RESUMO: Este trabalho versa sobre as principais diferenças de tratamento na sucessão do cônjuge e do(a) companheiro(a) no Código Civil de 2002. O advento da Lei nº 10.406/02, novo Código Civil, inovou profundamente a matéria pertinente aos direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro, tratando de forma diferente a sucessão de ambos. O novo Código melhorou muito a situação do cônjuge e em parte a do(a) companheiro(a), que grande parte da doutrina entendeu como sendo um retrocesso na sucessão do(a) companheiro(a). Além disso, o novo diploma foi omisso em alguns pontos gerando divergências doutrinárias quanto à interpretação de alguns dispositivos sucessórios, tanto na sucessão do cônjuge como na do(a) companheiro(a). Finalizando com a decisão do julgamento realizado no dia 10 de maio de 2017,no qual o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que estabelece diferenças entre a participação do cônjuge e do companheiro na sucessão da herança, igualando as situações.
Palavras-chave: Direito das sucessões. Cônjuge. Companheiro.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Da sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de 1916. 3 Da sucessão do cônjuge no Código Civil de 2002. 3.1 Da sucessão cônjuge em concorrência com descendentes. 3.2 Da sucessão do cônjuge em concorrência com ascendentes. 4 Da sucessão do companheiro no Código Civil de 2002. 4.1 Da sucessão do companheiro em concorrência com o cônjuge sobrevivente. 5 Das principais diferenças de tratamento na sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de 2002. 6 Inconstitucionalidade da diferenciação de tratamento entre o regime sucessório do cônjuges e do companheiros. 7 Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Antes da Constituição da República de 1988, o companheiro, a época reconhecido como concubino, não era reconhecido como herdeiro. Somente com o advento desta, que reconheceu a união estável como entidade familiar, passou-se a tutelar os direitos sucessórios dos companheiros. O Código Civil de 1916 não regulava a matéria, por isso, em 1994 foi instituída a Lei nº 8.971/94 e, posteriormente, em 1996, a Lei nº 9278/96. Com isso os direitos sucessórios dos companheiros se encontravam quase que equiparados aos do cônjuge.
Com o advento do novo Código Civil, este alterou profundamente a matéria em relação aos direitos sucessórios. Reconheceu o companheiro como sucessor e expandiu os direitos sucessórios do cônjuge, ou seja, trouxe grandes modificações em relação à matéria dos direitos sucessórios, melhorando muito a situação do cônjuge e em parte a do companheiro.
O primeiro ponto a se observar em relação ao direito sucessório no atual Código Civil é a maneira distinta de como o legislador tratou a sucessão do cônjuge e do companheiro.
No presente artigo, faremos um comparativo entre os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro, no Código Civil de 2002 que deu lugar de destaque ao cônjuge em relação ao companheiro, o que, muitos doutrinadores entenderam ter sofrido um retrocesso em seus direitos sucessórios, pois a nova lei tratou da matéria do companheiro em um único dispositivo, sendo omissa em alguns pontos, gerando assim divergências doutrinárias e jurisprudências de interpretação, e por fim, explanaremos como a jurisprudência atual trata tal situação.
2. Da sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de 1916
Durante o período que vigorou o Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivente era tratado em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, sendo que este só era chamado à sucessão na falta de descendentes e ascendentes.
Segundo Caio Mario da Silva Pereira (2004), atribuía-se a herança do cônjuge falecido, sob duplo pressuposto: ausência de descendentes e ascendentes e não estarem os cônjuges legalmente separados.
Além disso, o Código de 1916 não trazia o cônjuge sobrevivente no rol de herdeiros necessários, deixando-o completamente desamparado em casos como o da separação universal de bens, e podendo também afastá-lo da sucessão, dispondo de todos os seus bens a favor de terceiros em testamento.
Dessa forma, o referido Código Civil não trazia segurança ao cônjuge supérstite, principalmente para a mulher, que à época era considerada como o elo mais frágil da relação. Por este motivo, em 1962 foi editado o “Estatuto da Mulher Casada”, ou seja, a Lei nº 4.121/62, que tinha por objetivo impedir que a cônjuge sobrevivente ficasse completamente desamparada após a morte de seu consorte, instituindo o usufruto vidual e o direito real de habitação, acrescentando-os, nos parágrafos §§1º e 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916. Vejamos:
§ 1o O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962).
§ 2o Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)
Em relação ao companheiro não há dúvidas de que até a promulgação da Constituição de 1988, estes não eram considerados herdeiros. Como já visto anteriormente, a Constituição Federal reconheceu a união estável como entidade familiar a ser protegida. Contudo, tal proteção não atribuiu direitos sucessórios ao companheiro ou a companheira.
