Ailton Nossa Mendonça
(Orientador)[1]
RESUMO: No presente estudo abordamos os aspectos teóricos da incidência dos precedentes vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro. Os precedentes são uma realidade no cotidiano da comunidade jurídica brasileira há décadas, no entanto, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, ocorreu a positivação dos precedentes pelo novo instrumento processual. Historicamente, no Brasil predomina o sistema jurídico vocacionado ao civil law, ante às mudanças introduzidas pelo novel diploma ganhou relevo às discussões acerca de uma possível conversão ao sistema common law, o que demanda uma contextualização das duas escolas considerando as características do ordenamento jurídico pátrio. O cerne da questão reside na vinculação obrigatória de juízes e tribunais aos precedentes, outrora os precedentes eram invocados, mas sua aplicabilidade era facultativa, hodiernamente em razão do arrimo conferido pelo vigente Código à observância dos precedentes passa a ser inescusável. O projeto visa demonstrar que a afirmação dos precedentes reclama esforços constantes da doutrina e da comunidade jurídica. O texto está divido em duas partes, na primeira são apresentados os atributos das escolas do civil law e common law, enquanto a segunda, trata do histórico e formação dos precedentes no Brasil. A construção argumentativa tem como substrato os estudos anteriormente realizados sobre o tema.
Palavras-chave: ordenamento jurídico, precedentes, civil law, common law, força vinculante.
ABSTRACT: In the present study we address the theoretical aspects of the incidence of binding precedents in the Brazilian legal system. The precedents have been a reality in the daily life of the Brazilian legal community for decades, however, with the advent of the Civil Procedure Code of 2015, the precedence of the precedents was replaced by the new procedural instrument. Historically, in Brazil, the legal system focused on the civil law, before the changes introduced by the diploma, has gained prominence in the discussions about a possible conversion to the common low system, which demands a contextualization of the two schools considering the characteristics of the legal order of the country. At the heart of the matter is the compulsory attachment of judges and tribunals to precedents, former precedents were invoked, but their applicability was optional, since the present Code of Conduct conferred on the precedents is now inexcusable. The project aims to demonstrate that the affirmation of the precedents demands constant efforts of the doctrine and the legal community. The text is divided into two parts, the first presents the attributes of civil law and common law schools, while the second deals with the history and formation of precedents in Brazil. The argumentative construction has as substratum the previous studies already done on the subject.
Keywords: legal order, precedents, civil law, common law, binding force.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DO SISTEMA JURIDICO BRASILEIRO. 2.1 DO CIVIL LAW. 2.2 DO CIVIL LAW A QUESTÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA. 2.3 DO INDIVIDUALISMO DO JUIZ NO CIVIL LAW 2.4 DO COMMON LAW. 2.5 DO COMMON LAW E STARE DECESIS. 2.6 DO RATIO DECIDENDI NO COMMON LAW. 2.7 DO OBITER DECTUM NO COMMON LAW. 2.8 DA APLICAÇÃO DOS METODOS DE DISTINGUISHING. 2.9 DA REVOGAÇÃO DOS PRECEDENTES (OVERRULING). 2.10 DA APROXIMAÇÃO DAS ESCOLAS CIVIL LAW E COMMON LAW. 3 DA FORMAÇÃO DO SISTEMA DE PRECEDENTES BRASILEIRO. 3.1DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 3.2 DOS PRECEDENTES NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3.3 DA DIFERENÇÃ ENTRE JURISPRUDÊNCIA UNIFORME E PRECEDENTES. 3.4 DA FORÇA VINCULANTE DOS PRECEDENTES. 3.5 DA RESISTÊNCIA À OBEDIÊNCIA DOS PRECEDENTES. 4. CONCLUSÃO. 5 REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O direito, enquanto ciência, que se ocupa do estudo de fatos sociais, não se funda sobre normas, mas sobre os princípios que as condicionam e as tornam significantes.
As transformações sociais, econômicas e políticas exigem que a incidência da norma positivada esteja adequada ao contexto contemporâneo.
