THALITA TOFFOLI PÁEZ[1] (Orientadora)
RESUMO: O presente artigo sugere uma reflexão sobre um dos temas mais controvertidos na atualidade do direito de família brasileiro, que é a possibilidade de responsabilização civil dos pais nos casos de abandono afetivo dos filhos menores, tendo em vista as consequências devastadoras que poderão advir na vida destas crianças e adolescentes.
Esclarece-se que este trabalho foi baseado em estudos bibliográficos e jurisprudenciais, sendo estruturado em três grandes tópicos, que se inicia com considerações relativas ao poder familiar, passando o segundo tópico pelo exame do abandono afetivo parental, e por fim realiza-se um estudo acerca da responsabilidade civil, bem como sua aplicação nos casos de abandono afetivo.
Palavras-chave: responsabilidade civil, abandono afetivo, família
ABSTRACT: This article suggests a reflection on one of the most controversial issues currently of Brazilian family law is the possibility of civil liability of parents in cases of emotional abandonment of minor children, in view of the devastating consequences that can arise in the lives of these children and adolescents.
Clarifies that this work was based on bibliographic studies and jurisprudence, being structured in three major topics, which begins with considerations relating to family power, passing the second topic by examining parental and affective abandonment finally a study on civil liability, as well as your application in cases of abandonment.
Keywords: civil liability, affective, family abandonment
INTRODUÇÃO
O Direito de Família passou por grandes transformações ao longo dos anos, tendo como principal marco o advento da Constituição Federal de 1988, que constitucionalizou as relações familiares e priorizou a afetividade dentro do núcleo familiar, individualizando e valorizando os interesses de cada membro, a fim de garantir a dignidade da pessoa humana e o melhor interesse do menor.
Nota-se que nos últimos anos, uma enorme quantidade de ações foram ajuizadas no Judiciário Brasileiro, por filhos que foram abandonados afetivamente por algum de seus genitores, pleiteando indenizações por danos morais, em razão da conduta omissiva destes pais no cumprimento do poder familiar, sendo indispensável a abordagem do tema, tendo em vista que comprovação do abandono traz diversas consequências negativas na formação da personalidade e desenvolvimento das crianças e adolescentes, que ensejam repercussões devastadoras na idade adulta.
Trata-se de assunto muito controverso e que gera grandes discussões entre a doutrina e jurisprudência, mas que precisa ser debatido e apreciado pelo Poder Judiciário, até porque a falta de assistência moral por parte de genitores, interfere na formação de adultos socialmente e psiquicamente sadios, devendo os pais em razão da negligência quanto aos deveres inerentes do poder familiar, serem responsabilizados civilmente pelas faltas e danos cometidos.
Ademais, a obrigação dos pais para os filhos, não se resume apenas a assistência material, mas sim na convivência diária, fazendo-se presente para orientar e educar para a vida e a sociedade.
Deste modo, diante da existência dos pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil e o reconhecimento de forma inequívoca da repercussão psíquica na criança ou adolescente, verifica-se uma tendência no judiciário para deferimento de indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo, tendo como divisor de águas o julgamento do Recurso Especial nº. 1.159.242 de 2012, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, que teve como relatora a Ministra Nancy Andrighi.
1. PODER FAMILIAR - CONSIDERAÇÕES
A família desempenha papel primordial na formação dos seres humanos, independentemente de sua configuração, pois possibilita a cada indivíduo constituir-se como sujeito único dentro de um núcleo pré-estabelecido, de modo a incorporar valores éticos, afetivos e culturais, a fim de formar uma unidade de amor, solidariedade, amizade, companheirismo e respeito, sendo que eventual ruptura desses vínculos, ensejam consequências negativas a todos envolvidos, merecendo portanto, especial proteção do Estado.
