RESUMO: O artigo em comento trará uma explanação a respeito do estudo do assédio moral no âmbito das relações laborais, analisando-se primeiro os principais conceitos determinados pela doutrina sobre o tema e, posteriormente, fazendo uma análise mais aprofundada acerca do assédio moral. Assim, serão delineados os tipos de assédio moral de acordo com a doutrina especializada, bem como, as diferenças para outras praticas de perseguição, de forma a estabelecer um marco teórico sobre o tema. Ao final, o presente artigo incidirá no âmbito legislação brasileira, pontuando o que esta entende e regula acerca do assédio moral nas relações trabalhistas.
Palavras-chave: Assédio Moral; Relações de trabalho, Espécies de Assédio Moral, legislação laboral e Constituição Federal.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO, 2. CONCEITO, 3. TIPOS DE ASSÉDIO MORAL, 4. DIFERENÇA PARA OUTRAS PRÁTICAS DE PERSEGUIÇÃO 5. POSICIONAMENTOS DA DOUTRINA E O QUE A LEGISLAÇÃO ENTENDE SOBRE O ASSÉDIO MORAL, 6. CONCLUSÃO, 7. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O assédio moral, inserido no âmbito das relações laborais, representa uma ofensa à dignidade da pessoa humana e ao valor social, porquanto o poder constituinte elevou tal instituto ao status de direitos fundamentais ao incluí-lo na Carta Magna de 1988, de forma que a prática do assédio moral deve ser coibida em toda e qualquer relação, sobretudo a laboral. Nesse contexto, o presente artigo visa investigar as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais que envolvem o assédio moral no ambiente de trabalho. De início, será estabelecido o marco teórico a respeito do tema, onde serão tratados os principais conceitos definidos pela doutrina sobre o assédio moral, e, a posteriori, os tipos de assédio moral que atualmente se vislumbra, elencando assim, as diversas formas que o assediador busca para reprimir o assediado. Em contraponto, serão abordadas as diferenças do assédio moral para outras práticas, que em que pese encontrarem elementos em comum com o assédio moral, a sua finalidade em si só não se caracteriza como uma forma de opressão e perseguição moral. Por fim, será demonstrado o que a legislação brasileira entende a respeito de tal instituto, e como essa procura regular o referido instituto, de forma a reprimir e inibir os agentes causadores de tal prática.
2. CONCEITO
Diversos fatores que compõem a sociedade atual fizeram emergir o problema do assédio moral. Dentre eles podemos elencar a globalização econômica predatória e o modelo atual de organização do trabalho, uma vez que os empregadores almejam o lucro rápido e satisfatório e, para isso, fazem uma maior cobrança dos seus funcionários. Esse contexto estimula a competição acirrada, o que pode levar a uma opressão por meio do medo e ameaças. É uma mazela constituída na sociedade contemporânea, porém, de amplitude global, podendo se manifestar de forma diversa em cada local. [1]
Nesse sentido, considerando o ambiente globalizado em que estamos inseridos, esclarece Sérgio Pinto Martins:
Diante da globalização, da automação, da competitividade dos produtos para poderem ser vendidos no mercado, o empregado está sujeito a produzir mais, com mais qualidade e a ser cobrado por metas, resultados, etc. Em razão da maior tensão que passa a existir no ambiente de trabalho, surgem as doenças do trabalho e também o assédio moral. [2]
Com isso, o assédio pode ser definido como a atitude de “importunar, molestar, aborrecer, incomodar, perseguir com insistência inoportuna”. É, portanto, a busca incessante do assediador em abalar moralmente o assediado, por meio de condutas que apenas se concretizam pela insistência. Já a moral, seria o conjunto de regras, condutas ou hábitos de um grupo ou sociedade. Portanto, há que considerar o assédio moral como composto em um ato, uma vez que somente é possível verificar a conduta ilícita do agente no plano fático e não em abstrato. Em resumo, pontua Sérgio Pinto Martins:
O assédio moral é a conduta ilícita do empregador ou seus prepostos, por ação ou omissão, por dolo ou culpa, de forma repetitiva e geralmente prolongada, de natureza psicológica, causando ofensa à dignidade, à personalidade, e à integridade do trabalhador. Causa humilhação e constrangimento ao trabalhador. Implica guerra de nervos contra o trabalhador, que é perseguido por alguém. O trabalhador fica exposto a situações humilhantes e constrangedoras durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. [3]
Na mesma vertente, Sônia Mascaro Nascimento, pontua que o assédio moral poderia ser conceituado da seguinte forma:
Assédio moral se caracteriza por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade, ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho ou no exercício de suas funções. [4]
Trata-se, assim, de uma forma de terror psicológico praticado no ambiente de trabalho por um ou mais indivíduos. O assediado, por sua vez, tende a se reprimir, facilitando a ação do agente, cujas práticas termina repercutindo de forma negativa nas relações laborais, uma vez que afeta diretamente o processo produtivo da vítima. Nas letras de Luís Leandro Gomes Ramos e Rodrigo Wasem Galia, do ponto de vista do assediado, o assédio moral:
É deveras degradante ao ambiente de trabalho, posto que, com os comportamentos, palavras, atos, gestos e escritos direcionados à vítima, além de desestabilizá-la, gera-lhe um desgaste emocional, culminando com sérios prejuízos à saúde mental e física, inclusive marginalizando-a, progressivamente, do processo produtivo e da organização do trabalho. Torna-se, assim, extremamente penoso ao trabalhador, braçal ou intelectual, a continuidade da relação laboral.[5]
A esse respeito, Margarida Barreto entende por assédio moral laboral, a submissão dos trabalhadores a cenas de caráter humilhante e vexatório, de forma prolongada durante a jornada de trabalho e no cumprimento das funções que lhe são inerentes, ocorrendo de forma mais comum nas relações hierárquicas autoritárias e sem simetria, que se fazem presentes por atitudes negativas, desumanas e aéticas de longa duração, levando a desestabilização do assediado com o seu ambiente de trabalho. [6]
O assédio, portanto, termina por deflagrar uma “guerra psicológica” entre os sujeitos do ato, já que de um lado tem o assediador agindo com abuso de poder ou manipulação perversa e de outro o assediado, que, de início tenta, mascarar a perseguição levando os “maus-tratos e desavenças na brincadeira”, mas que depois passa a se sentir inferiorizada perante todos, já que as práticas hostis vão se prolongando no tempo de forma reiterada. Tem por objetivo tirar a vítima do seu emprego, do “mundo do trabalho”, fazendo uma verdadeira tortura psicológica, acarretando em danos à personalidade, dignidade e até integridade física e psíquica [7]
Nesse contexto, podemos considerar que o assédio moral se constitui uma forma perversa, por ter o assediador consciência dos atos praticados e a capacidade de destruir a vítima, porém, sem sequer questionar a extensão que seus atos podem alcançar na seara psíquica do ofendido. É, portanto, uma violência moral intensa, que se caracteriza por atos ofensivos dolosos e que tenham por efeito provocar um dano à dignidade ou integridade moral do sujeito passivo. [8]
3. TIPOS DE ASSÉDIO MORAL
O assédio moral, enquanto conduta praticada por um agente, pode ser ampliado a todo tempo, encontrando o mais váriados métodos e possuindo as mais diversas denominações, convergindo para junção de diversas formas em um único conceito. Por exemplo, temos o assédio moral horizontal ou mobbing, que teve início na Inglaterra em 1980 e ocorre dentro de um mesmo grupo de colegas de trabalho, ou seja, “em uma relação simétrica, isto é, entre os próprios colegas de trabalho, que não necessariamente estejam em uma relação hierárquica” [9]
