THALITA TOFFOLI PÁEZ (orientadora)[1]
RESUMO: O presente trabalho trata-se especificamente do intitulado “Direito ao Esquecimento”, embora seja um instituto que ganhou força recentemente, há pesquisas que revelam que já fora alvo de estudos no passado. De tal forma, buscou-se analisar tanto como os princípios constitucionais, como também a particularidade do mesmo ser tratado como um Direito a Personalidade. O estudo foi com base no que consiste o mencionado tema, de que forma é protegido pelo campo jurídico brasileiro, e sua aplicação aos casos concretos, que por sua vez alcançou grande ênfase, pela forma como foram julgados por análises distintas. Contudo, ao fim desta elaboração, foi possível compreender que pode haver a aplicação desse Direito no ramo jurídico, ainda que exista muitas divergências a despeito de ser um confronto com o direito a informação, devendo tão somente ser analisado rigorosamente para apuração do caso concreto.
Palavras – Chave: Direito ao esquecimento. Dignidade da Pessoa Humana. Direito a Informação.
ABSTRACT: The present work deals specifically with the so-called "Right to Forgetfulness", although it is an institute that has gained strength recently, there is research that shows that it had already been studied in the past. Thus, we sought to analyze both as the constitutional principles, as well as the particularity of the same be treated as a Right to Personality. The study was based on what the mentioned theme consists of, how it is protected by the Brazilian legal field, and its application to concrete cases, which in turn reached a great emphasis, by the way in which they were judged by different analyzes. However, at the end of this elaboration, it was possible to understand that there could be the application of this Law in the legal branch, although there are many differences despite being a confrontation with the right to information, and only be analyzed rigorously to determine the concrete case.
Key words: Right to forgetfulness. Dignity of human person. Right to Information.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DIREITO AO ESQUECIMENTO DIANTE OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS. 2.1 Direito ao Esquecimento. 2.2 Constituição Federal como sustentáculo do Princípio da Dignidade Humana. 2.3 Direito a Personalidade. 3 DIREITO A INFORMAÇÃO E SUA LIGAÇÃO COM O DIREITO AO ESQUECIMENTO. 4. ANÁLISE AOS CASOS CONCRETOS. 4.1 Chacina de Candelária (RECURSO ESPECIAL N. 1.334.097/RJ). 4.2 Caso Aída Jacob Curi (RECURSO ESPECIAL N. 1.335.153/RJ). 5 CONCLUSÃO. 6 BIBLIOGRAFIA.
1 INTRODUÇÃO
Estudo apontado unicamente para análise do instituto elencado recentemente no contexto jurídico brasileiro, que ganhou força e repercussão com a publicação do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, promovido pelo Conselho de Justiça Federal (CJF), que por conseguinte acabou por incluir ao Código Civil Brasileiro, como artigo 11, que o enumera entre os direitos a personalidade.
O Direito ao Esquecimento tem sido versado como uma espécie de defesa daqueles que um dia foram vítimas de alguma exposição de informação que acabou por gerar sofrimento psicológico, ou até mesmo foi lhe imputado afirmações falsas a seu respeito, e também quando se trata da esfera criminal, quando fora acusado de um crime, porém já pagou sua divida com a justiça e deseja ter o direito de recomeçar, sem ter que lembrar a todo tempo e muito menos ser exposto pela mídia o que aconteceu no passado. Nesse mesmo sentido, o presente artigo abarca duas vertentes principio lógicas, sendo que, de um ponto de vista está protegendo os princípios a intimidade e privacidade, e do outro, os princípios ligados a informação e liberdade de expressão, todos previstos na Constituição Federal.
O tema ainda em estudo doutrinário e jurisprudencial, acabou por alcançar dois julgados que ficaram bastante conhecidos no Brasil, sendo o primeiro compreendido como “A chacina de Candelária”, e o segundo como “Caso de Aída Curi”, ambos foram julgados pelo mesmo ministro, Luiz Felipe Salomão, porém com entendimentos distintos, por conta de suas particularidades.
Assim sendo, apesar de ser um assunto que emerge sobre diversas áreas do Direito, que tem como centro a proteção da dignidade humana, a dúvida é se deve preponderar a liberdade de expressão ou direito a privacidade? Convém lembrar que ambos direitos são fortemente protegidos pela Constituição Federal, e não podem ser violados, da mesma forma que também não podem expor a vida alheia, o que geraria danos.
