Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a mudança de posição do Supremo Tribunal Federal sobre a execução provisória da pena, em virtude de acórdão condenatório em 2º grau de jurisdição, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, diante dos limites do princípio da presunção de inocência. Este princípio é uma garantia constitucional para o acusado diante do poder do Estado de punir, mas que não impede a restrição da liberdade em casos excepcionais. O estudo observou a evolução legislativa e jurisprudencial sobre o estado de inocência.
Palavras chave. Presunção de inocência; garantias processuais; Execução provisória.
1. Considerações iniciais
Ab initio, encontra-se previsto no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário a guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. Outrossim, conforme o art. 11, item 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
O princípio da presunção de não culpabilidade encontra-se expresso como fundamental expresso no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A Convenção Americana de Direitos Humanos, por sua vez, denomina-o de princípio da presunção de inocência no art. 8º, item 2, “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. Por conta dessa diversidade terminológica, ora se faz referência ao princípio da não culpabilidade, ora ao princípio da inocência, sendo que a doutrina moderna reconhece a equivalência de fórmulas[1].
Argumenta-se que a Magna Carta ofereceria maior proteção do que o Pacto de San José ao dispor que o estado da inocência duraria até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, quando não mais seria cabível o uso de nenhum recurso. Na Convenção Americana de Direitos Humanos, bastaria a comprovação legal da culpa, respeitando-se o duplo grau de jurisdição. Nesse sentido, um país poderia permitir a execução da pena com o esgotamento da via ordinária, ainda que haja recurso extraordinário contra a decisão.
Segundo Fernando Capez, a presunção de inocência atua em três momentos distintos: A) na instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus de prova; B) na avaliação da prova, impondo-se que esta seja valorada em favor do acusado quando houver dúvidas sobre a existência da responsabilidade pelo fato imputado; e C) no curso do processo penal, como parâmetro de tratamento do acusado, em especial no que concerne à análise quanto a necessidade ou não de sua segregação provisória[2].
Trata-se de uma garantia processual penal com o objetivo de tutelar a liberdade do indivíduo, cabendo ao acusador comprovar a culpa do réu. Em caso de dúvida na interpretação da lei ou na capitulação do fato, deverá o julgamento favorecer ao acusado. O cerceamento da liberdade só pode ocorrer em situações excepcionais, como na prisão em flagrante, temporária e preventiva.
2. Evolução legislativa e jurisprudencial do princípio da inocência após 1988.
Dispõe o art. 28, §1º, da Lei nº 8.038/90 que os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo, não possuindo efeito suspensivo em virtude do art. 637 do CPP e art. 1029, §5º, CPC/2015, aplicável subsidiariamente ao processo penal. Estes recursos são de fundamentação vinculada, incabíveis contra matéria de fato, em virtude da posição consolidada na Súmula 279 do STF e Súmula 7 do STJ.
Ausente o efeito suspensivo nos recursos especial extraordinário, a pena poderia ser executada antes mesmo do trânsito em julgado, sem ofender o princípio da inocência. Este era o posicionamento consolidado, como salientado pelo Ministro Relator Sepúlveda Pertence no HC 82490/RN, publicado em 29 de novembro de 2002:
EMENTA: Presunção de não culpabilidade. I. Execução penal provisória e presunção de não culpabilidade. A jurisprudência assente do Tribunal é no sentido de que a presunção constitucional de não culpabilidade - que o leva a vedar o lançamento do nome do réu no rol dos culpados - não inibe, porém, a execução penal provisória da sentença condenatória sujeita a recursos despidos de efeito suspensivo, quais o especial e o extraordinário: aplicação da orientação majoritária, com ressalva da firme convicção em contrário do relator. II. Jurisprudência e coerência: legitimidade da observância da jurisprudência sedimentada, não obstante a convicção pessoal em contrário do juiz. A crítica ao relator que aplica a jurisprudência do Tribunal, com ressalva de sua firme convicção pessoal em contrário trai a confusão recorrente entre os tribunais e as academias: é próprio das últimas a eternização das controvérsias; a Justiça, contudo, é um serviço público, em favor de cuja eficiência -- sobretudo em tempos de congestionamento, como o que vivemos --, a convicção vencida tem muitas vezes de ceder a vez ao imperativo de poupar o pouco tempo disponível para as questões ainda à espera de solução. (Grifo nosso)
Cumpre advertir que o Superior Tribunal de Justiça emitiu as súmulas 9 e 267, formalmente vigentes, prejudiciais aos réus. Conforme a Súmula 9: “a exigência da prisão provisória para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”, que tinha como fundamento os artigos 594 do CPP: “o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto” e o art. 393, I do CPP, que estabelecia como efeito da sentença condenatória recorrível: “ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança”.
