RESUMO: Por acautelar vasta gama de direitos fundamentais (tanto individuais como coletivos e, ainda, sociais) que se traduzem ora em regras, ora em princípios, a Constituição Federal de 1988 é conhecida como “Constituição Cidadã”. É certo, destarte, que, atualmente, mostra-se inviável a hermenêutica e a aplicação de qualquer norma, de qualquer ramo do Direito, que não esteja harmonia com a Lei Maior. Sob esse panorama, estreitam-se os laços entre o Direito Processual Civil e o Direito Constitucional, merecendo especial análise a norma da inafastabilidade do controle jurisdicional, no sentido de que, para atendimento do postulado constitucional, não se contenta o ordenamento com o mero acesso formal à justiça, sendo imprescindível, em verdade, que se promova o acesso à justiça efetiva.
Palavras-chave: Direito Constitucional, Direito Processual Civil; novo panorama; acesso à justiça; justiça efetiva.
ABSTRACT: The Federal Constitution of 1988 is known as the "Citizen Constitution" because it protects a wide range of fundamental rights (both individual and collective, and also social), which are translated into rules and principles. It is certain, therefore, that, at present, hermeneutics and the application of any norm of any branch of Law, which is not in harmony with the Major Law, is unfeasible. Under this scenario, the ties between Civil Procedural Law and Constitutional Law are narrowed, with special reference to the rule of inafasability of juridical control, in the sense that, in order to comply with the constitutional postulate, the ordering with mere access To justice, and it is essential, in fact, to promote access to effective justice.
Keywords: Constitutional Law; Civil Procedural Law; new context; access to justice; Effective justice.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O DIREITO CONSTITUCIONAL PROCESSUAL. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA OU INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL. 1.1DIREITO CONSTITUCIONAL PROCESSUAL. 1.2 BASES HISTÓRICAS DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA. 1.3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA OU INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 1.4 INAFASTABILIDADE DA JUSTIÇA NA PERSPECTIVA DO ACESSO À ORDEM JURÍDICA JUSTA E EFETIVA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Inicialmente, aborda-se a temática do Direito Constitucional Processual, em que se demonstra ser inescusável a convergência existente entre a dinâmica do processo e o regime constitucional em que ele se desenvolve. Assim, defende-se que todas as normas processuais devem ser aplicadas sob a exegese da Constituição Federal de 1988, de maneira que o processo deve estar adequado à tutela efetiva dos direitos fundamentais, e através de tais direitos estruturar-se.
Passa-se, então, à análise das bases históricas do princípio do acesso à justiça. Tal detalhamento visa a demonstrar que a inafastabilidade do controle jurisdicional consubstancia uma evolução histórica. Se, atualmente, o acesso indistinto ao Poder Judiciário é por todos proclamado, outrora tal direito traduzia-se, em verdade, em um privilégio, distante do cidadão comum.
Demonstra-se, destarte, que a sociedade moderna angariou modernos anseios, sendo imprescindível que o Estado assumisse papel apto a geri-los. Assim, inovações legislativas passaram a demonstrar a crucial função do Poder Judiciário como heterocompositor de litígios, ampliando-se, cada vez mais, a sua ingerência na vida dos cidadãos, sendo promovida, via de conseqüência, a facilitação do seu acesso. Todo o processo histórico, pormenorizadamente delineado, desaguou na promulgação da Constituição Federal de 1988, considerada um marco definitivo do acesso à justiça no Brasil. Demonstra-se, então, que a inafastabilidade do controle jurisdicional não se concretiza com o acesso tão somente formal à justiça, mas com a efetiva prestação do Direito pelo Poder Judiciário.
