Resumo: Neste artigo, a partir de uma análise detida do modelo procedimental de democracia, enquanto paradigma essencialmente dialógico pensado pelo doutrinador Habermas, propõe-se uma atual reflexão sobre as consequências do monopólio interpretativo exercido da Corte Suprema enquanto guardiã da Constituição. Conforme as principais categorias da obra de Habermas são descortinadas, fica possível compreender que a supervalorização da validade na dinâmica da jurisdição constitucional suprime o momento de facticidade, da gênese democrática do direito, sendo as súmulas vinculantes exemplo claro de mecanismo através do qual o monopólio interpretativo do Tribunal opera tal supressão.
Palavras-chave: Jurisdição Constitucional - Discurso - Paradigma Procedimental - Modelo Deliberativo - Súmula Vinculante - Validade - Facticidade - Democracia
Sumário: 1. Introdução; 2. A Teoria do Discurso e o Paradigma Procedimental do Direito: o Modelo Procedimentalista ou Deliberativo de Democracia; 3. O Papel da Jurisdição Constitucional segundo o Paradigma Procedimental; 4. O artigo 103-A da CRFB de 1988 e a EC 45/04; 5. A Incompatibilidade do Procedimento das Súmulas Vinculantes com o Modelo Habermasiano de Democracia; 6. Conclusões Finais; 7. Referências Bibliográficas.
1. Introdução:
Este trabalho visa analisar o instituto da súmula vinculante em sua incompatibilidade com a democracia, concebida aqui sob o enfoque do modelo deliberativo ou procedimental elaborado por Jürgen Habermas.
Primeiramente, procederemos a uma exposição acerca do paradigma procedimental do direito, bem como sobre o modelo deliberativo de democracia apresentado por Habermas. Com este pano de fundo fundamental para o estudo do tema ora em pauta, poderemos nos concentrar precisamente na delimitação do papel da jurisdição constitucional segundo o paradigma procedimental e no seu confronto com o previsto pelo artigo 103-A da CRFB de 1988, trazido pela EC 45/04.
Para atestar a incompatibilidade do procedimento das súmulas vinculantes com o modelo de democracia habermasiano diagnosticaremos a sua inadequação ao modelo dialógico proposto pelo autor, uma vez que o instituto da súmula vinculante, ao estabelecer um monopólio interpretativo do Supremo Tribunal Federal, deságua inevitavelmente em um monólogo da Corte Suprema, semelhante à operação do princípio monológico[1] da teoria do direito solipsista de Dworkin, que é em tudo incompatível com o modelo deliberativo de democracia proposto por Habermas, o qual pressupõe a formação horizontal da vontade pública por via comunicativa.[2]
Poderemos, enfim, compreender que a conseqüência desta final opinion[3] do Supremo Tribunal Federal é a neutralização do espaço público e a obstrução da democracia, inclusive, devido às nefastas conseqüências sobre um dos princípios mais caros ao Estado democrático de direito brasileiro: o princípio da independência funcional do juiz.
Ademais, perceberemos que o mecanismo da súmula vinculante opera com a tensão entre facticidade e validade, mas não elaborando-a como faz o paradigma procedimentalista, mas suprimindo a facticidade em prol da validade. Assim, a deliberação democrática com o fortalecimento da racionalidade da jurisdição, oriunda da aceitabilidade racional, fica prejudicada com o recurso das súmulas vinculantes, devido à super valorização da segurança jurídica que este opera ao conferir um monopólio interpretativo ao STF.
Visto que a democracia depende da conservação de um momento de facticidade, de imanência e de soberania popular (institucionalizada e não institucionalizada), no sentido da autonomia dos cidadãos politizados, que em um diálogo ininterrupto participam dos discursos racionais que visam conferir legitimidade através do assentimento racional de todos os possíveis atingidos pelas normas (Princípio D)[4], a super valorização do princípio da segurança jurídica, da legalidade e da validade ocorre em prejuízo da legitimidade democrática da formação da vontade pública por via comunicativa, e, portanto, da democracia.
A super valorização da validade suprime justamente este momento de facticidade, de gênese democrática da política, de autonomia, transitividade e imanência. Por tudo isso, podemos concluir que decisão/interpretação final do STF representa uma transcendência, um engessamento da dinâmica transitiva do mundo da vida, isto porque o Pai-Tribunal[5] em seu monopólio interpretativo opera uma heteronomia que acaba por neutralizar a autonomia pública dos cidadãos.
2. A teoria do discurso e o paradigma[6] procedimental do direito: o modelo procedimentalista ou deliberativo de democracia
“O direito formal burguês e o direito materializado do Estado social constituem os dois paradigmas jurídicos mais bem-sucedidos na moderna história do direito, continuando a ser fortes concorrentes. Interpretando a política e o direito à luz da teoria do discurso, eu pretendo reforçar os contornos de um terceiro paradigma do direito, capaz de absorver os outros dois. Eu parto da idéia de que os sistemas jurídicos surgidos no final do século XX, nas democracias de massas dos Estados sociais, denotam uma compreensão procedimentalista do direito.”[7]
Com o objetivo de superar a tendência a idealizações (como a teoria do direito dworkiana solipsista do juiz Hércules), bem como aquilo que identifica como os paradigmas jurídicos do liberalismo e do Estado social, Habermas apresenta o paradigma procedimentalista do direito, que visa justamente absorver os outros dois ao mesmo tempo em que, enquanto paradigma, atenua as exigências ideais que cercam a teoria do direito.[8]
Habermas propõe uma teoria da argumentação jurídica ou discursiva do direito para assumir o fardo das exigências ideais que Dworkin atribuiu a Hércules[9] e reinterpreta, assim, a teoria construtivista do direito vigente[10] de Dworkin de acordo com seu modelo procedimentalista. Assim como Dworkin, Habermas releva a necessidade de racionalização das decisões e rejeita, por conseguinte, as concepções positivistas de sistema fechado de regras[11] e de poder discricionário judicial em sentido forte (que solapa inevitavelmente a democracia pelo exercício de um decisionismo irracional).
Todavia, a teoria construtivista habermasiana apóia-se no modelo procedimentalista ou discursivo do direito, em superação aos modelos liberal e do Estado social, no qual a reconstrução do direito vigente não é levada a cabo pela idealização de um juiz com saber sobre-humano, por uma construção teórica realizada monologicamente, mas pelo agir comunicativo ou pela prática da argumentação de uma “comunidade aberta dos intérpretes da constituição”, no dizer de Peter Häberle, enfim, pela intersubjetividade da coletividade deliberativa.
“Hoje em dia, a doutrina e a prática do direito tomaram consciência de que existe uma teoria social que seve como pano de fundo. E exercício da justiça não pode mais permanecer alheio ao seu modelo social. E, uma vez que a compreensão paradigmática do direito não pode mais ignorar o saber orientador que funciona de modo latente, tem que desafiá-lo para uma justificação autocrítica. Apos esse lance, a própria doutrina não pode mais evadir-se da questão acerca do paradigma “correto” (...) E o paradigma procurado tem que adequar-se à descrição mais apropriada das sociedades complexas; deve fazer jus à idéia original da autoconstituição de uma comunidade de parceiros do direito, livres e iguais; e superar o propalado particularismo de uma ordem jurídica que perdeu o seu centro ao tentar adaptar-se à complexidade do contexto social, a qual não foi bem compreendida e faz com que (o direito) se dissolva no momento em que recebe um incremento (...) Na medida em que funcionam como uma espécie de pano de fundo não temático, os paradigmas jurídicos intervêm na consciência de todos os atores, dos cidadãos e dos clientes, do legislador, da justiça e da administração. E, com o esgotamento do paradigma do Estado social, vieram à tona problemas relevantes para os especialistas em direito, levando-s a pesquisar os modelos sociais inseridos no direito. As tentativas da doutrina jurídica visando superar a oposição entre Estado social e direito formal burguês, criando relações mais ou menos híbridas entre os dois modelos, promoveram, ou melhor, desencadearam uma compreensão reflexiva da constituição: e tão logo a constituição passou a ser entendida como um processo pretensioso de realização do direito, coloca-se a tarefa de situar historicamente esse projeto. A partir daí, todos os atores envolvidos ou afetados têm que imaginar como o conteúdo normativo do Estado democrático de direito pode ser explorado efetivamente no horizonte de tendências e estruturas sociais dadas. Ora, a disputa pela compreensão paradigmática correta de um sistema jurídico que se reflete como parte na totalidade de uma sociedade é, no fundo, uma disputa política. No Estado democrático de direito, esta disputa atinge todos os envolvidos, não podendo realizar-se apenas nas formas esotéricas de um discurso de especialistas, isolado da arena política. Pois, graças às suas prerrogativas de decisão e graças às suas experiências e conhecimentos profissionais a justiça e a doutrina jurídica participam de modo privilegiado dessa disputa pela melhor interpretação; porém elas não tem autoridade científica para impor uma compreensão da constituição, a ser assimilada pelo público de cidadãos.”[12]
Habermas diagnostica que ambos os paradigmas precedentes, o do liberalismo e o do Estado social, compartilham a imagem produtivista de uma sociedade econômica de capitalismo industrial e concebem apenas o status negativo das pessoas do direito em seu papel de destinatárias da ordem jurídica (garantia da autonomia privada através de direitos à liberdade – liberalismo – ou garantia da autonomia privada através da materialização dos direitos de liberdade através de prestações sociais – Estado social).[13]
Em resposta, no paradigma procedimentalista do direito a autonomia privada e a pública se entrelaçam necessariamente em uma auto-organização da comunidade jurídica. O paradigma procedimentalista do direito ressalta o status das pessoas enquanto autores da ordem jurídica da qual são destinatários e deita a legitimidade do direito justamente nesta autonomia das pessoas privadas, posto que segundo uma compreensão pós-metafísica do mundo, a legitimidade do direito vigente pode pretender residir tão somente na formação discursiva da opinião e da vontade de cidadãos livres e iguais. Desta forma, as expectativas de racionalização e legitimação do direito (pela aceitabilidade racional) se localizam nas formas de comunicação, enquanto estruturas abstratas de reconhecimento mútuo.[14]
Diante da crise o paradigma de direito do Estado social[15], Habermas rejeita a alternativa neoliberal de retorno ao paradigma anterior, o do estado liberal[16], por entender que o crescimento e a mudança qualitativa das tarefas do Estado trouxeram a necessidade de uma legitimação de tipo diverso[17], pela gênese democrática do direito através de um processo político com condições procedimentais de normatizações legítimas levado a cabo por uma sociedade jurídica que se organiza a si mesma.[18]
Habermas explica que os elementos normativos e descritivos do paradigma jurídico procedimentalista são: a teoria do direito fundada no discurso, segundo a qual o Estado democrático de direito configura uma institucionalização de processos e pressupostos comunicacionais constitutivos de uma formação discursiva da opinião e da vontade que viabiliza o exercício da autonomia política e a criação legitima do direito; a teoria da sociedade fundada na comunicação, na qual o sistema político estruturado como Estado de direito é tão somente um sistema de ação entre outros; uma determinada concepção de direito, que entende a comunicação jurídica como um medium “através do qual as estruturas de reconhecimento concretizadas no agir comunicativo passam do nível das simples interações para o nível abstrato das relações organizadas”[19].
Pelo exposto, pode-se inferir que o objetivo do paradigma procedimentalista do direito é superar a crise e a controvérsia entre os paradigmas precedentes e fornecer uma legitimação suplementar, ou aquele outro tipo de legitimação necessário em vista das mudanças já apontadas nas tarefas do Estado de direito, uma legitimação com base na gênese democrática do direito através de uma esfera pública politizada na qual “os lugares abandonados pelo participante autônomo e privado do mercado e pelo cliente de burocracias do Estado social passam a ser ocupados por cidadãos que participam de discursos políticos”[20].
Habermas destaca que o núcleo do paradigma procedimentalista do direito reside na “combinação universal e mediação recíproca entre a soberania do povo[21] institucionalizada juridicamente e a não-institucionalizada” enquanto chave para o entendimento da gênese democrática do direito. Assim, ressalta que o substrato social necessário à realização do sistema de direitos é formado pelos fluxos comunicacionais e influências públicas que emergem da sociedade civil[22] e da esfera pública[23] política transmutados em poder comunicativo pelos processos democráticos. Neste sentido, a esfera pública apresenta-se como “ante-sala do complexo parlamentar e como periferia que inclui o centro político”. Através dos processos democráticos a opinião publica se converte em poder comunicativo, que tanto autoriza o legislador quanto legitima a administração reguladora e impõe “obrigações de fundamentação mais rigorosa a uma justiça engajada no desenvolvimento do direito”.[24]
Além da dimensão procedimental ou formal, que Habermas aponta como a única adequada ao mundo secularizado pós-metafísico e às sociedades complexas onde não existe um único ethos compartilhado[25], o paradigma procedimentalista traz uma dimensão de sociabilidade ou solidariedade social pela prática da autodeterminação comunicativa enquanto processo intersubjetivo de exercício da autonomia pública e privada.[26] Nele, a sociedade civil e a esfera pública política adquirem posição de destaque no processo democrático, modificando-se a concepção estanque de outrora de uma sociedade civil com status somente negativo apartada por completo de um Estado limitado.[27]
Um tal paradigma procedimentalista do direito baseado, como vimos, na teoria do discurso, traz a necessidade de uma concepção também procedimentalista de democracia, enfim, de um modelo deliberativo de democracia, no qual o processo da política deliberativa constitui o âmago do processo democrático.
O modelo deliberativo de democracia apresenta-se como uma tentativa de medição entre os modelos de democracia liberal e republicano.[28] Tal qual o paradigma procedimentalista do direito operou a síntese e a superação dos modelos do Estado liberal e do Estado social, o conceito procedimental de democracia intenta combinar características dos dois modelos de democracia em disputa para fornecer um modelo mais adequado às democracias das sociedades complexas atuais.[29]
Segundo José de Albuquerque Rocha, o modelo deliberativo habermasiano é uma espécie de tradução política da teoria da ação comunicativa, pois vincula as decisões dos conflitos políticos a práticas argumentativas nos diversos espaços públicos, que constituem a esfera pública, fonte da opinião e da vontade política informal. O modelo deliberativo de democracia, em consonância com o paradigma procedimentalista do direito, concebe, pois, o Estado como ancorado ao modelo comunicativo no qual se desenvolve o processo político, cuja pretensão de racionalidade reside justamente na formação discursiva da opinião e da vontade.