Segundo Silvio de Salvo Venosa (2006), os tribunais admitiam a divisão do patrimônio adquirido pelo esforço comum dos concubinos (hoje denominados companheiros ou conviventes) a titulo de liquidação de uma sociedade de fato (Súmula 380 do STF). Vejamos o que dispõe a Súmula:
Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.
Somente com o advento da Lei nº 8.971 de 29 de dezembro de 1994, passou-se a regular o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão.
A Lei nº 8.971/94 previa que:
Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.
Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.
Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:
I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos próprios ou comuns;
II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;
III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.
Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.
Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.
Cabe observar que a referida lei estipulou como requisito para sucessão ter a pessoa vivido em união por mais de cinco anos, restringindo de certa forma o direito dos conviventes.
Com a edição desta lei o companheiro adquiriu direitos sucessórios e direito ao usufruto vidual em condições muito semelhantes às dos cônjuges.
Em 10 de maio de 1996 foi instituía a Lei nº 9.278, que regulou o §3º do artigo 226 da Constituição Federal, e em seu artigo 7º, parágrafo único, contemplou o companheiro com o direito real de habitação.
Vejamos o que diz o parágrafo único do artigo 7º da Lei 9.278:
Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
Com isso, em termos de direito sucessórios, estava completa a igualdade entre cônjuges e companheiros.
3. Da sucessão do cônjuge no Código Civil de 2002
Como já mencionado, o Código Civil de 2002 inova profundamente a matéria que dispõe sobre a sucessão do cônjuge. Uma das modificações mais importantes foi a inclusão do cônjuge como herdeiro necessário (art. 1845, CC), a fim de ampliar a tutela sobre ele, e não permitir que seja afastado da sucessão por ato de última vontade. Outra alteração muito importante foi colocar o cônjuge em concorrência com os descendentes e ascendentes nas duas primeiras classes preferenciais, conforme dispõe o artigo 1829 e incisos.
Vejamos o referido artigo:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Esse dispositivo substitui o usufruto vidual, pois agora o cônjuge não tem apenas o usufruto, mas direito a parte da herança.
Dessa forma ensina Caio Mario da Silva Pereira (2004, p. 140):
Havendo o novo Código Civil abolido esse usufruto, não há mais que cogitar de sua incidência no que tange às sucessões abertas desde 11 de janeiro de 2003. A sucessão do cônjuge em propriedade (novo Código Civil, art. 1.829) tornou desnecessária a proteção que se lhe pretendia assegurar mediante a concessão do usufruto.
Quanto ao direito real de habitação, este passou a ter maior abrangência, pois agora passa a ser reconhecido ao cônjuge, qualquer que seja o regime de bens, conforme dispõe o artigo 1.831 do Código Civil. No entanto, o legislador não estipulou condição para cessar tal direito no caso do viúvo ou viúva contraírem novas núpcias.
Vejamos a redação do artigo 1831 do Código Civil:
Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Maria Helena Diniz (2008), tendo por base o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, entende que ao convolar novas núpcias ou formar nova união estável, o viúvo deveria perder esse direito real de habitação sobre a coisa alheia.
Nesse sentido, existia o Projeto de Lei nº 276/2007, que pretendia modificar a redação do artigo 1.831 para:
Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, enquanto permanecer viúvo ou não constituir união estável, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Insta salientar que é pressuposto de legitimidade para que o cônjuge concorra à sucessão a regra do artigo 1.830 do Código Civil, que afirmar que somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
3.1. Da sucessão do cônjuge em concorrência com descendentes
Nos termos do artigo 1829, I, do Código Civil, quando houver descendentes o cônjuge concorrerá na herança dependendo do regime de bens, caso em que se o regime for da comunhão universal, ou da separação obrigatória de bens, este nada herdará. Outra exceção à regra, onde o cônjuge não concorrerá à sucessão, dá-se quando este era casado com o de cujus na comunhão parcial, mas esse ao falecer não deixou bens particulares.
Nesse sentido, segue o conhecimento de Caio Mario da Silva Pereira (2004, p. 148):
Em três hipóteses, todavia, a lei deixa de reconhecer vocação ao cônjuge, atribuindo a herança, em sua totalidade, aos descendentes:
(a) Se o regime de bens do casal era o da comunhão universal (novo Código Civil, arts. 1.667 a 1.671);
(b) se o regime de bens era o da separação obrigatória (novo Código Civil, art. 1. 641);
(c) por fim, se o regime de bens era o da comunhão parcial, sem que o falecido tenha deixado bens particulares.