O assédio moral horizontal é oriundo de condutas realizadas entre os indivíduos de um mesmo grupo, inseridos em um mesmo contexto hierárquico, com o intuito de excluir uma pessoa do seu convívio laboral, por não aceitar a sua presença ou por querer eliminar eventual concorrência. Este resta demonstrado por técnicas maliciosas, como gracejos, piadas, grosserias, gestos obscenos, menosprezo, isolamento, entre outros, e geralmente é resultado de uma insatisfação pessoal do assediador para com o assediado, por objetivar o mesmo cargo ou uma promoção. O mobbing, então, atinge o ambiente harmônico que toda empresa deve ter, diminuindo a produtividade do empregado e, por conseqüência, causando em prejuízo ao empregador [10]
O assédio moral vertical descendente resta caracterizado quando o assédio é realizado pelo chefe para com os seus subordinados, sempre na verticalidade. Porém pode ocorrer o chamado assédio moral vertical ascendente, no qual se altera a ordem hierárquica da prática e os subordinados é quem perseguem e isolam um superior, por discordarem da sua forma de gestão. Nesse caso, o grupo assediado deixa de cumprir as ordens emanadas e tratam o chefe com inimizade e hostilidade com o objetivo de desestabilizá-lo, sendo esta a característica que define o ato como assédio. [11]
A partir dessa classificação por hierarquia, existe ainda o assédio moral misto, em que ambos os conceitos acima definidos se misturam no mesmo local de trabalho, de forma que o assédio pode ser realizado por qualquer um dos sujeitos envolvidos, ou seja, tanto do superior para com o subordinado, como entre as pessoas de um mesmo grau de hierarquia.
Em contraponto está o bullyng que é demonstrado em “relações assimétricas, nas quais existe uma hierarquia, estando presentes as figuras do superior hierárquico e do empregado encarregado”. É, portanto, um assédio moral vertical, que pode ser descendente, isto é, de cima para baixo em uma escala hierárquica ou ascendente, em que ocorre a situação inversa, quando o chefe é agredido por um grupo de subordinados. Para Ramos e Galia, esta situação se confirma quando:
O empregador, no afã de estimular a produtividade, consciente ou inconscientemente, acaba por estimular a competitividade perversa entre colegas de serviço, gerando, por parte dos competidores práticas individualistas, que interferem na organização do trabalho, prejudicando o bom relacionamento e coleguismo que devem existir entre trabalhadores, cooperadores do sistema produtivo. [12]
Há, ainda, um conceito despertado por Marie-France Hirigoyen chamado de whistleblowing, que se aplica aos casos em que o responsável por relatar os setores da empresa que não tem uma produtividade regular, sofrem represálias, sendo uma hipótese específica que se destina “a silenciar quem não obedece as regras do jogo”. [13]
Com relação ao assédio moral individual e o coletivo, o primeiro é realizado contra pessoa determinada, enquanto que o segundo se difunde em duas vertentes: ativo, praticado por um grupo contra uma pessoa (mobbing); e passivo, em que um único indivíduo assedia diversas vítimas. Em outra vertente, há o assédio moral institucional, organizacional ou coorporativo, no qual a própria empresa determina aos seus empregados o cumprimento de certas ordens que afrontam a dignidade, moral e honra dos trabalhadores, à exemplo de revistas íntimas, proibição do uso de banheiros etc. [14]
Contudo, a doutrina e jurisprudência não são pacíficas quanto à inclusão do assédio moral organizacional ou “straining” como uma das espécies de assédio. É que uma das principais características para a configuração da conduta ilícita é justamente o isolamento da vítima e o direcionamento dos atos vexatórios apenas contra aquela pessoa determinada ou, no máximo, um pequeno grupo. Portanto, quando a prática do assédio se volta a toda uma comunidade, estaria se ultrapassando a própria questão conceitual do instituto.
