RESUMO: Esse breve trabalho tem por escopo desenvolver o tema do constitucionalismo na perspectiva dos direitos fundamentais. Analise-se a perspectiva histórica justificadora desses direitos traçando uma interseção entre os institutos. Realizou-se pesquisa bibliográfica observando as contribuições trazidas por diversos autores como Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Bonavides, Alexandre de Moraes, dentre outros. Procurou-se enfatizar a necessidade inter-relacionar temas de grande importância a fim de estimular o debate acerca do tema, bem como esclarecer a natureza dos institutos, a sua evolução e a concepção filosófica no tema.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Constitucionalismo. Direitos Fundamentais.
ABSTRACT: This brief work has the scope to develop the theme of constitutionalism in the perspective of fundamental rights. Analyze the historical perspective justifying these rights by drawing an intersection between the institutes. A bibliographical research was carried out observing the contributions brought by several authors such as Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Bonavides, Alexandre de Moraes, among others. It was sought to emphasize the need to interrelate issues of great importance in order to stimulate the debate on the theme, as well as to clarify the nature of the institutes, their evolution and the philosophical conception in the theme.
Keywords: Constitutional right. Constitutionalism. Fundamental rights.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Dos direitos fundamentais: 2.1. Evolução história dos direitos fundamentais; 2.2. Evolução história dos direitos fundamentais nas constituições brasileiras; 3. Concepções filosóficas justificadoras dos direitos fundamentais; 4. O constitucionalismo e os direitos fundamentais; 5. Neoconstitucionalismo; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográticas.
1. INTRODUÇÃO
Os direitos fundamentais e o constitucionalismo possuem estreito laço de afinidade. Sabe-se que o nascimentos deste foi crucial para a materialização daquele. Assim, a delimitação e o estudo do tema é de fundamental ao jurista que deseja um entendimento mais aprofundado acerca desses institutos.
O constitucionalismo nasceu junto às revoluções francesa e americana do século XVIII, apesar da existência de outros inúmeros documentos que estabelecendo direitos e limitando o Estado. Nesses documentos constitucionais consagrou-se vários direitos individuais de extrema importância para a vida em sociedade e que deveriam ser amplamente respeitados.
Assim, o presente estudo tem por objeto ajudar aos aplicadores do direitos e aos jurisdicionados a melhor delimitar o que vem a ser um direito humano fundamental e qual a sua relação com os movimentos constitucionais dos séculos XVIII e XX.
2. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Quando se concebe uma teoria jurídica geral dos direitos fundamentais se expressa um ideal teórico. Há o objetivo de se obter uma teoria integradora que busque englobar, de forma mais ampla possível, os enunciados gerais, verdadeiros ou corretos, passíveis de formulação nas dimensões analítica (dissecção sitemático-conceitual do direito vigente), empírica (cognição do direito positivo válido e premissar empíricas na argumentação jurídica) e normativa (a partir do direito positivo válido buscar qual a decisão correta ao caso concreto), combinando-os de forma otimizada.
2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS
O início dos direitos individuais do homem pode ser apontado no antigo Egito e Mesopotâmia (terceiro milênio a.C.), pois já havia alguns mecanismos para proteção dos indivíduos em face do Estado. O Código de Hammurabi (1690 a.C.), talvez a primeira codificação a consagrar uma lista de direitos comuns a todos os homens, a exemplo da vida, da propriedade, da honra, da dignidade, dentre outros. Alia-se a isso a supremacia das leis em face dos governantes.
Também há influências filosófico-religiosas nos direitos do homem, conforme enuncia Alexandre de Morais (1991, p. 25-26):
“...A influência filosófica-religiosa nos direitos do homem pôde ser sentida com a propagação das idéias de Buda, basicamente sobre a igualdade de todos os homens (500 a.C.) (...) Posteriormente, a forte concepção religiosa trazida pelo Cristianismo, com a mensagem de igualdade de todos os homens, independentemente de origem, raça, sexo ou credo, influenciou diretamente a consagração dos direitos fundamentais, enquanto necessários à dignidade da pessoa humana...”
