RESUMO: Este trabalho tem como escopo fazer uma análise da potencial consciência da ilicitude nos criminosos denominados de Serial Killers. Iniciando com uma análise conceitual, dogmática e crítica quanto ao instituto da potencial consciência da ilicitude do fato, passando pela sua evolução histórica até sua posição no Direito Penal atual. Posteriormente, adentraremos nas diversas conceituações dos criminosos seriais, buscando aclarar o que as ciências criminais (criminologia, direito penal, psicologia jurídica) entendem por essa classe tão sui generis de delinquentes, bem como traçar uma evolução histórica do termo até o que se entende por ele contemporaneamente. Por fim, adentraremos no cerne deste artigo, qual seja, a aferição da consciência da ilicitude nas ações criminosas perpetradas por esses assassinos em série, tentando entender até onde vai, e se de fato existe, o discernimento desses indivíduos frente a suas ações.
PALAVRAS-CHAVE: Ilicitude. Assassino em série. Culpabilidade. Potencial Consciência.
ABSTRACT: This work ten how to make a potential scope of analysis Awareness of unlawfulness nsa criminals called serial killers. Starting with a conceptual, dogmatic Analysis and Critical as the potential of the institute fact unlawfulness of consciousness, passing by your historical evolution until your position without current criminal law. Later, adentraremos NAS Several conceptualizations of serial criminals seeking to clarify what to criminal sciences ( Criminology , Criminal Law , Legal Psychology ) understand around class as sui generis of offenders, as well as trace a historical evolution of the term ate what is meant in it contemporaneously. Finally, enter the purpose of this study, the assessment of potential awareness of the illegality in criminal actions by serial killers, trying to understand where it goes, and if indeed there is the discernment of these individuals concerning their actions.
KEYWORDS: Wrongfulness. Serial Killer. Culpability. Potential Awareness
1. POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE DO FATO
1.1 Da Evolução Histórica do Instituto
Antes mesmo de passarmos a análise do primeiro ponto deste estudo, potencial consciência da ilicitude do fato, é condição essencial que saibamos a evolução histórica do instituto, fazendo assim com que nos contextualizemos com o mesmo, desde sua criação até os dias atuais, isso facilita sobremaneira o entendimento quanto ao assunto, então vejamos:
Reportando-nos ao período de 1890, na Alemanha, nascia o conhecido sistema clássico da teoria do delito, conhecido também por sistema causal-naturalista da teoria do delito.
Seus pensadores e criadores, Franz Ritter von Liszt e Ernst Von Beling, sustentavam e entendiam que a “acción es la producción, reconducible a una voluntad humana, de una modificación en el mundo exterior”(ROXIN, Claus. Derecho penal - Parte Geral. Madrid: Civitas, 1997. T.I. p. 236), ou mesmo que a ação, para o autor, é a produção, conduzida por uma vontade humana, de uma modificação no mundo exterior, onde ação era um fenômeno causal-naturalista, de causa e efeito.
O sistema causal-naturalista, como dito acima, tentou implementar uma base puramente cientifica, despida de subjetivismos quanto a avaliação no cometimento de um crime(dolo e culpa). Essa tentativa de cientificar as ações criminosas, fazia com que os adeptos a essa teoria somente se preocupassem com a ação dirigida e o resultado, sendo este último contrário ao direito.
Com esse pensamento, bastava apenas à modificação no mundo exterior perpetrada por uma ação, para se qualificar o delito. O ponto central era puramente objetivo e mecânico, onde a causa é que permite deduzir o efeito.
As Críticas a esta teoria logo surgiram e deram conta basicamente que a teoria causal-naturalista, com seu conceito, não tratou do crime omissivo, já que a base científica de tal teoria rezava que o resultado teria que ser palpável e empírico, de resultado externo. Os crimes culposos também restaram esquecidos, já que a teoria somente se propunha a avaliar condutas dirigidas a um fim, afinal ação era o meio que se chegava a um resultado. Os crimes tentados também ficaram a margem da teoria clássica de Von Liszt e Beling, já que o resultado era condição essencial para o fechamento do que se entendia como crime, ação e resultado.