Dessa forma, se as vítimas do pânico psicológico são toda uma generalidade de trabalhadores, inseridos no âmbito de um único local de trabalho, deve-se falar em straining, podendo inclusive ensejar uma indenização por dano moral, mas não ser reconhecido o assédio propriamente dito. Para Márcia Novaes Guedes, o straining no âmbito laboral se traduz como:
Uma situação de estresse forçado, na qual a vítima é um grupo de trabalhadores de um determinado setor ou repartição, que é obrigado a trabalhar sob grave pressão psicológica e ameaça iminente de sofrer castigos humilhantes. Nessa espécie de psicoterror, parte-se do pressuposto de que os vestígios da memória [da era dos direitos] já foram apagados, e o ambiente de trabalho é um campo aberto, onde tudo é possível. No straning o nível da pressão vai aumentando à medida que os trabalhadores, sem se darem conta, vão “colaborando”. [15]
O psicoterror é conceituado pela autora em duas vertentes, a do assédio moral e a do straining. Enquanto no primeiro há uma violência descabida, com a única intenção de afetar o estado psíquico da vítima, levando-a ao isolamento no local de trabalho, o straining é destinado a diversos alvos, que não são específicos, mas são determináveis, sendo afetados pela “pressão para produção intensiva e obtenção de resultados absurdos; sendo que o fracasso diante dos objetivos gera um castigo individualizado aos agredidos. Lá a violência é silenciosa; aqui a violência acontece aos olhos de todos”. [16]
Em que pese serem figuras distintas, ambas se confundem pela perversidade, uma vez que se desenvolvem como “uma forma particularmente perversa de discriminação, na qual predomina a ausência de reconhecimento do trabalho do outro”. [17]
O assédio moral econômico ou como denomina Hirigoyen “estratégico” é aquele que tem como objetivo central manipular o empregado para que ele peça demissão e, assim sendo, a empresa não ter que arcar com os custos de uma despedida sem justa causa. Já o assédio moral repressão é praticado com atos de violência e direcionado aos empregados que se destacam como representantes da categoria, como os dirigentes sindicais, além daqueles empregados que eram diferenciados na empresa e deixaram de sê-lo. [18]
Outro tipo de assédio que merece destaque é o perverso, que adverso dos demais, visa à manutenção da vítima no convívio do assediador para que este prolongue a sua conduta ilegal. Por sua vez, o assédio delegação¸ ocorre quando um agente assedia a vítima por ordens de outrem, em geral o seu superior hierárquico. Por fim, se destaca o assédio moral discriminatório, que é aquele praticado em razão da discordância entre “sexo, idade, estado civil, cor, religião” ou desencadeado por qualquer outra característica pessoal da vitima que faça o assediador agir. [19]
4. DIFERENÇA COM OUTRAS PRÁTICAS DE PERSEGUIÇÃO
A respeito de outras práticas que divergem do conceito de assédio, há que esclarecer primeiramente que o assédio é gênero, do qual derivam o assédio moral e sexual. O primeiro “tem normalmente por objetivo destruir a vítima”, uma vez que ao iniciar as suas práticas, a intencionalidade do agente é a da exclusão da vítima do seu convívio laboral, por meio de pressões psicológicas insistentes sobre a vítima. Já no assédio sexual, o objetivo é tão somente obter benefícios de ordem sexual, sendo inclusive tipificado como ilícito penal, conforme o art. 261-A do Código Penal. [20]
De acordo com o estudo da doutrinadora, outras condutas que se diferem do assédio moral são o estresse, o conflito, a gestão por injúria, as agressões pontuais, a más condições de trabalho e as imposições profissionais. Esses conceitos podem ser considerados como uma fase prévia, cuja reiteração pode vir a intensificar a conduta de forma mais agressiva e evoluir para assédio específico, mencionando que “o estresse se torna destruidor pelo excesso, mas o assédio é destruidor por si só”. [21]
No que concerne aos conflitos, a mesma autora entende divergir do assédio na medida em que existe uma igualdade teórica entre as partes envolvidas. Isto é, ambos os sujeitos podem defender-se e posicionar-se firmemente perante o outro, buscando sobrepor as suas opiniões.
