Resumo: Com a finalidade de delimitar os principais pontos referentes à matéria, o artigo explora a possibilidade da resilição contratual decorrente de vontade unilateral do promitente comprador e dos valores a ele restituíveis pela extinção. A partir de conceitos e delimitação de tema, desenvolve-se a problemática por meio de análises jurisprudenciais com explanação de motivos que podem levar à inexecução do contrato, tudo sob égide da legislação consumerista.
Palavras-chave: Resilição contratual. CDC. Restituição valores.
Abstract: With the purpose of delimiting the main points related to the matter, the article explores the possibility of contractual resilience arising from the unilateral willingness of the promising buyer and the amounts that are restitutable by the extinction. Based on concepts and delimitation of the subject, the problem is developed through jurisprudential analyzes with explanations of reasons that may lead to the non-fulfillment of the contract, all under aegis of the consumer legislation.
Keyword: Contratual resiliance. CDC. Prizes restitution.
Sumário: Introdução. 1. Da incidência plena do Código de Defesa do Consumidor. 2. Do posicionamento jurisprudencial quanto aos valores a restituir. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
Sabido que devido ao agravamento da crise econômico-financeira que assola o país, promitentes compradores têm buscado a resilição dos instrumentos particulares de compra e venda outrora celebrados com construtoras devido à perda de poder de compra e impossibilidade de adimplemento contratual nos termos inicialmente pactuados.
Neste cenário, o Poder Judiciário tem enfrentado uma série de ações visando a revisão dos referidos instrumentos, na medida que as cláusulas contratuais que abarcam tais hipóteses muitas vezes tratam o instituto da resilição contratual de maneira demasiado onerosa ao promitente comprador que, resguardado pelo Código de Defesa do Consumidor, tem obtido êxito na devolução dos valores dispendiados, senão em valores totais, em montante condizente com o aporte deduzidas as despesas administrativas da promitente vendedora.
Tanto é assim que julgados já começaram a pacificar a questão, de sorte que o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo tem fixado como valor para devolução 80 (oitenta) a 90% (noventa por cento) do capital investido como forma de extinguir a relação jurídica originária envolvendo as partes.
Assim, necessário vislumbrar a temática sempre sob égide da parte contratual hipossuficiente, in casu, o promitente comprador, na medida que este postergará o sonho da obtenção da casa própria, enquanto o promitente vendedor somente oferecerá o produto final a outro interessado com melhores condições financeiras.
Discorrida a introdução, mister sua individualização na seara do ordenamento jurídico pátrio, inserindo a discussão sob égide do Código de Defesa do Consumidor, bem como relativizando conceitos estáticos como o pacta sunt servanda.
Ainda na vertente principiológica, é preciso que os motivos pelos quais o consumidor adquiriu determinado produto sejam levados em consideração na exegese da relação de consumo. É o dever que tem o fornecedor de dar informações claras, corretas e precisas sobre o produto a ser vendido ou sobre o contrato a ser firmado, bem como as normas decorrentes de eventual distrato ou mesmo desistência, sob pena de questionamento no Poder Judiciário, tudo tendo por escopo o princípio da boa-fé inserta no artigo 4º, inciso III do CDC, in verbis:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
Assim discorre James Eduardo Oliveira ao conceituar e demonstrar a questão da boa-fé contratual e seus consectários:
“A boa fé é elemento essencial na interpretação e na execução do contrato, representando a fidelidade, a cooperação e o respeito mútuos que se devem esperar e que se podem cobrar dos contratantes”[i].
No mesmo sentido, é o entendimento do Tribunal da Cidadania, senão vejamos:
“O princípio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica desse princípio. O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação de qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa”[ii].
Assim, o contrato de consumo deve ser modelado num ambiente de absoluta transparência. Falhando o promitente vendedor no dever de lealdade na fase pré-contratual, responderá pelas consequências da frustração da expectativa legítima do consumidor e também pelos danos causados pela deficiência da informação.
Logo, quanto ao contrato de incorporação imobiliária, em que o incorporador faz uma venda antecipada de apartamentos, por exemplo, com a finalidade de arrecadar o capital necessário para a construção do prédio, fácil caracterizar o incorporador, tido como promitente vendedor e como fornecedor vinculado por uma obrigação de dar e de fazer. A caracterização do promitente comprador como consumidor dependerá da destinação do bem ou da aplicação de uma norma extensiva, como a presente no artigo 29 da lei consumerista.