Na teoria clássica ou causal-naturalista, o crime se tripartia no seguinte formato:
1) Fato típico, que tem os seguintes elementos:
a) conduta (na qual não interessa a finalidade do agente);
b) resultado;
c) nexo causal;
d) tipicidade.
2) Antijuridicidade. Cometido um fato típico presume-se ser ele antijurídico.
3) Culpabilidade, composta pelos seguintes elementos:
a) imputabilidade;
b) exigibilidade de conduta diversa;
c) dolo e culpa.
O dolo era considerado normativo, onde o mesmo integrava a culpabilidade. Destrinchando o dolo, encontrávamos a consciência da ação e do resultado; consciência do nexo de causalidade; consciência da ilicitude; vontade de realizar a ação e produzir o resultado antijurídico;
Verifica-se que nessa época, a potencial consciência da ilicitude repousava no dolo, restando este na culpabilidade. Esse modelo implicava numa certa marginalização do instituto, juntamente com o dolo e a culpa, já que o que importava aos adeptos da já citada teoria era a subsunção da ação a norma penal, deixando em plano inferior à subjetividade ligada ao agente por trás da conduta.
Porém, com a decadência da teoria clássica, eis que surge em 1930, também na Alemanha, por intermédio do seu principal criador, Hans Welzel, jurista e filósofo alemão, a Teoria Finalista da Ação. Esta teoria trouxe um novo método de pensar o delito e o agente delituoso, valorando-se vontade (dolo e culpa) como ponto central da teoria, tendo o homem capaz e responsável pelos seus atos, tendo a culpabilidade como estudo maior na avaliação da conduta reprovável.
Logo, a ação humana se difere dos acontecimentos puramente naturais, pois é sempre dirigida a um fim. Não é simples série de causas e efeitos. Quando a realiza, o homem pensa em um fim, escolhe os meios necessários para atingi-lo, prevê as consequências de sua vontade e dirige sua vontade de acordo com essa previsão. Domina o fato pelo conhecimento das causas e transforma-o em uma ação dirigida a um fim (BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. t. 1, p. 304.).
Com a teoria finalista, rompeu-se com a cientificação exacerbada do delito e a sua formação, para dar lugar a uma teoria que visa dar vida à vontade do agente, tanto no seu aspecto “antes do crime” como no “momento do crime”, sendo seu ponto chave pautado na vontade do autor.
Segundo Welzel, “a conduta humana é orientada sempre por um propósito, um objetivo: a ação humana não é apenas uma mera causa objetiva para um dado resultado, mas sim determina esse resultado; ela contém assim, um elemento subjetivo, isto é, o apetite, o desejo, o conhecimento, etc., de que o ato causal produzirá um resultado determinado. Nesse sentido, a ação final possui "visão", mas a ação causal é "cega". (AMBOS, Kai. Da "Teoria do Delito" de Beling ao Conceito de Delito no Direito Penal Internacional. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, ano 16, nº 3, jul./set. 2006, p. 373.)
Com a teoria finalista, houve uma mudança considerável na estrutura do crime, tudo com o fim de dar mais ênfase ao “querer” ou “não querer” do agente, em sua vontade, tendo a estrutura se formulado assim:
1) Fato típico, que possui os seguintes elementos:
a) Conduta dolosa ou culposa. O dolo é natural, pois deixa de integrar a culpabilidade, passando a integrar o fato típico, tendo apenas os seguintes elementos:
a1) Consciência da conduta e do resultado.
a2) Consciência do nexo causal.
a3) Vontade de realizar a conduta e provocar o resultado.
O dolo deixou de comportar a real consciência da ilicitude (mas a potencial consciência da ilicitude passou a fazer parte da culpabilidade).
b) Resultado.
c) Nexo causal.
d) Tipicidade.
2) Antijuridicidade. Não houve modificações em relação à teoria clássica.
3) Culpabilidade, composta dos seguintes elementos:
a) imputabilidade;
b) exigibilidade de conduta diversa;
c) potencial consciência da ilicitude.
Para a potencial consciência da ilicitude, a teoria finalista, trouxe uma considerável mudança, da qual outorgou uma autonomia e importância ao instituto, já que deixou de ser parte integrante do dolo para assumir papel de requisito da culpabilidade. Nesse sentido a culpabilidade, anteriormente renegada pela teoria positivista, tomou lugar essencial para o cotejo entre a ação do agente e sua punição.