Quanto à gestão por injúria, este é diretamente relacionada com uma má gestão do ambiente de trabalho praticada por administradores despreparados, de forma ampla, aberta e exposta aos trabalhadores. Ou seja, os empregados são submetidos a uma pressão exagerada, utilizando-se de violência psicológica, com injurias e insultos. Enquanto que assédio moral na maioria das vezes ocorre de forma velada, dirigida apenas ao assediado.
No mesmo sentido, as agressões pontuais não podem ser classificadas como assédio moral, já que para a ocorrência deste, se faz necessária a repetição do ato. Ressalta, ainda, que as agressões pontuais podem advir de mero impulso, enquanto que no assédio há uma conduta previamente planejada. [22]
Tem-se, ainda, inserido no ambiente laboral, a má condição de trabalho, que apenas poderá ser considerada como uma forma de assédio, se direcionada exclusivamente a um único funcionário. O que se ressalta, então, é a intencionalidade do ato, com a submissão a tais condições de forma proposital. Nesse diapasão, se as referidas condições são imputadas em um mesmo ambiente de trabalho a uma coletividade de trabalhadores, desvinculado estará da prática de assédio moral laboral. [23]
Com relação as imposições profissionais, serão assim consideradas as quais são ordens legítimas emitidas pelo detentor do poder diretivo, inserido no conceito de jus variandi que detém o empregador na regular organização do trabalho. Observe-se, porém, que no mesmo sentido das hipóteses supracitadas, as imposições profissionais devem ser adotadas com bom senso, sempre atentando para o fato que “certas pessoas pouco motivadas por seu trabalho se sentem assediadas sempre que alguém as adverte na tentativa de as estimular” . [24]
Por fim, o burnouté definido por Pines e Aronson como “o estado de esgotamento mental, físico e emocional, produzido pelo envolvimento crônico no trabalho em situações emocionalmente envolventes” (1988), é ainda conhecido como “síndrome do esgotamento emocional”. Esse deriva-se da insatisfação do próprio trabalhador, e acarreta uma diminuição da produtividade laboral, sobretudo quando há um envolvimento emocional nos casos que deveria solucionar.
5. POSICIONAMENTOS DA DOUTRINA E O QUE A LEGISLAÇÃO ENTENDE SOBRE O ASSÉDIO MORAL
A partir da importante Emenda Constitucional nº 45/2004, que deu nova redação ao art. 114 da Constituição Federal, a competência para apreciar as ações envolvendo dano moral passou a ser da Justiça do Trabalho, o que deu maior visibilidade a discussão sobre o tema do assédio moral. Isto porque as causas envolvendo as referidas condutas eram antes ajuizadas e instruídas perante a Justiça Comum, em litígios que versavam sobre a responsabilidade civil, adotando como embasamento legal os termos do artigo 186 do Código Civil que assim estabelece “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Todavia, as demandas assim tratadas terminavam por mascarar a realidade do assédio moral enquanto uma demanda, também, trabalhista.
Ao passo que a Constituição Federal de 1988 oprimiu qualquer tipo de prática degradante que afronte a dignidade da pessoa humana, sendo este um dos pilares do nosso Estado Democrático de Direito, conforme dispõe do art. 1º, inciso III da Constituição Federal, pode-se inserir o tratamento degradante oriundo do assédio moral, também sob a égide da proteção constitucional.
Nesse mesmo sentido, o art. 5º, inciso III da mesma Constituição assegura que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” sendo também incluída a tortura psicológica, que deve ser veementemente combatida pelos órgãos responsáveis e também pelas empresas, por ir de encontro às disposições constitucionais. [25]
Nesta vertente, a busca pelo ambiente de trabalho saudável pode ser considerada uma obrigação do empregador, que deve atuar de forma preventiva para evitar o assédio moral dos seus funcionários ou, do contrário, pode responder civilmente pelos atos praticados por seus prepostos, a teor do art. 932, III do Código Civil.