2. DIREITO AO ESQUECIMENTO DIANTE OS FUNDAMENTOS JÚRIDICOS
2.1 DIREITO AO ESQUECIMENTO
Vive-se em tempos que tudo gira através da velocidade da informação devido a grande modernização tecnológica, e esta por sua vez acaba gerando resultados insatisfatórios para determinadas pessoas. E quem são essas pessoas?
Pessoas que em algum momento de suas vidas tiveram sua integridade física, moral, intelectual e também sua privacidade expostas pelo simples fato de ter cometido qualquer ato no passado, que acabou por produzir sérios efeitos no que diz respeito a sua vida intima. Eis que a vista disso, surge o chamado “Direito ao esquecimento”, ou denominado “direito de ser deixado em paz”, ou “direito de estar só”, ou até mesmo “the right to be left alone”, como é nomeado no ordenamento norte-americano. Este por sua vez tem sido um assunto um tanto quanto polêmico, visto que se trata de uma espécie de proteção ao individuo da invasão de privacidade diante as redes sociais, mídias, blogs e provedores de conteúdo. É um direito que o ser humano tem de não ser exposto diante a um fato, ainda que verídico que aconteceu em determinado momento de sua vida, que pode acabar causando sofrimentos e transtornos indesejados.
Este desdobramento acerca do direito a privacidade abrange assuntos que não diz respeito somente a vida da pessoa humana, ele envolve também o ordenamento jurídico brasileiro, e acaba compreendendo não somente o Direito Civil, mas também os Direitos Fundamentais dispostos à luz da Carta Magna de 1988.
Vale a citação retirada da obra “Direito ao esquecimento e o superinformacionismo: apontamentos no direito brasileiro dentro da sociedade da informação”3, que o define com maestria:
O direito ao esquecimento está, então, intimamente ligado à divulgação de informações de maneira intertemporal e visa a impedir que o passado do indivíduo altere significativamente os rumos do seu futuro em sociedade e, dessa maneira, só poderão permanecer em circulação se estiverem de acordo com seu atual comportamento e até quando durar a finalidade que alcança o próprio interesse público. Pode-se constatar isso observando que: - é aquele em que se garante que os dados sobre uma pessoa somente serão conservados de maneira a permitir a identificação do sujeito a eles ligado, além de somente poder ser mantido durante o tempo necessário para suas finalidades. (RULLI JÚNIOR, Antônio; RULLI NETO, Antônio. P. 426).
Destarte, no Brasil esse instituto possui seu fundamento a luz da Constituição Federal, visto que é uma consequência do direito à vida privada (privacidade), intimidade e honra, assegurados pelo artigo 5º, inciso X, da Carta Magna e pelo Código Civil Brasileiro em seu artigo 21, embora não possamos tratar do direito de ser esquecido sem traçarmos paralelos com a liberdade de informação e expressão como também e a dignidade da pessoa humana, disposto no artigo 1º, inciso III, no rol dos Princípios Fundamentais da Constituição Federal.
Nas palavras de Sarlet a dignidade da pessoa humana pode ser caracterizada como: (SARLET, 2007, p. 62)4 “Um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável.”
Com sustentação nestes fatos, obtém-se a análise e reconhecimento do direito ao esquecimento como um direito à personalidade, embasado numa decorrência de construção doutrinária que o visa como proteção da dignidade da pessoa humana a fronte tais problemas. Inclusive até que momento o direito a informação pode evocar no intimo do ser humano, apoderando-se de fatos passados para lembrar sempre dos erros uma vez cometidos, expondo sempre o nome daquele que deseja apenas seguir em frente.
.2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO SUSTENTÁCULO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
Preliminarmente: o que significa princípio? É indubitável que ao pesquisar o significado da terminologia “princípios”, encontraremos toda uma nomenclatura certamente utilizada como preposições diretoras de uma ciência, que muito provavelmente está ligada a todo desenvolvimento posterior desta. Assim sendo, a definição da palavra “princípio” explana a ideia de começo, da partida de tudo onde começou.