1 O DIREITO CONSTITUCIONAL PROCESSUAL. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA OU INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL
1.1 DIREITO CONSTITUCIONAL PROCESSUAL
A Constituição Federal de 1988 é reconhecidamente acauteladora de vasta gama de direitos fundamentais, tanto individuais quanto coletivos - não é outra, pois, a razão de ser comumente denominada de Constituição Cidadã. Nas palavras de Paulo Gustavo Gonet Branco, em obra em coautoria com Inocêncio Mártires Coelho e o Ministro Gilmar Mendes:
O avanço que o direito constitucional apresenta hoje é resultado, em boa medida, da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar normas asseguradoras dessas pretensões. Correm paralelos no tempo o reconhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico e a percepção de que os valores mais caros da existência humana merecem estar resguardados em documento jurídico com força vinculativa máxima, indene às maiorias ocasionais formadas na efervescência de momentos adversos ao respeito devido ao homem. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 265)
Os valores corporificados na CF/88 traduzem-se em normas que são ora regras, ora princípios. Em sendo regras, representam um fim em si mesmo, preceitos obrigatórios e inescusáveis. Em sendo princípios, norteiam não apenas a hermenêutica, mas a própria validade dos dispositivos legais, estruturais ao Direito brasileiro.
Muitas são as normas constitucionais que apontam para o Processo – mormente o Processo Civil, que é o objeto desta análise. Os mandamentos de otimização, na dicção de Robert Alexy, da Lex Fundamentallis traçam panoramas de observância obrigatória para o regular trâmite processual.
Isso porque, conforme pontuado por Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco, “é inegável o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime constitucional em que o processo se desenvolve”. Ainda:
Todo o direito processual, como ramo do direito público, tem suas linhas fundamentais traçadas pelo direito constitucional, que fixa a estrutura dos órgãos jurisdicionais, que garante a distribuição da justiça e a efetividade do direito objetivo, que estabelece alguns princípios processuais. (GRINOVER; CINTRA; DINAMARCO, 2006, p. 84)
Ora, ocorre que, no ordenamento vigente, tem-se por impossível realizar a hermenêutica e a aplicação de qualquer norma, de qualquer ramo do Direito, se não estiver ela em perfeita harmonia com a Lei Maior. Sob esse panorama, estreitam-se os laços entre o Direito Processual Civil e o Direito Constitucional, que se imiscuem.
Eis que, portanto, os princípios que norteiam o trâmite processual devem necessariamente ser aplicados sob a exegese da Constituição da República, ou porque são por ela instituídos ou porque devem ser por ela corroborados.
É no artigo 5º, inciso XXXV, que a Constituição coloca no ordenamento um princípio basilar do processo e, em maiores escalas, da democracia: o acesso à justiça, que se passa a analisar.
1.2 BASES HISTÓRICAS DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA
Para os estudiosos da ciência jurídica, o tema do acesso à justiça parece inesgotável. Se, em tempos atuais, ele aparece intimamente ligado a discussões relativas à sociedade moderna e ao papel que o Poder Judiciário nela assume, é bem verdade que sua origem nas leis dos homens remonta a épocas mais longínquas.
Paulo Cezar Carneiro (2007, p. 3-61) disserta que, já no Código de Hamurabi, havia inquietação pela proteção dos fracos e oprimidos, sendo estes incentivados a buscar a justiça do soberano – em que pese o acesso, à época, ser ainda privilegiado e restrito àqueles que comungavam da mesma crença na figura do soberano.
Destarte, nas palavras de Márcio Carvalho Faria (2010, p. 372-373):
Foi somente, portanto, com a superação da figura do mito que, na Grécia Antiga, por notória influência de Aristóteles, começou-se a pensar em isonomia, em direitos iguais, em equidade na aplicação da lei aos cidadãos (o que, ainda, não significa à totalidade das pessoas, infelizmente). É daí, aliás, que surgem os primeiros passos para o que hoje se entende por teoria da justiça, sendo Atenas o berço da assistência judiciária gratuita, havendo, anualmente, a nomeação de 10 advogados para prestar assistência jurídica àqueles considerados carentes.
Tempos depois, o pensamento grego reverbera em Roma, onde se verificou um acelerado desenvolvimento do que hoje entendemos por jurisdição. Ali nasceram conceitos mui caros atualmente, como os do patrocínio em juízo e da necessidade da presença do advogado a permitir o equilíbrio das partes em litígio, e que posteriormente foram incorporadas ao Código de Justiniano.
É exatamente nesse momento que a autotutela perde força para a heterocomposição realizada pelo Estado (pretor), vez que a prestada pelo sacerdote já não mais atendia aos interesses dos cidadãos. Era o início da jurisdição.