Com a evolução da sociedade e consequente modificação das relações familiares, a Constituição Federal de 1988 por meio dos artigos 226 e 227, visando atribuir maior proteção a família que é base estrutural da sociedade e consagrar os princípios da liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana, bem como consolidar a instituição política estatal, modificou a ideia de filiação e consignou o reconhecimento de outros modelos familiares que não fossem aqueles tradicionalmente estabelecidos, como é o caso das famílias monoparentais, anaparentais e homoafetivas, assim como os modelos familiares existentes no Estatuto da Criança e do Adolescente, denominados de família natural, família ampliada e família substituta, não sendo possível segundo Gagliano e Filho (2014, p.1) “apresentar um conceito único e absoluto de família apto a aprioristicamente delimitar a complexa e multifária gama de relações socioafetivas que vinculam as pessoas, tipificando modelos e estabelecendo categorias”, tendo em vista o surgimento ao longo da história de um extenso leque de núcleos afetivos. DIVIDE ESSE PARÁGRAFOI POIS ESTÁ MUITO LONGO
As alterações pertinentes ao direito de família, advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, demonstram e ressaltam a função social da família no direito brasileiro, a partir principalmente da proclamação da igualdade absoluta dos cônjuges e dos filhos; da disciplina concernente a guarda, manutenção e educação da prole, com atribuição de poder ao juiz para decidir sempre no interesse desta e determinar a guarda a quem revelar melhores condições de exercê-la, bem como para suspender ou destituir os pais do poder familiar, quando faltarem aos deveres a ele inerentes; do reconhecimento do direito a alimentos inclusive aos companheiros e da observância das circunstâncias socioeconômicas em que se encontrem os interessados; da obrigação imposta a ambos os cônjuges, separados judicialmente de contribuírem, na proporção de seus recursos, para a manutenção dos filhos (Gonçalves, 2009, p.19).
O exercício do poder familiar consistente na manifestação de direitos e deveres dos pais em relação aos bens e aos filhos menores e incapazes, tem o dever educá-los e dirigi-los para a vida e a sociedade, de forma a oferecer as melhores condições para sua formação e educação, atendendo sobretudo, os interesses físicos, morais, sociais, intelectuais e afetivos, sendo que eventual convenção entre os pais de abdicar o poder familiar não possui qualquer validade, pois trata-se de poder inalienável, irrenunciável e indelegável.
A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram o poder familiar, tampouco do genitor destituído da guarda física dos filhos, sendo apenas mitigada em razão da titularidade da guarda, tendo em vista que o ascendente guardião exercerá os poderes gerais e imediatos individualmente, e as situações mais complexas serão decididas entre os genitores com bom relacionamento sempre que for possível. No entanto, verifica-se com frequência que muitos pais se utilizam dos filhos como instrumento de vingança e de chantagem após a ruptura do relacionamento para atingir o outro genitor, ocasionando abalos psíquicos e prejudicando o desenvolvimento da criança.
O artigo 229 da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre o dever dos pais de assistir, criar, e educar os filhos menores, corroborado pelo artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente aduz a incumbência dos pais do dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, sendo que tais obrigações visam a promoção do sadio crescimento da prole, a fim de assegurar direitos inerentes a vida, dignidade, respeito, liberdade, alimentação, educação, esporte, lazer, cultura e convivência familiar e comunitária.
O dever de sustento dos pais em relação aos filhos transforma-se com a maioridade em obrigação alimentar, possuindo origem distinta da obrigação de sustento, uma vez que o dever de alimentar existe ilimitada solidariedade entre pais e filhos, como forma de assegurar o constitucional direito a vida.
É dever dos pais ter os filhos sob sua companhia e guarda, pois eles dependem da presença, vigilância, proteção e contínua orientação dos genitores, porque exsurge dessa diuturna convivência a natural troca de experiências, sentimentos, informações e, sobre modo, a partilha de afeto, não sendo apenas suficiente a presença física dos pais, mas essencial que bem desempenhem suas funções parentais, logrando proporcionar os filhos sua proteção e integral formação, sempre com mira nos melhores interesses da criança e do adolescente, elegendo consecutivamente aquilo que resultar mais conveniente para a prole (Madaleno, 2013, p.681).
E ademais, o fato dos pais estarem separados não exime o ascendente que não possui a guarda de colaborar efetivamente para a concretização do princípio do melhor interesse no menor, pois permanece com o poder de comunicação e supervisão de seus descendentes, devendo exercer ativamente as obrigações inerentes a vida afetiva, sentimental e moral dos filhos, sendo que a eventual inobservância desses deveres, ensejam consequências irreparáveis e devastadoras na vida funcional desses menores.
2. ABANDONO AFETIVO PARENTAL
O abandono afetivo se caracteriza pela indiferença, omissão, negligência, ausência de amor e de assistência da obrigação constitucional de cuidar, bem como pela privação do direito à comunhão familiar e dignidade da pessoa humana, que se dá em razão da ruptura da relação conjugal, normalmente pelo genitor não guardião ou decorrente da falta de convívio originada de relacionamentos extraconjugais ou violência entre os indivíduos inseridos no núcleo familiar, causando diversos desdobramentos negativos na formação da personalidade da criança ou do adolescente.