Neste sentido, ressalta que o que o modelo deliberativo opera é uma conciliação dos dois modelos anteriores de democracia, compatibilizando a autonomia privada e a pública que se complementam (conforme o paradigma procedimental do direito) e substituindo a concepção liberal do Estado como ente em separado da sociedade adstrita à atividade econômica privada que contra ele possui liberdades negativas (adicionando a dimensão de solidariedade, em conformidade com o paradigma procedimentalista do direito) e a concepção republicana do Estado enquanto comunidade ética, que torna o processo democrático dependente do agir conjunto de cidadãos virtuosos (que por sua incompatibilidade com as sociedades complexas do mundo pós-metafísico se torna irrealizável enquanto calcado em uma cidadania capaz de agir coletivamente e que deve, pois, ser substituído por um modelo de legitimação democrática que resida na institucionalização dos processos e pressupostos comunicacionais e no jogo entre deliberações institucionalizadas e opiniões públicas que se formam de modo informal[30]).[31]
Após analisar detalhadamente os modelos liberal e republicano[32], Habermas destaca as vantagens e desvantagens do modelo republicano e sugere seu modelo procedimentalista ou deliberativo de democracia como um terceiro modelo, como uma alternativa que combina as dimensões mais vantajosas das outras duas. Em consonância com a necessidade de superação do paradigma liberal do direito pelo paradigma procedimentalista devido à já mencionada crise do primeiro com as mudanças no papel do Estado advindas do Estado social, Habermas aproxima seu modelo de democracia do modelo republicano, mas o adapta à realidade das sociedades complexas e plurais contemporâneas, libertando-o de seu estreitamento ético.[33]
Aponta como vantagem o sentido radicalmente democrático que reside na auto-organização da sociedade pelos cidadãos em mútuo acordo pela via comunicativa. A desvantagem, por sua vez, residiria na excessiva idealização que tornaria o processo democrático dependente da virtuosidade de cidadãos orientados ao bem comum, ou seja, pelo foco exclusivo nos acordos mútuos de caráter ético. Assim, conclui que o erro republicano consiste em uma condução estritamente ética dos discursos políticos.[34]
Um conceito de democracia adequado às sociedades complexas, nas quais o horizonte ético dos cidadãos na maioria das vezes não é compartilhado, deve, pois, ser um conceito de política deliberativa que faz jus justamente às diversidades e divergências próprias dessas sociedades, pelo deslocamento da razão prática dos direitos universais do homem ou da eticidade concreta de uma determinada comunidade para se instalar na estrutura de comunicação lingüística.[35]
Assim o reconhecimento mútuo e a dimensão de solidariedade como fonte de integração social fazem parte do modelo procedimentalista de democracia, em consonância com o paradigma procedimentalista do direito, mas não da mesma forma que no modelo republicano de democracia, pois não se trata da reflexão acerca de um contexto de vida ético comum[36], mas na deliberação política intersubjetiva voltada à legitimação democrática pela aceitabilidade racional de todos os possíveis atingidos.[37]
Importante ressaltar, enfim, que, como no modelo liberal, o limite entre Estado e sociedade permanece respeitado, mas não se configura mais como um esquema de compartimentos fechados de forma estanque, posto que sociedade civil opera como fonte de legitimação democrática enquanto fundamento social das opiniões públicas autônomas.[38] Desta forma, o poder socialmente integrativo da solidariedade se autonomiza e se contrapõe ao outros dois poderes (dinheiro e administração)[39], sendo a fonte de racionalização[40] discursiva das decisões políticas. “Portanto, o modelo deliberativo não dispensa a democracia liberal que é o marco dentro do qual se desloca.”[41]
3. O papel da jurisdição constitucional segundo o paradigma procedimental
“Ao estabelecer suas políticas, o legislador interpreta e estrutura direitos, ao passo que a justiça só pode mobilizar as razões que lhe são dadas, segundo o “direito e a lei”, a fim de chegar a decisões coerentes num caso concreto. Isso vale também, como vimos, para as interpretações construtivas de um tribunal constitucional, cujo papel é alvo de restrições por parte de uma compreensão procedimentalista do direito. O paradigma prodecimentalista do direito procura proteger, antes de tudo, as condições do procedimento democrático. Elas adquirem um estatuto que permite analisar, numa outra luz, os diferentes tipos de conflito. Os lugares abandonados pelo participante autônomo e privado do mercado e pelo cliente das burocracias do Estado social passam a ser ocupados por cidadãos que participam de discursos políticos, articulando e fazendo valer interesses feridos, e colaboram na formação de critérios para o tratamento igualitário de casos iguais e para o tratamento diferenciado de casos diferentes. Na medida em que os programas legais dependem de uma concretização que contribui para desenvolver o direito – a tal ponto que a justiça, apesar de todas as cautelas, é obrigada a tomar decisões nas zonas cinzentas que surgem entre a legislação e a aplicação do direito -, os discursos acerca da aplicação do direito têm que ser complementados, de modo claro, por elementos dos discursos de fundamentação. Esses elementos de uma formação quase-legisladora da opinião e da vontade necessitam certamente de um outro tipo de legitimação. O fardo desta legitimação suplementar poderia ser assumido pela obrigação de apresentar justificações perante um Fórum judiciário critico. Isso seria possível através da institucionalização de uma esfera pública jurídica capaz de ultrapassar a atual cultura de especialistas e suficientemente sensível para transformar as decisões problemáticas em foco de controvérsias públicas.”[42]
Conforme se pode inferir do trecho reproduzido acima, Habermas não nega, à luz de sua concepção de democracia, a interpretação construtiva do tribunal constitucional, especialmente porque concebe o princípio da separação de poderes de forma diversa da esposada pelo modelo liberal. Não obstante, seu paradigma procedimentalista do direito, bem como seu modelo deliberativo de democracia, impõe restrições à função de interpretação construtiva do tribunal constitucional. Isto porque, o paradigma procedimentalista tem como principal objetivo a proteção das condições do procedimento democrático.
Ao realizar em sua teoria uma abordagem reflexiva, e não concretista, Habermas, em consonância com seu paradigma procedimentalista do direito, concebe diferentemente o esquema clássico da divisão de poderes, que provém do paradigma liberal que pretende ver superado. O esquema clássico do modelo liberal parte da premissa, já apontada no tópico anterior, da separação total entre Estado e sociedade civil, ignorando as relações intersubjetivas e a autonomia pública dos cidadãos, que possuem apenas liberdades negativas. O positivismo, com sua concepção ficcional do ordenamento jurídico como um sistema de regras fechado e completo e a separação de poderes concebida de forma absoluta ou inflexível são sintomas desta visão de mundo.
A necessidade de uma reinterpretação do princípio da separação de poderes advém justamente da crise, já apontada, do paradigma de direito do Estado social, que operou a materialização do direito[43] e com isso sua indeterminação, consoante o ponto de vista do paradigma liberal positivista. Conforme outrora aludido, Habermas rejeita a alternativa neoliberal de retorno ao paradigma anterior, o do estado liberal[44], por entender que o crescimento e a mudança qualitativa das tarefas do Estado trouxeram a necessidade de uma legitimação de tipo diverso[45], pela gênese democrática do direito através de um processo político com condições procedimentais de normatizações legítimas levado a cabo por uma sociedade jurídica que se organiza a si mesma.[46]
E é justamente essa tomada de posição pela manutenção do compromisso com o Estado social, e pela conseqüente rejeição à proposta neoliberal, que traz a necessidade de uma nova concepção da relação entre Estado e sociedade civil, da Constituição e do princípio da separação de poderes.[47] Habermas vislumbra que a saída para a crise reside justamente no deslocamento do foco concretista que encarcera o direito e a política no Estado para uma compreensão reflexiva do direito e da política alocada também na sociedade civil politizada e autônoma privada e publicamente.[48]
Conforme já abordamos na exposição acerca do paradigma procedimentalista do direito, um dos elementos deste paradigma jurídico é a teoria da sociedade fundada na comunicação e segundo este postulado, o sistema político estruturado nos moldes do Estado de direito é apenas um sistema de ação entre outros, inserido no mundo da vida por meio de uma esfera pública que se ancora em uma sociedade civil. Eis a superação, viabilizada pelo paradigma procedimentalista, da separação absoluta entre Estado e sociedade, axioma do paradigma liberal, e do conseqüente encerramento da política no Estado operado por ela.[49]
“O avanço do direito regulativo oferece apenas a ocasião para a dissolução de uma determinada figura histórica da divisão de poderes no Estado de direito. Hoje em dia, o legislador político tem que escolher entre o direito formal, o material e o procedimental: tudo depende da matéria a ser regulada. Daí a necessidade de uma nova institucionalização do princípio da separação de poderes. Pois o manejo reflexivo de formas jurídicas alternativas proíbe que se tome a lei geral e abstrata como o único ponto de referencia para a separação institucional entre instâncias que legislam, que executam e que aplicam o direito. Mesmo durante o período liberal, a separação funcional não coincidiu perfeitamente com a separação institucional de poderes. No entanto, as diferenças surgiram claramente no decorrer do desenvolvimento do Estado social.”[50]
Isto dito, podemos inferir que o paradigma procedimentalista confere e endossa uma posição ativa por parte do judiciário e do tribunal constitucional. Isto porque a materialização do direito operada pelo Estado social não pode ser simplesmente ignorada com o retorno ao paradigma liberal anterior. A “remoralização” do direito ocorrida com a introdução de normas de princípio que ora perpassam a ordem jurídica gera uma indeterminação do direito ou uma necessidade de concretização dos programas legais que obriga a justiça a tomar decisões nas zonas cinzentas que surgem entre a legislação e a aplicação do direito. Desta forma, é patente que o ordenamento jurídico não pode mais ser concebido como um sistema fechado e auto-referenciado de normas, o que, por sua vez, traz a necessidade de uma interpretação construtiva do direito.
Neste sentido, Habermas concorda com Dworkin ao compreender que a existência de princípios e a incompletude do ordenamento, que se traduzem em zonas cinzentas para as quais as regras em sentido estrito não apresentam respostas prontas, demanda do julgador uma postura mais ofensiva que a de “boca da lei”, classicamente a ele atribuída pelo modelo liberal. Habermas concorda com Dworkin também quanto à necessidade de racionalização das decisões judiciais com a rejeição à possibilidade de exercício da discricionariedade nos casos de lacuna, por ser a fundamentação racional pressuposto essencial da democracia.
Contudo, é justamente na forma de racionalização que Habermas se afasta de Dworkin. Enquanto Dworkin, ainda atrelado ao paradigma liberal, concebe o juiz Hércules como o único ator responsável pela tarefa monumental de reconstrução do direito vigente (foco exclusivo no Estado de direito, como único espaço político), Habermas apóia sua teoria construtivista no modelo procedimentalista ou discursivo do direito, em superação aos modelos liberal e do Estado social, no qual a reconstrução do direito vigente não é levada a cabo pela idealização de um juiz com saber sobre-humano, por uma construção teórica realizada monologicamente, mas pelo agir comunicativo ou pela prática da argumentação de uma “comunidade aberta dos intérpretes da constituição”, no dizer de Peter Häberle, enfim, pela intersubjetividade da coletividade deliberativa. [51]
Portanto, Habermas concebe as pessoas como cidadãos com autonomia privada e pública e, neste sentido, com direitos positivos de participação. Os papéis centrais desempenhados pela sociedade civil e pela esfera pública politica no modelo procedimentalista de democracia habermasiano denotam tal concepção. E é por tudo isso que o paradigma procedimentalista, baseado na teoria do discurso, apesar de conceber o papel ativo do tribunal constitucional, pela necessária reinterpretação do principio da separação de poderes, ao mesmo tempo restringe este ativismo pela exigência de legitimação racional das decisões da corte pela gênese democrática do direito.
O ativismo da corte constitucional, portanto, é limitado, sob a ótica do paradigma procedimentalista do direito e do modelo deliberativo de democracia, pela autonomia pública dos cidadãos que, enquanto titulares de uma esfera pública jurídica politizada, fazem parte de uma coletividade deliberativa, de uma sociedade jurídica que se organiza a si mesma através intersubjetividade do agir comunicativo.
O reconhecimento mútuo e a dimensão de solidariedade como fonte de integração social, que fazem parte do modelo procedimentalista de democracia, em consonância com o paradigma procedimentalista do direito, enquanto deliberação política intersubjetiva voltada à legitimação democrática pela aceitabilidade racional de todos os possíveis atingidos, operam, pois, como elementos da teoria habermasiana que permitem o deslocamento do foco concretista que encarcera o direito e a política no Estado para uma compreensão reflexiva do direito e da política alocada também na sociedade civil politizada e autônoma privada e publicamente.
A teoria da sociedade fundada na comunicação, por sua vez, ao conceber o sistema político estruturado nos moldes do Estado de direito apenas como um sistema de ação entre outros, inserido no mundo da vida por meio de uma esfera pública que se ancora em uma sociedade civil viabiliza a superação da separação absoluta entre Estado e sociedade, axioma do paradigma liberal, e do conseqüente encerramento da política no Estado operado por ela.
Este fortalecimento do papel da cidadania, da sociedade civil e da formação da opinião e da vontade por meio do agir comunicativo com o entrelaçamento entre mundo da vida e sistema, entre autonomia privada e pública, entre soberania popular institucionalizada e não institucionalizada, impede o ativismo judicial pleno porque isto significaria uma absorção do mundo da vida pelo sistema, pela (re)construção (ilegítima) de um direito ilegítimo, de gênese não democrática. Desta forma, o empowerment das pessoas privadas impede um paternalismo do tribunal constitucional de todo inadequado com o modelo deliberativo de democracia.[52]
Isto porque, como já afirmado, no paradigma procedimentalista do direito a autonomia privada e a pública se entrelaçam necessariamente em uma auto-organização da comunidade jurídica. O paradigma procedimentalista do direito ressalta o status das pessoas enquanto autores da ordem jurídica da qual são destinatários e deita a legitimidade do direito justamente nesta autonomia das pessoas privadas, posto que segundo uma compreensão pós-metafísica do mundo, a legitimidade do direito vigente pode pretender residir tão somente na formação discursiva da opinião e da vontade de cidadãos livres e iguais, pelo que as expectativas de racionalização e legitimação do direito (pela aceitabilidade racional) se localizam nas formas de comunicação, enquanto estruturas abstratas de reconhecimento mútuo.
O que Habermas rejeita é o paternalismo do tribunal constitucional porque o paradigma procedimentalista, apoiado na teoria do discurso, entende a política deliberativa como constitutiva e, portanto, exercitada de forma contínua e permanente, como modo normal/regular do exercício do poder constituinte e não como um estado de exceção, como concebe o republicanismo, atrelado à concepção ética da autonomia do cidadão.[53] Habermas explica que tal concepção excepcionalista da prática política, à qual a tradição republicana adere por ligar a prática política dos cidadãos ao ethos de uma comunidade na qual a política fica dependente do agir de cidadãos virtuosos, leva à necessidade de um “lugar-tenente pedagógico”[54], a atuar como regente durante o tempo em que o povo soberano se concentra no seu modo normal de privatismo cidadão[55] e justamente para compensar o desnível que se forma entre o ideal republicano e a realidade constitucional. Isto porque, a imputação de virtude como requisito para o exercício da política deliberativa leva a que se perceba o processo democrático real como uma política desvirtuada ou “decaída”.[56]
“Somente as condições processuais da gênese democrática das leis asseguram a legitimidade do direito. Partindo dessa compreensão democrática, é Possível encontrar um sentido para as competências do tribunal constitucional, que corresponde à intenção da divisão de poderes no interior do Estado de direito: o tribunal constitucional deve proteger o sistema de direitos que possibilita a autonomia privada e pública dos cidadãos. O esquema clássico da separação e da interdependência entre os poderes do Estado não corresponde mais a essa intenção, uma vez que a função dos direitos fundamentais ao pode mais apoiar-se nas concepções sociais embutidas no paradigma do direito liberal, portanto não pode limitar-se a proteger os cidadãos naturalmente autônomos contra os excessos do aparelho estatal. A autonomia privada também é ameaçada através de posições de poder econômicas e sociais e dependente, por sua vez, do modo e da medida em que os cidadãos podem efetivamente assumir os direitos de participação e de comunicação de cidadãos do Estado. Por isso, o tribunal constitucional precisa examinar os conteúdos de normas controvertidas especialmente no contexto dos pressupostos comunicativos e condições procedimentais do processo de legislação democrático. Tal compreensão procedimentalista da constituição imprime uma virada Teórico-democrática ao problema de legitimidade do controle jurisdicional da constituição.”[57]
Habermas adota uma compreensão procedimetalista da constituição[58], mas como já delineado, a depura da limitação gerada pela concepção republicana excepcionalista da deliberação política. Ele reformula a proposta de Ely[59] reproduzida no trecho acima justamente por conceber a autodeterminação dos cidadãos como autonomia pública exercida continuamente enquanto processo de formação de opinião e de vontade política por via comunicativa. Assim, não concebe que o tribunal constitucional, ao exercer o controle abstrato de normas, possa apelar para uma autoridade derivada[60], inferida do direito de autodeterminação do povo, pois este se exerce continuamente e no funcionamento regular do processo político, já que o processo democrático não configura um estado de exceção[61].