Na primeira hipótese o legislador entendeu não existir necessidade de o cônjuge receber uma quota da herança, pois a ele já cabe sua meação sobre o patrimônio comum. No segundo, por ser o regime de bens o da separação obrigatória (onde os bens dos cônjuges não se comunicam), não há porque a lei permitir que o cônjuge sobrevivente venha a ter parte na herança. Na terceira hipótese, como o de cujus não deixou bens particulares, todos os bens existentes são comuns, igualando-se à primeira hipótese, devendo, portanto ser tratada da mesma maneira (PEREIRA, 2004).
Diante de tais exceções à regra da concorrência entre descendentes e cônjuge, Caio Mario da Silva Pereira (2004, p. 148-149), ensina que ao último caberá participar da sucessão em três hipóteses:
(a) se o regime de bens do casal era o da separação convencional, isto é, aquele livremente adotado pelos cônjuges mediante pacto antenupcial válido (novo Código Civil, art. 1.687);
(b) se o regime de bens era o da comunhão parcial, e o de cujus tinha bens particulares (caso em que o cônjuge será, ao mesmo tempo, herdeiro e meeiro, incidindo a meação, obviamente, apenas sobre o patrimônio comum);
(c) se o regime de bens era o da participação final nos aquestos (novo Código Civil, art. 1.672). Também aqui haverá herança e meação (art. 1.685).
Segundo Maria Helena Diniz (2008), se o regime de bens era o da comunhão parcial, o cônjuge concorrerá com os descendentes se o de cujus deixar bens particulares, embora sua participação incida sobre todo o acervo hereditário e não somente nos bens particulares do de cujus.
A contrario senso, há quem ache, como Silvio de Salvo Venosa (2006), que a concorrência do cônjuge nessa situação somente incidirá sobre os bens particulares.
Outro dispositivo, que também vem sendo ponto de discussão doutrinaria é o caso da lei fazer distinção na sucessão do cônjuge em concorrência com filhos comuns e exclusivos do de cujus.
Nos termos do artigo 1.832 do Código Civil, o cônjuge quando concorrer com os descendentes herdará quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, quando for ascendente dos herdeiros com que concorrer.
Dessa forma, Silvio de Salvo Venosa (2006, p. 129), entende que:
A lei faz distinção se a concorrência é com filhos comuns ou com filhos somente do cônjuge falecido. Se for ascendente dos herdeiros descendentes, fica-lhe assegurada sempre a quarta parte da herança.
[...]
Se, porém, o cônjuge sobrevivo concorrer com descendentes do morto dos quais o sobrevivo não seja ascendente, não há a reserva da quarta parte, sendo a herança dividida em partes iguais com os que recebem por cabeça.
A discussão maior, porém, se encontra na sucessão do cônjuge em concorrência com filhos comuns e exclusivos do de cujus.
Silvio de Salvo Venosa, entende como sendo a opinião mais sensata a de: “[...] assegurar-se sempre a quarta parte da herança ao sobrevivente, quando há filhos dos dois leitos, como expusemos, pois o legislador não fez restrição a esse respeito e procurou proteger o cônjuge sobrevivente com essa quota mínima, em qualquer situação” (VENOSA, 2006, p. 129).
Por outro lado, Maria Helena Diniz (2008, p.128), ensina que:
Havendo filhos (ou outros descendentes) comuns e exclusivos concorrendo com viúvo, dever-se-á, por força da CF, art. 227, § 6º, e da LICC, arts. 4º e 5º, diante da omissão legal, afastar a reserva da 4ª parte, dando a todos os herdeiros quinhão igual, pois se assim não fosse prejudicar-se-iam os filhos exclusivos, que nada tem a ver com o viúvo. Como todos são descendentes (comuns ou exclusivos) o de cujus, em nome desse vínculo de parentesco, mais justo seria que o viúvo recebesse quinhão igual ao deles, para que não haja discriminação entre eles.
Entendemos essa última solução como a mais sensata, pois preserva o principio da igualdade e não prega discriminação entre os herdeiros.
Além destas duas opiniões, surge ainda uma terceira corrente, que pelo entendimento dos doutrinadores seria a menos pretendida pela lei, segundo ela a herança seria dividida em duas partes iguais: em uma delas se dividiria igualmente entre os filhos do de cujus, e para a outra se asseguraria a quarta parte do cônjuge e se dividiria o restante entre os filhos comuns, gerando um complexo cálculo matemático (VENOSA, 2006, p.130).