Com fulcro no artigo 1º da Constituição Federal de 1988, ressalta-se que este é um princípio fundamental e primordial de fronte a todo o Ordenamento Jurídico que tem como base o Estado Democrático de Direito, artigo este, que faz total menção aos direitos humanos e justiça social que tanto se almeja nas relações em sociedade.
De acordo com a Magna Carta, dita o artigo 1º:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
II – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sócias do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.
Destarte é nítido que além de ser considerado um princípio fundamental para relação do homem em sociedade, foi consagrado como fundamento do Estado Democrático de Direito, assim como o vetor, firmamento, a base de onde se emanam todos os demais princípios.
Este por sua vez, não compreende tão somente os direitos individuais, tanto como também os de natureza social, econômica e cultural, dado que no Estado Democrático de Direito a liberdade não é apenas negativa, entendida como ausência de constrangimento, mas liberdade positiva, consistente na remoção de impedimentos (sociais, econômicos e políticos) capaz de embaraçar a plena realização da personalidade humana.
De acordo com os ensinamentos da autora Berenice Dias5:
Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela pessoa, ligando todos os institutos a realização de sua personalidade. Tal fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito.
A propósito devem ser lembradas as considerações de Kildare Gonçalves Carvalho6:
A dignidade da pessoa humana é o fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, no sentido de que estes constituem exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa e que com base nesta é que devem aqueles ser interpretados.
Contudo, vale a ressalta de que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é tido como fundamento da nossa República, e dessa forma ao analisarmos o Direito Civil defronte a Constituição Federal, notaremos que o ser humano é centro do âmbito jurídico, e que todos os demais institutos visão tão somente a proteção deste para com a sociedade. E é exatamente nesse mesmo sentido que o Princípio da Dignidade da Pessoa humana reflete em todas as normas do ordenamento, uma vez que se trata estritamente de um Direito à Personalidade.
2.2 DIREITO À PERSONALIDADE
A personalidade da pessoa humana, surge a partir da primeira respiração do nascituro, ou seja, se dá através do nascimento com vida, pondo a salvo que o mesmo adquire seus direitos desde a concepção. O Código Civil Brasileiro, prevê em seus artigos 11 à 21, os direitos inerentes a personalidade da pessoa natural.
Com fulcro na Constituição Federal de 1988, o indivíduo passa a ser tutelado pelo estado, no sentido de ser protegido com destaque para garantir seus direitos fundamentais, entre eles, o conhecido direito de personalidade, que por sua vez, abrange toda esfera íntima, particular, honra e imagem do indivíduo, conforme assegurado no inciso X, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Diversos autores salientam a importância do direito da personalidade como preservação dos direitos fundamentais, dado que personalidade é o primeiro bem adquirido logo após o nascimento, assegurando também sua honra, privacidade, e o íntimo do ser humano. O doutrinador INGO SARLET7, em suas diversas obras, brilhantemente esclarece alguns pontos no tocante ao tema do direito a personalidade:
O fundamento dos direitos da personalidade é, em linhas muito gerias, o reconhecimento, pela ordem jurídica, da dignidade da pessoa humana e da necessidade de proteger as diversas manifestações de tal dignidade e personalidade.[...] Nesse sentido, é possível afirmar que os direitos de personalidade são sempre direitos humanos e fundamentais, mas nem todos os direitos humanos e fundamentais são direitos de personalidade.
Contrapartida, nesse sentido é possível afirmar que diante dessa norma infraconstitucional que surge a possibilidade de que o homem pode ir em busca de pleitear seus direitos avante o sistema jurídico-legal, peticionando medidas judiciais ou extrajudiciais, afim de que seja cessada qualquer ameaça ou lesão que possa de alguma forma prejudicar a sua vida perante o convívio social, deixando claro que quando se trata do direito inerente a dignidade da pessoa humana há sempre que se falar em princípio da prevenção e princípio da reparação integral de danos.
A vista desse contexto o instituto do Direito ao Esquecimento vem trazer uma possibilidade de cessar ou reparar situações que expõe a vida intima, social ou moral daquele que um dia errou, fazendo com que venha a tona novamente uma memoria daquele que busca ter o seu passado esquecido e fazendo com que ele se sinta de alguma forma lesado no que diz respeito a sua privacidade, leia-se honra objetiva ou subjetiva. Outrossim, há que se falar sobre o papel que tem a mídia nesse contexto, uma vez que esta é uma das principais causa desse fator em epígrafe, bastando apenas que você cometa um pequeno deslize, você pode acabar se tornando o “alvo” de comentários indesejados, e até difamações.