Também ao período medieval, a evolução do “acesso à justiça” permanece e evolui, mais precisamente entre os séculos IV e V, até o início do pensamento moderno, com o Renascimento, nos séculos XV e XVI, sendo marcante a influência da religião e, principalmente, do cristianismo, chegando-se a falar em uma ordem jurídica pluralista, na qual conviviam o direito canônico, o direito comum temporal e os direitos próprios.
Eis que, em 1215, diante das desavenças crescentes entre os senhores feudais e o rei, João Sem Terra assinou a Magna Carta da Liberdade, e o princípio do acesso à justiça era esboçado. “A ninguém venderemos nem negaremos ou retardaremos o direito ou a justiça”, dizia.
A Revolução Francesa, a seu turno, trouxe ao mundo a ideia de liberdade burguesa, de abstenção estatal – colocando, por óbvio, o Poder Judiciário afastado da sociedade. Pregava-se o livre mercado, que, por si, regularia as relações dele decorrentes. O modo de solução de conflitos acompanhava o pensamento marcadamente individualista, caracterizador da época, e o acesso à justiça era um direito meramente formal de o cidadão propor uma ação, ou nela se defender.
Elucida Luiz Guilherme Marinoni (2009, p. 184) que, na época dos Estados liberais burgueses, o direito de ação era entendido apenas como o direito formal de propô-la. E explica: “bastava se proclamar o direito de ir a juízo, pouco importando se o titular do direito material lesado pudesse realmente usufruir do direito de ação.”
Sobre o tema, bem afirmaram Mauro Cappelletti e Bryant Garth, traduzidos por Ellen Gracie Northfleet: “a justiça, como outros bens no sistema do 'laissezfaire', só podia ser obtida por aqueles que pudessem arcar com seus custos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 04).
Consabe-se, o absenteísmo completo do Estado não poderia durar. Com o surgimento de novos problemas sociais, os cidadãos clamam por novos direitos. Interesses outrora individuais tomam caráter de coletivos. Entra em cena, pois, o que hoje conhecemos por direitos de segunda dimensão, ou geração: os direitos sociais, afetos a questões diretamente ligadas à necessidade de um Estado comedidamente protetor, que assegure direitos básicos aos trabalhadores e à população em geral. Nesse cenário, o Poder Judiciário ganha, dali e adiante, novamente, força. Explica Márcio Carvalho Faria (2010, p. 374):
É nesse contexto que se insere uma nova prática de prestação jurisdicional, a qual culminou na estabilização do Estado Democrático de Direito, com a superação do modelo liberal e que inspirou – e incentiva – a função criadora dos juízes, que devem, na aplicação da lei ao caso concreto, perquirir “os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, conforme expressa redação do artigo 5º da LICC (Decreto-lei 4657/42). Nesse diapasão, o Judiciário se fortalece, aparecendo com destaque na busca da realização dos direitos, sobretudo dos sociais. Tal “novidade” não passa despercebida pela população que, amparada por iniciativas relevantíssimas como a desenvolvida, na Europa, pelo professor Mauro Cappelletti, passa a ter uma demanda muito grande por justiça. De outro lado, são desenvolvidos mecanismos de facilitação de acesso ao judiciário, como os Small Claim Courts e o início da class action, ambos nos EUA, sendo que, nos anos setenta, com o desenvolvimento de vários escritórios de advocacia (Public interest law firms) vários programas de apoio aos cidadãos são criados visando à defesa de direitos difusos (notadamente o ambiental e o do consumidor), além de um enorme incentivo aos meios alternativos de resolução de conflitos (ADR's). Esses progressos estadunidenses são acompanhados, de certo modo, mutatis mutandis, na Europa, com a lei francesa Royer de 1973, destinada à proteção do consumidor, e a criação, na Itália, das Pretorias (Pretture) e os Conciliadores (Conciliattori), ambos exercendo papel semelhante aos juizados.