Por fim, a ilustre doutrinadora Giselda Hironaka (apud VENOSA, 2006, p.130) conclui que:
De qualquer das formas, ao que parece, na ocorrência de uma hipótese real de sucessão de descendentes que pertencessem aos dois distintos grupos (comuns e exclusivos) em concorrência com o cônjuge sobrevivo, não haveria solução matemática que pudesse atender a todos os dispositivos do Código Civil novo, o que parece reforçar a idéia de que, para evitar uma profusão de inadequadas soluções jurisprudenciais futuras, o ideal mesmo seria que o legislador ordinários revisse a construção legal do novo Diploma Civil brasileiro, para estruturar um arcabouço de preceitos que cobrissem todas as hipóteses, inclusive as hipóteses híbridas (como as tenho chamado), evitando o dissabor de soluções e/ou interpretações que corressem exclusivamente ao alvedrio do julgador ou do hermeneuta, mas desconsiderando tudo aquilo que, a princípio, norteou o ideal do legislador, formatando o espírito da norma.
3.2 Da sucessão do cônjuge em concorrência com ascendentes
Na falta de descendentes, em segundo lugar na ordem de vocação hereditária, serão chamados à sucessão os ascendentes do de cujus, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens (art. 1.836, CC).
Vejamos o que dispõe o artigo 1.836 do Código Civil:
Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente.
§1º. Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas.
§2º. Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna.
Cabe salientar, que assim como acontece na classe dos descendentes, na classe dos ascendentes também se aplica a regra onde o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas (art. 1.836, §1º, CC).
Na classe dos ascendentes não subsiste o direito de representação, pois como já visto, o artigo 1.852 do Código Civil é claro ao prever que: “o direito de representação dá-se na linha reta descendente, mas nunca na ascendente”.
O do artigo cônjuge, nos termos 1.837 deste diploma legal, ao concorrer com ascendentes de primeiro grau, herdará um terço da herança, tendo direito à metade desta se houver apenas um ascendente, ou se maior for aquele grau. O cônjuge meeiro subtrai sua meação e concorre na herança como um todo.
Não havendo ascendentes em primeiro grau, são chamados à sucessão os ascendentes em segundo grau (avós da linha materna e avos da linha paterna e assim sucessivamente). Nosso referido diploma legal prevê ainda que, havendo igualdade em grau e diversidade em linha, ou seja, caso o falecido não tenha os pais vivos, mas seus avós, a linha paterna recebera metade, cabendo a outra metade a linha materna (art. 1836, §2º, CC).
A sucessão será deferida por inteiro ao cônjuge sobrevivente na falta de descendentes e ascendentes (art. 1838, CC). Caso não haja cônjuge sobrevivente nas condições estabelecidas no artigo 1830, a sucessão será deferida aos colaterais até 4º grau (art. 1839, CC). E por fim, caso não haja cônjuge, companheiro, nenhum parente sucessível, ou todos eles renunciados à herança, a mesma será devolvida ao Município, Distrito Federal ou a União, dependendo de sua localização (art. 1844, CC).
4. Da sucessão do companheiro no Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 também inovou a matéria pertinente à sucessão do companheiro, porém deixou em alguns pontos muito a desejar. A começar, o novo diploma não incluiu o companheiro entre os herdeiros necessários, nem reservou ao mesmo direito à legítima, portanto este participará da sucessão do falecido na qualidade de sucessor regular, sendo considerado herdeiro sui generis.
Além disso, a sucessão do companheiro foi tratada no capítulo das disposições gerais, da sucessão em geral, em seu artigo 1.790 e incisos do Código Civil. Vejamos:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Com a redação do artigo acima, podemos concluir que o companheiro, terá somente direito a herança nos bens adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável, ficando excluído da sucessão no que tange aos bens particulares.
Silvio de Salvo Venosa (2006), nos chama a atenção a um ponto de divergência em relação aos bens que entrarão na sucessão do de cujus, já que o artigo 1.790 do Código Civil se refere apenas aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união, porém, a lei aplica no que couber o regime de comunhão parcial de bens à união estável, acreditando este que se deve consultar o artigo 1.660 do Código Civil, para verificar quais bens se comunicam na união.
Ao analisarmos o artigo acima, podemos notar que neste dispositivo a lei também estabeleceu uma diferença de tratamento, quando o companheiro suceder em concorrência com filhos comuns ou somente com filhos exclusivos do autor da herança. Na primeira situação, é deferido ao companheiro quota igual a que for deferida por lei aos descendentes, já na segunda situação será deferida ao cônjuge somente metade do que couber por lei a cada um dos descendentes.