Assim, em relações jurídicas em que figuram como parte promitente comprador conceituado como pessoa física e promitente vendedor externado pela figura da construtora, caso o entabulado entre eles não seja possível de execução original e que seja de interesse de qualquer das partes a resilição contratual, não há dúvida da relação de consumo, temos uma relação de consumo e, por consequência, o contrato objeto de possível ação de rescisão contratual deve ser absolutamente regido pelos artigos 46 a 54 do Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor.
Visto que em decorrência de problemas financeiros, advindos de uma série de fatores tais como adiamento da expedição de habite-se, atraso da entrega do empreendimento quando do momento do repasse ou dificuldade na obtenção de financiamento imobiliário, o promitente comprador pode não ter mais condições de continuar com os termos pactuados inicialmente, não lhe restando outra alternativa senão requerer a resilição unilateral do instrumento particular de compra e venda.
Para ilustrar tal situação, cabe destacar que, em decorrência da elevada quantidade de processos com discussões nesse sentido, o TJ/SP sumulou os seguintes entendimentos.
Súmula 1: O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.
Súmula 2: A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição.
Nesse contexto, foi firmado pela jurisprudência o entendimento de que é abusiva e ilegal a cláusula do distrato decorrente de compra e venda imobiliária que prevê a retenção integral ou a devolução ínfima das parcelas pagas pelo promitente comprador, sendo que a discussão gira em torno de se apurar qual o percentual adequado a título de retenção, estabelecendo-se os percentuais médio de 10% (dez por cento), consoante o entendimento do STJ.
Em recente julgamento relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, tal posicionamento foi ratificado pela 4ª turma do STJ. Segundo o relatório do REsp 1.132.943, o caso julgado apresenta a situação de um casal de PE que ajuizou demanda visando à declaração de nulidade de cláusula de contrato de compra e venda de imóvel, cumulada com pedido de restituição da quantia paga, sob o argumento de que, efetuado o distrato, receberam R$ 5.000,00 (cinco mil reais) da construtora, sendo que o valor efetivamente adimplido teria sido R$ 16.800,00 (dezesseis mil e oitocentos reais).
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, determinando que a construtora efetuasse a restituição do valor total do pagamento, com a retenção da quantia equivalente a 10% (quinze por cento), que seria suficiente para indenizar aquela pelos prejuízos oriundos da resilição contratual por desistência dos promitentes compradores.
Em seu voto, acompanhado por unanimidade pelos demais ministros, o relator reconheceu a existência de precedentes das turmas integrantes da 2ª seção da Corte, que, embora autorizando a resilição por incapacidade financeira do devedor, defendiam o entendimento de validade do distrato que contemplasse o reembolso em quantia ali estabelecida e inferior ao que foi pago pelo promitente comprador, ante a inexistência de submissão da vontade de uma parte à outra.
Com isso, tendo o STJ como uma de suas funções constitucionais a de harmonização da jurisprudência, foi reconhecida tal necessidade sobre o tema em questão, considerando as hipóteses de resilição contratual quando o promitente comprador não mais reúne condições econômicas para arcar com o pagamento das parcelas avençadas, sendo estabelecidas duas premissas (i) a de incidência, no distrato, das mesmas regras aplicáveis ao contrato, em razão da natureza jurídica daquele instrumento e (ii) a não correspondência do reembolso de valores ao montante integral das parcelas adimplidas.
Quanto ao primeiro ponto, e com base no artigo 472 do CC/02, firmou-se o entendimento de que o fato de o distrato pressupor um contrato anterior não lhe desfigura a natureza contratual, cuja característica principal é a convergência de vontades, razão pela qual não seria razoável contraposição dos referidos negócios jurídicos no sentido de que somente disposições contratuais seriam passíveis de anulação por abusividade.
O segundo ponto refere-se ao valor a ser devolvido pelo promitente vendedor ao promitente comprador no caso de extinção do contrato por consenso das partes.
De fato, nessa questão, aplica-se o disposto pelo artigo 53 do CDC, de forma que são consideradas nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor, por consubstanciar vantagem exagerada do incorporador, hipótese vedada também com fundamento no artigo 51, IV, do CDC.
Contudo, não se pode desconsiderar o fato de que o desfazimento da contratação gera prejuízos ao promitente vendedor, notadamente referentes às despesas administrativas com a divulgação, comercialização e corretagem, bem como pela própria contratação em si, além do pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel, e a eventual utilização do bem pelo promitente comprador, razão pela qual é justo e razoável admitir-se a retenção de parte das prestações pagas como forma de indenizá-lo por tais prejuízos.