Surgem, na Grécia, vários estudos sobre a necessidade de liberdade e igualdade do homem. Pode ser destacada a participação política dos cidadãos (democracia direta de Péricles), a crença no direito natural prévio e superior às leis escritas, defendida no pensamento dos sofistas e estóicos.
Contudo, é o Direito romano quem estabelece um complexo mecanismo de interditos com vista a tutelar os direitos individuais em face dos arbítrios estatais. A origem dos textos escritos que consagram a liberdade, a propriedade e a proteção dos direitos do cidadão pode ser atribuída à Lei das XII Tábuas.
Na Idade Média, apesar dá rígida separação de classes e a organização feudal, diversos documentos jurídicos reconheciam a existência de direitos humanos com um mesmo traço comum, qual seja, a limitação do arbítrio estatal.
Os mais importantes precedentes históricos acerca da declaração de direitos fundamentais do homem encontram-se, em primeiro lugar, na Inglaterra onde pode ser citada a “Magna Charta Libertatum”, outorgada por João Sem-Terra em 15 de junho de 1215, a “Petition of Right” de 1628, o “Habeas Corpus Acta” de 1679, o “Bill of Rights” de 1689, e o “Act of Seattlement” de 1701.
A “Magna Charta Libertatum” trazia, dentre outras garantias, a liberdade da Igreja, restrições tributárias, proporcionalidade entre o delito e a sanção, devido processo legal, livre acesso à justiça e liberdade de locomoção.
A “Petition of Right” trouxe expressamente o que hoje ficou consagrado como o princípio da legalidade tributária, ou seja, ninguém seria obrigado a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benevolência e a pagar taxa ou imposto, sem o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento. Vedou-se, ainda, a prisão ilegal e penas restritivas de liberdade ou atentatórias à dignidade do homem por causa de tributos ou da recusa em pagá-los.
Em seguida, o “Habeas Corpus Act” (1679) regulamentou o instituto que já era existente na “common law”. A lei estabeleceu que diante de requerimento ou reclamação por escrito de algum individuo em benefício próprio ou de terceiro detido ou acusado da prática de crimes (salvo algumas exceções como crime de traição ou felonia), o lorde-chanceler ou algum outro juiz dos tribunais superiores, caso aquele esteja de férias, depois de ter visto o mandado ou certificado de que a cópia foi recusada, poderia conceder a providência de “habeas corpus” em favor do preso (salvo a hipótese de própria negligência do próprio beneficiado que não solicitou o pedido por dois períodos) que será imediatamente cumprido na presença do próprio lorde-chanceler ou juiz. Além de outras providências existia uma multa de 500 (quinhentas) libras àquele que voltasse a prender o liberado pelo mesmo fato.
Há, também, a “Bill of Rights”, de 1689, que decorreu da abdicação do Rei Jaime II e outorgada pelo Príncipe de Orange aumentando as restrições existentes em face do poder estatal. Estabeleceu-se: o fortalecimento do princípio da legalidade (o rei ficou impedido de suspender leis ou a execução de leis sem o consentimento do parlamento); houve a criação do direito de petição; a liberdade na eleição dos membros do Parlamento; as imunidades parlamentares; vedação à aplicação de penas cruéis. Apesar dos avanços existentes o diploma negava expressamente a liberdade e igualdade religiosa. Já o “Act of Seattlemente” (1701) basicamente serviu como um elo normativo reafirmador do princípio da legalidade.
Em seguida, a Revolução dos Estados Unidos da América trouxe documentos de grande importância na evolução dos direitos do homem podendo ser citados os seguintes documentos históricos: Declaração de Direitos de Vargínia (1776), Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776) e Constituição dos Estados Unidos da América (1787).
No primeiro diploma citado fora proclamado o direito à vida, à liberdade, à propriedade, prevendo também a legalidade, o devido processo legal, o Tribunal do Júri, o Juiz natural e imparcial, a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa.