2 DIREITO A INFORMAÇÃO E SUA LIGAÇÃO COM O DIREITO AO ESQUECIMENTO
Nos dias atuais, a troca de informação é muito veloz, haja vista que a tecnologia nos proporciona uma facilidade extrema quando se trata de busca de informação, ou troca da mesma com outra pessoa, há também que se falar das informações via televisão, rádio e smartphones, que possuem essa mesma funcionalidade.
Partindo desse pressuposto, há que se falar da ligação da informação com o direito ao esquecimento?
Em contrapartida, estes dois institutos são totalmente conexos, como dito acima, a velocidade e intensificação da circulação de informações, acaba tornando cada vez mais difícil o sistema de supressão de conteúdos postados ora na rede, televisão ou rádio, seja por terceiros ou até mesmo pela própria pessoa a quem diz respeito a informação.
No tocante a internet, que tem como objetivo a praticidade de troca de informações, e meio de comunicação nas relações humanas, esta tem sido o principal alvo para exposição de dados, muitas vezes indesejados, que acabam na maioria das vezes ridicularizando e difamando as vítimas. Mas até que ponto isso pode influenciar na vida social de um ser humano, que por derradeiro, cometeu um erro? Deve ser sempre lembrado? Julgado todas as vezes que for lembrado?
É nesse seguimento, que surgiu a publicação do Enunciado nº 531, resultante da 6º Jornada Civil do Conselho da Justiça Federal, em que reconhece o direito ao esquecimento, face a dignidade da pessoa humana, em consoante as inúmeras novas tecnologias de informações que geram danos irreparáveis ao direito fundamental à intimidade e à privacidade. Todavia, em se tratando de fatos nos quais há extremidade de “informacionismo”, e que acaba por gerar uma exposição negativa quanto a intimidade, imagem ou honra da vítima, é aplicado essa norma, visando a proteção da dignidade humana.
Assim sendo, a Constituição Federal traz em seu texto o artigo 5º, inciso X: “Art. 5º [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Em vista disso, ressalta-se que há um importante papel da hermenêutica tratando-se desse assunto em específico, uma vez que a interpretação pode ultrapassar o campo jurídico e ir além do entendimento para com a realidade social, visto que, analisar meramente o direito à livre expressão e informação em detrimento do direito à intimidade, ou vice-versa, seria negligenciar os termos descritos em nossa Constituição, acarretando sua violação.
4. ANÁLISE AOS CASOS CONCRETOS
No que concerne o Direito ao esquecimento, há muito em que se falar que se trata de um instituto recente no âmbito jurídico nacional, mas pesquisas apontam que o interesse doutrinário a respeito desse tema, não é recente. Já em 1990 é possível encontrar estudos e artigos, que de algum modo, direta ou indiretamente discutem o direito ao esquecimento.
No entanto, o tema ganhou grande repercussão de imediato com a publicação do Enunciado 531 pelo Conselho de Justiça Federal, que insere ao Código Civil o artigo 11 no qual é reconhecido em geral, a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. No ano de 2013, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, consolidou o entendimento do qual ninguém é obrigado a conviver para sempre com os erros do passado. E consequentemente, vários casos ganharam grande repercussão, com a aplicação desse instituto, como por exemplo, a Chacina de Candelária e o caso de Áida Curi, que será explanado a seguir. Desde o princípio, o direito ao esquecimento vem sendo abordado como um direito personalíssimo a ser protegido, mas também teve origem na esfera criminal, e atualmente estende-se a outras áreas também.
4.1 CASO DA CHACINA DE CANDELÁRIA (RECURSO ESPECIAL N. 1.334.097/RJ)
Primeiro julgado que acarretou o marco do Direito ao Esquecimento no Brasil: Resp. nº 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7). A turma julgadora recolheu o Direito ao Esquecimento, com relação ao caso ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, data de 23 de julho de 1993, na Igreja nossa Senhora da Candelária, notadamente na escadaria da Igreja, onde dormiam vários desabrigados, ocasião em que oito menores foram assassinados e outros ficaram feridos. Houve grande repercussão nacional e internacional, diante dessa grave situação que ficou mais popularmente conhecida como “Chacina de Candelária”. Posteriormente a investigações, um grupo de policiais militares foram acusados e presos, juntamente com o serralheiro de nome J. G. F.