No caso do companheiro vir a concorrer com filhos comuns e filhos somente do de cujus, a lei se cala, causando assim mais uma divergência doutrinária.
Neste caso, Maria Helena Diniz (DINIZ, 2008, p. 143) conclui que:
Concluímos que, se o companheiro concorrer com descendentes exclusivos e comuns, ante a omissão da lei, aplicando-se o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que privilegia o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos (CF, art. 227, § 6º; CC, arts. 1.596 a 1.629), só importará, na sucessão, o vínculo de filiação com o auctor sucessionis, e não o existente com o companheiro sobrevivente, que, por isso, terá, nessa hipótese, direito à metade do que couber a cada um dos descendentes (LICC, art. 5º c/c CC, art. 1.790, II) do de cujus.
Por outro lado, Silvio de Salvo Venosa (2006), entende que a divisão em partes iguais do inciso I do artigo 1.790 do Código Civil seria a mais correta para o caso. Entendimento este que nos parece mais correto.
Nos termos do inciso III, não havendo descendentes nem ascendentes, o companheiro terá direito a um terço da herança se concorrer com outros parentes sucessíveis, e somente herdará a totalidade da herança caso não haja herdeiros sucessíveis. Notamos aqui um retrocesso em relação à proteção do companheiro, pois a legislação anterior que tratava do tema (Lei nº 8971/94), em seu artigo 2º, III, previa que: “na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança”.
Neste sentido pensa Silvio de Salvo Venosa (2006, p. 141-142):
Note que existe um retrocesso na amplitude dos direitos hereditários dos companheiros no Código de 2002, pois, segundo a lei referida, não havendo herdeiros descendentes ou ascendentes do convivente morto, o companheiro sobrevivo recolheria toda a herança. No sistema implantado pelo art. 1.790 do novo Código havendo colaterais sucessíveis, o convivente apenas terá direito a um terço da herança, por força do inciso III.
Caio Mario da Silva Pereira (2004, p. 154) também segue por esse entendimento:
[...] o Código Civil de 2002, contrariando o sistema que resulta da primeira daquelas duas leis, situou o companheiro em posição pior na ordem de vocação hereditária: na ausência de descendentes e ascendentes, e a partir da vigência do novo diploma, o companheiro passou a ser chamado em concorrência com “outros parentes sucessíveis”, e não mais na qualidade de herdeiro único (Lei nº 8.971/94, art. 2º, nº III).
Na ausência de herdeiros sucessíveis, o companheiro terá direito a totalidade da herança (art. 1790, IV, CC). Há quem diga, como Zeno Veloso (apud DINIZ, 2008, p. 143), que: “a totalidade da herança, mencionada no inciso IV do artigo 1.790, é da herança a que o companheiro sobrevivente está autorizado a concorrer”, ou seja, os bens adquiridos onerosamente na vigência da união, pois os bens particulares seriam do Poder Público, por força do artigo 1.844 do Código Civil.
A contra sensu, Maria Helena Diniz (2008, p. 144) entende que:
Na herança vacante configura-se uma situação de fato em que ocorre a abertura da sucessão, porém não existe quem se intitule herdeiro. Por não existir herdeiro ou sucessor regular é que o Poder Público entra como sucessor irregular. Se houver herdeiro ou sucessor regular, afasta-se o Poder Público da condição de beneficiário dos bens do de cujus, na qualidade sucessor irregular.
Posicionamento este último que entendemos ser mais sensato, pois o companheiro, por ser reconhecido como herdeiro regular, deve afastar o Poder Público, herdeiro irregular.
Quanto ao usufruto vidual e o direito real de habitação do companheiro, o novo Código Civil foi omisso e não tratou da matéria, por isso fomos buscar os ensinamentos de Maria Helena Diniz (2008, p.149) que assevera:
Ora, na verdade, o usufruto “vidual”, em prol do companheiro supérstite, não prevalecerá, por ser, hoje, um instituto não mais existente no direito brasileiro, visto que nem o cônjuge terá direito a esse benefício, por isso, não mais vigora o art. 2º, I, e II, da Lei n.º 8.971/94 [...]
[...]
Mas em relação ao direito real de habitação, temos, parece-nos, um caso de antinomia de segundo grau, ou seja, um conflito entre norma posterior geral (CC, art. 1.831), que, por sua vez, gera antinomia entre o critério de especialidade e o cronológico, para a qual valeria o metacritério lex posterio generalis non derogat priori speciali, segundo o qual a regra de especialidade prevaleceria sobre a cronológica.
