RESUMO: Este artigo tem como intuito abordar a alteração de orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, após a análise do Habeas Corpus nº 126.292 e a decisão tomada pela Corte Constitucional brasileira nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e nº 44, que passou a readmitir a execução provisória da pena após acórdão condenatório proferido por órgão colegiado em segunda instância, afirmando que o artigo 283 do Código de Processo Penal não veda esta possibilidade.
Palavras – chave: alteração orientação jurisprudencial, execução provisória pena, segunda instância.
SUMÁRIO: Introdução, Execução Provisória da Pena, Ausência de Violação ao Princípio da Presunção de Inocência ou Não Culpabilidade, Considerações Finais, Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Em Outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal - STF apreciando liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade - ADC 43 e 44, modificou sua orientação jurisprudencial e passou a admitir, em decisão tomada por maioria de seu plenário (7x4), a execução da pena após condenação em segunda instância.
O Partido Ecológico Nacional - partido político com representação no Congresso Nacional e o Conselho Federal da OAB (ambos legitimados de acordo com o art. 103, incisos VII e VIII da Constituição Federal) ajuizaram Ações Declaratórias (ADC´s 43 e 44), com o intuito que o Tribunal confirmasse a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 12.403/11.
As ações foram impetradas, pois desde fevereiro de 2016 após o julgamento do Habeas Corpus nº 126292, o STF modificando seu entendimento passou a compreender ser possível a execução da pena depois da apreciação e julgamento por órgão colegiado – segunda instância. Esse fato gerou uma grande discussão jurisprudencial acerca do princípio constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade, tendo em vista que diversos tribunais do país passaram a adotar o mesmo entendimento “ignorando” o que dispõe o art. 283 do Código de Processo Penal- CPP.
A decisão tomada pelo STF preceitua que a norma inserida no art. 283 do CPP, não proíbe que a pena seja executada após julgamento em segunda instância.
Em análise jurisprudencial sobre o tema, verifica-se que até o ano de 2007 a jurisprudência do STF era firme no sentido de ser possível a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não possuíam efeito suspensivo.
A partir de 2008 no julgamento, pelo Plenário, do HC 84.078/MG, realizado em fevereiro de 2009, oportunidade em que, por (7x4), definiu-se que o princípio da presunção de inocência (inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal) se revelava incompatível com a execução da sentença antes do trânsito em julgado da condenação.
Destarte, apenas a partir de 2009, a jurisprudência do STF consentiu com a impossibilidade de execução das penas privativas de liberdade antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Por conseguinte, instalada a controvérsia jurisprudencial, cabia ao STF por meio das ADC 43 e 44 decidir no plano abstrato sobre ser possível ou não a execução provisória da pena em razão da norma insculpida no art. 283 do CPP, levando em consideração que as decisões tomadas em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade possuem eficácia erga omnes e efeito vinculante, conforme estabelecido pela Lei 9868/1999.
O objetivo deste artigo é avaliar em que conjuntura se deu a mudança de entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e que apesar das opiniões em contrário, está em conformidade com os direitos fundamentais a execução provisória da pena, levando em consideração que não desrespeita a regra trazida no art. 283 do Código de Processo Penal.
EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
Após o julgamento do Habeas Corpus 126.292 o STF passou a admitir a execução da pena após condenação em segunda instância.
Por 7 votos a 4 , o plenário do STF decidiu que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência, já podendo ser executado independentemente da presença de qualquer hipótese que autorize a prisão cautelar.
O nosso Tribunal Maior entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal, não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância e fez prevalecer o entendimento de que a norma não veda o início do cumprimento da pena depois de esgotadas as instâncias ordinárias.
Com essa decisão tomada no HC 126.292 de 17/02/2016, foi gerada a discussão jurisprudencial em torno do princípio constitucional da presunção de inocência ou princípio da não culpabilidade.
AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU NÃO CULPABILIDADE
A Constituição brasileira de 1988 ampliou significativamente a seara dos direitos fundamentais, colocando-se entre as constituições mais avançadas do mundo em relação ao assunto.
Em nossa Constituição é evidenciado que os direitos fundamentais são elementos basilares para a realização do princípio democrático.