O Código de Processo Civil de 2015 traz o sistema de precedentes vinculantes como a essência do novo diploma processual. Segundo grande parte da doutrina, estamos diante de uma evolução do pensamento jurídico brasileiro, resultado de estudos iniciados a cerca de uma década que permitiram produzir um código processual apoiado nas decisões dos Tribunais Superiores.
O novo instrumento processual nos artigos 926 e 927, estabelece que deverão ser respeitadas à eficácia e à importância reconhecida aos precedentes judiciais, admitimos, que há tempos, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973 os precedentes eram invocados na argumentação das partes na busca pelo convencimento dos magistrados, e também, na fundamentação das decisões judiciais, mas, evidentemente, não havia obrigatoriedade de aplicação, prevalecendo o livre convencimento.
A força vinculante dos precedentes judiciais é justamente o cerne da questão, de um lado, posiciona-se o entendimento que prima por uma jurisprudência estável, integra e coerente que visa afastar decisões divergentes em casos congêneres, por outro lado, a obediência aos precedentes é atacada por uma parte de renomados juristas que entendem ser o sistema de precedentes inconstitucional por violar princípios e garantias constitucionais.
Nesse esboço, busca-se, compreender a aplicação dos precedentes no ordenamento jurídico brasileiro, para tanto, recorremos ao histórico de decisões e alterações constitucionais e infraconstitucionais que foram sustentáculo dos precedentes até a sua positivação por meio do Código de Processo Civil de 2.015.
2. DO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
O sistema jurídico brasileiro estruturou-se vocacionado ao civil law, tradição predominante nos países de origem romano-germânica. A Escola do civil law tem como fonte primária do ordenamento jurídico a lei, instrumento que permeia e subsidia o judiciário quando provocado.
A atuação do judiciário nos países em que impera o civil law, restringe-se ao direito escrito, positivado, competindo ao magistrado à interpretação e aplicação da lei, ou seja, não reconhece a possibilidade da criação de um direito a partir do exercício da hermenêutica.
A Carta Magna no artigo 5º, inciso II, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, o que ratifica a adoção do sistema legal positivado em lei.
Ao passo que passamos a fazer uso dos termos sistema jurídico e ordenamento jurídico faz-se necessária a sua conceituação, para qual valemo-nos dos ensinamentos do jurista italiano Norberto Bobbio.
Em sua obra Teoria do Ordenamento Jurídico, esclarece que o “ordenamento jurídico é composto de um complexo de normas, o que justifica seu argumento de que as normas não existem isoladamente, mas são ligadas umas às outras formando um sistema normativo”. Para Bobbio, a unidade e a coerência são características essenciais de um ordenamento.
Quanto ao significado de sistema jurídico, “um ordenamento jurídico constitui um sistema porque nele não podem existir normas incompatíveis”. Nessa acepção, “sistema, equivale à validade do princípio que exclui a incompatibilidade das normas”.
No Brasil como em todos os países que adotam a civil law, prepondera o direito escrito e legislado em relação a doutrina e a jurisprudência, a regra é a codificação e a primazia da lei.
2.1 DO CIVIL LAW
A tradição civil law, estrutura-se a partir da influência do Direito Romano exercida sobre países da Europa Continental e suas colônias, uma vez que os princípios do Direito Romano superaram o direito local, ensejando a criação de Leis, Códigos, Constituições.
Nesse sentido, temos as explicações da Andreia Costa Vieira:
A expressão Civil Law, usada nos países de língua inglesa, refere-se ao sistema legal que tem origem ou raízes no Direito da Roma antiga e que, desde então, tem-se desenvolvido e se formado nas universidades e sistemas judiciários da Europa Continental, desde os tempos medievais; portanto, também denominado sistema Romano-Germânico. (2007, p. 270)
Cabe destacar ainda, que os acontecimentos no século XX na França, decorrentes dos excessos de privilégios aos nobres, clero e magistrados, resultaram na Revolução Francesa, que foi determinante para a criação de um novo modelo jurídico.