Na vida prática isso trouxe uma importância maior para o agente do que para a conduta, posto que esta última pode até se configurar um injusto penal, porém para impor a alguém uma sanção, deve-se atentar de forma detida a culpabilidade, pois sem a avaliação não existe possibilidade de punição.
Então, percebe-se que a potencial consciência da ilicitude do fato sempre esteve presente no contexto histórico das teorias do crime, levando em conta que em cada uma delas teve participação diferenciada na busca dessa tão árdua e difícil tarefa que em constante evolução se encontra, qual seja, o crime e sua formatação.
1.2 Conceito e Alcance jurídico do Instituto
Um dos institutos mais importantes e ao mesmo tempo mais complexos de se definir, a potencial consciência da ilicitude atravessou, modificando-se e aprimorando-se, juntamente com as teorias do delito ao longo do tempo.
Desde o sistema clássico até chegarmos ao finalismo, e porque não falar nas novas e modernas teorias do delito, o referido instituto foi modificado, embrionariamente como parte integrante do dolo, este último ainda compondo a culpabilidade, desde os dias atuais, sendo requisito autônomo dentro da culpabilidade.
Hoje em dia a importância do instituto é tamanha que o imortal penalista alemão Hans-Heinrich Jescheck chegou a afirmar que: “através do reconhecimento da consciência da antijuridicidade como base da reprovação da culpabilidade, o processo de moralização do Direito Penal Alemão alcançou o seu cume” (Hans-Heinrich Jescheck a nova dogmática penal e a politica criminal em perspectiva comparada. In: Ciência e politica criminal em honra de Heleno Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 233.)
Também nos ensina o renomado professor e penalista Cláudio Brandão em uma de suas mais aclamadas obras, Tipicidade Penal – Dos Elementos da Dogmática ao giro conceitual do método entimemático, diz: “consciência da antijuridicidade é a percepção da ação como desvaliosa, não se confundindo, por isso mesmo, com a consciência da lei.”(Coimbra: Almedina, 2012. p. 171).
Pois bem, sendo de importância mais modesta, ou nos dias atuais, como instituto autônomo, de já demonstrado prestígio, fato é que a potencial consciência da ilicitude veio nortear, por assim dizer, a culpabilidade e sua abrangência no que se refere à aplicação em casos práticos.
Cumpre ressaltar que o instituto debatido recai sobre a única fase da tripartição do delito que se presta a fazer um juízo de valor sobre o agente, o que se salta os olhos a tarefa muito mais árdua do que os juízos de valores sobre a conduta do mesmo.
Porém, basicamente três foram os critérios encontrados para tentar se determinar como se daria a avaliação da “consciência” se o fato praticado seria ilícito ou não, contrário ou permitido pelo ordenamento jurídico, são esses:
a) Critério Formal: proclama ser necessário o conhecimento do agente sobre a violação de alguma norma penal. Desenvolvido por Binding, Beling e von Liszt.
b) Critério Material: baseia-se numa concepção material do injusto, exigindo o conhecimento da antissociabilidade, da injustiça e da imoralidade de uma conduta. Defendido por Max Ernst Mayer e Kaufmann.
c) Critério Intermediário: sustenta que o conhecimento da ilicitude não importa em conhecimento da punibilidade, nem em conhecimento da lei que proíbe o seu comportamento. O sujeito deve apenas, com o esforço de sua consciência, conhecer ou poder conhecer, o caráter ilícito de sua conduta.
O critério formal logo encontrou suas críticas, já que por ele somente os operadores do direito estariam sujeitos a lei penal, afinal o conhecimento técnico do ordenamento jurídico somente pode ser encontrado nesses estudiosos, restando a margem de qualquer aferição de culpa os leigos, podendo locupletar-se da própria torpeza, o que nem de longe se configura razoável.
No que tange ao critério material, as críticas logo deram conta de que iriamos esbarrar na existência de infrações penais de pura criação legislativa, que não corresponderiam ao conceito de injusto material, bem como em condutas reconhecidamente danosas, embora não tipificadas pelo Direito Penal.
