RESUMO: O presente artigo possui o escopo de perquirir os reais contornos do princípio da proteção no Direito do Trabalho hodierno. Nessa seara, visa ilustrar a posição que o aludido instituto apresenta dentro da cultura jurídica trabalhista contemporânea, explanando a atual roupagem apresentada deste e elucidando a necessidade de um conhecimento daquele que é o princípio fundante do direito do trabalho. Ademais, pugna-se por analisar os fundamentos jurídicos que o envolvem e o caracterizam. Inicialmente, propõe-se refletir sobre o direito do trabalho de forma holística para concentrar-se, logo em seguida, na interação existente entre a teoria geral dos princípios do Direito Trabalho e seu princípio alicerce, delimitando seus fundamentos, técnicas e importância;
Palavras-Chave: Princípio da Proteção. Teoria geral dos princípios. Direito do Trabalho.
Do ponto de vista capitalista, o trabalho humano digno e a inserção máxima do trabalhador no processo de produção são vistos como valores sociais secundários e, até mesmo por alguns, como obstáculos à própria acumulação de riqueza, de modo que, inevitavelmente, a solidificação da teoria de que a proteção jurídico-social do trabalhador, nos moldes atuais – vide a tramitação do Projeto de Lei (PL) 6.787 de 2016, veiculador da polêmica reforma trabalhista no Congresso Nacional, demonstra incongruência aos postulados defendidos por este modelo econômico resta evidente.
Entretanto, faz-se imprescindível analisar a temática além da ótica construída pela camada economicamente mais favorecida pela estrutura predominante na sociedade, na qual impera a lógica da acumulação de riquezas por parte de poucos às custas da exploração de muitos, pois, se assim continuar, os direitos trabalhistas representarão, se muito, esperança distante de um mundo onde a dignidade humana nunca será respeitada.
Nessa senda, os substratos fáticos representam atualmente um dos meios pelo qual o Direito do Trabalho exsurge, consolida-se e estabelece regras jurídicas. Aspectos históricos, ideológicos e sociólogos que outrora desfilavam incontestes, com a mudança de valores do círculo social, passam a ser questionados pelos costumes e regramento vigente.
A relação de trabalho que existia entre o empregado e o empregador caracterizava-se pela disparidade inquestionável, estando o operário em condição de sujeição e subordinação plurissignificativa em relação ao patrão. Sujeição essa proveniente da evolução histórica em que o obreiro aceitava trabalhar por salário e condições mínimas, propagadoras do estado de exploração, pois, em razão da situação, deter um labor já era algo a ser celebrado. Em virtude disso, via-se obrigado a suportar condições insalubres de trabalho, salários miseráveis, jornadas de trabalhos quase ininterruptas e serviços desgastantes.
As situações relatadas atacavam o princípio da dignidade da pessoa humana em sua essência, fato que, gradativamente, impulsionou manifestações sociais protagonizadas por aglomerados de operários, responsáveis por incutir nos representantes congressistas a necessidade de revisão das legislações trabalhistas, em especial, atinentes à proteção do trabalhador.
Essas novas normas ajudaram a construir a visão protecionista do trabalhador perante não somente aqueles que vivenciavam a realidade industrial, mas sim, de forma geral e irrestrita, à todos os atores envolvidos nas relações de simbiose laborativa, sob a batuta do princípio da igualdade material, substancial ou real, ao consubstanciar o tratamento igualitário aos desiguais.
Os princípios do Direito do Trabalho, assim como nos demais ramos jurídicos, informam os valores sociais existentes no íntimo da sociedade, em um dado intervalo temporal, transmitidos ao direito a fim de serem preservados e estimulados, através de comandos valorativos que deverão nortear as inter-relações de suas normas.
Assim ocorre com o princípio da proteção, que mais do que valor básico do Direito do Trabalho, apresenta-se como um valor social fundamental, tendo como norte a preservação da dignidade do trabalhador, uma vez que este, o hipossuficiente das relações trabalhistas, é o representante legítimo de um dos valores primordiais e fundamentais da dinâmica social moderna: o trabalho.
Ao instrumentalizar a igualdade substancial das partes, alguns cuidados exsurgem para balizar a sua aplicação, posto que, a despeito de compreender seus contornos e efetivo cumprimento, situações indutivas de proteções exacerbadas podem confluir para estimular condutas oportunas e desnecessárias, prejudiciais não somente aos próprios trabalhadores, como aos empregadores e demais destinatários.
As conceituações geralmente atribuídas ao Direito do Trabalho buscam regular todas as relações de trabalho, enfatizando os sujeitos das relações jurídicas reguladas por este ramo do direito, seja no aspecto da debilidade econômica dos trabalhadores como objetivo principal das normas deste ramo do Direito, seja posicionando a classe trabalhadora como objeto de suas conceituações. Para alguns doutrinadores, o Direito do Trabalho regula somente a relação de trabalho subordinado.