Inicialmente, vale enfatizar que o princípio da presunção de inocência tem sido encarado como sinônimo de presunção de não culpabilidade sendo, portanto, expressões análogas.
Essa discussão acerca da nomenclatura do princípio pode ser justificada pela utilização de termos distintos pela Constituição Federal e Convenção Americana de Direitos Humanos.
A Convenção Americana de Direitos Humanos em seu art. 8º, item 2 usa a expressão “inocência” in verbis:
Artigo 8º - Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(...)
Já a CF/88 em seu art. 5º, inciso LVII, usa a expressão “culpado”in verbis:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Tal princípio encontra amparo no art. 5º, inciso LVII da CF e consiste no entendimento de Renato Brasileiro no direito de não ser declarado culpado, senão ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de provas pertinentes a sua defesa ( princípio da ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação ( princípio do contraditório),ou seja, o reconhecimento de uma infração penal pressupõe um sentença condenatória com trânsito em julgado.
Nesse contexto, a regra é a liberdade do indivíduo e o encarceramento deve ser tido como uma exceção, só admitida como medida extrema.
Entretanto, interpretando o texto constitucional e o texto convencional, verifica-se que ambas impõem limites temporais distintos quanto ao princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade.
Na redação da Convenção Americana de Direitos Humanos - CADH infere-se que o indivíduo será considerado inocente, enquanto não for legalmente comprovada a sua culpa, ou seja, até o duplo grau de jurisdição, a CADH dá direito apenas a duas instâncias e não “comumente” a quatro – Vara Criminal, Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, ou ainda que se aguarde o trânsito em julgado da sentença.
Conforme noticiado pelo STF, o Ministro Luís Roberto Barroso contextualizou a discussão citando exemplos para demonstrar que o entendimento anteriormente adotado pelo STF sobre a matéria “não era garantista, mas grosseiramente injusto e estimulava as pessoas a voltarem ao tempo da vingança privada e quererem fazer justiça com as próprias mãos”. Entre os argumentos utilizados pelo renomado Ministro destaca-se que o sistema anterior incentivou à interposição sucessiva de recursos para postergar o trânsito em julgado, acentuou a seletividade do sistema penal devido ao fato de ampla possibilidade recorrer em liberdade aproveita-se majoritariamente aos réus abastados, e agravou o descrédito da sociedade em relação ao sistema de justiça – o que, a seu ver, contribui para aumentar a criminalidade.
Segue parte do seu voto que cristalina seu posicionamento quanto ao tema:
O sistema penal brasileiro não tem funcionado adequadamente. A possibilidade de os réus aguardarem o trânsito em julgado dos recursos dos recursos especial e extraordinário em liberdade para então iniciar a execução da pena enfraquece demasiadamente a tutela de bens jurídicos resguardados pelo direito penal e a própria confiança da sociedade na Justiça criminal. Ao se permitir que a punição seja retardada por anos e mesmo décadas, cria-se um sentimento social de ineficácia da lei penal e permite-se que a morosidade processual possa conduzir à prescrição dos delitos.
Nesse sentido também foi o entendimento da Presidente do Supremo Tribunal Federal, a Ministra Carmen Lúcia que argumentou:
(...)se de um lado há a presunção de inocência, do outro há a necessidade de preservação do sistema e de sua confiabilidade, que é a base das instituições democráticas, a comunidade quer uma resposta, e quer obtê-la com uma duração razoável do processo.
Em decorrência da análise dessa posição, agora adotada pela Corte Suprema relembra-se diversos casos que foram bem recordados pelo Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto em que o provimento jurisdicional se arrastou por anos e anos até que as condenações iniciaram seu cumprimento.
O empresário e ex-senador do Distrito Federal Luiz Estevão foi acusado de desvio de recursos no valor de R$ 2 bilhões, na construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, cuja licitação ocorreu em 1992. Somente em 09 de dezembro 2015 ele foi condenado em definitivo pelo STF a cumprir pena de 26 anos de reclusão. Segundo noticiado no site do Correio Braziliense, a defesa de Luiz Estevão apresentou 21 recursos e 11 Habeas Corpus. O retardamento foi-lhe vantajoso, pois culminou na prescrição das penas relativas aos crimes de formação de quadrilha e de uso de documento falso.