Disto resulta que legitimação da jurisdição constitucional não depende da latência da política deliberativa de cunho popular, a qual substituiria em sua autodeterminação, como um regente substitui um sucessor menor de idade. A legitimação do tribunal constitucional, ao contrário, depende da efetivação e da manutenção da política deliberativa, para cuja proteção existe, enquanto guardião dos direitos fundamentais garantidores da autonomia política dos cidadãos e da gênese democrática do direito, que pode, portanto, atuar no máximo como um tutor que vela pelo implemento das condições possibilitadoras de um tal processo.[62]
A função do tribunal constitucional consiste, pois, na proteção da política deliberativa e neste sentido ele deve garantir suas bases de funcionamento, as condições pragmático-formais possibilitadoras de uma política deliberativa, fonte de racionalidade e de legitimação democrática. O tribunal constitucional deve garantir, pois, que a pratica da autodeterminação deliberativa desenvolva-se nos fluxos comunicacionais entre a formação institucionalizada da opinião e da vontade e a formação da opinião e da vontade nos círculos informais da comunicação política (núcleo do paradigma procedimentalista – entrelaçamento da soberania institucionalizada e da não institucionalizada). Neste sentido, a Corte suprema deve buscar constantemente a inclusão das vozes ausentes, a efetivação da democracia pela amplitude crescente do espectro de intérpretes da constituição.
4. O artigo 103-A da CRFB de 1988 e a EC 45/04
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”
Acerca da dinâmica de funcionamento do expediente das súmulas vinculantes, Luís Roberto Barroso explica que, na prática, “as súmulas prestam-se a veicular o entendimento do Tribunal acerca de qualquer questão constitucional.” E acrescenta: “Isso porque, estabelecida uma interpretação vinculante para determinado enunciado normativo, a conseqüência será a invalidade de qualquer ato ou comportamento que lhe seja contrário, oriundo do Poder Judiciário ou mesmo de particulares”.[63]
Neste sentido, o autor chama atenção para o fato de que o uso da súmula vinculante não se limita ao controle incidental de constitucionalidade, mas pelo contrário, permite que o STF confira eficácia vinculante a qualquer tese jurídica, ficando o entendimento da corte cristalizado em um enunciado dotado de eficácia geral. Desta forma, afirma que decisões produzidas em controle abstrato podem vir a ser sumuladas com eficácia vinculante.[64]
Fica claro, portanto, que o instituto trazido pela EC 45/04 ao sistema brasileiro de jurisdição constitucional confere ao STF o poder de determinar à Administração Pública e aos demais órgãos do Poder Judiciário, bem como já mencionamos, segundo Luís Roberto Barroso, até mesmo aos particulares, a observância compulsória de sua jurisprudência.
As razões trazidas pelo autor para justificar o instituto das súmulas gravitam em torno dos benefícios da celeridade e da eficiência na administração da justiça, com a diminuição do número de recursos que chega ao STF, bem como pela compreensão renovada em torno da interpretação jurídica, que não mais pode ser concebida como uma atividade mecânica de revelação dos conteúdos das regras jurídicas, mas de esclarecimento quanto aos conteúdos cada vez mais abertos (indeterminados) do direito, tais como termos polissêmicos, princípios gerais e conceitos jurídicos indeterminados.[65]
Quanto ao argumento do eficientismo, com a simplificação do processo decisório pela centralização da tarefa interpretativa na corte constitucional que gera, sem dúvida, maior celeridade, devemos, neste primeiro momento, ressaltar que ele parte da premissa de que “em uma sociedade de litígios de massa, não é possível o apego às formas tradicionais de prestação artesanal de jurisdição”.[66] O papel da sociedade civil aparece claramente desprestigiado, bem como desprestigiada fica a concepção da cidadania jurídica como entrelaçamento da autonomia privada com a pública. A massa que necessita do paternalismo pela centralização decisória[67] não é, portanto, concebida como uma esfera pública jurídica politizada, como cidadania que se transformou na “comunidade dos intérpretes da constituição”.
Já em relação ao argumento segundo o qual a atividade interpretativa não mais se coaduna com a função mecânica de aplicação pura e simples da lei, como explicado ao longo de nosso desenvolvimento acerca da teoria habermasiana, de fato, a materialização do direito trazida pelo paradigma do Estado social, exige uma interpretação construtivista do direito vigente, mas isso não significa que o intérprete possa criar direito novo sem qualquer base de legitimidade democrática, partindo tão somente de uma compreensão semântica da textura aberta da norma.
A teoria habermasiana, ao atribuir ao tribunal constitucional a tarefa de velar pela prática da autodeterminação deliberativa a desenvolver-se nos fluxos comunicacionais entre a formação institucionalizada da opinião e da vontade e a formação da opinião e da vontade nos círculos informais da comunicação política (núcleo do paradigma procedimentalista), restringe o tribunal constitucional em sua função criativa do direito não apenas no sentido de um dever de observância, mas também de um dever de promoção da política deliberativa, pois nisso residiria sua própria legitimação democrática. Devemos observar, ademais, que isto implica uma concepção procedimentalista da constituição, o que deve excluir a possibilidade de uma jurisprudência de valores a ser ditada pelo pai-regente tribunal aos filhos de menoridade. Por fim, deve-se ter em mente que a teoria habermasiana objetiva a maior racionalidade e legitimação do direito pela ampliação do número de intérpretes da constituição, objetivo este que, inclusive, o tribunal constitucional, segundo o paradigma procedimentalista, deve garantir enquanto guardião das condições do procedimento democrático.
Vale ressaltar que as súmulas vinculantes podem ser editadas, revistas ou canceladas tão somente pela decisão de dois terços dos ministros do STF.[68] Além disso, como observa Luís Roberto Barroso, “A Constituição e a lei não especificaram o numero de decisões que deve anteceder a medida e nem seria o caso de fazê-lo.” Portanto, na prática, fica ao alvedrio do STF o poder de decidir quando uma questão constitucional foi suficientemente objeto de “reiteradas decisões” a ponto de se justificar sua cristalização em súmula vinculante.[69]
Por fim, cabe ressaltar que para “evitar o esvaziamento do instituto por eventual insubordinação[70] dos órgão que deveriam aplicar as súmulas”, o § 3o do art. 103-A previu a possibilidade de reclamação contra a decisão judicial ou ato administrativo que não aplique súmula vinculante que deva ser aplicada ou que aplique súmula de forma indevida. O STF poderá anular o ato administrativo desrespeitoso ou cassar a decisão judicial, determinando sua substituição pela decisão que o tribunal reputa adequada.[71]
Quanto à EC 45/04, que trouxe o instituto jurídico da súmula vinculante à jurisdição constitucional brasileira, vale reproduzir aqui os lúcidos comentários de Claudio Baldino Maciel. Sua análise critica da Reforma do Judiciário nos será útil quando do estudo, no tópico que se segue, dos reflexos das súmulas vinculantes sobre o princípio da independência funcional do juiz.
Cláudio Baldino Maciel analisou sob o ponto de vista da globalização e do neoliberalismo a reforma do Judiciário brasileiro para concluir que se trata, na realidade, de um fenômeno que vem ocorrendo na maior parte dos países em desenvolvimento, nos quais o Poder Executivo vem ampliando cada vez mais a sua atuação em detrimento dos demais Poderes.[72] Expõe o autor seu entendimento no seguinte sentido:
“Pois sendo o Judiciário o poder controlador da área de atuação dos demais poderes, sobremodo do Executivo, está a sofrer tentativas de reformas em muitos países. Vêm elas postas coincidentemente no mesmo momento histórico. Tais reformas, no Brasil, nitidamente procuram diminuir a expressão político-institucional do Poder Judiciário e, com isso, transformá-lo em menor obstáculo para o exercício das atividades do Poder Executivo nas suas políticas governamentais.” [73]
Buscando a raiz deste fenômeno, o autor atenta para o fato de que o documento do Banco Mundial “O setor judiciário na América Latina e no Caribe – Elementos para reforma” (produzido nos Estados Unidos em meados de 1996)[74] prevê a necessidade de reformas nos Poderes Judiciários da América Latina e do Caribe para “quebrar a natureza monopolística do Judiciário, melhor garantir o direito de propriedade e propiciar o desenvolvimento econômico e do setor privado”. [75]
Assim, o autor conclui que a reforma é na realidade parte de um projeto global que visa fragilizar a expressão institucional do Poder Judiciário, que passaria a ter uma atuação menos contundente enquanto garantidor dos direitos e liberdades, permitindo o trânsito livre de percalços para o capital internacional, para o qual um ambiente favorável e, principalmente, previsível mostra-se essencial em termos de desenvolvimento. [76]
5. A incompatibilidade do procedimento das súmulas vinculantes com o modelo habermasiano de democracia
“O artigo 103-A autoriza o Supremo Tribunal Federal a criar súmulas vinculantes que são normas gerais, conforme demonstrado no capítulo I, ns. 4 e 5. A criação de normas gerais e abstratas impondo ou proibindo condutas às pessoas em geral, vale dizer, disciplinando a conduta do povo, é reservada de modo absoluto pela Constituição à lei, isto é, aos representantes do povo. Como sabemos, se a Constituição reserva uma determinada matéria à lei, significa excluir a competência de todos os outros órgãos para regular essa matéria. A razão disso está no princípio democrático consagrado na Constituição que, em essência, significa que a validade das normas depende de que tenham sido estabelecidas com a participação de todos os que podem ser potencialmente afetados por elas (...) Entretanto, como mencionado tantas e tantas vezes, o artigo 103-A da Constituição, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45, de 8/12/2004, outorga poderes (competência) ao Supremo Tribunal Federal para produzir enunciados de súmulas vinculantes para todos os órgãos do Poder Judiciário e administrações públicas de todas as espécies, nas três esferas estatais e, implicitamente, para a população que, sabendo que são de aplicação obrigatória pelos órgãos do Poder Judiciário e administrações publicas, procurará cumpri-las, até por razões estratégicas para fugir das sanções que sua desobediência poderá acarretar. Obrigando a todos, entidades públicas e sujeitos privados, como resulta da literalidade das disposições do referido artigo 103-A, as súmulas vinculantes configuram verdadeiras normas jurídicas gerais e abstratas, de hierarquia superior à própria lei, uma vez que ditam o sentido em que as disposições legislativas (leis) devem ser entendidas, o que dá aos onze ministros do Supremo Tribunal Federal, escolhidos e nomeados pelo presidente da República, ratificada a escolha burocraticamente pelo Senado Federal, mais poder do que o conferido ao legislador democrático, pois quem tem autoridade absoluta para atribuir sentido à lei é, sob todos os aspectos, o verdadeiro legislador, e não quem escreve o texto da lei (...) Diante disso, verifica-se que há um conflito de competência entre a disposição do artigo 5o, n. II, da Constituição que reserva à lei, isto é, ao legislador democrático, com exclusividade, a competência para prescrever normas gerais sobre a conduta do povo, e o artigo 103-A que outorga ao Supremo Tribunal Federal idêntica competência a ser exercida através da emissão de enunciados de súmula vinculante, que podem ter por objeto qualquer matéria, já que não há aspecto jurídico da vida humana que não encontre fundamento na Constituição. Por conseguinte, o artigo 103-A é inconstitucional por atribuir ao Supremo Tribunal Federal a competência (o poder) para emitir enunciados de súmulas vinculantes sobre a conduta das pessoas, o que ofende o direito fundamental de liberdade, matéria que a Constituição reserva à lei de modo absoluto (artigo 5o, n. II) (...) Como as normas jurídicas implicam limites à liberdade, essa limitação só pode ser aceitável se as pessoas participam ou têm a possibilidade de participar de sua produção, embora indiretamente como nas democracias representativas, o que não ocorre com as súmulas vinculantes.”[77]
Apesar de José de Albuquerque Rocha intencionar a demonstração da incompatibilidade do procedimento das súmulas vinculantes com a Constituição brasileira de 1988 e este trabalho ter por objetivo a conclusão da incompatibilidade deste procedimento com a teoria habermasiana, especialmente no que tange ao seu modelo de democracia e seu paradigma procedimentalista do direito, a reprodução do trecho acima afigura-se bastante válida por diversos motivos. Antes de enumerá-los, porém, é fundamental ressaltar que o autor realiza uma aproximação entre o modelo de democracia adotado pela Constituição brasileira e o modelo habermasiano[78], o que permite nossa apropriação de algumas de suas lúcidas conclusões, após, é lógico, as devidas adaptações ao escopo de nossa exposição.
O principal motivo reside no fato de ter o autor conseguido captar de forma contundente a magnitude e a amplidão do poder que as súmulas vinculantes conferem ao STF, principalmente, através do diagnóstico de que as súmulas tratam-se, na verdade, de normas gerais e abstratas cogentes, inclusive, perante a população.
Além disso, o autor percebe a ofensa à liberdade que o instituto promove, justamente por entender liberdade enquanto liberdade não só negativa, mas, antes de tudo, positiva, no sentido de autonomia pública. Desta forma, o autor atesta que as súmulas impedem o exercício da democracia deliberativa, enfim, da auto-regulação expressa pelo princípio D.
Como não intencionamos concluir pela inconstitucionalidade do artigo 130-A, mas sim pela incompatibilidade deste dispositivo com o modelo deliberativo de democracia, analisado no item 2 deste trabalho, e com o papel que o paradigma procedimentalista atribui à jurisdição constitucional, analisado no item 3 deste trabalho, devemos alargar o espectro de nossa abordagem, a fim de que pontos fundamentais não contemplados pela análise de José Albuquerque Rocha (porque repita-se o escopo de seu trabalho era outro) venham à luz.
Tomando as conclusões do autor como pressupostos para nossa argumentação, bem como ancorados em tudo o que foi dito acerca da teoria habermasiana nos itens 2 e 3 desta apresentação, podemos facilmente compreender que as súmulas conferem à corte uma função inadequada ao seu papel no esquema da democracia enquanto processo deliberativo e com isso prejudicam o processo democrático.
Tanto pelas conclusões de Luís Roberto Barroso, quanto pelas de José Albuquerque Rocha, podemos entender que a súmula vinculante confere um monopólio interpretativo ao STF e, mais do que isso, permite que o tribunal legisle, uma vez que seus enunciados correspondem a normas gerais e abstratas com eficácia erga omnes.