Entendimento esse que nos parece ser mais correto.
Por outro lado, a quem entenda, como Francisco José Cahali que, com base no artigo 2º, §1º, da Lei de introdução ao Código Civil, o novo diploma revogou os direitos sucessórios dos companheiros estabelecidos por normas anteriores, por disciplinar inteiramente a matéria. Portanto, não subsiste o usufruto vidual nem o direito real de habitação pelo novo Código Civil (apud DINIZ, 2008).
Por fim, para demonstrar que nem tudo é desfavorável ao companheiro, Silvio de Salvo Venosa, faz menção a ensinamento de Euclides de Oliveira que bem apreende:
Que nem tudo é desfavorável ao companheiro, se comparado ao cônjuge. Incompreensivamente, o legislador, dando asas ao tratamento desigual, acabou por colocar muito acima os direitos dos companheiros quando determinou que concorra na herança com descendentes e outros parentes, na sucessão do outro, ‘sobre os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável’. A disposição constante do caput do citado art. 1.790, choca-se com o disposto no art. 1.829, I do Código Civil, que resguarda ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrer na herança com descendentes em condições restritas a determinados regimes de bens, com expressa exclusão para a hipótese de casamento nos regimes de comunhão universal, da separação obrigatória, ou no regime de comunhão parcial, se não houver bens particulares (2005:155) (OLIVEIRA apud VENOSA, 2006, p. 142).
Como se vê, há um tratamento privilegiado para os companheiros, mas não se sabe se essa foi a idéia do legislador.
4.1 Da sucessão do companheiro em concorrência com o cônjuge sobrevivente
Segundo Mario Luiz Delgado (DELGADO, 2010), o legislador procurou afastar a possibilidade de concorrência do companheiro com o cônjuge sobrevivente, pois ele previu no artigo 1.830 do Código Civil que só será reconhecido o direito sucessório do cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados de fato ou judicialmente há mais de dois anos. O legislador ainda previu que para caracterização da união estável os conviventes devem ser viúvos, solteiros ou, se casados, devem estar separados de fato ou judicialmente (art. 1.723, §1º, CC).
O problema, de acordo com Mario Luiz Delgado (DELGADO, 2010), é que:
O problema é que o Código não fixou prazo para configuração da união estável e pode ocorrer que alguém, separado de fato há menos de dois anos, já estivesse vivendo em união estável quando de sua morte. E nesse caso, o direito sucessório do cônjuge ainda não estaria afastado.
E entendendo como ser a única forma de compatibilizar as disposições dos artigos 1.790, 1.829 e 1.830 do novo Código Civil, Mario Luiz Delgado (DELGADO, 2010) acredita que:
Em suma, deve a participação do companheiro ficar restrita aos bens adquiridos durante a união estável (patrimônio comum), enquanto o direito sucessório do cônjuge, só alcançará os bens anteriores, adquiridos antes da data reconhecida judicialmente como de início da união estável”.
5. Das principais diferenças de tratamento na sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de 2002
Após realizarmos um estudo sobre a sucessão do cônjuge e a sucessão do companheiro, passaremos agora a apontar as principais diferenças de tratamento na sucessão de ambos.
O Primeiro ponto a se observar, e que foi amplamente criticado, é o fato da matéria que disciplina a sucessão do companheiro não ter sido disciplinada no capítulo da ordem de vocação hereditária, na sucessão legítima, junto da sucessão do cônjuge, mas ao invés disso a mesma foi disciplinada no capítulo das disposições gerais da sucessão em geral.
Caio Mario da silva Pereira (2004, p. 154) aponta sua reprova:
[...] a inadequada inserção do dispositivo em Capítulo dedicado às “Disposições Gerais” do Título I (“Da Sucessão em Geral”), e não, como teria sido próprio, naquela pertinente à ordem de vocação hereditária, no Título II (“Da Sucessão Legítima”), em ostensivo prejuízo a sistematização das regras sobre o assunto.
Silvio de Salvo Venosa (2006, p. 140) também demonstra sua reprova, e aponta sua opinião sobre a questão:
[...] o atual Código Civil traça em apenas um único dispositivo o direito sucessório da companheira e do companheiro no artigo 1.790, em local absolutamente excêntrico, entre as disposições gerais, fora da ordem de vocação hereditária:
[...]
A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador teve rebuços em classificar a companheira ou companheiro como herdeiros, procurando evitar percalços e críticas sociais, não os colocando definitivamente na disciplina da ordem de vocação hereditária.