2.2 DO CIVIL LAW E A QUESTÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Na tradição civil law, prevalente no ordenamento jurídico brasileiro há séculos, irradia a idealização de que é imprescindível à observância da lei para que o Estado no exercício de sua função jurisdicional ofereça segurança jurídica aos seus administrados.
Entretanto, no exercício da hermenêutica, o magistrado recorre a um rol de métodos de compreensão e aplicação da norma positivada, valendo-se, inclusive de elementos textuais e extratextuais com o fim de dar a correta aplicação da lei ao caso concreto, contudo, prevalecerá sempre o seu livre convencimento, ainda que motivado.
Ainda que nossos magistrados tenham atuações diligentes no trato da aplicação da norma jurídica, é forçoso reconhecer que por reiteradas vezes as decisões prolatadas a partir de percepções morais do próprio julgador, são ineficazes a solução das contendas e pouco contribuem para sustentar a segurança jurídica aos jurisdicionados.
2.3 DO INDIVIDUALISMO DO JUIZ NO CIVIL LAW
Quanto ao poder monocrático conferido aos magistrados em jurisdição de primeiro grau, temos as explicações do professor Luiz Guilherme Marinoni:
Embora as decisões no sistema civil law variem constantemente de sinal, trocando de sentido ao sabor do vento, isso deve ser visto como uma patologia ou como equivoco que, lamentavelmente, arraigou-se em nossa cultura jurídica. (2016, p. 54-55).
Diante de uma extensa variedade de interpretações e decisões a cerca de fatos semelhantes, o Estado-Jurisdição é acometido pelo descrédito, consequência das decisões conflitantes prolatadas por órgãos do judiciário.
2.4 DO COMMON LAW
Na tradição common law, prevalece uma construção jurídica fundada em normas e regras não escritas, mas sancionadas pelo costume e jurisprudência, as quais são dotadas de efeitos normativos, o common law representa a lei nos Tribunais.
A tradição do common law tem seu início e desenvolvimento baseado na habitualidade cotidiana da sociedade inglesa, fundada em duas teorias de jurisdição, a primeira delas primava pela ideia de que o juiz apenas declarava o direito, enquanto a segunda, constitutiva ou positivista, defendia que ao magistrado era conferido o poder de criação do direito, no final ambas as teorias convergiram, adaptaram-se a um sistema de respeito obrigatório aos precedentes.
2.5 DO COMMON LAW E STARE DECISIS
De início cabe apontar as diferenças entre common law e stare decisis, logo, o common law, é o resultado das decisões dos tribunais e dos costumes, enquanto o stare decisis, ou precedente de respeito obrigatório, constituí apenas um elemento do moderno common law, que não deve ser comparado ao common law antigo.
Logo, explica Marinoni que realça a diferença entre ambos, enfatizando que o common law foi formado pelos costumes gerais e já existia por vários séculos antes do surgimento do stare decisis ou precedente de respeito obrigatório.
Oportuno destacar, que não há vinculação e simultaneidade do common law ao stare decisis.
2.6 DA RATIO DECIDENDI NO COMMON LAW
A formação de um precedente dar-se-á a partir de decisões maturadas em Tribunais Superiores que influenciará sobre diversos casos em condições análogas, portanto a ratio decidendi ou “razão para a decisão” ou “razão para decidir”, representa as razões e as justificativas que conduziram ao entendimento para a solução de uma demanda judicial.
2.7 DO OBITER DICTUM NO COMMON LAW
No enfrentamento das teses, inquirições e indagações que formam o escopo de uma problemática levada a apreciação do judiciário, há questões indiscutivelmente necessárias que deverão ser julgadas e avaliadas, como também, haverá outras que não demandam apreciação, em vista de sua irrelevância para o deslinde e alcance da decisão, quanto a essas últimas estamos diante da obiter dictum.