Diante deste quadro, uma série de incompatibilidades com a teoria habermasiana podem ser apontadas. Abordaremos, não exaustivamente, os seguintes temas, tendo em mente que todos possuem implicações recíprocas: o monopólio interpretativo do STF – monólogo e juiz Hércules, agir comunicativo e retroalimentação do sistema pelo mundo da vida, final opinion; o foco no Estado (visão concretista) – supressão da dimensão de solidariedade, supressão da autonomia pública da sociedade civil politizada, neutralização do espaço público, retorno à separação absoluta entre Estado e sociedade (alternativa neoliberal), aprisionamento da política no Estado de direito, pessoas concebidas apenas com status negativo (massa); o papel da jurisdição constitucional – a interpretação construtiva restringida pela política deliberativa, admissão de uma postura ativa do tribunal por conta da indeterminação do direito operada pela sua materialização cujo limite é a liberdade positiva dos cidadãos (reinterpretação da separação de poderes), paternalismo do tribunal, heteronomia, supressão da facticidade, transcendência; legitimidade dos enunciados sumulados, a legitimidade do direito reside na formação discursiva da opinião e da vontade dos cidadãos livres e iguais, a democracia pelo agir comunicativo da comunidade aberta dos intérpretes da constituição, princípio D e legitimidade pela gênese democrática do direito; EC 45 – segurança jurídica em detrimento da democracia, validade em detrimento da facticidade, concentração do poder na cúpula do judiciário com seus reflexos sobre o princípio da independência funcional do juiz, características do modelo liberal em detrimento das do republicano, reaproximação do modelo liberal e do positivismo jurídico, sistema fechado e auto-referencial com o poder de revisão das súmulas nas mãos do STF (quórum qualificado).
Quanto ao primeiro ponto levantado, o monopólio interpretativo do STF, o instituto da súmula vinculante, ao estabelecer uma vinculação dos demais órgãos ao entendimento do tribunal, deságua inevitavelmente em um monólogo da corte suprema, que suprime a polivocalidade e a divergência e que, por isso, opera de forma semelhante ao princípio monológico da teoria do direito solipsista de Dworkin, que, como vimos, é incompatível com o modelo deliberativo de democracia proposto por Habermas, o qual pressupõe a formação horizontal da vontade pública por via comunicativa.
Conforme já apontado, o direito, no paradigma procedimentalista, deve funcionar como medium, como meio de integração social que viabilize a autocompreensão de uma comunidade solidária. Neste sentido, vimos justamente que, nas sociedades complexas, as relações de reconhecimento mútuo, que se produzem em formas de vida concreta através do agir comunicativo, só se deixam generalizar abstratamente através do direito.
A teoria da argumentação jurídica deve, no paradigma procedimentalista, como já explicamos, assumir o fardo das exigências ideais atribuídas por Dworkin ao seu juiz Hércules e, assim, a necessidade de legitimação do direito deve ser suprida pelo agir comunicativo orientado à aceitabilidade racional de todos os possíveis atingidos (horizontalizarão do processo de tomada de decisões) e não pelas habilidades sobre-humanas de um juiz ou de um corpo especializado de 11 juízes de forma solitária (verticalização das decisões). A aproximação entre o colegiado da Corte Constitucional brasileira e o juiz Hércules dworkiano enquanto modelo ideal de julgador solitário não é, pois, mera coincidência.
O diálogo politico deve operar-se de forma contínua e ininterrupta, fazendo jus à facticidade inerente ao exercício do poder constituinte. E exatamente por isso, Habermas aponta que não há um fim “natural” no encadeamento dos possíveis argumentos substanciais e que para se apagar esse derradeiro momento de factididade, é preciso encerrar a série de argumentos de um modo não puramente fático, mas sim através de uma qualquer idealização.
O sistema fechado de normas do modelo positivista, sob a égide do paradigma liberal do direito, operou uma tal ficção metafísica, e, da mesma forma, tal idealização heterônoma e transcendente pode ocorrer por meio de uma aproximação da cadeia de argumentos (infinita e ininterrupta por natureza) de um valor limite ideal, que pode muito bem ser o entendimento sumulado com efeito vinculante pela Corte Constitucional em exercício de um monopólio interpretativo (juiz Hércules). Desta forma, a súmula vinculante faz as vezes de uma final opinion que captura o diálogo de sua imanência natural, fechando, através de uma intervenção autoritária, as comportas que retroalimentam o sistema pelo mundo da vida.
Tal operação, por sua vez, acarreta uma separação absoluta entre Estado e sociedade civil e um aprisionamento da política no primeiro. Eis o nosso segundo ponto de atrito entre o instituto das súmulas e a teoria habermasiana: as súmulas só podem operar dentro de uma visão concretista similar à do paradigma liberal do direito, onde o foco da política reside tão somente no Estado.
Ao invés da ênfase no ancoradouro da política simultaneamente no Estado e na sociedade civil[79], no sistema e no mundo da vida, que retroalimenta o primeiro pelo agir (poder) comunicativo[80] , que, quando ocorrido segundo processos democráticos de formação da opinião e da vontade no espaço público político, se transforma em poder administrativo pelo medium do direito[81], as súmulas vinculantes permitem a supressão da dimensão de solidariedade, pela supressão da autonomia pública da sociedade civil politizada e pela conseqüente neutralização do espaço público politico.
Isto tudo aproxima as súmulas de um mecanismo próprio de uma alternativa neoliberal, e não de uma alternativa procedimentalista. Com o aprisionamento da política no Estado de direito, as pessoas são concebidas, tal qual o eram no liberalismo clássico, apenas com status negativo, o que se torna evidente pela utilização do termo massa[82] quando da referência à sociedade civil. A autonomia política pública e a possibilidade de uma auto-organização democrática de uma sociedade civil politizada são descartadas por uma visão de mundo como esta, implícita no instituto das súmulas vinculantes.
Conforme já abordamos na exposição acerca do paradigma procedimentalista do direito, um dos elementos deste paradigma jurídico é a teoria da sociedade fundada na comunicação e segundo este postulado, o sistema político estruturado nos moldes do Estado de direito é apenas um sistema de ação entre outros, inserido no mundo da vida por meio de uma esfera pública que se ancora em uma sociedade civil. Esta concepção de política viabiliza a supressão da separação absoluta entre Estado e sociedade (axioma do paradigma liberal e neoliberal), e do conseqüente encerramento da política no Estado operado por ela. Já a concepção implícita no mecanismo das súmulas opera justamente o contrário: o retorno à separação e à autonomização do Estado, que se descola do social, em detrimento da autonomia da sociedade civil.
O paradigma procedimentalista traz uma dimensão de sociabilidade ou solidariedade social pela prática da autodeterminação comunicativa enquanto processo intersubjetivo de exercício da autonomia pública e privada. Nele, a sociedade civil e a esfera pública política adquirem posição de destaque no processo democrático, modificando-se a concepção de uma sociedade civil com status somente negativo apartada por completo de um Estado limitado ativa e autônoma politicamente. É este o quadro político e social de democracia deliberativa que o procedimento das súmulas vinculantes inviabiliza.
Quanto ao papel da jurisdição constitucional, o paradigma procedimentalista concebe que o tribunal supremo promova a interpretação construtiva, mas restringe este ativismo pelo dever de respeito e de promoção de uma política deliberativa (vide item 3). Esta admissão de uma postura ativa do tribunal ocorre, como já apontamos, por conta da indeterminação do direito operada pela sua materialização e o seu limite reside na liberdade positiva dos cidadãos.
O ativismo da corte constitucional, portanto, é limitado, sob a ótica do paradigma procedimentalista do direito e do modelo deliberativo de democracia, pela autonomia pública dos cidadãos que, enquanto titulares de uma esfera pública jurídica politizada, fazem parte de uma coletividade deliberativa, de uma sociedade jurídica que se organiza a si mesma através intersubjetividade do agir comunicativo.
Já esclarecemos que, assim como no modelo liberal, o limite entre Estado e sociedade permanece respeitado no modelo procedimentalista de democracia, mas não mais se configura como um esquema de compartimentos totalmente fechados, posto que sociedade civil opera como fonte de legitimação democrática enquanto fundamento social das opiniões públicas autônomas. Os papéis centrais desempenhados pela sociedade civil e pela esfera pública política no modelo procedimentalista de democracia habermasiano denotam tal concepção. E é por tudo isso que o paradigma procedimentalista, baseado na teoria do discurso, apesar de conceber o papel ativo do tribunal constitucional, pela necessária reinterpretação do principio da separação de poderes, ao mesmo tempo restringe este ativismo pela exigência de legitimação racional das decisões da corte pela gênese democrática do direito.
Este fortalecimento do papel da cidadania, da sociedade civil e da formação da opinião e da vontade por meio do agir comunicativo com o entrelaçamento entre mundo da vida e sistema, entre autonomia privada e pública, entre soberania popular institucionalizada e não institucionalizada, impede o ativismo judicial pleno porque isto significaria uma absorção do mundo da vida pelo sistema, pela (re)construção (ilegítima) de um direito ilegítimo, de gênese não democrática. Desta forma, o empowerment das pessoas privadas impede um paternalismo do tribunal constitucional de todo inadequado com o modelo deliberativo de democracia.
O que Habermas rejeita é o paternalismo do tribunal constitucional porque o paradigma procedimentalista, apoiado na teoria do discurso, entende a política deliberativa como constitutiva e, portanto, exercitada de forma contínua e permanente, como modo normal/regular do exercício do poder constituinte e não como um estado de exceção, como concebe o republicanismo, atrelado à concepção ética da autonomia do cidadão, que leva à necessidade de um “lugar-tenente pedagógico”, a atuar como regente durante o tempo em que o povo soberano se concentra no seu modo normal de privatismo cidadão.
Disto resulta que legitimação da jurisdição constitucional não depende da latência da política deliberativa de cunho popular, a qual substituiria em sua autodeterminação, como um regente substitui um sucessor menor de idade. A legitimação do tribunal constitucional, ao contrário, depende da efetivação e da manutenção da política deliberativa, para cuja proteção existe, enquanto guardião dos direitos fundamentais garantidores da autonomia política dos cidadãos e da gênese democrática do direito, que pode, portanto, atuar no máximo como um tutor que vela pelo implemento das condições possibilitadoras de um tal processo.
Justamente pela função do tribunal constitucional consistir na proteção da política deliberativa pela garantia de suas bases de funcionamento, das condições pragmático-formais possibilitadoras de uma política deliberativa, enquanto fonte de racionalidade e de legitimação democrática, o tribunal constitucional tem o dever de garantir a prática da autodeterminação deliberativa a desenvolver-se nos fluxos comunicacionais entre a formação institucionalizada da opinião e da vontade e a formação da opinião e da vontade nos círculos informais da comunicação política.
Neste sentido, a Corte suprema deve buscar constantemente a inclusão das vozes ausentes, a efetivação da democracia pela amplitude crescente do espectro de intérpretes da constituição. O STF, ao elaborar súmulas monologicamente, e impor seu entendimento de forma erga omnes descumpre precisamente este dever de promoção da democracia deliberativa, na medida em que não promove a autonomia política dos cidadãos e nem a inclusão dialógica, mas, ao contrário, cria direito independente de uma base de legitimação democrática, atua como regente e concebe a sociedade como um sucessor menor de idade. Seu paternalismo fere flagrantemente, pois, o papel atribuído à jurisdição constitucional pela teoria habermasiana.
Em nome da celeridade e do eficientismo na administração da justiça, com a simplificação do processo decisório pela centralização da tarefa interpretativa na corte constitucional, o papel da sociedade civil é claramente desprestigiado, bem como desprestigiada fica a concepção da cidadania jurídica como entrelaçamento da autonomia privada com a pública. A massa que necessita do paternalismo pela centralização decisória não é, portanto, concebida como uma esfera pública jurídica politizada, como uma cidadania com poder de auto-organização que se transformou na “comunidade dos intérpretes da constituição”.
O ativismo judicial do STF, através do mecanismo das súmulas vinculantes, ultrapassa escandalosamente as amarras e restrições do paradigma procedimentalista. É verdade que a atividade interpretativa não mais se coaduna com a função mecânica de aplicação pura e simples da lei, visto que a materialização do direito operada pelo paradigma do Estado social exige uma interpretação construtivista do direito vigente, mas isso de forma alguma significa que o intérprete possa criar direito novo sem qualquer base de legitimidade democrática, partindo tão somente de uma compreensão semântica da textura aberta da norma. Isto é poder discricionário em sentido forte tal qual o admitido pelo positivismo jurídico.
Uma vez que a legitimidade do direito para o paradigma procedimentalista reside, portanto, na formação discursiva da opinião e da vontade dos cidadãos livres e iguais, pela democracia deliberativa do agir comunicativo da comunidade aberta dos intérpretes da constituição, conforme o princípio D, os enunciados sumulados somente podem ser tidos como direito ilegítimo. A gênese democrática do direito exige diálogo e participação inclusiva de intérpretes, o que por óbvio não é promovido pelo mecanismo da súmula.
A teoria habermasiana objetiva a maior racionalidade e legitimação do direito pela ampliação do número de intérpretes da constituição, objetivo este que, inclusive, o tribunal constitucional, segundo o paradigma procedimentalista, deve garantir enquanto guardião das condições do procedimento democrático. O STF ao editar súmulas vinculantes não cumpre sua função democratizante e o direito que cria, pois, carece de legitimidade por carecer de base democrática.
O último ponto a ser abordado funciona como síntese e conclusão deste trabalho, já que todas as incompatibilidades entre o instituto das súmulas vinculantes e o modelo procedimentalista de democracia podem ser reconduzidas a uma única constatação: o mecanismo das súmulas vinculantes está em conformidade com o escopo geral da chamada reforma do judiciário operada pela EC 45, qual seja, o de privilegiar a segurança jurídica em detrimento da democracia.
A deliberação democrática com o fortalecimento da racionalidade da jurisdição, oriunda da aceitabilidade racional, fica prejudicada com o recurso das súmulas vinculantes, devido à super valorização da segurança jurídica que este opera ao conferir um monopólio interpretativo ao STF. Por todo o argumentado ate aqui, inferimos que o mecanismo da súmula vinculante opera com a tensão entre facticidade e validade, mas não elaborando-a como faz o paradigma procedimentalista, mas suprimindo a facticidade em prol da validade, através de uma idealização semelhante àquela que o modelo liberal, por meio da ficção do sistema, sustentou.
As súmulas vinculantes só podem existir em um modelo que privilegie as características do modelo liberal em detrimento das do republicano, ao invés de sintetizar os melhores aspectos de cada um como faz o modelo procedimentalista. A tomada de posição pela manutenção do compromisso com o Estado social, e pela conseqüente rejeição à proposta neoliberal, faz com que o modelo procedimentalista conceba a relação entre Estado e sociedade civil de forma reflexiva com o deslocamento do foco concretista que encarcera o direito e a política no Estado para uma compreensão reflexiva do direito e da política alocada também na sociedade civil politizada e autônoma privada e publicamente. Por fazer justamente o contrário, podemos concluir que o mecanismo das súmulas está comprometido com uma proposta neoliberal e afastado, por isso, do modelo procedimentalista de democracia.
Visto que a democracia deliberativa depende da conservação de um momento de facticidade, de imanência e de soberania popular (institucionalizada e não institucionalizada), no sentido da autonomia dos cidadãos politizados, que em um diálogo ininterrupto participam dos discursos racionais que visam conferir legitimidade através do assentimento racional de todos os possíveis atingidos pelas normas (Princípio D), a super valorização do princípio da segurança jurídica, da legalidade e da validade ocorre em prejuízo da legitimidade democrática da formação da vontade pública por via comunicativa, e, portanto, da democracia.