A Súmula 267, por seu turno, acresce: “a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”.
Ambas as súmulas do STJ, no entanto, teriam sido tacitamente canceladas. Fundamentavam-se nos artigos 393, inciso I, e 594 do CPP, dispositivos revogados, respectivamente, pela Lei 12.403/11 e Lei 11.719/08. Além disso, em 2008, foi aprovada a Súmula 347 do STJ: “o conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.
No julgamento do HC 84.078/MG, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, em 05 de fevereiro de 2009, o STF declarou a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena por violação aos princípios da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Por 7 votos a 4, os ministros deferiram o pleito do condenado para recorrer a tribunais superiores em liberdade. Desta forma, os recursos especial e extraordinário interpostos contra o acórdão condenatório de 2º grau possuiriam efeito suspensivo, ressalvadas as hipóteses de prisão cautelar do réu do art. 312 do CPP. Para uma melhor compreensão do tema, segue a ementa do acórdão proferido:
EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP.
3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar.
4. A ampla defesa, não se pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão.
5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”.
6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados ---não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço.
7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas.
8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. Ordem concedida.
Nesse contexto, o princípio da presunção de inocência não obsta a prisão cautelar (em flagrante, temporária ou preventiva), desde que devidamente fundamentada, conforme art. 283 do CPP e art. 5, LVII, da CF, para garantir a efetividade do processo.
O art. 387, §1º, do CPP, ademais, estabelece que o juiz, ao proferir sentença condenatória, decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou se, for o caso, pela imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar. Trata-se de mais uma regra consistente de que a privação cautelar da liberdade somente se justifica em hipóteses excepcionais.
A reforma do Código de Processo Penal pela Lei 12.403/11 extinguiu duas espécies autônomas de prisão cautelar: a prisão decorrente de sentença de pronúncia e a prisão de sentença condenatória recorrível. A primeira era uma hipótese de prisão processual obrigatória, prevista no art. 408, §§ 1º e 2º, do CPP, que estabelecia como efeito automático da pronúncia a prisão do acusado, salvo se primário e portador de bons antecedentes. A segunda, por sua vez, com base no art. 391, I do CPP, exigia para o conhecimento do recurso de apelação, a prisão do réu, já que o efeito suspensivo da apelação estaria limitado às hipóteses de fiança e àquelas em que o réu se livrava solto.
Com entendimento contrário à execução provisória da pena, os Tribunais tampouco permitem à execução provisória de medida de segurança ou de pena restritiva de direitos. Ora, a medida de segurança não é possível, porque possui natureza de sanção penal, violaria o princípio da presunção inocência. Além disso, nos termos dos arts. 171 e 172 da LEP, a guia para internação do apenado ou para submissão a tratamento ambulatorial será expedida somente após o trânsito em julgado da decisão que aplicar a medida de segurança. Por seu turno, não é possível a execução provisória de pena restritiva de direitos, pois também depende do trânsito em julgado, tendo em vista o art. 147 da LEP.
No julgamento sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, o STF decidiu que não existe violação ao princípio da presunção de inocência, uma vez que este postulado se refere ao campo penal e processual penal, ao passo que a LC 135/2010 trata de inelegibilidade, matéria eleitoral[3]. A decisão condenatória por órgão colegiado (Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal, Tribunal Regional Eleitoral) é suficiente para tornar um candidato inelegível, conforme art. 1, I, “e” combinado com o art. 15 da LC 64/90, porque inelegibilidade não é sanção penal.
Em 2014, a 2ª Turma do STF concedeu habeas corpus para anular acórdão do STJ no ponto em que, em sede de recurso especial, determinara a baixa dos autos para imediata execução condenatória. Prevaleceu a tese de que ofende o princípio da não culpabilidade a determinação de execução imediata de pena privativa de liberdade imposta, quando ainda pendente de julgamento recurso extraordinário[4].