A família é a estrutura fundamental que molda o desenvolvimento psíquico da criança, uma vez que é, por excelência, o primeiro local de troca emocional e de elaboração dos complexos emocionais, que se refletem no desenvolvimento histórico das sociedades e nos fatores organizativos do desenvolvimento psicossocial (Fraga, 2005, p.50).
O abandono afetivo decorrente da falta de amor, cuidado e carinho, acontece de forma corriqueira no cotidiano das famílias brasileiras, fazendo com que a criança abandonada experimente pensamentos conscientes e inconscientes de rejeição, acreditando que foi denegada por não ser boa o bastante, ou por ter feito algo errado, e resultando em danos psicológicos de grandes proporções que carregará para toda vida.
Sob essa perspectiva, a Constituição Federal assegura aos filhos assistência moral, material e sobretudo afetiva, cabendo ao pais não se limitem apenas aos aspectos materiais.
Será que há alguma razão/justificativa para um pai deixar de dar assistência moral e afetiva a um filho? A ausência de prestação de uma assistência material seria até compreensível, se se tratasse de um pai totalmente desprovido de recursos. Mas deixar de dar amor e afeto a um filho... não há razão nenhuma capaz de explicar tal falta (Pereira e Silva, 2006).
O abandono afetivo é muito mais devastador que o abandono material, pois a necessidade financeira pode ser absorvida por terceiros, mas a falta de carinho e afeto dos pais, jamais poderá ser preenchida por qualquer pessoa, deixando marcas permanentes e profundas nestas crianças e adolescentes, provocado ainda, incalculáveis danos, pois muitas vezes estes menores experimentam o abandono físico e moral durante o próprio período de coabitação com os pais, e não apenas quando os relacionamentos terminam. Ademais, nos dias nos dias atuais, torna-se cada vez mais comum, genitores delegarem funções familiares a terceiros, deixando de cumprir seu dever parental de presença moral para com os filhos.
Evidente que no ordenamento jurídico brasileiro não existe qualquer norma expressa que obrigue os pais a amarem seus filhos, mas há o dever jurídico de assistir, criar e educar os filhos menores, sendo que a negativa injustificada desses deveres familiares, ocasionam diversas sequelas psicológicas passíveis de responsabilização civil.
Em razão de atos contrários ao ordenamento jurídico decorrente da proteção constitucional familiar e do princípio da dignidade da pessoa humana, sempre que verificada a violação de direitos, manifesta-se a necessidade de interferência do Estado afim de assegurar a aplicação das normas, sobretudo relativas as crianças e adolescentes e que merecem especial proteção estatal.
No entanto, cabe ponderar que para ensejar a obrigação de indenizar, deve-se demonstrar a efetiva existência de dano e culpa do agente, pois o abandono por si só, não justifica o pagamento de indenização por danos morais.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL – ABANDONO AFETIVO
O dano decorrente do abandono afetivo por se tratar de uma das modalidades de dano moral, deve ser analisado em conjunto com o instituto da responsabilidade civil, que segundo Gagliano e Filho (2012, p.54) “deriva da agressão a um interesse jurídico eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas”. Deste conceito, é possível extrair que a responsabilidade civil é composta por três elementos, quais sejam, conduta humana (positiva ou negativa), dano e nexo causal, surgindo assim o dever de indenizar.
A responsabilidade civil é classificada em responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva, sendo que na primeira hipótese, nos termos do art. 186 do Código Civil ocorrerá responsabilidade civil subjetiva sempre que: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, sendo do autor o ônus de demonstrar a culpa do réu, pois trata-se de fato constitutivo de seu direito. No segundo caso, para caracterização da responsabilidade objetiva, é irrelevante a existência de dolo ou culpa do agente, sendo necessário apenas estabelecer nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano sofrido.
As principais funções da reparação civil consistem em compensar a vítima do dano experimentado, punir o ofensor, bem como desmotivar socialmente a prática da conduta lesiva. Nesse sentido:
O ofensor receberá a sanção consistente na repreensão social, tantas vezes quantas forem suas ações ilícitas, até conscientizar-se da obrigação em respeitar os direitos da pessoas. Os espíritos responsáveis possuem uma absoluta consciência do dever social, posto que, somente fazem aos outros o que querem que seja feito a eles próprios. Estas pessoas possuem exata noção do dever social, consistente em uma conduta emoldurada na ética e no respeito aos direitos alheios. Por seu noturno, a repreensão contida na norma legal tem como pressuposto conduzir as pessoas a uma compreensão dos fundamentos que regem o equilíbrio social. Por isso, a lei possui um sentido tríplice: reparar, punir e educar (Gagliano e Filho 2012, p. 67, apud Reis 2000, p.78-79).