Já a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, produzido por Thomas Jefferson, teve como principal vertente a limitação do poder estatal. Da mesma forma foi a Constituição dos Estados Unidos da América e suas dez primeiras emendas. Estabeleceu a separação dos poderes estatais e estabeleceu outros poderes estatais como a liberdade religiosa, inviolabilidade de domicílio, devido processo legal, julgamento pelo Tribunal do Júri, ampla defesa, impossibilidade de aplicação de penas cruéis ou aberrantes.
Contudo, a consagração normativa quanto aos direitos humanos fundamentais coube à França (1789) por meio da Assembleia Nacional que promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão contendo 17 artigos. Dentre tantas importantes previsões podem ser destacados os seguintes direitos: princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, princípio da legalidade, reserva legal e anterioridade em matéria penal, presunção de inocência, liberdade religiosa, livre manifestação do pensamento. Tal rol de direitos foi seguido e ampliado por meio da Constituição Francesa de 1791.
Com o advento do Século XIX houve uma maior efetivação dos direitos fundamentais até então previstos com acréscimos decorrentes das evoluções sociais, tendo-se como exemplo a Constituição portuguesa de 1822, a Constituição belga de 1831 e a Declaração francesa de 1848.
Já o início do Século XX trouxe cartas constitucionais fortemente inspiradas pelas preocupações sócias como se percebe por seus principais textos: Constituição mexicana de 1917, a Constituição de Weimar de 1919, a Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918 seguida pela primeira Constituição Soviética também de 1918, e Carta do Trabalho editada pelo Estado Facista Italiano de 1927.
A Constituição do México de 1917 passou a garantir direitos individuais com acentuadas tendências sociais, como por exemplo direitos trabalhistas e efetivação da educação.
A Constituição de Weimar (1919) prescreveu na sua Parte II os Direitos e Deveres fundamentais dos alemães. A Seção I previa os tradicionais direitos e garantais individuais; na Seção II havia os direitos relacionados à vida social; a Seção III os direitos relacionados à religião e às igrejas; a Seção IV os direitos relacionados à educação; na Seção V havia os direitos referentes à vida econômica.
A Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918), ante a revolução de 1917, visava suprimir toda e qualquer exploração do homem pelo próprio homem, a abolir por inteiro a divisão da sociedade em classes, a “esmagar” de forma implacável todos os exploradores, a instaurar a organização socialista da sociedade e o fazer triunfar em todos os países. Tendo por base esses preceitos, foi abolido o direito de propriedade privada, sendo que todas as terras passaram a ser propriedade nacional e entregues aos trabalhadores sem qualquer espécie de resgate, como uma espécie de repartição igualitária em usufruto.
Em momento posterior, a Lei Fundamental Soviética (1918) proclamou o princípio da igualdade independentemente de raça ou nacionalidade determinando a prestação de assistência material aos operários e camponeses mais pobres, a fim de concretizar a igualdade.
A Carta do Trabalho (1927), em que pese a sua grande influência pela doutrina do Estado Facista Italiano também trouxe significativos avanços em relação aos direitos sociais dos trabalhadores. Trouxe, principalmente, a liberdade sindical, a magistratura do trabalho, a possibilidade de contratos coletivos de trabalho, uma maior proporcionalidade de retribuição financeira em relação ao trabalho, a remuneração especial ao trabalho noturno, a garantia do repouso semanal remunerado, a previsão de férias após um ano de serviço ininterrupto, a indenização em virtude de dispensa arbitrária ou sem justa causa, a previsão de previdência, a assistência, educação e instrução sociais.