No sentido de conceituar o Direito do Trabalho, Maurício Godinho Delgado[1] define o direito material do trabalho como um:
"complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através de suas associações coletivas."
Sergio Pinto Martins[2] diz que o direito do trabalho é:
“o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas."
Octavio Bueno Magano[3] enuncia que o direito do trabalho é:
"o conjunto de princípios, normas e instituições, aplicáveis à relação de trabalho e situações equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador, através de medidas protetoras e da modificação das estruturas sociais".
Assim, conclui-se que o Direito do Trabalho como ramo da ciência jurídica tem por objeto de estudo os princípios e normas que regulam as relações de trabalho, sejam elas: emprego, relações de trabalho temporário ou relações de trabalho avulso.
De acordo com Arnaldo Sussekind[4], no Direito do Trabalho, os princípios e normas regulam as relações individuais de trabalho e de direito coletivo do trabalho, abrangendo este último a organização sindical, a negociação coletiva e a greve.
O direito do trabalho é um ramo relativamente novo, autônomo, independente da ciência jurídica comum e que se reveste de manifestações próprias que o singularizam e o destacam em relação às outras espécies do gênero único do direito[5].
Dentre as características importantes do direito do trabalho, despontam: a tendência de ampliação crescente seja em extensão pessoal, ou em intensidade de direitos abrangidos; o fato de ser intuitivo; cosmopolita; e por ser um direito em constante transição. Essas características evidenciam a contínua transformação do direito trabalhista. Assim como o próprio Direito em si, que é uma ciência cultural, o direito do trabalho é “resultado da pressão de fatos sociais que, tensionados sob valores, resultam em normas jurídicas” [6].
Os princípios são considerados como juízos fundamentais, que embasam e solidificam um conjunto de juízos, ordenado em um sistema de conceitos relativos a dada porção do mundo jurídico. Podendo ser comuns a todo o ordenamento jurídico, ou referir-se a um ou alguns de seus ramos particularizados, condição em que atuam como proposições gerais informadoras da noção, estrutura e dinâmica essencial do ramo jurídico ao qual se relaciona[7].
Celso Antonio Bandeira de Mello[8] define a importância do estudo dos princípios dentro do contexto do direito do trabalho:
“Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É do conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.”
Assim como Miguel Reale[9], que apresenta seu pensamento acerca de tal importância:
“Um edifício tem sempre suas vigas mestras, suas colunas primeiras, que são o ponto de referência e, ao mesmo tempo, elementos que dão unidade ao todo. Uma ciência é como um grande edifício que possui também colunas mestras. A tais elementos básicos, que servem de apoio lógico ao edifício científico, é que chamamos de princípios, havendo entre eles diferenças de distinção e de índices, na estrutura geral do conhecimento humano.”
Os princípios constitucionais trabalhistas são preceitos jurídicos de caráter geral e abstrato que balizam os contornos das soluções dos litígios judiciais laborais, quer no âmbito do dissídio individual, quer no âmbito do dissídio coletivo. Assim, eles se voltam para o trabalhador, como indivíduo e como parte integrante de uma coletividade social e econômica específica.
Basicamente, os princípios do Direito do Trabalho são:
· Princípio da Proteção;
· Princípio da Irrenunciabilidade de Direitos;
· Princípio da Continuidade da Relação de Emprego;
· Princípio da Primazia da Realidade;
· Princípio da Inalterabilidade Contratual;
· Princípio da Intangibilidade Salarial.
Princípio da Irrenunciabilidade de Direitos
Afirma que, em regra, os direitos trabalhistas são irrenunciáveis pelo trabalhador.
Exemplificando: se o trabalhador, ao firmar seu contrato individual de trabalho, renuncia ao seu direito às férias anuais perante a empresa, esse seu ato não terá validade jurídica, podendo o obreiro posteriormente vir a reclamá-lo perante a Justiça do Trabalho.
A CLT contempla dois dispositivos que bem retratam esse princípio, ao prescrever que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas” (Art. 9o) e ao só permitir a alteração das condições de trabalho com o consentimento do empregado e, ainda assim, desde que não lhe acarrete prejuízos, sob pena de nulidade (Art. 468).
Esse princípio não é absoluto. É admissível, por exemplo, que em certos casos o empregado, em juízo, venha a transigir ou a renunciar a determinados direitos trabalhistas (há indisponibilidade relativa perante a Justiça do Trabalho).
