RESUMO: O Direito Processual moderno caminha na direção da simplicidade das formas, com vistas à primazia do julgamento do mérito e solução material da lide, fim último do processo. Nesse sentido, o novo Código de Processo Civil de 2015 trouxe normas, consubstanciadas em regras e em princípios, que se traduzem em ferramentas processuais voltadas à paulatina desvalorização e enfrentamento do formalismo excessivo.
Palavras-chave: Direito Procesual Civil; novo Código de Processo Civil; formalismo excessivo.
ABSTRACT: Modern procedural law moves towards the simplicity of forms, with a view to the primacy of the judgment of merit and the material solution of the lide, the ultimate end of the process. In this sense, the new Code of Civil Procedure of 2015 brought rules, based on rules and principles, which translate into procedural tools aimed at gradual devaluation and fighting against excessive formalism.
Keywords: Civil Procedural Law; New Code of Civil Procedure; excessive formalism.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O ENFRENTAMENTO DO FORMALISMO EXCESSIVO PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1.1 A OPORTUNIZAÇÃO PARA CORREÇÃO DE VÍCIO SANÁVEL. 1.2 A CORREÇÃO DE VÍCIO SANÁVEL EM MATÉRIA RECURSAL. 1.3 A POSSIBILIDADE DE DESCONSIDERAÇÃO, PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, QUANDO DA ANÁLISE DOS RECURSOS EXTREMOS, DE VÍCIO FORMAL QUE NÃO SE REPUTE GRAVE. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Aborda-se, no presente artigo, o fenômeno que visa à gradativa simplicidade das formas dos atos integrantes de um processo posto ao poder estatal de heterocomposição. Vale dizer: o processo não é um fim em si mesmo, mas meio através do qual se almeja alcançar a paz social, com a solução dos litígios sob jurisdição. O objetivo do processo, portanto, é aplicar o Direito à lide a fim de que as partes tenham analisadas as suas pretensões da maneira mais adequada possível. O novo Código de Processo Civil representa, por isso mesmo, marco positivo de normas que tendem ao abandono do rigorismo exacerbado com vistas à primazia da resolução de mérito, o que é demonstrado através da análise de alguns exemplos.
1. O ENFRENTAMENTO DO FORMALISMO EXCESSIVO PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O Direito Processual moderno caminha na direção oposta à do formalismo excessivo. Ora, formalidades desarrazoadas são verdadeiros obstáculos para a efetiva prestação jurisdicional, na medida em que inviabilizam a análise do direito material pleiteado, fim último do processo.
Como bem elucidado por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (2010, p. 22-23),
Tudo conflui, pois, à compreensão do processo civil a partir de uma nova fase metodológica – o formalismo-valorativo. Além de equacionar de maneira adequada as relações entre direito e processo, entre processo e Constituição e colocar o processo no centro da teoria do processo, o formalismo-valorativo mostra que o formalismo do processo é formado a partir de valores – justiça, igualdade, participação, efetividade, segurança – base axiológica a partir da qual ressaem princípios, regras e postulados para sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação. Nessa perspectiva, o processo é visto, para além da técnica, como fenômeno cultural, produto do homem e não da natureza. Nele os valores constitucionais, principalmente o da efetividade e da segurança, dão lugar a direitos fundamentais, com características de normas principais. A técnica passa a segundo plano, consistindo em mero meio para atingir o valor. O fim último do processo já não é mais apenas a realização do direito material, mas a concretização da justiça material, segundo as peculiaridades do caso.
É atento a esse fenômeno, portanto, que o novo Código de Processo Civil sobreleva a importância do aproveitamento dos atos processuais, proclamando o abandono ao formalismo desmedido. Conforme se verifica desde a exposição de motivos do Projeto do novo CPC, apresentada pela Comissão presidida pelo Ministro Luiz Fux,
significativas foram as alterações no que tange aos recursos para o STJ e para o STF. O novo Código contém regra expressa que leva ao aproveitamento do processo, de forma plena, devendo ser decididas todas as razões que podem levar ao provimento ou improvimento do recurso. [...] Vê-se, pois, que as alterações do sistema recursal a que se está aqui aludindo proporcionaram simplificação e levaram a efeito um outro objetivo [...]: obter o maior rendimento possível de cada processo.[1]
Destarte, o novo CPC prega a persecução da análise de mérito e o privilégio do direito material, afastando a formalidade excessiva para proporcionar maior busca da solução da lide e da tutela dos interesses das partes.
Precisas as palavras de Humberto Dalla Bernardina de Pinho (2010, p.87-88), ao concluir que
é possível afirmar que se trata de um verdadeiro Diploma da Contemporaneidade ou da Pós-Modernidade. O pós-moderno é, por natureza, complexo. Conceitos tem que ser vistos, revistos e amadurecidos. O Projeto dá esse passo inevitável e há muito esperado, cumprindo seu papel de retirar o processo civil da modernidade. Assim como já havia ocorrido com o direito civil, agora o direito adjetivo passa a contar com regras que se afinam e se adequam à estrutura constitucional idealizada em 1988, e forjada pelo Pretório Excelso nesses 22 anos. Há, principalmente, eixos temáticos bem definidos: Estado Constitucional; tutela de direitos e processo justo.
Analisar-se-á, a seguir, alguns dispositivos que corroboram o entendimento exposto.