2.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
A primeira Constituição brasileira foi a Constituição do império jurada em 25/03/1824 que possuía extenso rol de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos “brazileiros" (Título VIII) no seu art. 179 seguido por 35 incisos, tais como: princípios da igualdade e legalidade, livre manifestação de pensamento, impossibilidade de censura prévia, liberdade religiosa, liberdade de locomoção, inviolabilidade de domicilio, possibilidade de prisão somente em flagrante delito ou por ordem da autoridade competente, fiança, principio da reserva legal e anterioridade da lei penal, independência judicial, principio do Juiz natural, livre acesso aos cargos públicos, abolição dos açoites, da tortura, da marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis, individualização da pena, respeito à dignidade do preso, direito de propriedade, liberdade de profissão, direito de invenção, inviolabilidade das correspondências, responsabilidade civil do Estado por ato dos funcionários públicos, direito de petição, gratuidade do ensino público primário.
Seguindo essa mesma sistemática, a Constituição Republicana de 24/02/1981 também elencou um rol de direitos e garantias fundamentais (art. 72) respeitando aqueles já consolidados no ordenamento anterior, acrescente, dentre outros, os seguintes: gratuidade do casamento civil, ensino leigo, direitos de reunião e associação, ampla defesa (“§ 16 - Aos accusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciaes a ella, desde a nota de culpa, entregue em vinte e quatro horas ao preso e assignada pela autoridade competente, com os nomes do accusador e das testemunhas”), abolição das penas das galés e do banimento judicial, abolição da pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra, habeas-corpus, propriedade de marcas de fábrica, Instituição do Júri.
A previsão de um capítulo exclusivo para a consagração dos direitos e garantias constitucionais se tornou uma tradição nas constituições brasileiras de modo que tal forma de exposição foi mantida, também, na Constituição Federal de 1934. O seu art. 113 e seus 38 incisos acresceram os seguintes direitos: consagração do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada; escusa de consciência, direitos do autor na reprodução de obras Iiterárias, artísticas e cientificas; irretroatividade da lei penal; impossibilidade de prisão civil por dívidas, multas ou custas; impossibilidade de concessão de extradição de estrangeiro em virtude de crimes políticos ou de opinião e impossibilidade absoluta de extradição de brasileiro; assistência jurídica gratuita; mandado de segurança; ação popular (“art. 113, inc. 38 - Qualquer cidadão será parte legitima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos Iesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios”)
A Constituição de 10/11/1937, em virtude das características políticas da época, trouxe rol de direitos e garantias fundamentais em um capítulo específico (respeitando a tradição brasileira), porém em um rol de apenas 17 incisos trazendo consigo as seguintes novidades: impossibilidade de aplicação de penas perpétuas; maior possibilidade de aplicação da pena de morte, além dos casos militares (inc. 13); criação de um Tribunal especial com competência para o processo e julgamento dos crimes que atentarem contra a existência, a segurança e a integridade do Estado, a guarda e o emprego da economia popular.
A Constituição seguinte (18/09/1946) também incluiu capítulo próprio para consagração dos direitos e garantias fundamentais. Foi consagrado no seu texto inúmeros direitos sociais dos trabalhadores e empregados, pois uma tendência daquela época, bem como elencou títulos especiais para proteção da família, educação e cultura.
O seu art. 141 utilizou uma nova redação que depois foi seguida pelas demais constituições, inclusive a atual, estabelecendo que: “A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos têrmos seguintes...”. A esse enunciado seguia 38 parágrafos com previsões acerca dos direitos e garantias fundamentais das quais podemos ressaltar: A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual; para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder; contraditório; sigilo das votações, plenitude de defesa e soberania dos veredictos do Tribunal do Júri; reserva legal em relação a tributos; direito de certidão.
A Carta Constitucional de 24/01/1967 também trouxe um capítulo com os direitos e garantias fundamentais com um artigo prevendo direitos sociais aos trabalhadores, visando à melhoria de sua condição social. Trouxe como novidades: sigilo das comunicações telefônicas e telegráficas; respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário; previsão de competência mínima para o Tribunal do Júri (crimes dolosos contra a vida); previsão de regulamentação da sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil pela lei brasileira, em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que lhes seja mais favorável a lei nacional do de cujus.