No caso em análise, utilizado como parâmetro à elaboração deste artigo, o TJ/PE entendeu que, pelos fatos e provas apresentados nos autos, a retenção de 10% (dez por cento) sobre o valor pago pelos promitentes compradores seria suficiente para indenizar a construtora pelos prejuízos oriundos da resilição contratual.
Tendo em vista que tal percentual foi arbitrado de acordo com as circunstâncias fáticas do caso, o ministro argumentou que estaria impedido o STJ de efetuar o reexame do ponto controvertido, ante a necessidade de análise da matéria de fato e das provas produzidas pelas partes, o que é vedado pela súmula 7 do STJ. Assim, seguindo a sistemática do Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça de São Paulo assim também tem se posicionado.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. RETENÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. CABIMENTO. REVISÃO DO PERCENTUAL. PECULIARIDADES DO CASO ANALISADO PELO TRIBUNAL A QUO. VEDAÇÃO SÚMULA 7/STJ. I.- Em caso de resilição unilateral do compromisso de compra e venda, por iniciativa do devedor, que não reúne mais condições econômicas de suportar o pagamento das prestações, é lícito ao credor reter parte das parcelas pagas, a título de ressarcimento pelos custos operacionais da contratação. II.- Tendo o Tribunal a quo fixado em 10% (dez por cento) o percentual a ser retido pelo credor, estabelecendo que tal valor visa compensar inclusive o período de fruição da coisa, torna-se impossível a reapreciação do julgado, como pretendido pela recorrente, para se apreciar se os valores a serem retidos não cobrem todas as despesas a serem arcadas pelo promitente vendedor. Aplicação da Súmula 7/STJ. III.- Agravo Regimental improvido.[iii] (BRASIL. TJSP. Agravo 1283663/SP. Relator: Sidnei Benetti. 3ª Turma. Julgamento: 14/12/2010)
Conclusivamente, tem-se que a jurisprudência já consolidou o entendimento de que o promitente comprador tem o direito de pleitear a resilição contratual em decorrência da situação financeira que ocupa, sem que isso autorize a retenção integral dos valores pagos pela construtora.
Assim, na hipótese de desfazimento do negócio por desistência ou inadimplência do promitente comprador, ainda que as partes não tenham firmado o distrato do compromisso de compra e venda do imóvel, o compromissário comprador tem o direito a reaver as quantias pagas, sendo admitida a compensação com os prejuízos suportados pelo promitente vendedor.
Não se admite, todavia, a perda total das prestações pagas, de forma que, se tal disposição estiver prevista em termos contratuais ou mesmo de a previsão guardar proporção excessivamente onerosa ao devedor, como é o caso dos autos, será considerada nula.
Conclusão
Dado o posicionamento do cenário, os entendimentos jurisprudenciais edificados tanto no Superior Tribunal de Justiça, quanto nos Tribunais de Justiça estaduais, é possível extrair as seguintes premissas:
a) É possível, de maneira unilateral, a resilição do instrumento particular de compra e venda com revisão, via ação judicial, de cláusulas contratuais abusivas no que se refere à devolução de valores.
b) Dado o alto número de demandas tratando sobre a mesma questão, já é possível afirmar a unicidade de porcentagem de retenção por parte do promitente vendedor a quantia de 10 (dez) a 20% (vinte por cento) do valor pago pelo promitente comprador.
c) O Código de Defesa do Consumidor é aplicado em sua totalidade neste tipo de problemática, de modo que as cláusulas contratuais podem ser revistas e, em última análise, serem declaradas nulas de pleno direito.
Cumpre esclarecer que as conclusões supracitadas decorrem da interpretação sistemática e teleológica dos institutos jurídicos e, questão com respaldo jurisprudencial favorável.
Referências bibliográficas
[i] OLIVEIRA, James Eduardo. Código de Defesa do Consumidor Anotado e Comentado. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 28.
[ii] BRASIL. STJ. Recurso Especial n. 595.631/SC. 3ª Turma. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Data do Julgamento: 02/08/2004.
[iii] BRASIL. TJSP. Agravo 1283663/SP. Relator: Sidnei Benetti. 3ª Turma. Julgamento: 14/12/2010.
Advogado. Bacharel pela Universidade São Judas Tadeu São Paulo/SP. Especialista em Direito Civil pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie. Articulista de sites jurídicos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PALACIOS, Miguel Ferreira. Da quantificação dos valores restituíveis a título de distrato unilateral em instrumento particular de compra e venda de imóveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 fev 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49133/da-quantificacao-dos-valores-restituiveis-a-titulo-de-distrato-unilateral-em-instrumento-particular-de-compra-e-venda-de-imoveis. Acesso em: 23 dez 2024.
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