreender bem os limites do efeito vinculante das decisões finais do Supremo em ADI, mormente em atenção ao princípio da Separação dos Poderes, mas também em atenção à ideia de que a Constituição é “viva” e precisa ser interpretada e reinterpretada, a fim de que possa acompanhar a evolução social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BULOS, U. L. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
CAVALCANTE, M. A. L. Superação legislativa da jurisprudência e ativismo congressual. Entenda. Disponível em: . Acesso em: 21 de janeiro de 2017.
CUNHA JÚNIOR, D. da. Curso de direito constitucional. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
FERREIRA FILHO, M. G. Curso de direito constitucional. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
LENZA, P. Direito constitucional esquematizado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MASSON, N. Manual de direito constitucional. 4. ed., Salvador: Juspodivm, 2016.
MORAES, A. de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
SARMENTO, D. e SOUZA NETO, C. P. de. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
Advogada. Graduada em Direito pela Faculdades Integradas Barros Melo (AESO). Pós-graduada em Direito do Estado pela Universidade Anhaguera/UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Maria Eduarda Santos Pessoa de. Efeitos das decisões de mérito do Supremo Tribunal Federal em ADI quanto aos três Poderes: uma abordagem da Reação Legislativa e do Ativismo Congressual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49055/efeitos-das-decisoes-de-merito-do-supremo-tribunal-federal-em-adi-quanto-aos-tres-poderes-uma-abordagem-da-reacao-legislativa-e-do-ativismo-congressual. Acesso em: 23 dez 2024.
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