O conceito de obiter dictum, segundo Marinoni:
Para se compreender o significado de obiter dictum, ainda que na dimensão do common law, torna-se necessário sublinhar que a ratio decidendi seria um passo necessário ao alcance da decisão. Isso fundamentalmente porque, quando se olha para uma questão perguntando-se se ela constitui ratio decidendi ou obiter dictum, indaga-se sobre a necessidade ou não de enfrentamento a fim de se chegar à decisão (2016, p.169).
Inegavelmente, existe uma dificuldade acentuada em formar o conceito de obiter dictum.
2.8 DA APLICAÇÃO DOS MÉTODOS DE DISTINGUISHING
O distinguishing, ou melhor, a distinção, é a técnica pela qual se vale o operador do direito ao tratar um caso específico, comparando este, com aquele formador da tese jurídica que resultou na formação do precedente.
A comparação para a correta aplicação do precedente recebe o nome de distinguishing, que, segundo Cruz e Tucci “é método pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma”.
A decisão pela aplicabilidade ou não de um precedente a um determinado caso exige do magistrado pleno conhecimento das razões de fato e de direito que formaram o precedente.
2.9 DA REVOGAÇÃO DOS PRECEDENTES (OVERRULING)
A afirmação de um precedente no ordenamento jurídico decorre de uma necessidade aferida no momento em que uma decisão é proferida, passando está a refletir em casos futuros, razão pela qual, se faz necessária uma avaliação constante da contribuição de um precedente em vista das transformações políticas, sociais e econômicas.
Logo, o interprete-julgador não restringe a sua atividade hermenêutica aos fundamentos da norma escrita, ao reunir elementos que o subsidie em uma decisão, considera os anseios contemporâneos da sociedade, momento em que fará exame do cabimento ou não da aplicação de um precedente.
No que diz respeito à revogação, acrescenta Marinoni:
A revogação de um precedente depende de adequada confrontação entre os requisitos básicos para o overruling - ou seja, a perda da congruência social e o surgimento da inconsistência sistêmica – e os critérios que ditam as razões para a estabilidade ou para a preservação do precedente – fundamentalmente a confiança justificada e a prevenção contra a surpresa injusta (2016, p. 254).
A técnica do overruling se distancia da distinguishing, enquanto na primeira temos a revogação do entendimento padronizado que forma o procedente, na segunda, ocorre o confronto do caso concreto em análise a tese formadora do precedente, aplicando-o ou afastando.
2.10 DA APROXIMAÇÃO DAS ESCOLAS CIVIL LAW E COMMON LAW
A escola do civil law ancorada nos ideais da Revolução Francesa tinha como desígnio o fiel cumprimento da lei pelos juízes, tornando o magistrado submisso à norma escrita, vinculando a garantia da segurança jurídica a aplicação da norma.
No entanto, a densidade da escola do civil law foi parcialmente desfigurada ao longo dos anos, tornando o juiz contemporâneo distante daquele idealizado nos ideais genuínos da escola, aproximando-se, em partes do juiz do common law, ainda que nos dias atuais sejam decididos casos iguais de forma desigual.
A evolução fica evidente quando é assegurado ao juiz da civil law o dever-poder de controlar a constitucionalidade da lei no caso concreto, a função exercida aproxima o juiz brasileiro dos juízes atuantes em países vocacionados ao common law.
3. DA FORMAÇÃO DO SISTEMA DE PRECEDENTES BRASILEIRO
O entendimento quanto à formação dos precedentes no ordenamento jurídico brasileiro é uma questão intrincada. Por muito tempo prevaleceu à tradição da escola do civil law, o que inegavelmente afasta-nos dos sistemas de tradição jurídica do common law, manifestamente, no ordenamento jurídico pátrio à admissão e aplicação dos precedentes dependerá de previsão legal.
Nas palavras de Jaldemiro Rodrigues Ataíde Junior apud Elpídio Donizete , as perspectivas “se volta a solucionar com maior segurança jurídica, coerência, celeridade e isonomia as demandas de massa, as causas repetitivas, ou melhor, as causas de relevância ultrapassam os interesses subjetivos das partes”.