A super valorização da validade suprime justamente este momento de facticidade, de gênese democrática da direito, de autonomia, transitividade e imanência e esta operação de aprisionamento da democracia em prol da segurança pode ser melhor compreendida à luz dos objetivos que estiveram por traz da emenda 45. Como já reproduzido em tópico anterior, Claudio Baldino Maciel analisou criticamente a reforma do judiciário, sob o ponto de vista da globalização e do neoliberalismo, e concluiu que esta foi parte de um fenômeno mais amplo que vem ocorrendo na maior parte dos países em desenvolvimento, nos quais o poder Executivo vem ampliando cada vez mais a sua atuação em detrimento dos demais Poderes.
Segundo ele, o documento do Banco Mundial “O setor judiciário na América Latina e no Caribe – Elementos para reforma” (produzido nos Estados Unidos em meados de 1996) prevê a necessidade de reformas nos poderes Judiciários da América Latina e do Caribe para “quebrar a natureza monopolística do Judiciário, melhor garantir o direito de propriedade e propiciar o desenvolvimento econômico e do setor privado”.
Portanto, a reforma seria parte de um projeto global que visa fragilizar a expressão institucional do Poder Judiciário, que passaria a ter uma atuação menos contundente enquanto garantidor dos direitos e liberdades, permitindo o trânsito livre de percalços para o capital internacional, para o qual um ambiente favorável e, principalmente, previsível mostra-se essencial em termos de desenvolvimento.
Pode parecer um contra-senso porque afinal o poder do STF foi estupendamente aumentado, mas na realidade o que não falta é lógica, posto que o fortalecimento da cúpula ocorreu em detrimento do restante do poder judiciário, com a limitação aguda da independência funcional dos magistrados pela exigência de obediência ao supremo pai-tribunal. Basta lembrarmos que os ministros do STF, longe de alçarem ao cargo por meio do mecanismo democrático do concurso público de provas e títulos, são indicados pelo chefe do poder Executivo, pelo que a corte é um órgão mais político que jurídico e mais afeito ao poder executivo que ao judiciário.
Somente um juiz independente será verdadeiramente capaz de agir com imparcialidade na formação de sua livre convicção. Apenas um juiz independente pode exercer a função constitucional de garantidor dos direitos fundamentais, que, conforme já apontamos, é precisamente a posição do juiz dentro do Estado Democrático de Direito.[83]
Os juízes, portanto, após a reforma do Judiciário trazida pela Emenda 45, possuem “salvo-conduto”, protegidos pela vinculação normativa às decisões do Pretório Excelso determinada pelo mecanismo das súmulas vinculantes, para seguirem cegamente o pai-tribunal, expediente que inclusive facilita o exercício da função por aqueles juízes mais inseguros[84], mas que, em todos os casos reduz sensivelmente a independência do intérprete e que, no conjunto, frustra o ideal democrático da “comunidade aberta dos intérpretes da Constituição”.
O que se observa, em última análise, é que o pensamento dos Tribunais se dogmatiza e substitui inclusive a lei e, como conseqüência, tolhe em definitivo a criatividade do operador jurídico.
6. Conclusões Finais
“Quando uma decisão vale porque proferida por este ou aquele tribunal, e não porque é uma boa decisão, passa-se a ser um mero repetidor acrítico e autofágico[85], impedindo qualquer espécie de evolução.” [86]
É possível concluir que a decisão final e vinculativa do STF representa um engessamento da dinâmica transitiva do mundo da vida, posto que o Tribunal, em seu monopólio interpretativo, opera uma heteronomia que acaba por neutralizar a autonomia pública dos cidadãos e diminuir o espectro de intérpretes da Constituição.
Referida heteronomia, inclusive, resvala na neutralização não apenas do agir comunicativo não institucionalizado, da sociedade civil, mas também na neutralização da autonomia dos demais integrantes do poder Judiciário e do protagonismo dos demais poderes da República, haja vista o monopólio do Tribunal na conferência de sentido às normas legislativas, com exigência de obediência por parte da Administração.
As súmulas vinculantes tornam o sistema jurídico fechado e auto-referencial, o que se agrava pelo fato de que o poder de aprovação, revisão e cancelamento das súmulas está concentrado nas mãos do próprio STF com a exigência adicional de quorum qualificado de dois terços dos ministros da Corte. Não devemos esquecer, ademais, da possibilidade de reclamação ao STF por desobediência dos às súmulas vinculantes, o que transmite uma idéia de subordinação inaceitável em um modelo político verdadeiramente deliberativo.
A opção pela segurança jurídica e pela validade em detrimento da facticidade e da democracia é inegável. A concentração do poder na cúpula do Judiciário configura, pois, um autoritarismo incompatível com um verdadeiro regime de democracia deliberativa. Na tensão entre facticidade e validade, poder constituinte e poder constituído, as súmulas não apenas representam uma nítida opção pela validade e pelo poder constituído, mas, mais do que isso, uma verdadeira tentativa de suprimir, através de um sistema de revisão judicial super forte[87], a dimensão de facticidade, de constituição do real, de exercício da democracia.
7. Bibliografia
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[1] “As objeções até aqui levantadas contra o sentido e a viabilidade de uma teoria do direito ideal, capaz de proporcionar a melhor interpretação judicial dos direitos e deveres, da história institucional, da estrutura política e de uma comunidade constituída segundo o direito do Estado constitucional, partiram da premissa de que essa teoria possui um único autor – o respectivo juiz, que escolheu Hércules como seu modelo. Ora, as próprias respostas que Dworkin deu, ou poderia dar, a seus críticos levantam as primeiras Duvidas com relação à possibilidade de se manter esse princípio monológico. Pois o ponto de vista da integridade, sob o qual o juiz reconstrói racionalmente o direito vigente, é expressão de uma idéia do Estado de direito que a jurisdição e o legislador político apenas tomam de empréstimo ao ato de fundação da constituição e da prática dos cidadãos que participam do processo constitucional. Dworkin oscila entre a perspectiva dos cidadãos que legitima os deveres judiciais e a perspectiva de um juiz que tem a pretensão de um privilégio cognitivo, apoiando-se apenas em si mesmo, no caso em que a sua própria interpretação diverge de todas as outras (...) Precisamente o ponto de vista da integridade teria que libertar Hércules da solidão de uma construção Teórica empreendida monologicamente. Dworkin, imitando Parsons, entende o direito como meio de integração social, mais precisamente, como um medium que permite manter a autocompreensão de uma comunidade solidária, numa forma por demais abstrata. Nas sociedades complexas, essas relações de reconhecimento mutuo, que se produzem em formas de vida concreta através do agir comunicativo, só se deixam generalizar abstratamente através do direito (...) Entretanto, é Possível ampliar as condições concretas de reconhecimento através do mecanismo de reflexão do agir comunicativo, ou seja, através da prática de argumentação, que exige de todo o participante a assunção das perspectivas de todos os outros. O próprio Dworkin reconhece esse núcleo procedimental do princípio da integridade garantida juridicamente, quando vê o igual direito às liberdades subjetivas de Ação fundadas no direito às mesmas liberdades comunicativas. Isso sugere que se ancorem as exigências ideais feitas à teoria do direito no ideal político de uma “sociedade aberta dos intérpretes da constituição”, ao invés de apoiá-las no ideal da personalidade de um juiz, que se distingue pela virtude e pelo acesso privilegiado à verdade.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 276-278.
[2] “A critica à teoria do direito solipsista de Dworkin tem que situar-se no mesmo nível e fundamentar os princípios do processo na figura de uma teoria da argumentação jurídica, que assume o fardo das exigências ideais até agora atribuídas a Hércules.” Ibid. p. 280.
[3] “A correção de juízos normativos não pode ser explicada no sentido de uma teoria da verdade como correspondência, pois direitos são uma construção social que não pode ser hipostasiada em fatos. “Correção” significa aceitabilidade racional, apoiada em argumentos. Certamente a validade de um juízo é definida a partir do preenchimento das condições de validade. No entanto, para saber se estão preenchidas, não basta lançar mão de evidencias empíricas diretas ou de fatos dados numa visão ideal: isso só é possível através do discurso – ou seja, pelo caminho de uma fundamentação que se desenrola argumentativamente. Ora, argumentos substanciais jamais são “cogentes” no sentido de um raciocínio lógico (que não é suficiente, porque apenas explicita o conteúdo de premissas), ou de uma evidencia imediata (a qual não se encontra em juízos de percepção singulares e, mesmo que fosse, não deixaria de ser questionável). Por isso, não há um fim “natural” no encadeamento dos Possíveis argumentos substanciais; não se pode excluir a fortiori a possibilidade de novas informações e melhores argumentos virem a ser aduzidos. Em condições favoráveis, nós só concluímos uma argumentação, quando os argumentos se condensam de tal maneira num todo coerente, e no horizonte de concepções básicas ainda não problematizadas, que surge um acordo não coercitivo sobre a aceitabilidade da pretensão de validade controvertida. A expressão “acordo racionalmente motivado” pretende fazer jus a esse resto de facticidade: nós atribuímos a argumentos a força de “mover”, num sentido não-psicológico, os participantes da argumentação a tomadas de posição afirmativas. Para apagar esse derradeiro momento de factididade, será preciso encerrar a série de argumentos de um modo não puramente fático. Ora, uma conclusão interna só pode ser atingida através de idealização: seja fechando circularmente a corrente de argumentos através de uma teoria, onde as razões se interligam sistematicamente e se apóiam mutuamente – como era o caso do conceito metafísico de sistema; seja aproximando a cadeia de argumentos de uma valor-limite ideal – daquele ponto de fuga que Peirce caracterizava como “final opinion”. Ibid. p. 282.
[4] “D: São válidas as normas de Ação às quais todos os Possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais”. Ibid. p. 142.
[5] “Ele não pode assumir o papel de um regente que entra no lugar de um sucessor menor de idade. Sob os olhares críticos de uma esfera pública jurídica politizada – da cidadania que se transformou na “comunidade dos intérpretes da constituição” -, o tribunal constitucional pode assumir, no melhor dos casos, o papel de tutor. A idealização desse papel, levada a cabo por juristas ufanos, só faz sentido quando se procura um fiel depositário para um processo político idealisticamente acentuado. Essa Idealização, por sua vez, provém de um estreitamento ético de discursos políticos, não estando ligada necessariamente ao conceito de política deliberativa. Ela não é convincente sob pontos de vista da lógica da argumentação, nem exigida para a defesa de um princípio intersubjetivista. Ibid. p. 347.
[6] “Se a decisão de um caso à luz de uma norma superior significa que um sistema de normas válidas é esgotado da melhor maneira Possível, tendo-se em conta todas as circunstancias relevantes; e, se esse sistema se encontra em constante movimento, porque as relações preferenciais podem modificar-se com cada nova situação que surge: então, a orientação por um ideal tão pretensioso irá sobrecarregar, via de regra, uma jurisdição profissionalizada. Por isso, a complexidade dessa tarefa é, de fato, reduzida através da compreensão jurídica paradigmática que prevalece num determinado contexto. No lugar dos ideais, entram paradigmas, “nos quais normas, que temos como válidas aqui e agora, foram trazidas para uma ordem transitiva. Dado que tal ordem pode ser construída sem relação com possíveis situações de aplicação, esses paradigmas contêm descrições generalizadas de situações de um determinado tipo (...) Juntamente com outro saber de orientação cultural, esses paradigmas fazem parte da forma de vida na qual nós nos encontramos”. Exemplos históricos de tais ideologias do direito são os modelos sociais do direito formal burguês e do direito materializado pelo Estado socialista, que se cristalizaram, no primeiro caso, em torno dos direitos subjetivos do participante privado do mercado e, no segundo caso, em torno das pretensões a realizações sociais de clientes de funcionários de um Estado de beneficência social. Tais paradigmas aliviam Hercules da super complexa tarefa de colocar “a olho” uma quantidade desordenada de princípios aplicáveis somente prima facie em relação com as características relevantes de uma situação apreendida do modo mais completo possível. A partir daí, as próprias partes podem prognosticar o desenlace de um processo, na medida em que o respectivo paradigma determina um pano de fundo de compreensão, que os especialistas em direito compartilham com todos os demais parceiros do direito.” Ibid. p. 274-275.
[7] Ibid. p. 242.
[8] “Ora, é interessante constatar que o elemento capaz de aumentar a segurança do direito e de atenuar as exigências ideais que cercam a teoria do direito é o mais propenso à formação de ideologias. Os paradigmas se coagulam em ideologias, na medida em que se fecham sistematicamente contra novas interpretações da situação e contra outras interpretações de direitos e princípios, necessárias à luz de novas experiências históricas (...) Paradigmas “fechados”, que se estabilizam através de monopólios de interpretação, judicialmente institucionalizados, e que podem ser revistos internamente, somente de acordo com medidas próprias, expõem-se, alem disso, a uma objeção metódica, que recoloca em cena o ceticismo jurídico realista: ao contrario da exigida coerência ideal do direito vigente, as interpretações de caso coerentes permanecem, em princípio, indeterminadas no interior de um paradigma jurídico fixo; pois elas concorrem com interpretações igualmente coerentes do mesmo caso em paradigmas jurídicos alternativos. Isso já é uma razão suficiente para que uma compreensão procedimentalista do direito delineie um nível no qual os paradigmas jurídicos, agora reflexivos, se abram uns aos outros e se comprovem na pluralidade de interpretações da situação.” Ibid. p. 276.
[9] “Dworkin exige a construção de uma teoria do direito, não de uma teoria da justiça. A tarefa não consiste na construção filosófica de uma ordem social fundada em princípios da justiça, mas na procura de princípios e determinações de objetivos válidos, a partir dos quais seja Possível justificar uma ordem jurídica concreta em seus elementos essenciais, de tal modo que nela se encaixem todas as decisões tomadas em casos singulares, como se fossem componentes coerentes. Dworkin sabe que, para desempenhar essa tarefa, é preciso pressupor um juiz cujas capacidades intelectuais podem medir-se com as forças físicas de um Hércules. O “juiz Hércules” dispõe de dois componentes de um saber ideal: ele conhece todos os princípios e objetivos válidos que são necessários para a justificação; ao mesmo tempo, ele tem uma visão completa sobre o tecido cerrado dos elementos do direito vigente que ele encontra diante de si, ligados através de fios argumentativos. Ambos os componentes traçam limites à construção da teoria.” Ibid. p. 263.
[10] “Dworkin caracteriza se procedimento hermenêutico-crítico como uma “interpretação construtiva” que explicita a racionalidade do processo de compreensão através da referencia a um paradigma ou a um fim (...) Como auxílio de tal procedimento da interpretação construtiva, cada juiz deve, em princípio, poder chegar, em cada caso, a uma decisão idealmente válida, na medida em que ele compensa a suposta “ indeterminação do direito”, apoiando sua fundamentação numa “teoria”. Essa teoria deve reconstruir racionalmente a ordem jurídica respectivamente dada de tal modo que o direito vigente possa ser justificado a partir de uma série ordenada de princípios e ser tomado, deste modo, como uma encarnação exemplar do direito em geral.” Ibid. p. 260-261.
[11] “Uma vez que o ideal absolutista da teoria fechada não é mais plausível sob condições do pensamento pós-metafísico, a idéia reguladora da “única decisão correta” não pode ser explicitada com o auxílio de uma teoria, por mais forte que ela seja. A própria teoria do direito , atribuída a Hércules, teria que ser revista como uma ordem de argumentos por enquanto coerentes, construída provisoriamente, a qual se vê exposta à critica ininterrupta.” Ibid. p. 282.
[12] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 129-132.