Importante indagação surge quanto a possibilidade de procedência da reparação civil relativa ao abandono afetivo e a forma de se estabelecer um quantum pecuniário indenizatório para compensação dessa ausência de afeto, assim como a limitação entre o dano afetivo efetivamente sofrido e a mera obtenção de vantagens, tendo em vista uma tênue linha que separa as duas situações.
Nesse sentido Hironaka (2006):
O que produzirá o liame necessário – nexo de causalidade essencial para a ocorrência da responsabilidade civil por abandono afetivo deverá ser a consequência nefasta e prejudicial que se produzirá na esfera subjetiva, íntima e moral do filho, pelo fato desde abandono perpetrado culposamente por seu pai, o que resultou em dano para a ordem psíquica daquele.
Nos últimos anos, surgiram diversas decisões no Judiciário Brasileiro, admitindo o arbitramento de indenização por danos morais decorrente das relações familiares, e principalmente no que se refere ao abandono afetivo, que resultou grandes divergências e discussões doutrinárias acerca da possibilidade ou não da reparação civil, quando houver omissão dos pais em assumir os deveres inerentes a proteção e cuidados dos filhos.
Segundo o entendimento daqueles que admitem a possibilidade de reparação civil em razão do abandono afetivo, as relações familiares devem ser pautadas no desenvolvimento ético, solidário e afetivo, tendo a afetividade como principal pilar de existência e de dignidade das entidades familiares e deste modo, a responsabilidade parental deve sempre buscar o efetivo desenvolvimento da personalidade e da formação do ser humano, prestando assistência afetiva, moral e psíquica na busca do melhor interesse da criança e do adolescente, não sendo possível limitar-se apenas à presença física dos genitores.
De outro norte, aqueles que defendem a inviabilidade desta modalidade de reparação civil, sustentam a impossibilidade de aferição do elemento culpa, não existindo assim possibilidade de fixação do quantum indenizatório.
Vale destacar o Recurso Especial nº. 1.159.242 do Superior Tribunal de Justiça, que foi o importante marco para as decisões favoráveis acerca da possibilidade de responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a retificação de voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi e a ratificação de voto-vencido do Sr. Ministro Massami Uyeda, por maioria, dar parcial provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Votou vencido o Sr. Ministro Massami Uyeda. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 24 de abril de 2012(Data do Julgamento)
O caso em tela, trata de ação de indenização por danos morais e materiais, ajuizada pela filha em face do pai, em razão de abandono afetivo sofrido durante a infância e adolescência, que restou julgada improcedente pelo Juízo de 1ª Instância, e após interposição de recurso de apelação ao Tribunal de Justiça de São Paulo, foi dado parcial provimento ao recurso interposto pela filha, ensejando na condenando do genitor ao pagamento de R$ 415.000,00. Inconformado, interpôs recurso especial, chegando ao Superior Tribunal de Justiça.
E com efeito, o voto da Ministra Relatora Nancy Andrighi abordou o tema sob diversos aspectos.
De início afirmou que não existe qualquer restrição legal acerca da aplicação da responsabilidade civil no Direito de Família, pois a perda do poder familiar, não obsta o eventual dever de indenizar/compensar uma vez que o principal objetivo é proteger a integridade física do menor, sendo obrigação dos pais, as responsabilidades de suas ações e escolha, assim como a criação da prole e o provimento de alimentos, tendo em vista que o cuidado é indispensável para formação do menor, não se tratando de valoração jurídica do amor paterno, mas da inobservância da obrigação legal.
Desta ideia, surgiu a icônica frase da Ministra Nancy Andrigui, que dispõe: “amar é faculdade, cuidar é dever”, no entanto pondera, que para configuração da prática ilícita, faz-se indispensável a comprovação do dolo ou culpa, satisfazendo-se pela apresentação de laudo técnico como forma de demostrar a patologia psicológica e o nexo de causalidade entre a doença apresentada e o abandono afetivo, sendo necessária a avaliação do julgador conforme o caso concreto.