Já o critério chamado intermediário é o mais aceito em nosso ordenamento, afinal, de longe se percebe uma maior “sensatez jurídica” no referido, tendo o agente que, a luz do homem médio, saber ou ao menos ter a condição de saber, que seu ato é contrário ao direito.
O citado erro não decorre de um sabe jurídico, do artigo de Lei, ou muito menos conhecimento de punibilidade do fato, mas sim que numa simples análise em sua consciência possa saber que tal atitude é ilegal.
A consciência da ilicitude de fato é, e realmente deve ser o “carro chefe” da avaliação da culpabilidade do agente, pois tem como escopo definir se o mesmo entendia que estava fazendo algo errado ou não.
Provando-se a importância do instituto temos que a ausência total da consciência da ilicitude exclui culpabilidade e em consequência o crime, pois aquele que não tinha consciência que sua atitude era contrária ao direito não pode responder pela mesma.
O Direito Penal denomina a ausência de consciência sobre a ilicitude do fato de erro de proibição. O erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato pode ser definido como a falsa percepção do agente acerca do caráter ilícito do fato típico por ele praticado, de acordo com um juízo profano.
Pode o erro acima citado apenas atenuar a pena, afinal nem toda falta de consciência é completa, e por isso mesmo, se tinha o agente como saber ou pudesse saber que a sua conduta era contra legis, deve-se aplicar a pena, porém abrandada, posto que o agente não detinha a ampla consciência, porém por certa culpa do mesmo.
O ordenamento jurídico inseriu o instituto do erro de proibição no artigo 21 do Código Penal Brasileiro, que consta:
Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
Portanto, após a breve digressão sobre o tema, percebeu-se que o instituto da potencial consciência da ilicitude do fato é de importância impar para classificação do crime e mais ainda vara aferição da culpa do agente no caso em concreto, sendo certo que sua consciência poderá levá-lo a responder integral, parcialmente ou até mesmo isentá-lo de pena.
2. DO SERIAL KILLER
2.1 Evolução histórica e conceito
O termo Serial Killer é relativamente novo, datado da década de 70, onde o agente aposentado do FBI (Federal Bureau of Investigation) Robert Ressler, criou o termo a partir das variações Stranger Killer (Assassino Desconhecido), posto que acreditava-se, na época, que esse tipo de assassino nunca conhecia suas vítimas, bem como na Inglaterra, a polícia denominava esse tipo de crime de “crimes em série”, por motivos óbvios.
Porém, o próprio Ressler, a partir de estudos mais elaborados, começou a perceber que alguns desses assassinos mantinham contato anteriores com suas vítimas, criando um certo tipo de “relação” com a mesma, então relativizou o termo, excluindo o “Stranger” e incluindo o “Serial”. Nascia com isso a expressão para intitular os indivíduos mais estudados no mundo do crime.
Com a criação do vocábulo e a aparição cada vez mais frequente deste tipo peculiar de assassino, cuidou-se logo de estudar mais aprofundadamente esses indivíduos, criando conceitos e perfis, entendendo motivação, em suma, debruçando-se no mundo obscuro dos assassinos seriais.
A partir daí, várias ciências ligadas diretamente ou indiretamente com o mundo do crime começaram a discutir e dar sua contribuição para tentar chegar mais perto desse enigmático e, por tantas vezes, longínquo mundo dos Serial Killers.
No entanto se percebe uma pequena divergência entre os mesmos quando se trata de enquadrar quais assassinos poderiam ser considerados Serial Killers, repousando na quantidade mínima de vítimas para esse enquadramento, sendo por vezes duas, mais que duas, três, quatro ou até a partir de cinco vítimas.
Porém, nada mais certo que contemplarmos o conceito encabeçado pelo FBI, afinal iniciou-se por lá o estudo embrionário sobre esse tipo sui generis de assassino. Vejamos o conceito retirado do “Manual de Classificação de Crimes da Instituição”:
“três ou mais eventos separados em três ou mais locais separados com um período de resfriamento emocional entre os homicídios”. (NEWTON, 2005, p. 49).
Mesmo com certa problemática referente à quantidade de vítimas, certo é que o conceito e o perfil dos mesmos foi se aperfeiçoando ao longo dos estudos e do tempo, tendo auxiliado nessa construção a criminologia, a psicologia jurídica e por que não dizer os próprios assassinos.