Reconhecendo-se a função do Judiciário - não apenas para solução dos conflitos modernos, como também para a tutela de direitos dos cidadãos nesse contexto, amplia-se a sua abrangência e buscam-se meios para a facilitação do seu acesso. A Lei de Ação Popular (Lei n. 4.717/65), a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e a Lei de Assistência Judiciária Gratuita (Lei n. 1.060/50) são apenas alguns exemplos dessa evolução histórica. “Até que, em 1988, é promulgada a 'Constituição Cidadã', marco definitivo do acesso à justiça no Brasil”, consoante lição de Márcio Carvalho Faria (2010, p. 376).
É esse, exatamente, o atual cenário em que se encontra o Poder Judiciário e a população que dele necessita. Consoante suprarreferido, o Judiciário, outrora afastado da sociedade, e de acesso restrito a detentores de privilégios, é, hoje, um verdadeiro mecanismo popular de garantia dos direitos assegurados pelo ordenamento vigente.
Verse a matéria sobre direitos individuais, coletivos ou difusos, seja o assunto pertinente à esfera civil ou penal, a procura por justiça bate às portas dos fóruns e tribunais do País de maneira crescente.
1.3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA OU INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Consoante delineado, o direito do acesso à justiça, ou princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, foi uma conquista social e histórica. No Brasil, o princípio da ubiquidade da justiça (nas palavras de Pontes de Miranda) é expressamente adotado desde a Constituição Federal de 1946.
Hoje, a Lei Maior de 1988 trata desse direito fundamental, estatuindo, em seu artigo 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
É importante ressaltar que, a partir de 1988, os direitos violados e passíveis de tutela jurisdicional podem ser de caráter tanto individual quanto coletivo. Como bem pontuado por Pedro Lenza:
O art. 5º, XXXV, da CF/88 veio sedimentar o entendimento amplo do termo 'direito', dizendo que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, não mais restringindo a sua amplitude como faziam as Constituições anteriores, ao 'direito individual' (vide arts. 141, § 4º, da CF/46; 150, § 4º, da Constituição de 1967; 153, § 4º, da EC n. 1/69; 153, § 4º, na redação determinada pela EC n. 7/77). A partir de 1998, passa a se assegurar, de forma expressa e categórica, em nível constitucional, a proteção de direitos, sejam eles privados, públicos ou transindividuais (difusos, coletivos ou individuais homogêneos). (LENZA, 2013, p. 1074-1075)
Frise-se, ainda, que o ordenamento vigente, como se depreende, assevera o direito de acesso ao Poder Judiciário tanto de maneira preventiva quanto repressiva. É assim que, no dizer de Nelson Nery Júnior, “todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativamente a um direito” (NERY JÚNIOR, 2000, p. 96).
Outrossim, oportuno considerar a distinção entre a inafastabilidade do controle jurisdicional e o direito de petição (previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea a, da CF/88), que não se confundem. Com relação ao último, é “este um direito de participação política, não sendo necessário demonstrar qualquer interesse processual ou lesão a direito pessoal” (LENZA, 2013, p. 1075).
Ademais, sobre esse princípio constitucional, sempre elucidativas as palavras de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco:
Seja nos casos de controle jurisdicional indispensável, seja quando simplesmente uma pretensão deixou de ser satisfeita por quem poderia satisfazê-la, a pretensão trazida pela parte ao processo clama por uma solução que faça justiça a ambos os participantes do conflito e do processo. Por isso é que se diz que o processo deve ser manipulado de modo a propiciar às partes o acesso à justiça, o qual se resolve, na expressão muito feliz da doutrina brasileira recente, em acesso à ordem jurídica justa. (GRINOVER; CINTRA; DINAMARCO, 2006, p. 84)
Destarte, “pode-se dizer, pois, sem exagerar, que a nova Constituição representa o que de mais moderno existe na tendência à diminuição da distância entre o povo e a justiça.” (GRINOVER; CINTRA; DINAMARCO, 2006, p. 88)
As considerações postas deixam evidente que o acesso à justiça é um direito fundamental, alçado a patamar constitucional, de todo e qualquer indivíduo que tenha um bem jurídico lesado ou ameaçado.