A Emenda Constitucional nº 01 de 17/10/1969 efetuou profundas alterações na Constituição de 1967 inclusive possibilitando excepcionais restrições aos direitos e garantias fundamentais sem uma alteração formal substancial na enumeração dos direitos fundamentais consagrados.
3. CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS JUSTIFICADORAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Inúmeras são as teorias filosóficas que tentam justificar e esclarecer em que se funda os direitos fundamentais de modo que os tornem necessários e os reforce. Dentre outras, destacam-se a teoria jusnaturalista, a teoria positivista e a teoria moralista ou de Perelman.
A teoria jusnaturalista embasa seu fundamento no fato de que os direitos humanos fundamentais emanam de uma ordem superior universal, imutável e inderrogável. Estes direitos não seriam criados pelo legislador, tribunais ou doutrinadores, não podendo ser, por conseguinte, extirpado da consciência dos homens. Tais direitos são apenas reconhecidos pelo homem como uma materialização de algo preexistente.
Na Declaração e Programa de Ação de Viena, adotada consensualmente pela Conferência Mundial dos Direitos Humanos, em 25 de junho de 1993, proclama-se que "os direitos humanos e liberdades fundamentais são direitos naturais de todos os seres humanos; sua proteção e promoção são responsabilidades primordiais dos Governos".
De forma diversa, a teoria positivista fundamenta a existência dos direitos humanos com uma base puramente normativa, pois oriunda da vontade e soberania popular na realização das leis. Seriam direitos humanos fundamentais aqueles assim estabelecidos pela legislação positivada.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (10/12/1948) evidencia a necessidade de que os direitos da pessoa humana sejam “protegidas pelo império da lei” de modo a evitar que as pessoas não sejam obrigadas a se rebelar contra a tirania e a opressão como um último recurso.
Por sua vez, a teoria moralista ou de Perelman busca fundar a existência dos direitos humanos fundamentais na própria experiência e consciência moral de determinado povo e não apenas uma vontade normativa ou do direito natural.
Conforme se depreende dessas teorias, percebe-se a difícil tarefa de harmonizar as diversas concepções filosóficas levando “alguns a recusar utilidade a estudo do embasamento filosófico dos direitos fundamentais” (MENDES, Gilmar; 2014, página 146).
A importância dos direitos fundamentais e o seu fundamento não conseguem ser embasadas de forma satisfatória por nenhuma das teorias de forma isolada.
Em verdade, há complementariedade entre as ideias apresentadas por essas teorias de modo que os direitos fundamentais seriam fruto de momentos históricos diversos e a sua própria variedade aponta para uma conveniência de não se concentrarem esforços na busca por uma base absoluta, aplicável a todos os direitos em todos os tempos da história da humanidade.
4. O CONSTITUCIONALISMO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS:
A origem dos direitos humanos fundamentais está atrelada a um emaranhado de circunstâncias e causas que culminaram com o seu surgimento. Dentre os principiais, costuma-se falar ser resultado de costumes arraigados em determinadas civilizações, acepções jurídico-filosóficas, dogmas cristãos e até mesmo o direito natural.
Há um traço comum em todas essas citadas fontes, qual seja, a necessidade latente de se impor limites à atuação do poder estatal, ao seu ius imperi. Também se soma à essa ideia a necessidade de se controlar e avaliar a atitude do Estado, consubstanciada nos atos dos governantes.
Portanto, no dizer de Alexandre de Morais (1998, p.16):
“...Assim, a noção de direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento da ideia de constitucionalismo, que tão somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular...”
Não há como se separar a ideia de direitos fundamentais com a do constitucionalismo. Este é um termo bem recente, porém ligado a uma acepção bastante antiga, pois “todos os Estados – mesmo absolutistas ou totalitários – sempre possuíram uma norma básica, expressa ou tácita, responsável por legitimar o poder do soberano” (NOVELINO, Marcelo. 2014, pág. 17).