Com isso evoluiu-se bastante, porém residindo sobre o tema variados enigmas quanto aos assassinos seriais, que com o passar do tempo às ciências tentam desvenda-los, por vezes com sucesso, porém em outras ainda sem solução.
2.2 A Culpabilidade e o Serial Killer
Já vimos que nos dias atuais “a culpabilidade é o que reprova o autor que podia atuar conforme as normas ante a comunidade jurídica por sua conduta contrária ao Direito...” (WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. Luiz Regis Prado (trad.). 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 91.).
Isso quer dizer que teremos na culpabilidade um juízo de reprovação sobre o autor do fato, que poderia se comportar conforme ao direito, porém assim não o fez.
Restou explanado também que a culpabilidade para o finalismo, teoria adotada pelo nosso Código Penal, é composta de três institutos:
a) Imputabilidade
b) Exigibilidade de Conduta Diversa
c) Consciência da Ilicitude do Fato
Há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e agir de acordo com esse entendimento. Só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuridicidade do fato e também de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento e de determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade. (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal 17 ed. São Paulo. Atlas. 2000. p. 210).
Conforme ensina Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 254) os critérios para se averiguar a inimputabilidade, quando à higidez mental, são os seguintes:
a) Critério biológico: a simples presença de uma psicopatogenia já é suficiente para comprovar a inimputabilidade. Assim, se presente a enfermidade mental, ou o desenvolvimento psíquico deficiente ou a perturbação transitória da mente, o agente deve ser considerado inimputável.
b) Critério psicológico: verificam-se apenas as condições mentais do agente no momento da ação, sendo que a verificação da presença de doenças mentais ou distúrbio psíquico patológico é afastado.
c) Critério biopsicológico: é o adotado pelo Código Penal em vigor. Tal sistema é a junção dos critérios anteriores e leva em consideração dois momentos distintos para atendimento da inimputabilidade. Num primeiro momento, deve-se verificar se o agente apresenta alguma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso negativo, não é inimputável. Caso positivo, será necessário analisar se o indivíduo era capaz de entender o caráter ilícito do fato; será inimputável se não tiver essa capacidade.
Quanto à exigibilidade de conduta diversa trata-se de um pressuposto da culpabilidade em que só devem ser punidos os comportamentos que poderiam ser evitados. Assim, quando não se pode determinar a conduta diversa por parte do agente, este é isento de crime, pois, não há reprovabilidade se na situação em que se achava não lhe era exigível comportamento diverso.
Leva-se em conta o estado psíquico e físico do agente e sua possibilidade de avaliação no memento do caso concreto, posto que sem a real compreensão, seja por qual motivo for, da situação não pode exigir-se conduta diversa daquela perpetrada, em desconformidade com o direito.
Essa falta de compreensão correta da situação pode atenuar a pena ou até mesmo extingui-la por completo, sendo caso de legitima defesa exculpante, coação moral irresistível, obediência hierárquica e outras causas supralegais.
É preciso para reprovar o agente que o mesmo entenda o seu caráter ilícito e por isso pudesse se comportar de acordo com o direito, tenha ele a compreensão, para que possa ter escolha.
Esses dois pontos, quando confrontado com os assassinos seriais, revestem-se da maior dúvida, afinal são esses indivíduos capazes de se determinar de acordo com seu entendimento do que é certo ou errado?
A resposta esta justamente na questão se tem eles a potencial consciência na ilicitude de seus atos.
2.3 A Potencial Consciência da Ilicitude e o Serial Killer
Já analisado exaustivamente neste trabalho o conceito, evolução e situação atual da potencial consciência da ilicitude do fato no direito hodierno, temos que nos resta confrontar tal consciência nos assassinos seriais.
Antes de adentrarmos ao cerne da questão, essencial entendermos como está o atual posicionamento frente à sanidade mental dos Serial Killers, vejamos:
Essa indagação esta longe de ser respondida, ou ao menos, de encontrarmos um ponto comum e pacífico de respostas, afinal, como já é sabido, os homicidas seriais são um capitulo a parte da mente humana, restringir seu comportamento a conceitos preconcebidos é um minimalismo errado e até mesmo perigoso.