J. G. F., acusado de ser partícipe no crime de homicídio, após três anos de prisão, foi a julgamento perante o Tribunal do Júri, no entanto, “foi absolvido por negativa de autoria pela unanimidade dos membros do Conselho de Sentença.”7 (LONGEN, 2014).
Passado os anos, o Programa de Televisão, mais especificamente, da Rede Globo, conhecido como “Linha Direta Justiça”, procurou o acusado para uma entrevista, o que acabou por trazer a tona, toda sua memória, o sofrimento e angustia vividos a tanto tempo no passado, além de transmitir uma imagem totalmente negativa sobre ele, oportunidade em que J.D.F passou a ser visto perante seu meio social como um assassino, diante um crime que ele já havia sido julgado e absolvido.
Diante ao exposto, J.D.F, pleiteou uma ação em busca de reparação pelos danos morais sofridos, em primeira instância, o julgado reconheceu no caso uma necessidade de interesse público da notícia, mais precisamente o direito à informação. O pedido foi considerado improcedente. Porém houve o entendimento, no sentido de que a ré não agiu com dolo, pois o intuito da reportagem era exclusivamente relatar os erros da policia militar, que resultou na acusação de três pessoas inocentes, entre eles, o propositor da ação. Posteriormente, a decisão fora reformada por meio de uma apelação, que acabou por condenar a emissora de Televisão Globo ao pagamento indenizatório de um valor estipulado em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Defendendo que, o caso poderia ser novamente relembrado, mas sem a exposição de nomes dos envolvidos.
Em consoante com o Relator:
No âmbito da Constituição encontra-se um claro sinal no sentido de se preservar os interesses individuais do cidadão, porquanto está no art. 221 da Carta que a programação das emissoras deve atender ao respeito aos valores éticos sociais da pessoa e da família. Porque longe de acolher a prevalência constante do interesse coletivo sobre o particular, preocupa-se a Constituição em preservar o indivíduo, adotando-lhe de uma esfera mínima de proteção capaz de assegurar sua felicidade, objeto legítimo de desejo por todos e nesta qualidade protegidos pelo Estado (TJ/RJ, 2008, p. 5).8
Opostos embargos infringentes e mantido o entendimento do tribunal, o mesmo fundamentou que, apesar do interesse social que se alegava, por o caso fazer parte da história, e pelo caráter educativo, em que fatos horríveis como esses não devem ser esquecidos pela população, alegou que seria possível encontrar meios de veicular a narrativa sem expor o investigado, ou então, poderia ter-se usado um nome fictício como forma de proteção à imagem, o que não deixaria menos informado o público. Em favor de um direito fundamental que merecia maior atenção. Esse direito foi considerado pela turma julgadora como “Direito ao Esquecimento” ou o “direito de ser deixado em paz” (TJ/RJ, 2009, p. 7-8)9.
A corroborar, Rodotá (2008, p. 239)10 já questionava “qual dignidade restará a uma pessoa tornada prisioneira de um passado que está todo nas mãos de outros, frente a que resta designar-se de ter sido expropriado?”.
4.2 CASO AÍDA JACOB CURI (RECURSO ESPECIAL N. 1.335.153/RJ)
Segundo caso, bastante repercutido também julgado com fulcro ao “Direito ao Esquecimento”, na cidade do Rio de Janeiro, Copacabana, noite de 14 de julho de 1958.
Versa sobre um acontecimento de grande repercussão também, pela forma como aconteceu, A.J.C foi brutalmente assassinada por dois rapazes, que após discussões com a vítima, tentaram estupra-la, depois de muito tentar lutar contra os agressores, A.J.C acabou desfalecendo, então para simular um suicídio e se livrarem da culpa, os três rapazes lançaram o corpo do ultimo andar do prédio do terraço ao chão da Avenida Atlântica, o que aconteceu em menos de três segundos.