[13] “O erro do paradigma jurídico liberal consiste em reduzir a justiça a uma distribuição igual de direitos, isto é, em assimilar direitos a bens que podem ser possuídos e distribuídos. No entanto, os direitos não são bens coletivos consumíveis comunitariamente, pois só podemos “gozá-los” exercitando-os. Ao passo que a autodeterminação individual constitui-se através do exercício de direitos que se deduzem de normas produzidas legitimamente. Por isso, a distribuição equitativa de direitos subjetivos não pode ser dissociada da autonomia pública dos cidadãos, a ser exercida em comum, na medida em que participam da prática de legislação. O paradigma do direito liberal e o do Estado social cometem o mesmo erro, ou seja, entendem a constituição jurídica da liberdade como “distribuição” e a equiparam ao modelo da repartição igual de bens adquiridos ou recebidos.” Ibid. p. 159.
[14] “Um ordem jurídica é legítima na medida em que assegura a autonomia privada e a autonomia cidadã de seus membros, pois ambas são co-originárias; ao mesmo tempo, porém, ela deve sua legitimidade a formas de comunicação nas quais essa autonomia pode manifestar-se e comprovar-se. A chave da visão procedimental do direito consiste nisso. Uma vez que a garantia da autonomia privada através do direito formal se revelou insuficiente e dado que a regulação social através do direito, ao invés de reconstruir a autonomia privada, se transformou numa ameaça para ela, só resta como saída tematizar o nexo existente entre formas de comunicação que, ao emergirem, garantem a autonomia pública e a privada.” Ibid. p. 147.
[15] “A atual critica ao direito, num Estado sobrecarregado com tarefas qualitativamente novas e quantitativamente maiores, resume-se a dói pontos: a lei parlamentar perde cada vez mais seu efeito impositivo e o princípio da separação de poderes corre perigo. Enquanto a administração clássica podia concentrar-se em tarefas de ordenação de uma sociedade econômica, entregue à auto-regulação econômica, ela só devia intervir, em princípio, quando a ordem garantida pelo Estado de direito e pelo direito constitucional fosse perturbada. A lei geral e abstrata, que traduz fatos típicos em conceitos jurídicos determinados e os associa a conseqüências jurídicas claramente definidas, tinha sido concebida em função desses casos; pois o sentido da ordem jurídica consistia em proteger a liberdade jurídica das pessoas contra intromissões de um aparelho de Estado limitado à manutenção da ordem. Tão logo, porém, a administração do Estado social foi tomada para tarefas de estruturação e de regulação política, a lei em sua forma clássica não era mais suficiente para programar a prática da administração (...) O leque das formas do direito foi ampliado através de leis relativas a medidas, leis experimentais de caráter temporário e leis de regulação, de prognóstico inseguro; e a inserção de cláusulas gerais, referencias em branco e, principalmente, de conceitos jurídicos indeterminados na linguagem do legislador, desencadeou a discussão sobre a “indeterminação do direito”, a qual é motivo de inquietação para a jurisprudência americana e alemã.” Ibid. p. 173-174.
[16] “É certo que o paradigma do direito fornecido pelo Estado social não consegue mais convencer plenamente. Mesmo assim, as dificuldades desse novo paradigma, que Böckenförde analisa com grande acuidade, não constituem razão suficiente para a restauração do antigo. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 312.
[17] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 171.
[18] “Além do mais, o paradigma procedimental do direito resulta de uma controvérsia acerca de paradigmas, partindo da premissa, segundo a qual o modelo jurídico liberal e o do Estado social interpretam a realização do direito de modo demasiado concretista, ocultando a relação interna que existe entre autonomia privada e pública, e que deve ser interpretada caso a caso.” Ibid. p. 181-182.
[19] Ibid. p. 181.
[20] Ibid. p. 183. Ainda: “E, para impedir, em última instancia, que um poder ilegítimo se torne independente e coloque em risco a liberdade, não temos outra coisa a não ser uma esfera publica desconfiada, móvel, desperta e informada, que exerce influencia no complexo parlamentar e insiste nas condições da gênese do direito legítimo.” Ibid. p. 185.
[21] O conceito de soberania popular para o modelo procedimentalista, em decorrência da teoria do discurso, reside no povo, mas não da forma concretista concebida pelo modelo republicano, mas na comunidade jurídica que se auto-organiza absorvida pelas formas de comunicação destituídas de sujeito (uma sociedade descentrada, portanto). Neste sentido: “Para quem adota a premissa questionável de um conceito de Estado e de sociedade delineado a partir do todo e de suas partes – onde o todo é constituído pela cidadania soberana ou por uma constituição – o republicanismo e o liberalismo constituem alternativas completamente opostas. Todavia, a idéia de democracia, apoiada no conceito do discurso, parte da imagem de uma sociedade descentrada, a qual constitui – ao lado da esfera pública política – uma arena para a percepção, a identificação e o tratamento de problemas de toda a sociedade. Se prescindirmos dos conceitos oriundos da filosófica do sujeito, a soberania não precisa concentrar-se no povo, nem ser banida para o anonimato das competências jurídico-constitucionais. A identidade da comunidade jurídica que se organiza a si mesma é absorvida pelas formas de comunicação destituídas de sujeito, as quais regulam de tal modo a corrente da formação discursiva da opinião e da vontade, que seus resultados falíveis têm a seu favor a suposição da racionalidade. Com isso, não se desmente a intuição que se encontra na base da idéia da soberania popular: ela simplesmente passa a ser interpretada de modo intersubjetivista. A soberania do povo retira-se para o anonimato dos processos democráticos e para a implementação jurídica de seus pressupostos comunicativos pretensiosos para fazer-se valer como poder produzido comunicativamente.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 24. Desta forma, o conceito de soberania popular permanece no modelo procedimentalista, mas passa a ser interpretado de modo intersubjetivista (dimensão de sociabilidade ou solidariedade social pela prática da autodeterminação comunicativa enquanto processo intersubjetivo de exercício da autonomia pública e privada). Isto porque, como já mencionamos, o núcleo do paradigma procedimentalista reside na “combinação universal e mediação recíproca entre a soberania do povo institucionalizada juridicamente e a não-institucionalizada” enquanto chave para o entendimento da gênese democrática do direito, pelo que o substrato social necessário à realização do sistema de direitos é formado pelos fluxos comunicacionais e influências públicas que emergem da sociedade civil e da esfera pública política transmutados em poder comunicativo pelos processos democráticos. A soberania do povo passa a residir, pois, no anonimato dos processos democráticos e faz-se valer como poder produzido comunicativamente através destes processos com a implementação jurídica de seus pressupostos comunicativos. Enfim, é através dos processos democráticos que a opinião publica se converte em poder comunicativo, que tanto autoriza o legislador quanto legitima a administração reguladora e impõe “obrigações de fundamentação mais rigorosa a uma justiça engajada no desenvolvimento do direito”. Isto tudo porque, como já afirmado, as expectativas de racionalização e legitimação do direito (pela aceitabilidade racional) adequadas às democracias contemporâneas se localizam nas formas de comunicação, enquanto estruturas abstratas de reconhecimento mútuo.
[22] “O atual significado da expressão “sociedade civil” não coincide com o da “sociedade burguesa”, da tradição liberal, que Hegel chagara a tematizar como “sistema das necessidades”, isto é, como sistema do trabalho social e do comércio de mercadorias numa economia de mercado. Hoje em dia, o termo “sociedade civil” não inclui mais a economia constituída através do direito privado e dirigida através do trabalho, do capital e dos mercados de bens, como ainda acontecia na época de Marx e do marxismo. O seu núcleo institucional é formado por associações e organizações livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida. A sociedade civil compõe-se de movimentos, de organizações e associações, os quais captam ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera pública política. O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação que institucionaliza os discursos capazes de solucionar problemas, transformando-os em questões de interesse geral no quadro de esferas públicas.” Ibid. p. 99.
[23] O conceito discursivo de esfera pública é cunhado por Habermas para dar conta da superação do círculo de comunicação fechado em si mesmo no qual o sistema político se transformou sob o prisma da teoria dos sistemas. A esfera pública, segundo o modelo discursivo, pode ser entendida como uma rede de horizontes abertos, permeáveis e deslocáveis, que filtra os fluxos comunicacionais e os condensa em opiniões públicas e que se reproduz por via do agir comunicativo, pelo que “está em sintonia com a compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 92. Seyla Benhabib explicitamente nomeia o modelo habermasiano de espaço público ou esfera pública discursiva: “The final model of public space is the one implicit in Jürgen Habermas’s work. This model, which envisages a democratic-socialist restructuring of late-capitalist societies, will be named “discursive public space.” BENHABIB, Seyla. Models of Public Space: Hannah Arendt, the Liberal Tradition, and Jürgen Habermas. In: Habermas and the Public Sphere. Ed. Craig Calhoun. Cambridge: MIT Press, 1992. Ainda acerca do conceito de esfera pública na teoria habermasiana: “O espaço de uma situação de fala, compartilhado intersubjetivamente, abre-se através das relações interpessoais que nascem no momento em que os participantes tomam posição perante os atos de fala dos outros, assumindo obrigações ilocucionárias. Qualquer encontro que não se limita a contatos de observação mútua, mas que se alimenta da liberdade comunicativa que uns concedem aos outros, movimenta-se num espaço público, constituído através da linguagem (...) Para preencher sua função, que consiste em captar e tematizar os problemas da sociedade como um todo, a esfera pública politica tem que formar a partir dos contextos comunicacionais das pessoas virtualmente atingidas. O público que lhe serve de suporte é recrutado entre a totalidade das pessoas privadas. E, em suas vozes díspares e variadas, ecoam experiências biográficas causadas pelos custos externalizados (e pelas disfunções internas) dos sistemas de ação funcionalmente especializados – causadas também pelo parelho do Estado, de cuja regulação dependem os sistemas de funções sociais, que são complexos e insuficientemente coordenados. Sobrecargas deste tipo acumulam-se no mundo da vida. No entanto, este dispõe de antenas adequadas, pois, em seu horizonte, se entrelaçam as biografias privadas dos “usuários” dos sistemas de prestações que eventualmente fracassam. Os envolvidos são os únicos a beneficiar-se dessas prestações na forma de “valores de uso”. Afora a religião, a arte e a literatura, somente as esferas da vida “privada” dispõem de uma linguagem existencial, na qual é possível equilibrar, em nível de uma história de vida, os problemas gerados pela sociedade. Os problemas tematizados na esfera pública política transparecem inicialmente na pressão social exercida pelo sofrimento que se reflete no espelho de experiências pessoas de vida. E, a medida em que essas experiências encontram sua expressão nas linguagens da religião, da arte e da literatura, a esfera pública “literária”, especializada na articulação e na descoberta do mundo, entrelaça-se com a política. Há uma união pessoal entre os cidadãos do Estado, enquanto titulares da esfera pública política, e os membros da sociedade, pois – em seus papéis complementares de trabalhadores e consumidores, de segurados e pacientes, de contribuintes do fisco e de clientes de burocracias estatais, de estudantes, turistas, participantes do transito, etc. – eles estão expostos, de modo especial, às exigências específicas e às falhas dos correspondentes sistemas de prestação. No início, tais experiências são elaboradas de modo “privado”, isto é, interpretadas no horizonte de uma biografia particular, a qual se entrelaça com outras biografias, em contextos de mundos da vida comuns. Os canais de comunicação da esfera pública engatam-se nas esferas da vida privada – as densas redes de interação da família e do círculo de amigos e os contatos mais superficiais com vizinhos, colegas de trabalho, conhecidos, etc. – de tal modo que as estruturas espaciais de interações simples podem ser ampliadas e abstraídas, porém não destruídas. De modo que a orientação pelo entendimento, que prevalece na prática cotidiana, continua valendo também para uma comunicação entre estranhos, que se desenvolve em esferas públicas complexas e ramificadas, envolvendo amplas distancias.” Ibid. p. 93-98.
[24] Ibid. p. 186-187.
[25] “Sob as condições de uma compreensão pós-metafísica do mundo, só tem legitimidade o direito que surge da formação discursiva da opinião e da vontade de cidadãos que possuem os mesmos direitos.” Ibid. p. 146.
[26] “O paradigma procedimental distingue-se dos concorrentes, não apenas por ser “formal”, no sentido de “vazio” ou “pobre de conteúdo”. Pois a sociedade civil e a esfera pública política constituem para ele pontos de referencia extremamente fortes, à luz dos quais, o processo democrático e a realização do sistema de direitos adquirem uma importância inusitada. Em sociedades complexas, as fontes mais escassas não são a produtividade de uma economia organizada pela economia de mercado, nem a capacidade de regulação da administração publica. O que importa preservar é, antes de tudo, a solidariedade social, em vias de degradação, e as fontes do equilíbrio da natureza, em vias de esgotamento. Ora, as forças da solidariedade social contemporânea só podem ser regeneradas através das práticas de autodeterminação comunicativa. O projeto de realização do direito, que se refere às condições de funcionamento de nossa sociedade, portanto de uma sociedade que surgiu em determinadas circunstancias históricas, não pode ser meramente formal. Todavia, divergindo do paradigma liberal e do Estado social, este paradigma do direito não antecipa mais um determinado ideal de sociedade, nem uma determinada visão de vida boa ou de uma determinada opção política. Pois ele é formal no sentido de que apenas formula as condições necessárias segundo as quais os sujeitos do direito podem, enquanto cidadãos, entender-se entre si para descobrir os seus problemas e o modo de solucioná-los.” Ibid. p. 189-190.
[27] “Uma autonomia privada assegurada serve como “garantia para a emergência” da autonomia pública, do mesmo modo que uma percepção adequada da autonomia pública serve como “garantia para a emergência” da privada. Esse complexo circular manifesta-se também na gênese do direito vigente. Pois o direito legitimo se reproduz no fluxo do poder regulado pelo Estado de direito, que se alimenta das comunicações de uma esfera pública política não transmitida por herança e enraizada nos núcleos privados do mundo da vida através de instituições da sociedade civil. Tal concepção de sociedade faz com que o fardo das expectativas normativas se desloque do nível das qualidades, competências e espaços da ação de atores, para o nível das formas de comunicação, no qual se desenrola o jogo da formação informal e não institucionalizada da opinião e da vontade. O jogo de gangorra entre os sujeitos de ação privados e estatais é substituído pelas formas de comunicação mais ou menos intactas das esferas privadas e públicas do mundo da vida, de um lado, e pelo sistema político de outro lado.” Ibid. p. 146.
[28] ROCHA, José de Albuquerque. Súmula Vinculante e Democracia. In: Jürgen Habermas, 80 anos: direito e democracia. Belo Horizonte: Lúmen Júris, 2009. p. 105.
[29] “A teoria do discurso, que obriga ao processo democrático com conotações mais fortemente normativas do que o modelo liberal, mas menos fortemente normativas do que o modelo republicano, assume por sua vez elementos de ambas as partes e os combina de uma maneira nova. Em consonância com o republicanismo, ele reserva uma posição central para o processo político de formação da opinião e da vontade, sem no entanto entender a constituição jurídico-estatal como algo secundário; mais que isso, a teoria do discurso concebe os direitos fundamentais e princípios do Estado de direito como uma resposta conseqüente à pergunta sobre como institucionalizar as exigentes condições de comunicação do procedimento democrático. A teoria do discurso não torna a efetivação de uma política deliberativa dependente de um conjunto de cidadãos coletivamente capazes de agir, mas sim da institucionalização dos procedimentos que lhe digam respeito.” HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 280.
[30] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 21.
[31] ROCHA, José de Albuquerque. Súmula Vinculante e Democracia. In: Jürgen Habermas, 80 anos: direito e democracia. Belo Horizonte: Lúmen Júris, 2009. p. 106.