Apoiando-se no posicionamento doutrinário dominante, em uma avaliação inteligível, podemos afirmar que há mais de vinte anos no Brasil temos uma adesão ao sistema de precedentes, estabelecida a partir da hierarquização dos julgados realizados pelos Tribunais Superiores.
Em um primeiro momento, cabe recordar que a Lei 8.038, de 20 de maio de 1.990, que instituiu normas procedimentais para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, em seu artigo 38, atualmente revogado pela Lei 13.105 de 2015, assim, determinava:
O Relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu objeto, bem como negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou, improcedente ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal.
Com a promulgação da Emenda Constitucional número 03 de 17 de março de 1993, que acrescentou o § 2º ao artigo 102 da Carta Magna, podemos dizer que houve uma recepção constitucional aos precedentes, ainda que realizada por meio do poder constituinte derivado, seguramente é a positivação da aplicação dos precedentes no ordenamento jurídico brasileiro, destacamos a inclusão do § 2º ao artigo 102 da Lei Maior:
§ 2.º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.
No âmbito normativo infraconstitucional, merece destaque o Código de Processo Civil já revogado, a Lei 5.869, de 11 de Janeiro de 1.973, em razão das alterações de diversos dispositivos ao longo dos anos também demonstrou a inclinação do diploma aos precedentes judiciais, como exemplo, destacamos: art. 285-A; art.481, parágrafo único, art. 557, art. 475, § 3º; e art. 518, § 1º.
Indubitavelmente, a mais profunda alteração em nosso ordenamento jurídico que reforça a necessidade de estudo dos precedentes judiciais veio com a Emenda Constitucional, nº 45 de 30 de Dezembro de 2004, conhecida como a reforma do Poder Judiciário. Além da reforma, conferiu ao Supremo Tribunal Federal o direito de instituir súmulas vinculantes com respeito obrigatório pelos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta.
Entre as principais alterações constitucionais produzidas pela EC 45/04, merece destaque o § 3º acrescentado ao artigo 102 da Lei Maior, que tratou do reconhecimento da repercussão geral em sede de recurso extraordinário.
3.1 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Com o advento do novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei 13.105, de 10 de março de 2015, o legislador deu mais alguns passos no sentido de valorizar o significado dos precedentes judiciais, passando a denomina-los vinculantes ou obrigatórios, cabendo aos tribunais uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integra e coerente.
Por sua vez elenca no art. 927 um rol exemplificativo dos pronunciamentos que deverão ser observados pelos juízes e tribunais:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
O disposto no art. 927 representa uma combinação entre decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas em controle concentrado de constitucionalidade, súmulas, decisões tomadas em vias de casos repetitivos, e orientações do plenário ou do órgão especial, todas estas, tendentes a uniformizar a jurisprudência.
Nota-se, que o atual diploma processual não faz nenhuma menção a precedentes, ratio decidendi ou fundamentos determinantes da decisão.
Nessa acepção pondera Eduardo Talamini “o Código, portanto, não é causador de nenhuma alteração de paradigmas. Antes, ele é o reflexo de paradigmas que foram gradativamente se alterando nos últimos cinquenta ou sessenta anos”.
Logo, prevalece perfunctoriamente o entendimento de que a ampliação dos pronunciamentos vinculantes não torna o sistema jurídico brasileiro fundado genuinamente nos precedentes, como ocorre no common law.
3.2 DOS PRECEDENTES NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Após a edição do atual Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça – STJ editou as Emendas de nº. 23, 24 e 26 alterando o regimento interno com vistas à disciplinar o procedimento de mediação no Tribunal e adequá-lo ao novo Código Processual vigente.
Merece destaque a Emenda Regimental nº 26, que acrescentou o inciso V ao art. 40 e o artigo 46-A ao regimento interno, tendo como finalidade a criação da comissão gestora de precedentes em atendimento a Resolução 235 do Conselho Nacional de Justiça que dispõe sobre a padronização dos procedimentos administrativos decorrentes de julgamentos de repercussão geral, de casos repetitivos e de incidente de assunção de competência previstos na Lei 13.105, de 16 de março de 2015.