Destarte, cinquenta anos após o ocorrido, o mesmo programa mencionado no tópico anterior, “Linha Direta Justiça”, emitido pela TV GLOBO, veiculou uma reportagem sobre a vida, morte e pós-morte de A.J.C.
Haja vista, foi ajuizada uma ação por seus dois irmãos, na qual postulavam indenização por danos morais, materiais e a imagem, contra Globo Comunicações e Participações S/A. O pedido foi com base de que a exploração da imagem da vítima para o comercial fora ilícita, trazendo a tona todo sentimento de dor vivido a tanto tempo atrás. Tendo como relator também, o Ministro Luís Felipe Salomão, que acabou por não decidir no mesmo sentido do julgado anterior.
Em primeira instância, foi julgado improcedente pelo Juízo de Direito da 47º Vara Cível da Comarca da Capital/RJ, tendo a sentença sido mantida em grau de apelação, como dita a seguinte ementa:
INDENIZATÓRIA. PROGRAMA "LINHA DIRETA JUSTIÇA". AUSÊNCIA DE DANO. Ação indenizatória objetivando a compensação pecuniária e a reparação material em razão do uso, não autorizado, da imagem da falecida irmã dos Autores, em programa denominado "Linha Direita Justiça". 1 – Preliminar – o juiz não está obrigado a apreciar todas as questões desejadas pelas partes, se por uma delas, mais abrangente e adotada, as demais ficam prejudicadas. 2 – A Constituição Federal garante a livre expressão da atividade de comunicação, independente de censura ou licença, franqueando a obrigação de indenizar apensa quando o uso da imagem ou informações é utilizada para denegrir ou atingir a honra da pessoa retrata, ou ainda, quando essa imagem/nome foi utilizada para fins comerciais. Os fatos expostos no programa eram do conhecimento público e, no passado, foram amplamente divulgados pela imprensa. A matéria foi, é discutida e noticiada ao longo dos últimos cinquenta anos, inclusive, nos meios acadêmicos. A Ré cumpriu com sua função social de informar, alertar e abrir o debate sobre o controvertido caso. Os meios de comunicação também têm este dever, que se sobrepõe ao interesse individual de alguns, que querem e desejam esquecer o passado. O esquecimento não é o caminho salvador para tudo. Muitas vezes é necessário reviver o passado para que as novas gerações fiquem alertas e repensem alguns procedimentos de conduta do presente. Também ninguém nega que a Ré seja uma pessoa jurídica cujo fim é o lucro. Ela precisa sobreviver porque gera riquezas, produz empregos e tudo mais que é notório no mundo capitalista. O que se pergunta é se o uso do nome, da imagem da falecida, ou a reprodução midiática dos acontecimentos, trouxe, um aumento de seu lucro e isto me parece que não houve, ou se houve, não há dados nos autos. Recurso desprovido, por maioria, nos termos do voto do Desembargador Relator (fls. 974- 975). 11
No recurso de apelação, o relator entendeu, sob fundamentos doutrinários e jurisprudenciais que, houve apenas uma reconstituição da de um caso que ganhou grande repercussão, meramente com informações que já eram públicas e sujeitas a acesso de qualquer pessoa, o que pode-se argumentar que não houve uso comercial indevido da imagem da falecida, não acarretando abalo moral após cinquenta anos do acontecimento.
Por fim, chegou-se a mera conclusão que pontos significativos da História da humanidade, são previamente fundando em grandes acontecimentos que marcam de uma certa forma a população, e sem dúvidas é uma espécie de patrimônio do povo, que de alguma forma, sempre será lembrado. É fato que o Direito ao Esquecimento, tem como objetivo cessar ou apagar fatos do passado, que causam dor e sofrimento, mas não significa necessariamente que deva gerar uma indenização em face disso, nem tão pouco ser totalmente apagado da história.