O fenômeno é, sem dúvidas, bastante positivo: aproximar o Poder Judiciário da população é uma exigência da verdadeira democracia. Todos, indistintamente, individual ou coletivamente, são sujeitos detentores de direito à prestação jurisdicional. Novas problemáticas, contudo, passaramm a surgir, conforme será delineado a seguir.
1.4 A INAFASTABILIDADE DA JUSTIÇA NA PERSPECTIVA DO ACESSO À ORDEM JURÍDICA JUSTA E EFETIVA
É extremamente importante elucidar, de logo, que a inafastabilidade do controle jurisdicional não se vê esgotada com o acesso do cidadão às instituições do Poder Judiciário. Nas palavras sempre aplaudidas de Kazuo Watanabe (1988, p. 128),
a problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites dos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, e sim viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.
Ocorre que, com a modernidade, o direito de ação passou a enfrentar novos questionamentos, para evitar que fosse ele comprometido por barreiras tanto sociais quanto econômicas. Ademais, os novos tempos elucidaram que os direitos que objetivavam o florescer de uma nova sociedade, encontrados nas Constituições modernas, apenas se tornariam concretos se o Estado prestasse a garantia de um verdadeiro acesso à justiça.
Ora, conforme elucidado por Marinoni (2008, p. 215), “a ação não se resume ao ato que invoca a jurisdição. Não é um ato solitário, como se o direito de ação pudesse ser restringido a um requerimento de tutela jurisdicional”.
E continua o emérito processualista:
Portanto, a norma constitucional que afirma que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV) significa, de uma só vez, que: i) o autor tem o direito de afirmar lesão ou ameaça a direito; ii) o autor tem o direito de ver essa afirmação apreciada pelo juiz quando presentes os requisitos chamados de condições da ação pelo art. 267, VI, do CPC; iii) o autor tem o direito de pedir a apreciação dessa afirmação, ainda que um desses requisitos esteja ausente; iv) a sentença que declara a ausência de uma condição da ação não nega que o direito de pedir a apreciação da afirmação de lesão ou de ameaça foi exercido ou que a ação foi proposta e se desenvolveu ou for exercitada; v) o autor tem o direito de influir sobre o convencimento do juízo mediante alegações, provas e, se for o caso, recurso; vi) o autor tem o direito à sentença e ao meio executivo capaz de dar plena efetividade à tutela jurisdicional por ela concedido; vii) o autor tem o direito à antecipação e à segurança da tutela jurisdicional; e viii) o autor tem o direito ao procedimento adequado à situação de direito substancial carente de proteção. (MARINONI, 2008, p. 221)
Esse conjunto de direitos demonstra, pois, que a inafastabilidade do controle jurisdicional não se resume ao direito à postulação em juízo, ou, tampouco, ao julgamento de mérito da ação.
Assim, ao dispositivo constitucional não basta que as partes tenham acesso formal à justiça. Mais do que isso, é necessário que o controle jurisdicional se mostre efetivo à conservação ou reparação do bem que se pleiteia. A efetividade que se defende é alcançada com um conjunto de direitos e garantias intimamente ligadas ao regular trâmite processual, em todos os graus de jurisdição.
Nesse panorama incluem-se a assistência judiciária gratuita e princípios como a duração razoável do processo, o duplo grau de jurisdição e a segurança jurídica. Apenas se tomado o processo numa visão axiológica é que a ordem jurídica justa pode ser alcançada, considerando-se o Direito, pois, um conjunto de valores caros ao ordenamento.
CONCLUSÃO
De tudo se conclui que o Direito Processual Constitucional impõe a interpretação do Direito Processual Civil à luz das normas constitucionais. Nesse sentido, a inafastabilidade do controle jurisdicional, princípio que resulta de longo processo histórico, ganha seu marco definitivo com a Constituição Cidadã, e deve ser interpretado no sentido de lhe ser inerente, muito além da garantia do acesso formal à justiça, a prestação efetiva do Direito aos jurisdicionados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
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Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Elpídio Donizetti/FEAD.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOES, Carolina Mattos. A inafastabilidade do controle jurisdicional na perspectiva do acesso à ordem jurídica justa e efetiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50180/a-inafastabilidade-do-controle-jurisdicional-na-perspectiva-do-acesso-a-ordem-juridica-justa-e-efetiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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