Porém, evidente que ao longo das décadas, os estudos sobre esses indivíduos foram se aprimorando, conseguido chegar a “lugares comuns”, longe de se atribuir definições psicológicas incontestáveis, mas ao menos um norte para a construção de, quem sabe um dia, um perfil psicológico homogêneo.
Pode-se dizer que existem dois grandes grupos de Serial Killers, os organizados e desorganizados (CASOY, Ilana. Serial Killers Made in Brasil. 2. ed. São Paulo: ARX, 2004. p. 21 e 22).
Os organizados têm como características principais, dentre outras, a inteligência média para alta, sexualmente competente, nascido em classe média/média alta, metódico e astuto, cena planejada e controlada, temperamento controlado durante o crime, casado ou com parceiro(a).
Já o desorganizado tem como características, dentre outras, inteligência abaixo da média, distúrbio psiquiátrico grave, contato com instituições de saúde mental, socialmente inadequado, relacionamento apenas com a família mais próxima ou nem isso, sexualmente incompetente ou nunca teve uma experiência sexual, cena do crime desorganizada, nenhuma ou pouca premeditação, temperamento ansioso durante o crime, nascido em classe baixa.
Por meio desta distinção geral, verificou-se que para cada um dos grupos se destinavam um perfil psicológico mais adequado, chegando então aos psicóticos e os psicopatas.
O indivíduo psicótico tem como característica principal alucinações e delírios. Alucinações são experiências de percepções que não têm fundamento na realidade. A pessoa ouve, vê, sente ou cheira coisas que, na realidade, não existem.
Já o indivíduo psicopata estes sempre revelam uma ausência de delírios e outros sinais de pensamentos irracionais, demonstrando, pelo contrário, um aumentado senso de realidade, bem como uma boa inteligência verbal.
Fica fácil supor em qual dos dois grandes grupos de assassinos seriais os perfis se encaixam melhor, onde o psicótico fica a cargo dos desorganizados e os psicopatas tem relação com os indivíduos organizados.
Sobre esta questão, Ballone (BALLONE, Geraldo José. Criminologia. In: PsiqWeb,2005.Disponívelem:http://www.psiqweb.med.br//site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=22) explicou que:
(...) podemos dizer que o assassino em série psicótico atuaria em consequência de seus delírios e sem crítica do que está fazendo, enquanto o tipo assassino em série psicopata atuaria de acordo com sua crueldade e maldade. O psicopata tem juízo crítico de seus atos e é muito mais perigoso, devido à sua capacidade de fingir emoções e se apresentar extremamente sedutor, consegue sempre enganar suas vítimas.
Trazendo esse “afunilamento conceitual” para o nosso ordenamento jurídico, verificamos que o preceito que trata dos casos de doença mental e o entendimento do caráter ilícito do fato reza que:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Verifica-se que, o direito penal atual construiu três conceitos para tratar do tema: imputável, semi-imputável e inimputável.
O sujeito para ser considerado inimputável, isento de pena, deverá ter desenvolvimento mental incompleto e ao tempo do crime ser inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito de sua ação.
O semi-imputável, terá sua pena reduzida de acordo com a parágrafo único do artigo acima citado, pois mesmo tendo perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto, ao tempo do crime, não era completamente capaz de entender o caráter ilícito da sua ação.
Já o imputável é aquele que não ostenta nem a doença mental e era, ao tempo de sua ação, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de sua ação.
Levando em consideração o acima exposto, é possível fazer uma análise da potencial consciência da ilicitude do fato (juízo de reprovação sobre o agente) dos Serial Killers, vejamos:
É evidente que o assassino em série não é uma pessoa normal. Mas não significa que ele não tenha consciência do que faz. Os assassinos em série, em sua maioria, são diagnosticados como portadores do transtorno de personalidade antissocial e, muito embora possam não ter domínio para controlar seus impulsos, sabem muito bem distinguir o que é certo e errado, tanto que se preocupam em não ser apanhados (BALLONE, Geraldo José. Criminologia. In: PsiqWeb, 2005. Disponível em: .