Já no âmbito laboral, outro dispositivo de lei que pode ser usado para punir o assédio moral é o regramento contigo no artigo 483 da CLT, cujo teor estabelece as hipóteses de rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do empregado. Assim, pode-se inserir o assédio moral como justificativa para a resolução indireta do contrato, uma vez que o referido artigo que elenca situações como “a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; ou [...] d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;”. Poderia, ainda, ser pleiteada uma indenização por dano moral, caso demonstrados os requisitos que a ensejam.
Observa-se, porém, que ainda não há uma legislação federal própria para o assédio moral em lato sensu, posto que a nível nacional a União possui competência privativa para legislar sobre matéria trabalhista, a teor do artigo 22, I, da Constituição Federal de 1988. No entanto, inúmeras normas estaduais e municipais já tratam do tema e o conceituam, embora a disciplina legal fique restrita ao âmbito da administração pública.
Algumas exceções, todavia, são encontradas, como é o caso do projeto de Lei Federal nº 4.593/2009, o qual, em seu artigo 1º, §1º conceitua assédio moral como:
Art. 1º, §1º Entenda-se por assédio moral a reiterada e abusiva sujeição do empregado a condições de trabalho humilhantes ou degradantes, implicando violação à sua dignidade humana, por parte do empregador ou de seus prepostos ou grupo de empregados, bem como a sua omissão na prevenção e punição da ocorrência do assédio moral.
Além deste, há também o projeto de Lei nº 4.742/2001 que propõe a inclusão do art. 136-A ao Código Penal, nos seguintes termos:
Art. 136-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica.
Pena - detenção de um a dois anos.
Existe, ainda, o Projeto de Lei Federal nº 5.971/2001, que esclarece sobre a importância da introdução do crime de “coação moral no ambiente de trabalho”, mediante o acréscimo do artigo 203-A ao Código Penal, com a seguinte redação:
Art. 203-A. Coagir moralmente empregado no ambiente de trabalho, através de atos ou expressões que tenham por objeto atingir a dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes, abusando da autoridade conferida pela posição hierárquica.
Pena - detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
Enquanto o Projeto de Lei nº 4.593/2009 volta-se para a alteração da Consolidação das Leis Trabalhistas, criando a hipótese de rescisão indireta e a respectiva indenização dobrada no caso de prática e coação moral, os dois últimos casos têm como principal referência a tipificação penal da conduta do assédio.
Com efeito, como bem pondera Regina Célia Rufino, é necessário tipificar o assédio moral “uma vez que muitos casos são julgados sem a devida sanção, ensejando apenas indenização por parte do ofensor”, ademais, deve se observar “uma pena criminal equilibrada e justa” pode ser uma forma eficaz de desestimular a reincidência. [26]
O Estado do Rio de Janeiro, no âmbito estadual, foi o primeiro a regulamentar uma lei específica, que dispõe sobre a proibição da prática de:
Qualquer ato, atitude ou postura que se possa caracterizar como assédio moral no trabalho, por parte de superior hierárquico, contra funcionário, servidor ou empregado que implique em violação da dignidade deste ou sujeitando-o a condições de trabalho humilhantes degradantes. (Lei Estadual 3.921/2002).
No decorrer dos anos outros estados também trataram de forma específica sobre a prática do assédio moral vinculada ou não a diversas áreas do direito, como exemplo o estado de Pernambuco, que a partir da Lei Estadual 13.314/2007, vedou a prática do assédio moral no âmbito da administração pública estadual, considerando como assédio:
Toda ação repetitiva ou sistematizada praticada por agente e servidor de qualquer nível que, abusando da autoridade inerente às suas funções, venha causar danos à integridade psíquica ou física e à auto-estima do servidor, prejudicando também o serviço público prestado e a própria carreira do servidor público. (Lei Estadual 13.314/2007).
Importante registrar, ademais, o Projeto de Lei 4.591/ 2001, de autoria da Deputada Rita Camata, que dispõe sobre as penalidades na hipótese de haver a prática do assédio moral pelos servidores públicos federais.