Contudo, analisando recentes julgados dos tribunais superiores, nota-se uma certa tendência pela improcedência dos pedidos, em razão da dificuldade se provar de forma inequívoca os danos sofridos pelos filhos ou o nexo de causalidade entre a patologia alegada e o propalado abandono afetivo.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL IMPROCEDENTE. ABANDONO AFETIVO NÃO CONFIGURADO. MANUTENAÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. Recurso de apelação interposto em face da sentença que julgou improcedente o pedido de reparação por dano moral formulado pela apelante contra seu pai, com fundamento em abandono afetivo. Pretensão recursal direcionada à reforma do julgado para o reconhecimento do dano moral, que não poderá ser acolhida. De fato, ainda que se reconheça que o abandono afetivo possua aptidão para gerar reparação por dano moral, em decorrência não propriamente da falta de afeto, mas do objetivo cuidado que os pais devem aos filhos, induvidosa se apresenta a demonstração inequívoca do dano daí derivado e do nexo causal, sem que o que nada há a compensar. No caso sub examen, o conjunto probante colacionado ao processo, amparado principalmente no laudo pericial elaborado em segundo grau de jurisdição, evidenciou que não houve efetivamente o alegado abandono por parte do genitor e que não se mostrava genuína a causa de pedir da apelante, tendo em vista a inexistência de sofrimento por decorrência da ausência do vínculo emocional com o pai biológico, mas, sim, inconformismo em não receber mais as prestações alimentícias, uma vez que já completou os vinte e quatro anos de idade. Configuração da conduta ilícita de abandono afetivo para o fim de condenar o genitor à reparação por dano moral que imprescinde da presença de alguns elementos no caso concreto diante de sua excepcionalidade, tais como a negativa insistente e deliberada de aceitação do filho cumulada com o desprezo com relação à sua pessoa, sobretudo como forma de impedir a banalização do instituto e conferir real importância ao impacto negativo que pode advir ao próprio filho provocado pelo descaso afetivo, o que não se verificou, na espécie, como muito bem observado pelo magistrado sentenciante. Leitura da petição inicial que evidencia o descontentamento da apelante com as questões patrimoniais, uma vez que citou, inúmeras vezes, a necessidade de ingressar com demandas executivas e o temor suportado nas vezes em que o genitor requereu a exoneração da obrigação alimentar, de modo que, momento algum, narrou situação de desamparo emocional suportado em razão da ausência do pai biológico ou eventuais danos psicológicos sofridos pela falta do convívio, o que somente corrobora a conclusão a que chegou o laudo pericial. Sentença que, portanto, solucionou adequadamente a demanda e deve ser mantida. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
(TJ-RJ - APL: 03648546820138190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 13 VARA DE FAMILIA, Relator: ALCIDES DA FONSECA NETO, Data de Julgamento: 05/04/2017, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/04/2017)
Por fim, importante destacar, que o prazo prescricional para ajuizamento da ação de indenização por danos morais/materiais decorrente do abandono afetivo é de três anos (art. 206, parágrafo 3, inciso V do Código Civil), começando a fluir a partir da maioridade civil do interessado.
EMENTA: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PATERNIDADE CONFIRMADA PELO LAUDO DO EXAME PERICIAL DE DNA. IMPOSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO DE ABANDONO AFETIVO ANTES DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE. DESCABIMENTO DE INDENIZAÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO DE REPARAÇÃO CIVIL INICIADO COM A AQUISIÇÃO DA MAIORIDADE PELO AUTOR. PRETENSÃO EXTINTA. PROCEDÊNCIA PARCIAL. APELAÇÃO. POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS DECORRENTES DE ABANDONO AFETIVO. PRECEDENTES DO STJ. DISPENSABILIDADE DE PRÉVIO REGISTRO CIVIL OU DE RECONHECIMENTO JUDICIAL DA PATERNIDADE PARA CARACTERIZAÇÃO DO ABANDONO AFETIVO. NATUREZA DECLARATÓRIA DA SENTENÇA PROLATADA NA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO. PATERNIDADE CONHECIDA DO AUTOR DESDE A INFÂNCIA. PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO DE REPARAÇÃO CIVIL INICIADO COM A AQUISIÇÃO DA MAIORIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 206, § 3.º, V, C/C ART. 2.028, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. PRESCRIÇÃO TRIENAL. PRETENSÃO EXTINTA. SEGUIMENTO NEGADO. 1. O abandono afetivo decorrente da omissão do genitor no dever de cuidar da prole constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral. Precedentes da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. 2. A ausência do nome do pai ou da mãe no registro de nascimento do autor ou a ausência de prévio reconhecimento judicial da paternidade não constitui óbice ao reconhecimento do abandono afetivo, notadamente diante da natureza declaratória (TJPB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00288066720138150011, - Não possui -, Relator DES ROMERO MARCELO DA FONSECA OLIVEIRA , j. em 18-01-2016)
(TJ-PB - APL: 00288066720138150011 0028806-67.2013.815.0011, Relator: DES ROMERO MARCELO DA FONSECA OLIVEIRA, Data de Julgamento: 18/01/2016, 4A CIVEL)
CONCLUSÃO
Ao longo da história, a família brasileira passou por diversas modificações, principalmente após a Constituição Federal de 1988, que estendeu ao Direito de Família os princípios da dignidade da pessoa humana e igualdade entre as pessoas, surgindo assim novas formas de constituição familiar, como é o caso das famílias monoparentais, anaparentais e homoafetivas, bem como aquelas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, denominados de família natural, família ampliada e família substituta, e conferindo deste modo maior proteção do Estado.