[32] “A diferença decisiva reside na compreensão do papel que cabe ao processo democrático. Na concepção “liberal”, esse processo cumpre a tarefa de programar o Estado para que se volte ao interesse da sociedade: imagina-se o Estado como aparato da administração pública, e a sociedade como sistema de circulação de pessoas em particular e do trabalho social dessas pessoas, estruturado segundo leis de mercado. Segundo a concepção “republicana”, a política não se confunde com essa função mediadora; mais do que isso, ela é constitutiva do processo de coletivização social como um todo. Concebe-se a política como forma de reflexão sobre um contexto de vida ético. Ela constitui o medium em que os integrantes de comunidades solidárias surgidas de forma natural se conscientizam de sua interdependência mútua e, como cidadãos, dão forma e prosseguimento às relações preexistentes de reconhecimento mútuo, transformando-as de forma voluntária e consciente em uma associação de jurisconsortes livres e iguais. Com isso, a arquitetônica liberal do Estado e da sociedade sofre uma mudança importante. Ao lado da instancia hierárquica reguladora do papel soberano estatal e da instancia reguladora descentralizada do mercado, ou seja, ao lado do poder administrativo e dos interesses próprios, surge também a solidariedade como terceira fonte de integração social (...) De acordo com a concepção republicana, o status dos cidadãos não é determinado segundo o modelo das liberdades negativas, que elas podem reivindicar como pessoas em particular. Os direitos de cidadania, direitos de participação e comunicação política são, em primeira linha, direitos positivos (...) Segundo a concepção republicana, a formação da opinião e vontade política em meio à opinião pública e no parlamento não obedece às estruturas de processos de mercado, mas às renitentes estruturas de uma comunicação pública orientada ao entendimento mútuo. Para a política no sentido de uma práxis de autodeterminação por parte dos cidadãos do Estado, o paradigma não é o mercado, mas sim a interlocução.” HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 269-276.
[33] “This emphasis on political participation and the widest-reaching democratization of decision-making processes is one that Jürgen Habermas’s critical theory shares with the tradition usually referred to as that of republican or civic virtue. The crucial distinction between the participatory vision of contemporary critical theory and that of the tradition of civic virtues that thinkers of the latter tradition more often than not have formulated their views of participatory politics with Express hostility toward the institutions of modern civil society, like the market. Virtue and commerce are thought to be antithetical principles. Participatory politics is considered possible either for a land-based gentry with civil virtue or for citizens of the Greek polis, but not for complex, modern societies with their highly differentiated spheres of the economy, law, politics, civil and family life. In this broader context the meaning of participation is altered. The exclusive focus on political participation is shifted toward a more inclusively understood concept of discursive will formation. Participation is seen not as an activity only possible in a narrowly defined political realm but as an activity that can be realized in the social and cultural spheres as well (...) This conception of participation, which emphasizes the determination of norms of action through the practical debate of all affected by them, has the distinct advantage over the republican or civic-virtue conception the it articulates a vision of political true to the realities of complex, modern societies.” BENHABIB, Seyla. Models of Public Space: Hannah Arendt, the Liberal Tradition, and Jürgen Habermas. In: Habermas and the Public Sphere. Ed. Craig Calhoun. Cambridge: MIT Press, 1992.
[34] Ibid. p. 276.
[35] Ibid. p. 278.
[36] “modelo republicano. Diversamente, para o modelo republicano a política seria elemento constitutivo do processo social em seu conjunto e o mecanismo de integração social, a solidariedade. A participação em uma prática comum configuraria o status de cidadão através do exercício das chamadas liberdades positivas, entre as quais merecem relevo os direitos de participação e comunicação na vida política. Nessa concepção de democracia o Estado é concebido como uma comunidade ética.” ROCHA, José de Albuquerque. Súmula Vinculante e Democracia. In: Jürgen Habermas, 80 anos: direito e democracia. Belo Horizonte: Lúmen Júris, 2009. p. 105.
[37] “Em face disso, a teoria do discurso conta com a intersubjetividade mais avançada presente em processos de entendimento mútuo que se cumprem, por um lado, na forma institucionalizada de aconselhamentos em corporações parlamentares, bem como, por outro lado, na rede de comunicação formada pela opinião pública de cunho político. Essas comunicações sem sujeito, internas e externas às corporações políticas e programadas para tomar decisões, formam arenas nas quais pode ocorrer a formação mais ou menos racional da opinião e da vontade acerca de temas relevantes para o todo social e sobre matérias carentes de regulamentação.” Ibid. p. 280-281.
[38] “...any conception of the public sphere that requires s Sharp separation between (associational) civil society and the state will be unable to imagine the forms of self-management, interpublic coordination, and political accountability that are essential to a democratic and egalitarian society. The bourgeois conception of the public sphere, therefore, is not adequate for contemporary critical theory." FRASER, Nancy. Rethinking the Public Sphere: A Contribution to the Critique of Actually Existing Democracy. In: Habermas and the Public Sphere. Ed. Craig Calhoun. Cambridge: MIT Press, 1992.
[39] HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 281.
[40] “Com a teoria do discurso, novamente entra em cena outra noção: procedimento e pressupostos comunicacionais da formação democrática da opinião e da vontade funcionam como importantes escoadouros da racionalização discursiva das decisões de um governo e administração vinculados ao direito e à lei. Racionalização significa mais que mera legitimação, mas menos que a própria ação de constituir o poder. O poder administrativamente disponível modifica seu estado de mero agregado desde que seja retroalimentado por uma formação democrática da opinião e da vontade que não apenas exerça posteriormente o controle do exercício do poder político, mas que também o programe, de uma maneira ou de outra. A despeito disso, o poder político só pode “agir”. Ele é um sistema parcial especializado em decisões coletivamente vinculativas, ao passo que as estruturas comunicativas da opinião pública compõem um rede amplamente disseminada de sensores que reagem à pressão das situações problemáticas no todo social e que simulam opiniões influentes. A opinião pública transformada em poder comunicativo segundo procedimentos democráticos não pode “dominar”, mas apenas direcionar o uso do poder administrativo para determinados canais. ” Ibid. p. 282.
[41] ROCHA, José de Albuquerque. Súmula Vinculante e Democracia. In: Jürgen Habermas, 80 anos: direito e democracia. Belo Horizonte: Lúmen Júris, 2009. p. 106.
[42] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 183-184.
[43] “A atual critica ao direito, num Estado sobrecarregado com tarefas qualitativamente novas e quantitativamente maiores, resume-se a dói pontos: a lei parlamentar perde cada vez mais seu efeito impositivo e o princípio da separação de poderes corre perigo. Enquanto a administração clássica podia concentrar-se em tarefas de ordenação de uma sociedade econômica, entregue à auto-regulação econômica, ela só devia intervir, em princípio, quando a ordem garantida pelo Estado de direito e pelo direito constitucional fosse perturbada. A lei geral e abstrata, que traduz fatos típicos em conceitos jurídicos determinados e os associa a conseqüências jurídicas claramente definidas, tinha sido concebida em função desses casos; pois o sentido da ordem jurídica consistia em proteger a liberdade jurídica das pessoas contra intromissões de um aparelho de Estado limitado à manutenção da ordem. Tão logo, porém, a administração do Estado social foi tomada para tarefas de estruturação e de regulação política, a lei em sua forma clássica não era mais suficiente para programar a prática da administração (...) O leque das formas do direito foi ampliado através de leis relativas a medidas, leis experimentais de caráter temporário e leis de regulação, de prognóstico inseguro; e a inserção de cláusulas gerais, referencias em branco e, principalmente, de conceitos jurídicos indeterminados na linguagem do legislador, desencadeou a discussão sobre a “indeterminação do direito”, a qual é motivo de inquietação para a jurisprudência americana e alemã.” Ibid. p. 173-174.
[44] “É certo que o paradigma do direito fornecido pelo Estado social não consegue mais convencer plenamente. Mesmo assim, as dificuldades desse novo paradigma, que Böckenförde analisa com grande acuidade, não constituem razão suficiente para a restauração do antigo. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 312.
[45] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 171.
[46] “Além do mais, o paradigma procedimental do direito resulta de uma controvérsia acerca de paradigmas, partindo da premissa, segundo a qual o modelo jurídico liberal e o do Estado social interpretam a realização do direito de modo demasiado concretista, ocultando a relação interna que existe entre autonomia privada e pública, e que deve ser interpretada caso a caso.” Ibid. p. 181-182.
[47] “Pouco importa o modo com as questões da institucionalização judicial da divisão de poderes são avaliadas: não é necessário e nem Possível um retorno à concepção liberal do Estado, segundo a qual, “direitos fundamentais são apenas direitos subjetivos de liberdade em oposição ao poder do Estado e não simultaneamente normas objetivas de princípio e obrigatórias para todos os domínios do direito” (...) E se – impulsionados pelas atuais circunstancias do compromisso com o Estado social – pretendemos manter, não apenas o Estado de direito, mas o Estado democrático de direito e, com isso, a idéia da auto-organização da comunidade jurídica, então a constituição não pode mais ser entendida apenas como uma “ordem” que regula primariamente a relação entre o Estado e os cidadãos. O poder social, econômico e administrativo, necessita de disciplinamento por parte do Estado de direito. De outro lado, porém, a constituição também não ode ser entendida como uma ordem jurídica global e concreta, destinada a impor a priori uma determinada forma de vida sobre a sociedade. Ao contrario, a constituição determina procedimentos políticos, segundo os quais os cidadãos, assumindo seu direito de autodeterminação, podem perseguir cooperativamente o projeto de produzir condições justas de vida (o que significa: mais corretas por serem equitativas).” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 325-326. Ainda sobre a modificação da concepção de Constituição: “Uma constituição, que estrutura não apenas o Estado em sentido estrito, mas também a própria esfera pública (Öffentlichkeit), dispondo sobre a organização da própria sociedade e, diretamente, sobre setores da vida privada, não pode tratar as forças sociais e privadas como meros objetos. Ela deve integrá-las ativamente enquanto sujeitos.” HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 33.
[48] “Podemos discutir a formulação e os parâmetros destes e de outros diagnósticos da crise. Em qualquer caso, eles levantam tendências de crise existentes no Estado de direito, as quais impedem evasivas, ou o retorno puro e simples à concepção liberal do Estado de direito. Porém o raciocínio, segundo o qual a complexidade das novas tarefas de regulação ultrapassa o medium do direito enquanto tal, não é conclusivo. Pois a força de integração social do direito só seria superada estruturalmente, caso a crise do Estado de direito se revelasse sem saída. No meu entender, os que sugerem que ela é sem saída têm uma compreensão preconcebida do direito, fixada na atividade do Estado.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 178.
[49] “... o paradigma procedimental do direito resulta de uma controvérsia acerca de paradigmas, partindo da premissa, segundo a qual o modelo jurídico liberal e o do Estado social interpretam a realização do direito de modo demasiado concretista, ocultando a relação interna que existe entre autonomia privada e publica, e que deve ser interpretada caso a caso.” Ibid. p. 181-182.
[50] Ibid. p. 182.
[51] “A vinculação se converte em liberdade na medida que se reconhece que a nova orientação hermenêutica consegue contrariar a ideologia da subsunção. A ampliação do círculo dos intérpretes aqui defendida é apenas a conseqüência da necessidade, por todos defendida, de integração da realidade no processo de interpretação. É que os intérpretes em sentido amplo compõem essa realidade pluralista. Se se reconhece que a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada, há de se indagar sobre os participantes no seu desenvolvimento funcional, sobre as forças ativas da law in public action (personalização, pluralização da interpretação constitucional!). Qualquer intérprete é orientado pela teoria e pela práxis. Todavia, essa práxis não é, essencialmente, conformada pelos intérpretes oficiais da Constituição.” HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 30-31. Ainda: “A sociedade é livre e aberta na medida que se amplia o círculo dos intérpretes da Constituição em sentido lato.” Ibid. p. 40.
[52] “A discussão sobre o tribunal constitucional – sobre seu ativismo ou automodéstia – não pode ser conduzida in abstracto. Quando se entende a constituição como interpretação e configuração de um sistema de direitos que faz valer o nexo interno entre autonomia privada e pública, é bem-vinda uma jurisprudência constitucional ofensiva (offensiv) em casos nos quais se trata da imposição do procedimento democrático e da forma deliberativa da formação política da opinião e da vontade: tal jurisprudência é até exigida normativamente. Todavia, temos que livrar o conceito de política deliberativa de conotações excessivas que colocariam o tribunal constitucional sob pressão permanente. Ele não pode assumir o papel de um regente que entra no lugar de um sucessor menor de idade. Sob os olhares críticos de uma esfera pública politizada – da cidadania que se transformou na “comunidade dos intérpretes da constituição”-, o tribunal constitucional pode assumir, no melhor dos casos, o papel de um tutor.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 347.
[53] “As características excepcionais do processo democrático, delineado normativamente, esclarecem-se pelo fato de Michelman e outros “comunitaristas” não entenderem a cidadania ou “citizenship” de modo jurídico, e sim ético. Segundo esta interpretação clássica, na esfera pública política, os cidadãos procuram aquilo que para eles é o melhor, enquanto coletividade. Seguindo uma linha romântica, Michelman transforma a tendência ao bem coletivo numa apropriação hermenêutica de “tradições constitutivas”. Somente a pertença a uma forma de vida compartilhada intersubjetivamente e a conscientização sobre um complexo cultural prévio esclarecem por que os cidadãos podem alcançar um consenso em geral sobre a solução de problemas que se apresentam – e sobre medidas para aquilo que pode valer respectivamente como “melhor”solução.” Ibid. p. 346.
[54] Ibid. p. 345.
[55] “Num contexto análogo, Bruce Ackerman reage a essa tensão externa entre facticidade e validade, introduzindo a Supreme Court como mediadora entre o ideal e a realidade. Ele propõe que interpretemos o vaivém das inovações políticas, seguindo o modelo kuhniano do desenvolvimento da ciência. Do mesmo modo que os quefazeres “normais”da ciência só são interrompidos raramente por “revoluções” que permitem introduzir novos paradigmas, assim também o andar normal do empreendimento político autonomizado burocraticamente: ele corresponde à descrição liberal de uma luta pelo poder, conduzida estrategicamente e dirigida pelo interesse próprio. Somente quando a história se torna quente, ou seja, em “momentos de uma excitação política constitucional”, “o povo” saiu da normalidade de seu privatismo cidadão, apropria-se da política que lhe é burocraticamente estranha e cria provisoriamente – como na era do New Deal – uma base de legitimação não prevista para inovações que apontam para o futuro. Esse modo vitalista de interpretar a autodeterminação democrática coloca a vontade popular, durante muito tempo latente, numa oposição à legislação institucionalizada dos representantes por ele eleitos. Durante esses intervalos, os juízes do Tribunal Constitucional Federal, no papel de guardiães de uma prática de autodeterminação atualmente silenciada e congeladas nas rotinas do negócio parlamentar, devem assumir vicariamente os direitos de autodeterminação do povo. Como lugar-tenente republicano das liberdades positivas que os próprios cidadãos, enquanto portadores nomeados dessas liberdades, não podem exercer, o tribunal constitucional termina reassumindo o papel paternalista.” Ibid. p. 344.