O Tribunal da Cidadania composto por um número extenso de ministros encontra dificuldades em alinhar o entendimento entre as turmas, entretanto, espera-se que com a observância aos precedentes, evite decisões conflituosas e desiguais para casos iguais, assegurando a igualdade do direito judicial.
A instabilidade do posicionamento jurisprudencial é objeto de críticas de renomados doutrinadores, entre eles, destacamos o jurista Sacha Calmon Navarro Coêlho, que enfatiza “temos uma instabilidade jurisprudencial elevadíssima e os juízes estão na base disso”; “não há tribunal nesse país que desunifique mais o entendimento jurisprudencial do que o Superior Tribunal de Justiça”.
Luis Guilherme Marinoni, com a precisão que lhe é peculiar, acrescenta:
[...] É completamente absurdo imaginar que, tendo o Superior Tribunal de Justiça o dever de uniformizar a interpretação da lei federal, possam os Tribunais de Justiça e Regionais Federais aplica-la de modo diferente [2016, p. 315].
A dificuldade em harmonizar o entendimento jurisprudencial no Superior Tribunal de Justiça representa uma das maiores dificuldades para implantação dos precedentes vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro.
3.3 DA DIFERENÇA ENTRE JURISPRUDÊNCIA UNIFORME E PRECEDENTES
A jurisprudência uniforme representa um conjunto de decisões reiteradas pelos Tribunais, de modo que, revela-se como um elemento norteador para decisões de casos análogos. O preclaro Miguel Reale, assim definiu a palavra jurisprudência “a forma de revelação do Direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais".
Por outro lado, o precedente, apesar de também exercer uma função de orientar jurisdicionados e magistrados, sua formação se dá a partir de uma decisão em matéria de direito, sopesadas as razões de fato.
Contudo, o magistrado ao deparar-se com um caso semelhante, no qual seja aplicável um entendimento jurisprudencial já uniformizado, não restará vinculado, pois é facultada a interpretação segundo o livre convencimento, podendo, desatrelar-se das razões de fato e de direito da jurisprudência pacificada.
Em sentido oposto, o precedente tem incidência abrangente, impede o magistrado, em casos iguais, desvincular-se das razões jurídicas e dos fatos que foram fundamentos para firmar um paradigma, sustentando o ideal, de igualdade e coerência do direito.
3.4 DA FORÇA VINCULANTE DOS PRECEDENTES
O diploma processual explicita no artigo 927 que os juízes e os tribunais observarão os precedentes judiciais com o intuito de tornar a jurisprudência estável, integra e coerente, por essa determinação, resta-nos crer, que em casos congêneres a uma situação fática que ensejou paradigma decisório, o magistrado ou tribunal, deverá apreciar o caso concreto invocando a incidência do precedente cabível, de modo que, seja aplicado ou afastado, justificando na forma do artigo 499, §1º, incisos V e VI.
Nesse diapasão, admite-se reputar aos precedentes disciplinados no Código de Processo Civil força vinculante equivalente à reservada aos instrumentos de convalidação constitucional, ou seja, o controle concentrado de constitucionalidade reservado ao pleno da Suprema Corte.
3.5 DA RESISTÊNCIA À OBEDIÊNCIA AOS PRECEDENTES
O novo diploma processual é alvo de críticas por parte de renomados doutrinadores, para um seleto grupo de célebres juristas, o Código obstará o desenvolvimento do direito tornando-o ineficaz às demandas sociais contemporâneas, pontuam ainda, que estamos diante de uma violação aos princípios, da separação dos poderes, da independência dos juízes, do juiz natural e da garantia do acesso à Justiça.
Para o ilustre Nelson Nery Jr. “o que o Código nos diz é esqueçam a lei, a Constituição e a doutrina porque o que vale agora é o que eu Tribunal (STF ou STJ) disser”, para o processualista, “o sistema de precedentes vinculante considerado o espírito do CPC de 2015 é inconstitucional”.
Como visto, o instituto dos precedentes vinculantes para se afirmar passará por um processo de validação doutrinária.