1.1 A OPORTUNIZAÇÃO PARA CORREÇÃO DE VÍCIO SANÁVEL
O art. 317 do novo CPC estatui que “antes de proferir sentença sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.”
Trata-se, segundo entendimento de Márcio Carvalho Faria (2012, p. 274), do princípio da colaboração ou cooperação, o qual é previsto de maneira expressa no NCPC, em sua parte geral, e que, dentre outras características oportunamente abordadas, consiste na observação, pelo magistrado, do chamado dever de advertência.
Significa dizer que cabe ao julgador da causa esclarecer às partes sobre o risco de o uso inadequado do processo ser capaz de comprometer-lhe o exame de mérito, devendo, ainda, oportunizar aos sujeitos da lide a correção de erros formais sanáveis.
1.2 A CORREÇÃO DE VÍCIO SANÁVEL EM MATÉRIA RECURSAL
No mesmo viés, o NCPC determina:
Art. 938. [...]
§ 1º Constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá no julgamento do recurso.
A novidade legislativa teve como escopo ampliar a possibilidade de correção de vício sanável – anteriormente possível apenas para os casos envolvendo o recurso de apelação, por força do art. 515, § 4º, do Código de Processo Civil revogado – para todas as espécies recursais. Dessa maneira, a parte não verá seu recurso inadmitido antes de lhe ser oportunizado que corrija o erro formal, sendo-lhe aberta nova oportunidade para que, posteriormente, tenha o mérito recursal conhecido.
Trata-se, mais uma vez, do princípio da colaboração processual, o qual informa ser o processo um produto da atividade cooperativa triangular, vale dizer, um conjunto de esforços direcionados entre magistrado e partes. Consubstancia, em última análise, a efetivação do princípio do contraditório.
1.3 A POSSIBILIDADE DE DESCONSIDERAÇÃO, PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, QUANDO DA ANÁLISE DOS RECURSOS EXTREMOS, DE VÍCIO FORMAL QUE NÃO SE REPUTE GRAVE
O NCPC fixa que, havendo, em recurso tempestivo, defeito formal que não se repute grave, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal poderão desconsiderá-lo ou, ainda, mandar saná-lo, procedendo ao julgamento de mérito (art. 1.029, § 3º do mencionado diploma).
Passo largo na direção da busca pela justiça que se mostre capaz de gerir os interesses em conflito sob jurisdição, é certo que, como ensina Márcio Carvalho Faria (2012, p. 283),
mais uma vez, o novo CPC pensou na efetivação do direito, na solução do mérito da causa. No caso, a idéia é tentar aproveitar, ao máximo, instrumento processual que, se trespassado o óbice da admissibilidade, contribuiria para o próprio ordenamento, quer uniformizando determinada questão de direito ainda controvertida nos tribunais locais, quer permitindo intenso debate junto aos Ministros julgadores sobre determinado tema que, até aquele momento, não tinha ascendido à Corte Superior, quer orientando, através de seu caráter paradigmático, os demais casos pendentes sobre o mesmo thema decidendum.
Significa dizer que, nesse ponto, o novo CPC demonstra harmonia entre o interesse processual das partes, a competência constitucionalmente definida do STJ como guardião da interpretação da lei federal e do STF como intérprete último da Constituição, e o anseio hermenêutico pela aplicação de princípios caros ao ordenamento e à relação jurídica posta.
Caberá ao entendimento jurisprudencial, agora, identificar quais os parâmetros a serem utilizados para definir os vícios formais que não serão reputados graves. Para tanto, será imprescindível a observância dos princípios norteadores do NCPC, já comentados, mormente o da colaboração, fundamental à adequada exegese normativa do novo diploma.
CONCLUSÃO
A toda evidência, o formalismo excessivo não se coaduna com a tendência moderna do Direito Processual, que vê na satisfação efetiva da lide o fim último do processo, sendo este, em verdade, mero instrumento de que as partes dispõem para fazer valer o acesso à justiça e ouvir a voz da jurisdição estatal. O novo CPC, pois, consentâneo a esse entendimento, trouxe importantes ferramentas que se alinham a técnicas processuais de colaboração das partes e do magistrado, bem como da primazia do julgamento de mérito para integral satisfação da lide.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 05/12/2014, 10:15:25.
______. Lei no 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 10/05/2016, 13:25:46.
FARIA, Márcio Carvalho. O novo Código de Processo Civil vs. a jurisprudência defensiva. Revista de Processo, v. 210. São Paulo: RT, 2012, p. 263-300.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. 4. Ed. São Paulo, Saraiva, 2010.
PINHO, Humberto Dalla de. Os princípios e as garantias fundamentais no projeto de Código de Processo Civil: breves considerações acerca dos artigos 1º a 12 do PLS 166/10. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, ano 4, volume VI, p. 87-88, julho a dezembro de 2010. Disponível em <http://www.redp.com.br/arquivos/redp_6a_edicao.pdf>. Acesso em: 19/01/015, 18:25:55.
[1] Disponível em <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 19/01/2015, 16:12:50.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Elpídio Donizetti/FEAD.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOES, Carolina Mattos. O enfrentamento do formalismo excessivo pelo novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50186/o-enfrentamento-do-formalismo-excessivo-pelo-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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