6. CONCLUSÃO
O presente artigo buscou dispor a respeito da discussão jurídica acerca da conduta ilícita do assédio moral e o ambiente degradante que se cria com tal prática no âmbito das relações de trabalho. Essa prática tem como repercussão a humilhação do indivíduo no ambiente do trabalho e lhe retira o meio pelo qual ele se sente valorizado e reconhecido na sociedade, que é o seu trabalho. Os conceitos abordados evidenciam que cada vez mais, a prática do assédio moral se amplia em novas condutas e se alastra pelo ambiente laboral em todas as suas esferas.
Assim que, pode-se observar que no mundo do trabalho, contemporâneo, há demandas que se moldaram ao ambiente globalizado que se inserem e, portanto, a regulação específica se impõe. Em que pese o ordenamento jurídico existente, com maior evidência a Consolidação das Leis do Trabalho, podendo ser adotado por analogia alguns dos seus dispositivos para coibir a pratica do assédio moral, a regulação por si só é, por demais, insuficiente. Não há uma punição especificada.
Na atualidade, com a redemocratização da sociedade brasileira, a criação de novos direitos insertos na Constituição Federal e a ratificação pelo Brasil de diversos instrumentos internacionais de proteção ao trabalhador, as demandas se tornaram mais complexas. O assédio moral é uma dessas. Se em outros tempos a intimidade e a subjetividade do trabalhador eram vistos como um direito menor, irrelevante até, nos tempos hodiernos, com o privilégio de conceitos como dignidade da pessoa humana, e a descoberta de que o ambiente de trabalho também cria sofrimento psíquico, o assédio moral, em seu sentido amplo, tornou-se uma fonte inesgotável de novas demandas judiciais trabalhistas.
O estudo, portanto, leva a conclusão que o combate a prática do assédio moral é de extrema importância e de responsabilidade de todos os setores sociais, porquanto se revela como ação de proteção aos princípios e valores fundamentais do cidadão, agindo em defesa do texto constitucional. A Justiça do Trabalho, por intermédio das demandas individuais e coletivas, tem um papel fundamental na construção de uma sociedade digna por meio da repressão a tais práticas e a promoção dos valores sociais do trabalho. Este papel sobreleva-se em especial em face da ausência de uma legislação específica sobre o tema. Na lacuna da lei, cumpre a este poder estatal integra o sistema normativo estabelecendo conceitos e critérios ainda inexistentes na legislação brasileira.
Esperamos, com este artigo, ter trazido mais à tona um tema que, apesar de largamente debatido, ainda ter muito a ser clareado e/ou desmistificado, para, assim, tentar ao máximo traduzir o que se entende sobre o instituto do assédio moral, que dota de caráter tão subjetivo e de ampla repercussão.
7. REFERÊNCIAS
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BARRETO, Margarida. Assédio moral: suas ocorrências e consequências. 3. ed. Ceará: Grif Color, 2004, p. 38. [6]
CASTRO, Cláudio Roberto Carneiro de. O que você precisa saber sobre assédio moral nas relações de emprego. São Paulo: LTr, 2012, p.140. [8]
GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 165/173. [15] [17]
HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. 7ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 21/81. [13] [21] [23] [24]
MARTINS, Sérgio Pinto. Assédio Moral no Emprego. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 17/33. [2] [3] [10] [11] [14] [15] [18] [19] [20] [25]
NASCIMENTO, Sônia Aparecida Mascaro. Assédio Moral no ambiente do trabalho. Revista LTr, Vol. 68, nº 08, agosto de 2004, p. 922 /930. [4]
RAMOS, Luís Leandro Gomes; GALIA, Rodrigo Wasem. Assédio moral no trabalho. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p. 41/47. [1] [7] [12] [5] [9] [10]
RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio moral no âmbito da empresa. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.74. [26]
ADVOGADO, graduado pela Universidade Católica de Pernambuco.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Felipe Farias. Desmistificando o assédio moral: uma análise direcionada a justiça laboral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 fev 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49105/desmistificando-o-assedio-moral-uma-analise-direcionada-a-justica-laboral. Acesso em: 23 dez 2024.
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