Outra grande diferença no tratamento sucessório de ambos (cônjuge e companheiro), é o fato do legislador reconhecer somente o cônjuge como herdeiro necessário (art. 1.845, CC), não fazendo o mesmo com o companheiro, permitindo que esse possa vir a ser afastado da sucessão por ato de última vontade do de cujus.
Dessa forma pensa Maria Helena Diniz (2008, p. 148):
Há desigualdade de tratamento sucessório entre cônjuge e convivente sobrevivo, pois aquele é, em certos casos, herdeiro necessário privilegiado, podendo concorrer com descendente, se preencher certas condições, ou com ascendentes do falecido. O convivente, não sendo herdeiro necessário, pode ser excluído da herança do outro, se ele dispuser isso em testamento (CC, arts. 1.845, 1.846 e 1.857), pois só tem direito à sua meação quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável.
Mais uma diferença apresentada com o estudo realizado de ambas as sucessões, é a limitação imposta ao companheiro pelo caput do artigo 1.790, que estipula que ele somente participará da sucessão do outro no que diga respeito aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, até mesmo quando concorrer com ascendentes ou parentes colaterais do de cujus. Diferentemente do que acontece com o cônjuge, pois esse, quando concorrer com ascendentes ou colaterais do falecido, concorrerá a todo o acervo hereditário (bens comuns e próprios).
Ha também diferença no tratamento sucessório do cônjuge em concorrência com descendentes em relação ao companheiro em concorrência com descendentes.
Quando o cônjuge concorrer com herdeiros do qual é ascendente, o legislador atribui ao mesmo uma reserva da quarta parte da herança, e se concorrer com filhos exclusivos do autor da herança, ao cônjuge sobrevivente caberá quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça (art. 1.832, CC), enquanto que ao companheiro em situação semelhante apenas é atribuída quota equivalente a que por lei for atribuída aos filhos (art. 1.790, I, CC). Quando se tratar de filhos comuns, no caso dos filhos serem exclusivos do de cujus, o companheiro receberá metade do que couber a cada um daqueles (art. 1.790, II, CC).
Outra diferença já evidenciada em nosso trabalho e entendida por muitos doutrinadores como sendo um retrocesso na amplitude dos direitos hereditários dos companheiros, é o fato deste na ausência de descendentes e ascendentes concorrer com outros parentes sucessíveis por força do inciso III do artigo 1.790 do Código Civil, uma vez que a legislação que antes disciplinava a matéria previa ao companheiro a totalidade da herança na falta de ascendentes e descendentes (art. 2º, III, Lei nº 8.971/94). Já ao cônjuge é deferida a totalidade da herança quando não houver descendentes nem ascendentes (art. 1.829, III, CC).
Quanto ao direito real de habitação, podemos notar mais uma diferença no tratamento sucessório do cônjuge em relação ao companheiro, pois o artigo 1.831 do Código Civil mantém o direito real de habitação que o Código Civil de 1916 previa ao cônjuge, só que com uma maior extensão. Entretanto o novo diploma foi omisso em relação ao direto real de habitação do companheiro, gerando uma incerteza do mesmo direito a este, pois diversos são os entendimentos a essa matéria.
Por outro lado, como já vimos antes, nem tudo é desfavorável ao companheiro. O legislador, no que me parece uma contradição, colocou o companheiro em uma situação privilegiada em relação ao cônjuge. Se um casal que possua um patrimônio comum, for casado sob o regime de comunhão universal, separação parcial ou separação total e um dos cônjuges falecer sem deixar bens próprios, ao outro não restará nada além de sua meação, enquanto que se situação semelhante ocorrer com um casal em união estável, o convivente sobrevivo terá direito além de sua meação a uma quota parte na herança.
6. Inconstitucionalidade da diferenciação de tratamento entre o regime sucessório dos cônjuges e dos companheiros
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento que discute a equiparação entre cônjuge e companheiro para fins sucessórios, inclusive em uniões homoafetivas. A decisão foi proferida no julgamento dos Recursos Extraordinários (REs) 646721 e 878694, ambos com repercussão geral reconhecida. No julgamento realizado no dia 10 de maio de 2017, os ministros declararam a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que estabelece diferenças entre a participação do cônjuge e do companheiro na sucessão dos bens.
Cabe destacar o entendimento do Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, de que a Constituição Federal reconhece a união estável e o casamento como situações de união familiar, mas não abre espaço para a equiparação entre ambos, sob pena de violar a vontade dos envolvidos, e assim, o direito à liberdade de optar pelo regime de união. Voto foi seguido pelo ministro Ricardo Lewandowski.