O jornalista Pimenta Neves, então diretor de redação do jornal O Estado de São Paulo, assassinou sua namorada Sandra Gomide em agosto de 2000. Após ter sido condenado no Tribunal do Júri e no TJ-SP, conseguiu deter a decisão final nos tribunais superiores por anos. Só foi julgado em definitivo no STF em maio de 2011, quando iniciou o cumprimento de sua sentença.
Para fundamentar o entendimento da maioria do STF, acerca da possibilidade da execução provisória da pena, o art. 637 do Código do Processo Penal preceitua que o recurso extraordinário – RE não possui efeito suspensivo.
Art. 637. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.
Nesse diapasão, por maioria de votos o plenário do STF compreendeu que a possibilidade do início da execução da pena, após a confirmação da sentença condenatória em segundo grau de jurisdição não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência ou de não culpabilidade, isto ocorre em virtude da manutenção da sentença condenatória pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que por si só autoriza o início da execução da pena, tendo em vista que é sabido que em sede recursal – Especial ou Extraordinário não se admite o reexame de matérias fático-probatórias, não havendo revaloração das provas e rediscussão acerca de matéria de direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da grande discussão doutrinária acerca do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, que permite a execução provisória da pena, após o julgamento por um órgão colegiado em segunda instância, e com respeito a opiniões contrárias, o entendimento que passou a vigorar é plenamente compreensível e está em conformidade com a legislação brasileira.
É sabido que em segunda instância se encerra a análise fático-probatória acerca dos fatos que deram origem a uma condenação, não tendo o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário a competência para reapreciação dessas nuances. Desse modo, é plausível que o réu já condenado em primeira e em segunda instância, inicie o cumprimento de sua pena.
O início do cumprimento de pena, a partir deste momento – segunda instância atende aos anseios do poder judiciário, principalmente no tocante ao tema Prescrição Penal, pois o que mais se observa na prática forense é o abuso do direito de recorrer com a interposição de recursos, inúmeras vezes sem fundamentos jurídicos admissíveis com o único intuito protelatório.
Salienta-se ainda o fato de não haver no ordenamento jurídico brasileiro, direitos fundamentais absolutos, ao contrário podem ser relativizados, utilizando-se da ponderação podem sofrer limitações frente a outro direito fundamental observando-se o princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
Nesse contexto, o entendimento prolatado pelo STF em dar interpretação conforme a Constituição ao art. 283 do Código de Processo Penal para afastar a interpretação que nega a execução provisória da pena após condenação em segundo grau e antes do trânsito em julgado da sentença condenatória foi exposto juridicamente a contento pelos Ministros do Tribunal Maior para embasar a mudança de sua orientação jurisprudencial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TÁVORA,Nestor e ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 3ª Edição,Revista, ampliada e atualizada, Jus Podivm 2009.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 15ª Edição, Revista e atualizada, Saraiva 2015.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, volume 1. Impetus. Niterói: 2012. p. 11.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326754, acesso em 14/01/2017.
https://www.youtube.com/watch?v=eQkz5fB9rr4&t=1105s, acesso em 14/01/2017.
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http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm, acesso em 14/01/2017.
https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/execucao-provisoria-da-pena-reflexoes-sobre-recente-decisao-do-stf/, acesso em 15/01/2017.
http://s.conjur.com.br/dl/voto-ministro-barroso-prisao-antes.pdf , acesso em 15/01/2017.
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/ministro-do-stf-diz-que-recursos-de-pimenta-neves-nao-foram-abusivos-4z1ug4of7ym62f62t2t7nf0i6, acesso em 14/01/2017.
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2015/12/ 09/interna_cidadesdf,509947/stf-conclui-julgamento-e-ex-senador-luiz-estevao-e-condenado-a-26-anos.shtml, acesso em 14/01/2017.
http://www.conjur.com.br/2016-fev-21/segunda-leitura-stf-restaura-equilibrio-determinar-execucao-provisoria-pena, acesso em 15/01/2017.
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ, Pós - Graduada em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera Uniderp - Rede de Ensino LFG e Advogada.<br>Cidade: João Pessoa - PB.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Nívea Maria Arcela de. Execução provisória da pena após condenação em segunda instância Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50204/execucao-provisoria-da-pena-apos-condenacao-em-segunda-instancia. Acesso em: 23 dez 2024.
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