O surgimento do constitucionalismo, sob um aspecto formal, está umbilicalmente atrelado à independência dos Estados Unidos da América (1787) e à Revolução Francesa (1791), pois, acabaram por fazer surgir constituições escritas e rígidas. Há dois pontos marcantes que devem ser enaltecidos nesses documentos: a organização do Estado e a limitação do seu poder por meio de direitos e garantias fundamentais.
Paulo Bonavides (2004, pág. 40), em seu Curso de Direito Constitucional, de forma bastante lúcida ensina que:
“...As regras fundamentais de estruturação, funcionamento e organização do poder, não importa o regime político, nem a forma de distribuição da competência aos poderes estabelecidos, são, por conseguinte, a matéria do Direito Constitucional. De modo que todo Estado ou toda sociedade politicamente organizada possui, como já assinalava Lassalle, uma Constituição ou um Direito Constitucional...”
Comunga-se, também, da doutrina de Jorge Miranda (1990, página 138) ao se dizer que o constitucionalismo norteamericano não surgiu apenas no ano de sua independência. Havia documentos que já consubstanciavam direitos fundamentais e limitações ao poder estatal desde antes, a exemplo da Declaração de Virgínia. Portanto, seria equivocado dizer que os direitos humanos fundamentais tiveram surgimento apenas com o advento do constitucionalismo.
Não se pode negar que a sua efetivação se deu com maior força e efetividade a partir de então, pois recebeu um tratamento específico e uma proteção mais ampla e eficiente em face de sua violação. Propiciou-se, também, um maior controle em face do Estado, pois fora estabelecido um rol de direitos de observância obrigatória que vincularia todo o ordenamento jurídico. Aquele rol de garantias estabelecidos pela vontade soberana do povo não mais poderia sem afrontada pelo ius imperium estatal.
Há que se ressaltar, ainda, que constitucionalismo não pode ser confundido com democracia, apesar de possuírem conceitos que se aproximam. O Ministro Barroso ensina que, de uma forma simples e didática. Pode-se definir esta como sendo a soberania popular e o governo da maioria. Porém, em muitas situações a Constituição se impõe como instrumento para preservar determinados valores das minores em face dessa maioria (2010, p.17). Esse seria um dos fundamentos que não pode haver essa confusão conceitual.
Portanto, observa-se que a existência de direitos fundamentais no bojo de uma constituição é elemento constitutivo e essencial nos dias atuais não mais podendo se conceber a existência de uma constituição na qual inexistam direitos fundamentais positivados, bem como a existência de um Estado de Direito Democrático sem uma Constituição. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (França), em seu artigo 19, é claro ao estabelecer que “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.
5. NEOCONSTITUCIONALISMO
O início do século XXI trouxe uma nova forma de se enxergar as normas constitucionais. A mera limitação do poder estatal atrelado à previsão de direitos fundamentais se tornou insuficiente para a doutrina constitucional. Buscou-se a eficácia da constituição expurgando o caráter meramente declaratório e retórico até então reinante na aplicação desse diploma. Essa nova etapa do Direito Constitucional passou a ser chamada de neoconstitucionalismo, constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivismo.
MENDES, Gilmar (2014, página 59), ensina que:
“...O valor normativo supremo da Constituição não surge, bem se vê, de pronto, como uma verdade autoevidente, mas é resultado de reflexões propiciadas pelo desenvolvimento da História e pelo empenho em aperfeiçoar os meios de controle do poder, em prol do aprimoramento dos suportes da convivência social e política. Hoje, é possível falar em um momento de constitucionalismo que se caracteriza pela superação da supremacia do Parlamento. O momento atual é marcado pela superioridade da Constituição...”
Portanto, observa-se com a Constituição passa a ser o centro de todo o sistema jurídico atual de modo que toda e qualquer norma que emane em algum Estado Democrático de Direito deve estar consentânea com a sua Constituição.