CONCLUSÃO
Ao concluir este estudo, foi possível criar uma concepção da Tutela Jurídica na vida do ser humano. Tão precisamente o Direito ao Esquecimento, que veio com intuito de trazer uma esperança para aqueles que um dia cometeram erros, ou foram vítimas de terceiros que expuseram sua intimidade. Nesse mesmo pensamento, há que se falar da ligação do direito ao esquecimento com a ressocialização do indivíduo, dentro da esfera criminal? Fundamentos jurídicos dizem que sim, pois toda pessoa tem o direito de recomeçar a sua vida, sem que seus erros sejam expostos a todo momento, trazendo a tona fantasmas do passado, uma vez que para a ressocialização, a superação de todo o ocorrido, é essencial para seguir em frente. Em contrapartida, questiona-se o Poder Judiciário se omitir em conceder a tutela da aplicação desse direito. Pesquisas revelam que a não aplicação, é impor ao atingido uma espécie de “pena perpétua”, onde ele será sempre lembrado, julgado e visto como uma pessoa negativa, o impedindo do pleno convívio social, entretanto, cabe a cada caso uma séria e rigorosa análise por parte do magistrado, uma vez que tratando-se de direito ao esquecimento, não necessariamente está ligado com o dever de indenização.
Destarte, conforme todo o explanado, conclui-se que somente será admissível tal instituto embasado diante da explanação de razões por parte dos os envolvidos no caso, que dessa forma poderá chegar a uma justa análise, decidindo a necessidade ou não da aplicação do Direito ao Esquecimento. Há sempre que se falar, que o direito de um termina onde começa o direito do outro. Fala-se muito, na verdade o tempo todo, em liberdade de expressão, mas não significa que esse direito concerne a qualquer pessoa a liberdade de interferir na vida de outrem.
O reconhecimento do direito de ser esquecido, é compreender a força normativa da Carta Magna, explanando sempre a justiça, que todos de alguma forma, em algum momento de suas vidas pleiteiam, afinal é isso que significa a terminologia “Direito”, nada mais do que a recepção de valores que buscam a proteção da dignidade humana.
REFERÊNCIAS
RULLI JÚNIOR, Antônio; RULLI NETO, Antônio. Direito ao esquecimento e o superinformacionismo: apontamentos no direito brasileiro dentro da sociedade da informação. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, n. 1, 2012. P. 426).
.”(SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direito Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, 5ª edição, p. 62).
DIAS. Berenice. Manual de Direito das Famílias – Princípios do Direito de Família. 5ª edição revista, atualizada e ampliada. 2ª tiragem. São Paulo Revista dos Tribunais, 2009. p.61-63.
CARVALHO, Kildare Gonçalves Carvalho. Direito Constitucional. 13. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 549.
JORNAL ESTADO DE DIREITO: 26. Ed. Porto Alegre: 2010, pág. 14/15. Disponível em: <http://www.youblisher.com./p/944365-26-EDIÇÃO-JORNAL-ESTADO-DE-DIREITO>. Acesso em 28 de abr 2017.
Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 1.334.097/RJ, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/05/2013. . Acesso em: 30 de abr 2017.
Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 1.334.097/RJ, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/05/2013. . Acesso em: 30 de abr 2017.
Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 1.334.097/RJ, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/05/2013. . Acesso em: 30 de abr 2017.
Direito ao Esquecimento: comentários ao acórdão no REsp n• 1.335.153/RJ. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/41089/direito-ao-esquecimento-comentarios-ao-acordao-no-resp-n-1-335-153-rj> Acesso em 28 de abr 2017.
NOTAS:
[1] Orientadora: Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2005). Especialização em Direito Público, na Escola Paulista de Direito (2006). Especialização em Direito Tributário, no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (2008). Especialização em Direito Empresarial e Tributário, na Unitoledo/Araçatuba (2013). Especialização em Direito Civil, na Anhanguera/Uniderp (2013). Especialização em Direito Constitucional, na Anhanguera/Uniderp (2014). Mestrado Profissional em Ciências Ambientais, na Universidade Brasil, Campus Fernandópolis-SP (2016). Aluna Regular do Programa de Cursos para Doutorado, na Universidad de Buenos Aires. Advogada no escritório de advocacia Páez & Bertolo. Professora Universitária na Universidade Brasil, campus Fernandópolis-SP.
Bacharelando no Curso de Ciências Jurídicas e Sociais - DIREITO, na Instituição de ensino Universidade Brasil - UNICASTELO, Campus Fernandópolis - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAESTRELLO, Angélica. Direito ao esquecimento: direito a memória ou repressão de pensamentos? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50173/direito-ao-esquecimento-direito-a-memoria-ou-repressao-de-pensamentos. Acesso em: 23 dez 2024.
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