O Plenário do STF, entretanto, mudou seu entendimento para permitir a execução provisória da pena, após condenação em segunda instância, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, no HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17 de fevereiro de 2016. Por 7 votos a 4, entendeu que não compromete o princípio da presunção de inocência. Os argumentos favoráveis foram:
1) Ausência de efeito suspensivo nos recursos especial e extraordinário;
2) A presunção de inocência é princípio (e não regra) e, como tal pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos colidentes (no caso, efetividade da lei penal, em prol dos objetivos (prevenção geral e específica) e bens jurídicos tutelados pelo direito penal.
3) Não compromete o núcleo essencial do princípio da inocência, conforme a aplicação do princípio da proporcionalidade contra a proteção estatal deficiente.
4) Coíbe a infindável interposição de recursos protelatórios e favorece a valorização da justiça criminal ordinária;
5) Diminui o grau de seletividade do sistema punitivo, tornando-o mais republicano e igualitário, bem como reduz os incentivos à criminalidade de colarinho branco;
6) O ministro Teori Zavascki, citou o voto da ex-Ministra Ellen Grace no HC 86.886 que destacou que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando o referendo da Suprema Corte”.
Data vênia, o último argumento é digno de preocupação, pois segundo o art. 102, caput, da Constituição Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. Em um estudo de direito comparado, entretanto, o próprio órgão relativizou um direito fundamental vinculado ao trânsito em julgado. Não existe margem de interpretação para afastar a clareza do art. 5, LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trata-se de mais um caso de Ativismo judicial, tantas vezes criticado por Lenio Streck[5].
Considerando os ensinamentos de Luís Roberto Barroso, pode-se afirmar que a ideia de ativismo judicial se encontra associada a uma “participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”. Barroso fornece, ainda, alguns caracteres da postura ativista, quais sejam: “(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas[6]”.
Esta decisão em habeas corpus não possui caráter vinculante, sua eficácia restringe-se ao caso concreto, entre as partes. Na prática, contudo, repercute em outros processos em andamento, pois promotores de justiça vão requerer ao Poder judiciário a expedição da guia de execução penal para cumprimento da condenação, com base no procedente.
Frise-se que a 6ª Turma do STJ acompanhou o novo entendimento do STF mesmo sem a publicação do acordão do HC 126.292/SP. Considerou possível a execução provisória da pena imposta em acórdão condenatório proferido em ação penal de competência originária de Tribunal, EDcl no REsp 1.484.415-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3/3/2016 (Info 581). A expedição da guia de recolhimento cabe ao Tribunal competente para processar e julgar o réu. Reafirmou ainda na ementa que:
“2.A jurisprudência dos tribunais superiores não reconhece incidência do direito ao duplo grau de jurisdição em julgamentos proferidos em ações penais de competência originária dos Tribunais. Tal compreensão não ressoa incongruente, na medida em que, se a prerrogativa de função tem o condão de qualificar o julgamento daquelas pessoas que ocupam cargos públicos relevantes (julgadas que são por magistrados com maior conhecimento técnico e experiência, em composição colegiada mais ampla), não haveria sentido exigir-se duplo grau de jurisdição, cuja essência, além da possibilidade de revisão da decisão proferida por órgão jurisdicional distinto, é exatamente a mesma que subjaz ao foro especial, qual seja, o exame do caso por magistrados de hierarquia funcional superior, em tese mais qualificados e experientes. Assim, como diz um velho brocardo jurídico, "aquele que usufrui do bônus, deve arcar com o ônus". Precedentes.[7]
Em 5 de outubro de 2016, o Plenário do STF entendeu que o art. 283 do CPP não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44. Estas ações pediam a concessão da medida cautelar para suspender a execução da pena de todos os acórdãos prolatados em segunda instância, uma vez que o julgamento do HC 126292/SP vem gerando uma grande controvérsia jurisprudencial acerca do princípio da presunção de inocência. Atente-se para o entendimento da Suprema Corte:
Não se pode afirmar que, à exceção das prisões em flagrante, temporária, preventiva e decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, todas as demais formas de prisão foram revogadas pelo art. 283 do CPP, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, haja vista o critério temporal de solução de antinomias previsto no art. 2º, § 1º, da Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Se assim o fosse, a conclusão seria pela prevalência da regra que dispõe ser meramente devolutivo o efeito dos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), visto que os arts. 995 e 1.029, § 5º, do CPC têm vigência posterior à regra do art. 283 do CPP. Portanto, não há antinomia entre o que dispõe o art. 283 do CPP e a regra que confere eficácia imediata aos acórdãos proferidos por tribunais de apelação[8].