Também deve ser ressaltado que com essa evolução os Direitos Fundamentais previstos passaram a gozar de imediata aplicabilidade devendo ser observado de pronto pelo Estado. Mesmo que não se possa falar em gozo pleno de todos os direitos fundamentais, pois alguns carecem de norma regulamentar para o seu exercício (José Afonso da Silva intitulou esses direitos de “normas de eficácia limitada”), mas devem ser respeitadas no mínimo no sentido de não serem contrariadas pelo legislador e de revogação de tudo aquilo que for de encontro a ela.
Nas palavras de Walber de Moura Agra apud Pedro Lenza (2014, p. 72):
“...o neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como uma ferramenta para a implementação de um Estado Democrático Social de Direito. Ele pode ser considerado como um movimento caudatário do pós-modernismo. Dentre suas principais características podem ser mencionadas: a) positivação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais; b) onipresença de princípios e regras; c) inovações hermenêuticas; d) densificação da força normativa do Estado; e) desenvolvimento da justiça distributiva;...”
O surgimento dessa nova etapa para o constitucionalismo tem como marco histórico para a Europa o constitucionalismo do pós-guerra. No Brasil, foi a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar. Como marco filosófico temos o pós-positivismo.
BARROSO, Luís (2010) ensina que:
“...O debate acerca de sua caracterização situa-se na confluência das duas grandes correntes de pensamento que oferecem paradigmas opostos para o Direito: o jusnaturalismoe o positivismo. Opostos, mas, por vezes, singularmente complementares. A quadra atual é assinalada pela superação – ou, talvez, sublimação – dos modelos puros por um conjunto difuso e abrangente de idéias, agrupadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo...”
Continua, o eminente jurista:
“...O jusnaturalismo moderno, desenvolvido a partir do século XVI, aproximou a lei da razão e transformou-se na filosofia natural do Direito. Fundado na crença em princípios de justiça universalmente válidos, foi o combustível das revoluções liberais e chegou ao apogeu com as Constituições escritas e as codificações. Considerado metafísico e anti-científico, o direito natural foi empurrado para a margem da história pela ascensão do positivismo jurídico, no final do século XIX. Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2ª. Guerra, a ética e os valores começam a retornar ao Direito...”
No plano teórico, o direito constitucional foi influenciado por três grandes transformações que subverteram o tradicional conhecimento relativo à aplicação do direito constitucional: a) o reconhecimento da força normativa da constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; c) desenvolvimento de uma nova hermenêutica constitucional.
Portanto, de uma mera carta de intenções o novo constitucionalismo não prevê apenas promessas vazias do legislador, mas estabelece regras e princípios dotados de normatividade própria e suficiente para gerar a obrigação do Estado na sua efetivação e proteção, sob pena de ver compelido a respeitar a Constituição.
6. CONCLUSÃO
Conclui-se que os direitos e garantias individuais do cidadão possuem ampla e umbilical afinidade com os movimentos constitucionais clássicos e contemporâneos (constitucionalismo e neoconstitucionalismo). Assim, não seria possível separá-los, pois o entendimento de ambos se complementam.
Analisou-se a interdependência dos institutos e a evolução do tema para que houvesse uma maior concreção e respeito às exortações constitucionais. Supera-se as meras cartas de intenções por mandamentos constitucionais.
Apesar de se tratar de um tema com vasta análise doutrinária sobre o tema, o aprofundamento existente ainda não encontra eco em todos os manuais e livros que debatem sobre o tema. Assim, esse trabalho se mostra fundamental para o amadurecimento e difusão do objeto desse estudo.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade Leão Sampaio (2008) e em Direito pela Universidade Regional do Cariri (2013); Analista Judiciário e Assessor de Magistrado na Vara Regional da Infância e Juventude de Afogados da Ingazeira/PE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Tadeu Furtado de Oliveira. O constitucionalismo e os direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50006/o-constitucionalismo-e-os-direitos-fundamentais. Acesso em: 23 dez 2024.
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