[56] “O interessante é que o republicanismo, ao contrario do que sua inspiração democrático-radical talvez faça supor, não se transforma no advogado do auto-controle judicial. Ele é a favor de um ativismo constitucional, porque a jurisprudência constitucional deve compensar o desnível existente entre o ideal republicano e a realidade constitucional. Na medida em que a política deliberativa é renovada através do espírito da política aristotélica, esse conceito permanece referido às virtudes do cidadão orientado pelo bem comum. E essa imputação de virtude coloca o processo democrático, do modo como ele se desenvolve realmente nas democracias de massa do Estado social, na luz pálida de uma política instrumentalisticamente desvirtuada, “decaída”. Ibid. p. 343.
[57] Ibid. p. 326.
[58] “Perante o legislador político, o tribunal não pode arrogar-se o papel de critico da ideologia; ele está exposto à mesma suspeita de ideologia e não pode pretender nenhum lugar neutro fora do processo político.” Ibid. p. 343.
[59] “Se agudizarmos “republicanamente” nossa sensibilidade, em relação aos componentes deliberativos do processo de legislação envolvidos na questão da legitimidade da jurisprudência constitucional, poderemos formular de modo mais específico a proposta procedimentalista de Ely. A compreensão republicana da política lembra o nexo interno entre o sistema de direitos e a autonomia política dos cidadãos. Nesta perspectiva, o tribunal constitucional precisa utilizar os meios disponíveis no âmbito de sua competência para que o processo da normatização jurídica se realize sob condições da política deliberativa, que fundam legitimidade. Esta, por sua vez, está ligada aos pressupostos comunicativos pretensiosos de arenas políticas, que não se limitam à formação da vontade institucionalizada em corporações parlamentares, estendendo-se também à esfera pública política, bem como ao seu contexto cultural e à sua base social. Uma pratica de autodeterminação deliberativa só pode desenvolver-se no jogo entre a formação da vontade de corporações parlamentares, programada para decisões e institucionalizada conforme o direito procedimental, e a formação política da opinião nos círculos informais da comunicação política.” Ibid. p. 340.
[60] “Com relação à tarefa do controle abstrato de normas, Frank I. Michelman parte, do mesmo modo que Ely, da premissa segundo a qual o tribunal constitucional, ao intervir na legislação política e ao suspender normas aprovadas pelo parlamento, tem que apelar para uma autoridade derivada, inferida do direito de autodeterminação do povo. E, nesse processo, ele só poderia recorrer a argumentos que justifiquem um apelo à soberania do povo – como origem de todas as autorizações de normatização – no quadro de uma compreensão procedimental de constituição (...) Todavia, o uso enfático do adjetivo “republicano” traz uma delimitação em relação à compreensão de democracia de Ely.”
[61] “Contrapondo-se a isso, uma interpretação apoiada numa teoria do discurso insiste em afirmar que a formação democrática da vontade não tira sua força legitimadora da convergência preliminar de convicções éticas consuetudinárias, e sim de pressupostos comunicativos e procedimentos, os quais permitem que, durante o processo deliberativo, venham à tona os melhores argumentos. A teoria do discurso rompe com uma concepção ética da autonomia do cidadão; por isso, ela não precisa reservar o modo da política deliberativa a um estado de exceção.” Ibid. p. 345.
[62] “E um tribunal constitucional que se deixa conduzir por uma compreensão constitucional procedimental não precisa deixar a descoberto seu crédito de legitimação, podendo movimentar-se no interior das competências da aplicação do direito – claramente determinadas na lógica da argumentação – quando o processo democrático, que ele deve proteger, não é descrito como um estado de exceção.” Ibid. p. 345-346.
[63] “Foi assim que o STF pôde editar súmulas vinculantes para declarar a invalidade de práticas como o uso de algemas e o nepotismo, considerando-as incompatíveis com o sentido atribuído a princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a moralidade administrativa, respectivamente.” BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4a ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 82.
[64] “Ainda em relação ao objeto, veja-se que a súmula vinculante não se limita a ser um mecanismo para conferir eficácia vinculante a decisões produzidas em sede de controle incidental de constitucionalidade, embora seja essa uma das aplicações Possíveis do instituto. Mais do que isso, as súmulas permitem que o STF estabeleça uma determinada tese jurídica, cristalizando as razoes de decidir adotadas pela Corte (ratio decidendi) em um enunciado dotado de eficácia geral. Não por acaso, também decisões produzidas em controle abstrato podem dar origem à edição de súmulas vinculantes. Na prática, os enunciados poderão ter objeto mais ou menos amplo de acordo com a redação que venha a ser aprovada pelo STF, variando desde uma afirmação sobre a inconstitucionalidade de determinado dispositivo infraconstitucional até a definição da interpretação adequada de um artigo da própria Constituição.” Ibid. p. 83.
[65] “Nessas situações, o intérprete desempenha o papel de co-participante do processo de criação do direito, dando sentido a atos normativos de textura aberta ou fazendo escolhas fundamentadas diante das possibilidades de solução oferecidas pelo ordenamento. Por esse motivo, boa parte da doutrina contemporânea tem sustentado a distinção entre enunciado normativo – isto é, o texto, o relato abstrato contido no dispositivo – e a norma, entendida como o produto da aplicação do enunciado a uma situação concreta.”Ibid. p. 81.
[66] Ibid. p. 80.
[67] Neste sentido, há uma nítida opção pela segurança jurídica em detrimento da democracia enquanto liberdade participativa por via comunicativa: “Apesar da pluralidade de instâncias decisórias, o poder político exercido pelo Estado é essencialmente uno, e não se deve aceitar como plenamente natural que ele produza manifestações incompatíveis entre si. No caso das decisões judiciais, torna-se ainda mais importante que haja a maior uniformidade possível, na medida em que elas constituem atos de aplicação do Direito, e não opções discricionárias.” Ibid. p. 82. Data vênia, a discricionariedade reside na supressão das divergências, no calar das vozes díspares, na supressão da pluralidade em prol de uma uniformidade ficta e imposta de cima para baixo. Heteronomia e descolamento do mundo da vida. O foco no Estado e a concentração do poder nos 11 magistrados da corte operam justamente suprimindo o momento de facticidade e não elaborando a tensão entre facticidade e validade. Isto não é natural. Isto não é democrático.
[68] “O quórum qualificado contribui para a legitimidade da vinculação imposta, alem de promover segurança jurídica, atestando a estabilidade do entendimento sumulado.” Ibid. p. 84.
[69] “Embora a exigência constitucional de reiteração não possa ser desprezada, cabe ao próprio STF avaliar em que momento determinada questão encontra-se madura para ser sumulada” Ibid. p. 84-85. Ainda, em nota de pé de página: “O Ministro Sepúlveda Pertence chegou a sugerir, obiter dictum, que seriam necessárias “pelo menos umas três decisões, com relatório lido”. V. STF, DJU, 9 dez. 2005, CC 7.204/MG, Rel. Min. Carlos Britto. Uma das criticas públicas a súmulas vinculantes como a do uso de algemas ou a do nepotismo foi, precisamente a escassez de precedentes necessários a preencher o requisito constitucional de “reiteradas decisões”.
[70] Grifo nosso. “O que a súmula faz é tentar produzir, já nas instancias ordinárias, a observância desse entendimento, promovendo valores como isonomia e eficiência na prestação jurisdicional. Respeitando-se essa exigência – correspondência fiel entre o enunciado sumular e o conteúdo decisório dos julgados de origem -, a edição de súmula vinculante não caracterizará usurpação da função legislativa.” Ibid. p. 86
[71] “A despeito da importância da reclamação na hipótese, a verdade é que o mecanismo pressupõe a observância espontânea das súmulas na generalidade dos casos. Sem isso, o STF logo se veria soterrado sob um novo tipo de avalanche, agora composta por milhares de reclamações.” Ibid. p. 87. De fato, a intenção de impor respeito (silêncio) é incontestável.
[72] “A independência do Judiciário, por outro lado, é a segurança das próprias prerrogativas de função dos exercentes dos demais poderes, sendo conceitualmente indispensável ao funcionamento das instituições republicanas. E assim o é singelamente porque ao Judiciário cabe a defesa do sistema constitucional e legal. O modelo de tripartição de poderes somente pode funcionar bem se o Poder Judiciário for efetivamente autônomo e independente. Isto é corolário do respeito à ordem constitucional legítima, e se subsume na repulsa ao arbítrio e na proteção das liberdades, o que se qualifica como finalidade última que deve inspirar o Estado Democrático de Direito.” - MACIEL, Cláudio Baldino. O juiz independente no Estado Democrático. Revista Cidadania e Justiça publicada no 1o semestre de 2000. p. 68.
[73] Ibid. p. 68.
[74] “Os mais importantes institutos propostos na reforma constitucional brasileira são previstos, de forma específica ou genérica, no documento da agência financeira referida: súmulas com efeito vinculante, medidas avocatórias, incidente per saltum de inconstitucionalidade, controle externo, escola oficial de magistratura com staff centralizado, juizados arbitrais, concentração de poder nas cúpulas do Judiciário e subtração de autonomia dos juízes em geral. Enfim, um Poder Judiciário verticalizado, com acentuação da disciplina interna e afrouxamento da possibilidade de disciplinamento difuso de condutas, sobretudo no que pertine ao controle da legalidade e da constitucionalidade de leis e atos administrativos dos demais poderes, estas elaboradas crescentemente no sentido de favorecer as políticas econômicas internacionais.” – Ibid. p. 71. (grifo nosso).
[75] Ibid. p. 70. Ainda: “No caso da reforma do Poder Judiciário no Brasil, coincidentemente as linhas mestras dos projetos apresentados no Parlamento Nacional, com o beneplácito do governo federal, são em tudo similares às propostas do Banco Mundial, bastando-se, para chegar a tal conclusão, a mera leitura do documento ora analisado e a dos projetos reformadores.” – Ibid. p. 70.
[76] Ibid. p. 69. Ainda: “O mesmo documento admite que as reformas serão “alterações sistêmicas, de longo termo, ao invés de reformas superficiais passíveis de serem revertidas”. Este, assim, é o interesse do Banco Mundial: a mudança estrutural de nossos Judiciários, profunda o suficiente para não poder ser revertida. Isto porque, ainda segundo a visão do Banco, a economia de mercado “demanda um sistema jurídico eficaz para governos e setor privado, visando a solver os conflitos e organizar as relações sociais. Ao passo que os mercados se tornam mais abertos e abrangentes e as transações mais complexas, as instituições jurídicas formais e imparciais são de fundamental importância”. E, digo eu, mais importantes e eficazes serão, aos olhos da dita agência econômica, se forem mais previsíveis na incapacidade que tenham de impor limites, ainda que constitucionais, à circulação anárquica de capitais na busca única do lucro em nossos respectivos países.” – Ibid. p. 71.
[77] ROCHA, José de Albuquerque. Súmula Vinculante e Democracia. In: Jürgen Habermas, 80 anos: direito e democracia. Belo Horizonte: Lúmen Júris, 2009. p. 109-111.
[78] “Apuradas as discrepâncias e concordâncias, verifica-se que a Constituição contém elementos dos modelos liberal e republicano, o que a torna vizinha do modelo deliberativo que é uma síntese deles.” Ibid. p. 107.
[79] O reconhecimento mútuo e a dimensão de solidariedade como fonte de integração social, que fazem parte do modelo procedimentalista de democracia, em consonância com o paradigma procedimentalista do direito, enquanto deliberação política intersubjetiva voltada à legitimação democrática pela aceitabilidade racional de todos os possíveis atingidos, operam, pois, como elementos da teoria habermasiana que permitem o deslocamento do foco concretista que encarcera o direito e a política no Estado para uma compreensão reflexiva do direito e da política alocada também na sociedade civil politizada e autônoma privada e publicamente.
[80] “A opinião publica, transformada em poder comunicativo segundo processos democráticos, não pode “dominar” por si mesma o uso do poder administrativo; mas pode, de certa forma, direcioná-lo.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume II. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 23.
[81] “A teoria do discurso coloca em jogo uma outra idéia: para ela processos e pressupostos comunicativos da formação democrática da opinião e da vontade funcionam como a comporta mais importante para a racionalização discursiva das decisões de um governo e de uma administração vinculados ao direito e à lei. Ibid. p. 23.
[82] Vide argumentação de Luís Roberto Barroso. Na nota de rodapé 67.
[83] “O juiz independente é condição fundamental de existência do Estado Democrático.”- MACIEL, Cláudio Baldino. O juiz independente no Estado Democrático. Revista Cidadania e Justiça publicada no 1o semestre de 2000. p. 67.
[84] “…o juiz que está na infância, tendo o pai como ídolo. Seu desejo é agradar o pai e, para isso, nada melhor do que aderir ao seu saber, expresso nos acórdãos. Para tanto, transcreve sempre a vontade-jurisprudência do seu superior. Esta relação neurótica perdura quando este juiz chega ao Tribunal, pois espera que os outros “filhos” sigam seu caminho, copiando-o.” LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal. 4a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 80.
[85] “Pior, esse juiz mata o que há de mais digno na atividade judicante: o sentire. Em vez de proferir a sentença com sentimento, ele se reduz a um mero burocrata repetidor de decisões alheias, com a finalidade de aderir à maioria ou ao pai-tribunal.” – Ibid. p. 80.
[86] Ibid. p. 79.
[87] O constitucionalista norte americano Mark Tushnet caracteriza o modelo norte-americano de revisão judicial como sistema de revisão judicial forte (strong-form judicial review) porque este faz prevalecer a interpretação razoável da corte em detrimento da interpretação também razoável do corpo de representantes políticos e identifica nisto uma tensão entre o papel judicial de garantia da prevalência das limitações constitucionais e a democracia. TUSHNET, Mark. Weak Courts, Strong Rights: Judicial Review and Social Welfare Rights in Comparative Constitutional Law. Princeton: Princeton University Press, 2008, p. 21. Mas o próprio Habermas explica que: “A partir do momento em que uma norma não permite mais tal aplicação coerente, portanto, conforme à constituição, coloca-se a questão do controle abstrato de normas, a ser empreendido basicamente na perspectiva do legislador. Na Alemanha e nos Estados Unidos, na medida em que esse controle de normas é feito na quadro da instância da prova judicial, levando à rejeição de normas e não a mandatos para o legislador, argumentos pragmáticos e político-jurídicos podem falar em prol da distribuição institucional de competências.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I. 2a edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 325. Além do mais, o modelo americano pode ser, no que tange à posição institucional do tribunal constitucional, classificado como um regime de separação de poderes, no qual a Suprema corte apenas pode exercer o controle de constitucionalidade das leis quando a discussão ocorrer no âmbito de casos concretos e controversos e que possibilitam a discussão em qualquer outra corte. FEREJOHN, John; PASQUINO, Pasquale. Tribunais Constitucionais como Instituições Deliberativas. In: BIGONHA, Antonio Carlos Alpino; Moreira, Luiz (org.). Limites do Controle de Constitucionalidade. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009. p. 53. Por tudo isso, o poder conferido ao Supremo Tribunal Federal só pode nos levar a concluir que se trata de um sistema ainda mais forte do que o sistema de revisão judicial forte identificado por Mark Tushnet no modelo americano. Eis a justificativa para a expressão aqui utilizada: sistema de revisão judicial super forte.
Mestre em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Master of Laws (LL.M.) pela Georgetown University Law Center. Advogada da União na Procuradoria-Geral da União, Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Taiz Marrão Batista da. Súmulas Vinculantes e Democracia: a verticalização das decisões judiciais e a neutralização do espaço público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2017, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50076/sumulas-vinculantes-e-democracia-a-verticalizacao-das-decisoes-judiciais-e-a-neutralizacao-do-espaco-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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