4 CONCLUSÃO
O Código de Processo Civil de 2015, inegavelmente, trouxe profundas mudanças em matéria processual, tem como fundamento a aplicação obrigatória dos precedentes judiciais, o diploma reforça a grandeza dos precedentes já aceitos e aplicados no ordenamento jurídico brasileiro com vistas a assegurar a manutenção de uma jurisprudência estável, integra e coerente.
Reconhecemos que o propósito vai de encontro com as necessidades dos jurisdicionados e de toda a comunidade jurídica, primeiro, às partes ao recorrer ao judiciário buscam a proteção de um direito e desejam uniformidade de decisões como forma de segurança jurídica, por outro lado, os operadores do direito, exigem uma atuação homogênea do judiciário que impeça decisões divergentes em situações análogas.
Nesse contexto não se vislumbra um judiciário engessado, subtraindo direitos e garantias ou contrariando à Constituição Federal, pelo contrário, uma atuação harmônica pautada pelas razões de fato e direito, que nos permita evoluir na construção jurisprudencial adaptada as necessidades sociais.
Por fim, se alcançada à pretensão de uniformizar a jurisprudência e a atuação jurisdicional, renovam-se as esperanças de que os processos no âmbito judicial ou administrativo possam ter razoável duração nos termos do artigo 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna, obviamente, seria uma grande conquista do Estado e seus jurisdicionados.
5 REFERÊNCIAS
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BOBBIO. Norberto. Teoria da norma jurídica. São Paulo: Edipro, 2008, p.37.
BOBBIO. Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Edipro, 2011. p. 79/82.
MARINONI, Luis Guilherme. Precedentes obrigatórias. 5ª ed; ver. atual. e amp. São Paulo: editora revista dos tribunais, 2016, p.54.
VIEIRA, Andréia Costa. Civil Law e Common Law: os dois grandes sistemas legais comparados. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2007.
MARINONI, Luis Guilherme. Precedentes obrigatórias. 5ª ed; ver. atual. e amp. São Paulo: editora revista dos tribunais, 2016, p.27.
MARINONI, Luis Guilherme. Precedentes obrigatórias. 5ª ed; ver. atual. e amp. São Paulo: editora revista dos tribunais, 2016, p.31.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2004. p.174
Lei 8.038, de 20 de maio de 1.990, art. 38.
Código de Processo Civil já revogado, a Lei 5.869, de 11 de Janeiro de 1.973. art. 285-A; art.481, parágrafo único, art. 557, art. 475, § 3º; e art. 518, § 1º.
Emenda Constitucional 45/2004, inserção do art. 103-A (súmulas vinculantes) e § 3º ao artigo 102 (repercussão geral),
Lei 11.418 de 2016 , que incluiu o artigo 543-A, § 3º.
BARROSO, Luis Roberto. MELLO, Patrícia Campos Perroe. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro. Disponível em http://s.conjur.com.br/dl/artigo-trabalhando-logica-ascensao.pdf
Morgana Henicka Galio. HISTÓRIA E FORMAÇÃO DOS SISTEMAS CIVIL LAW E COMMON LAW: a influência do direito romano e a aproximação dos sistemas. Disponível em http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c79d3508e2dc8fe8
[1] Possui graduação em Matemática pela Centro Universitário de Votuporanga (1983), graduação em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto (1997), especialização em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário de Rio Preto (1999), mestrado em Direito Público pela Universidade de Franca (2000) e doutorado em Direito Empresarial pela Universidade de Extremadura (2002). Atualmente é assessor jurídico da Prefeitura Municipal de Fernandópolis e professor da Universidade Brasil.
Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil - Fernandópolis - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUTRA, Jerônimo Aparecido Grangeiro. O sistema de precedentes vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro após o Código de Processo Civil de 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50263/o-sistema-de-precedentes-vinculantes-no-ordenamento-juridico-brasileiro-apos-o-codigo-de-processo-civil-de-2015. Acesso em: 23 dez 2024.
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