Com o surgimento dessas novas formas de entidades familiares, tornou-se cada vez mais comum as controvérsias acerca da possibilidade da reparação civil no cerce das relações familiares, tendo em vista que a constitucionalização do Direito de Família, possibilitou a responsabilização pelos atos ilícitos praticados, ensejadores do pagamento de indenização por danos morais, principalmente para aqueles atos relacionados com abandono afetivo.
Conforme demonstrado, o poder familiar é dever dos pais, devendo ser prestado com zelo, cuidado e convivência diária, na busca do melhor interesse da criança e adolescente, não sendo possível desonerar-se desta obrigação uma vez que a omissão do seu exercício configura ato ilícito, além do descumprimento da norma constitucional de cuidar, pois acarreta danos de ordem psicológica com repercussões extremamente negativas no desenvolvimento do menor.
Analisando os recentes julgados, nota-se que a responsabilidade civil em razão do abandono afetivo não está relacionada à falta de amor, mas sim com a falta de cuidado inerente do poder familiar como se verifica no Resp. nº. 1.159.242 de 2012 proferido pelo STJ, razão pela qual a simples assistência material, não isenta os pais da responsabilidade, tendo em vista que é a falta de assistência moral, a principal causa de configuração do abandono afetivo.
Destaca-se que menosprezo e o desamor por parte dos genitores, provocam sofrimentos demasiados nestas crianças e adolescentes, ensejando repercussões devastadoras na sua formação e desta forma, verificando os pressupostos da responsabilidade civil, com a fundada demonstração do dano psíquico, busca-se na justiça a reparação pelo dano sofrido, que conquanto não seja possível expungir o sofrimento sofrido, poderá ao menos trazer maior conforto a estes filhos, além efetivo caráter educativo da medida.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.
BRASIL. LEI Nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990.
FRAGA, Thelma. A guarda e o direito de visitação sob prisma do afeto. Niterói: Editora Impetus, 2005.
GAGLIANO, P.S.; FILHO, R. P. Direito de Família: As famílias em perspectiva constitucional. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
GONÇALVES, C.R. Direito Civil Brasileiro. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
HIRONAKA, G. M. F. N. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: www.egov.ufsc.br/portal/sites/defaut/files/anexos/32839-40754-1-PB.pdf. > Acesso em: 14 de maio de 2017.
MADALENO, R. Curso de Direito de Família. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
PEREIRA, R. C.; SILVA, C. M. Nem só de pão vive o homem. Disponível em: www.scielo.br/pdf/se/v21n3/a06v21n3.pdf. Acesso em: 13 de maio de 2017.
[1]Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2005). Especialização em Direito, no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (2008). Especialização em Direito Empresarial e Tributário, na Unitoledo/Araçatuba (2013). Especialização em Direito Civil, na Anhanguera/Uniderp. Mestrado Profissional em Ciências Ambientais, na Universidade Brasil, Campus Fernandópolis-SP (2016). Aluna Regular do Programa de Cursos para Doutorado na Universidad de Buenos Aires. Advogada no escritório Páez & Bertolo. Professora Universitária na Universidade Brasil, Câmpus Fernandópolis-SP.
Bacharelanda do Curso de Direito pela Universidade Brasil - Campus Fernandópolis/SP. Estagiária do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIGUEIREDO, Ana Paula Coelho Dourado. A responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50165/a-responsabilidade-civil-decorrente-do-abandono-afetivo. Acesso em: 23 dez 2024.
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