Ocorre que os assassinos seriais, da mesma forma que são ecléticos em seus perfis e em suas formas de agir, também o são no que tange a sua consciência do ilícito de suas ações. Não era de se esperar uma posição única e incontestável quanto a sua “consciência” dos atos que praticam.
As pesquisas na verdade apontam uma maioria ampla de Serial Killers psicopatas, ou seja, aqueles que, em tese, entenderiam o caráter ilícito de seus atos, sendo portanto considerados imputáveis. Já os considerados psicóticos, e por isso incapazes de entender as ações que cometiam restaram na ínfima porcentagem de 5% (CASOY, Ilana. Serial Killers: Louco ou Cruel. 8. ed. São Paulo: Ediouro, 2008. p. 35).
De fato é assustador pensar que apenas uma ínfima parte poderia ser considerada inimputável, afinal pelos horrendos crimes cometidos a nossa compreensão, como fora de defesa, nos leva a acreditar piamente que um ser humano não seria capaz de praticar tais atrocidades se não fosse completamente louco.
Porém, essa passionalidade não nos leva a um desdobramento técnico e justo da realidade. O fato é que, apesar do cometimento dos mais terríveis crimes, a maioria dos assassinos seriais estariam na esfera da imputabilidade, tendo então consciência da ilicitude da ação que cometem.
A “confusão” que por vezes podemos fazer é o fato de que esses assassinos não tem um “freio moral” definido, se sentem desejo de praticar tais atos, eles o concretizam sem ponderar moralmente a consequência, não existe remorso pelas atitudes.
Mas o fato acima exposto está longe de ser considerado uma falta de consciência, pois frente ao cuidado na preparação do delito, os passos milimetricamente arquitetados e a ocultação “perfeita” dos seus atos demonstram na verdade uma ampla consciência que o que praticaram vai de encontro com o ordenamento jurídico.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo tentou aclarar, sem esgotar, o tema da potencial consciência da ilicitude do fato nos Serial Killers.
Trouxe inicialmente os conceitos da potencial consciência da ilicitude no direito penal brasileiro, traçando uma evolução histórica do instituto frente as teorias do delito que já fizeram ou até hoje encontram-se respaldando o modelo de crime no codex repressivo. Mais ainda, adequou o instituto em nosso moderno sistema penal, dando ênfase no papel(importante papel) que hoje é conferido ao mesmo.
Em outro ponto, iniciou igualmente com as conceituações e evolução histórica do termo Serial Killer. Posteriormente adentrou ao confronto da culpabilidade, explicando-a, e os assassinos serias, traçando uma análise destes com o instituto referido.
Mais a frente confrontou a potencial consciência da ilicitude nos homicidas seriais, primeiramente analisando o posicionamento atual quando a sanidade mental desses indivíduos e como estão agrupados no moderno entendimento das mais diversas ciências que tratam do assunto.
Demonstrou, baseando-se nas pesquisas modernas, como está o entendimento da consciência da ilicitude nessa classe sui generis de assassinos.
Pois bem, a conclusão que se chegou é que não há como ter uma opinião uníssona quanto à consciência da ilicitude nos assassinos seriais. A bem da verdade, não se consegui até hoje chegarmos a um “lugar comum” sobre quase nada no que tange a essa classe de indivíduos.
Porém, tentar conceitua-los seria, como já referido alhures, um minimalismo equivocado, já que pela complexidade que apresentam, evidente também que merecem ser delimitados “caso a caso”.
Então, ficou evidenciado que a maioria dos assassinos seriais, por mais perturbados que sejam, tinham a consciência da ilicitude do fato que praticavam, sabendo então distinguir o certo do errado, tanto anterior ao crime, quanto no momento do mesmo.
Poucos, mas existentes, são os Seriais Killers que apresentavam quadros graves de transtornos psicológicos, ao ponto que os faziam desconhecer o caráter ilícito dos seus atos, tanto anterior ao crime, no momento do mesmo a posteriori, o que lhe faria ostentar a característica de inimputabilidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
Faculdades Integradas Barros Melo (AESO). Advogado. Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Bruno Freitas. Da potencial consciência da ilicitude nos serial killers Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49397/da-potencial-consciencia-da-ilicitude-nos-serial-killers. Acesso em: 22 dez 2024.
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