Dessa forma, o STF permanece no erro da execução provisória da pena antes do trânsito em julgado.
A execução provisória é baseada em uma decisão que ainda não transitou em julgado, ou seja, pendente do julgamento de recurso que não possui efeito suspensivo. Comparemos a execução provisória no processo civil com a execução provisória no processo penal:
A) A execução provisória no processo civil corre por iniciativa e responsabilidade objetiva do exequente, que se compromete em reparar o executado pelos danos sofridos se a sentença for reformada, conforme o art. 520, I, do NCPC e não pode ter início de ofício.
B) A execução provisória no processo penal, com base no HC 126292/SP, tem início após prolação de acórdão condenatório em 2º grau, não importando se a sentença penal foi absolutória ou condenatória. Para o STF, não ofende o núcleo essencial do princípio da presunção de inocência e, em regra, não haverá indenização para o réu pelo prazo que ficou preso indevidamente, pois a responsabilidade objetiva do Estado não será objetiva, mas dependente da prova que os agentes públicos agiram com abuso de autoridade[9].
3. Conclusão
Diante de todo o exposto, conclui-se que, apesar de todas as reformas legislativas no Código de Processo Penal em relação às garantias fundamentais, o STF retornou ao entendimento de que a presunção da não culpabilidade não inibe a execução provisória da pena, após esgotamento da via ordinária, pendente ou não de recurso desprovido de efeito suspensivo. Trata-se de uma posição jurisprudencial mais grave ao réu do que uma novatio legis in pejus, tendo em vista que agrava a situação e pode ser aplicada aos casos em curso.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu maior proteção do que o Pacto de San José, ao dispor que a presunção de inocência dura até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A ausência de efeito suspensivo dos recursos extraordinário e especial não deve importar automaticamente na antecipação do cumprimento da pena. A restrição da liberdade deve ser apenas em situações excepcionais, justificada a necessidade e adequação da prisão preventiva.
REFERÊNCIAS
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BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais julgados STF e STJ comentados 2015. Manaus: Dizer o Direito, 2016
________. Principais julgados STF e STJ comentados 2014. Manaus: Dizer o Direito, 2015.
________. Principais julgados STF e STJ comentados 2013. Manaus: Dizer o Direito, 2014.
________. Principais julgados STF e STJ comentados 2012. Manaus: Dizer o Direito, 2013.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15 ed., São Paulo: Saraiva, 2008
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2013.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Manual de Processo Penal. 3 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5 ed, São Paulo: Revista dos tribunais, 2008.
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado, 15 ed. rev.e Atual. São Paulo: Método: 2016.
TÁVORA, Nestor: ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 11 ed, Salvador: Editora Juspodivm, 2016.
[1] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. P. 44
[2] CAPEZ. Fernando. Curso de processo penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, p. 44.
[3][3] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais julgados do STF e do STJ comentados 2012, p. 141-142.
[4]HC 122592/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12.8.2014. (HC-122592)
[5] STECK, Lenio Luiz. <http://www.conjur.com.br/2016-set-08/senso-incomum-fim-presuncao-inocencia-flagrantes-on-line-constituicao. Lenio Luiz Streck> Acesso em 12 de janeiro de 2017.
[6] BARROSO, LUIS Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática, p.6.
[7] http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=201402472885.REG.
[8] STF. Plenário. ADC 43 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 5-10-2016.
ADC 44 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 5-10-2016.
[9] STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 182.241/MS, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 20/02/2014.
Advogado, Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, Pós-Graduado em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Thiago José de Oliveira. Execução provisória da pena: evolução legislativa e jurisprudencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 fev 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49087/execucao-provisoria-da-pena-evolucao-legislativa-e-jurisprudencial. Acesso em: 23 dez 2024.
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