No entanto, foi aprovada a seguinte tese, encabeçada pelo Ministro Roberto Barroso, valida para ambos os processos citados acima:
“No sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil.”
O Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto sustentou que: “Quando o Código Civil desequiparou o casamento e as uniões estáveis, promoveu um retrocesso e promoveu uma hierarquização entre as famílias que a Constituição não admite”, completou ainda que, “O artigo 1.790 do Código Civil pode ser considerado inconstitucional porque viola princípios como a igualdade, dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e a vedação ao retrocesso”.
Como é de conhecimento, companheiro(a) recebia tratamento diferenciado do cônjuge, no tocante aos direito sucessórios, por força do art. 1.790, do Código Civil. No entanto, diante desta decisão da Suprema Corte, o que valerá tanto para o cônjuge, quanto para o companheiro, para fins sucessórios, será o artigo 1.829 do Código Civil.
Agora, as mesmas regras que são aplicadas ao cônjuge no trato ao recebimento da herança ou legado, devem ser dispensados também ao companheiro(a), a fim de prevalecer os princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana e a vedação do retrocesso, como destaca o citado Ministro em seu voto.
7. CONCLUSÃO
Com a instituição da Lei nº 10.406/02 (Novo Código Civil), a matéria sucessória foi profundamente alterada em relação ao Código de 1916.
Com isso, o cônjuge recebeu tratamento privilegiado, foi posto entre os herdeiros necessários, passou a concorrer com os descentes e ascendentes nas duas primeiras linhas sucessórias e, na falta destes, passou a ter direito à totalidade da herança. Também obteve direito à reserva da quarta parte da herança quando concorrer com filhos comuns e, ainda, a manutenção ao direito real de habitação, dessa vez em melhores condições, pois agora isso independe do regime de bens.
Quanto ao companheiro, este foi reconhecido como herdeiro regular pelo Código Civil de 2002, o que não era previsto pelo Código de 1916. Registra-se que ao contrário do cônjuge, o companheiro não foi reconhecido como herdeiro necessário, podendo ser afastado da herança por disposição dos bens através de um testamento. Também não foi previsto a este o direito à reserva da quarta parte da herança, e na ausência de descendentes e ascendentes, concorrerá ele com outros parentes sucessíveis. Além disso, a lei se cala quanto à manutenção ao seu direito real de habitação, previsto anteriormente, e limita seu direito à sucessão apenas aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.
Observamos uma grande diferença no tratamento da sucessão do cônjuge comparada à do companheiro, que teve toda sua matéria sucessória regulada por um único dispositivo.
Sem dúvidas, o advento do Código Civil de 2002 melhorou muito a situação do cônjuge sobrevivente, dando a ele lugar de destaque. No entanto, na sucessão do companheiro, em relação a algumas alterações, entendemos que ocorreu um retrocesso nos direitos sucessórios deste. Como, por exemplo, no caso do direito anterior prever a totalidade da herança para o companheiro na ausência de descendentes e ascendentes, e o atual Código prever que ele concorrerá com outros parentes sucessíveis na ausência daqueles.
Portanto, concordando com o Voto Exarado pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Roberto Barroso, que a Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento, como as formadas mediante união estável, e não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges dos companheiros, ou seja, a família formada pelo casamento e a formada por união estável.
Esta diferenciação entre entidades familiares é incompatível com a Constituição Federal, assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira(o), prevendo direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos ao cônjuge, vai de encontro com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade, bem como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso.
No que pese o respeitável entendimento do Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, que a Constituição Federal reconhece a união estável e o casamento como situações de união familiar, mas não abre espaço para a equiparação entre ambos, sob pena de violar a vontade dos envolvidos, e assim, o direito à liberdade de optar pelo regime de união.
Em síntese, podemos concluir que não havia motivos para o legislador restringir os direitos sucessórios do companheiro, uma vez que as legislações anteriores que regulavam a matéria previam ao companheiro alguns direitos que a nova legislação não prevê. Além do que, o legislador ao limitar a sucessão do companheiro aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, confunde a meação com sucessão.
Por fim, isso acreditamos que está acertada decisão do Supremo Tribunal Federal foi justa e se encaixa perfeitamente a realidade dos tempos atuais que contempla diversas formas de família.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Douglas Camilo. Inconstitucionalidade da diferenciação de tratamento entre o regime sucessório dos cônjuges e dos companheiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50231/inconstitucionalidade-da-diferenciacao-de-tratamento-entre-o-regime-sucessorio-dos-conjuges-e-dos-companheiros. Acesso em: 29 abr 2025.
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