Em verdade, o que se veda é a renúncia aos direitos na empresa, a fim de se evitar atos fraudulentos do empregador, destinados a reduzir as vantagens do trabalhador, praticados em razão do poder de coação natural que o patrão possui em relação ao empregado.
Princípio da Continuidade da Relação de Emprego
Esse princípio reza que, em regra, o contrato de trabalho terá validade por prazo indeterminado, isto é, a relação de emprego tem caráter de continuidade. Os contratos se presumem por prazo indeterminado; a situação contrária, ou seja, a determinação do prazo, precisa ser provada. Portanto, sempre que nada constar no contrato de trabalho a respeito de seu prazo de duração, considera-se que o trabalhador tenha sido contratado por prazo indeterminado.
Princípio da Primazia da Realidade
Tal princípio disciplina que, no âmbito do Direito do Trabalho, os fatos valem muito mais do que meros documentos, do que os ajustes formalmente celebrados.
Por exemplo, de nada adianta a celebração de um contrato entre o empregador e o empregado em que se rotule este de trabalhador doméstico se, de fato, o trabalhador desenvolve atividades comerciais.
Isto posto, prevalecerão os fatos sobre os documentos, sobre a mera formalidade.
Princípio da Inalterabilidade Contratual
Por este princípio, que se expressa no aforismo “os pactos devem ser cumpridos” (pacta sun servanda), vedam-se as alterações contratuais desfavoráveis ao trabalhador, mesmo que essa inalterabilidade implique prejuízo à atividade da empresa.
Os riscos do negócio são do empregador, não havendo redução de suas responsabilidades em razão de dificuldades havidas no empreendimento.
Princípio da Intangibilidade Salarial
Este princípio assegura a irredutibilidade salarial, revelando-se como espécie do gênero da inalterabilidade contratual lesiva.
O conteúdo em si da proteção oferecida por tal princípio é garantir ao trabalhador perceber a contraprestação a que faz jus por seu trabalho, de maneira estável, não sujeita as oscilações da economia e às instabilidades do mercado e, por extensão, assegurar a satisfação de um conjunto, ainda que eventualmente mínimo, de suas necessidades, entre as quais a alimentação.
Há diversos dispositivos legais que asseguram tutela em relação aos salários:
“Art. 7º, da C.F.: - São direitos dos trabalhadores (...) além de outros: VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; X – proteção do salário na forma da Lei, constituindo crime a sua retenção dolosa. “
Exatamente por não ter qualquer possibilidade de auferir grandes vantagens de ordem econômica para si próprio, prerrogativa exclusiva do detentor dos meios de produção e/ou de capital, não pode o trabalhador participar dos riscos da atividade econômica, quer através da redução direta do valor nominal de seu salário (e, ampliativamente, de sua remuneração); quer através da redução de jornada de trabalho, tarefa ou alteração de critério na apuração de valores de composição de sua remuneração.
Ao reconhecer a inicial posição de desvantagem em que se encontra o trabalhador quando celebra um contrato subordinativo, para exercer sua função social, o direito do trabalho equilibra as posições econômicas dos respectivos sujeitos por meio da concessão de garantias ao mais fraco, com o intuito não de protegê-lo, mas de realizar o ideal de justiça. Repugna ao ideal de justiça a proteção de um dos sujeitos de certa relação social. O ideal de justiça se realiza quando o direito compensa desigualdades iniciais pela outorga de garantias aptas a igualar as posições [10]. Uma boa interpretação pra isso é ver que o direito do trabalho não pode "proteger" o empregado, e sim, regular a relação de trabalho para realizar o ideal de justiça mediante a previsão de garantias que compensem a inicial desigualdade social e econômica entre os sujeitos da relação jurídica.
Dentre os vários princípios do Direito do Trabalho, vislumbra-se o Princípio da Proteção como, senão o mais importante, um dos princípios estruturantes do Direito Trabalhista. Muitos consideram que o Princípio da Proteção é um princípio maior dentro do Direito do Trabalho, diante de sua finalidade de proteger-equiparar o trabalhador, visto com inferioridade diante do empregador.
O princípio da proteção sintetiza a lógica do Direito do Trabalho, representando a quase totalidade das suas normas, motivo pelo qual este princípio, por vezes, é tratado como um mega-princípio, que acaba por fundamentar os demais. Sua aplicação no âmbito do Direito do trabalho, não reflete quebra da isonomia dos contratantes, mas, traduz-se, em perfeita aplicação da igualdade substancial das partes, já que não basta a igualdade jurídica para assegurar a paridade da partes.
Arnaldo Sussekind[11] afirma que:
"O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a instituição básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade". A seguir, citando Deveali, afirma o autor ser o Direito do Trabalho "(...) um direito especial, que se distingue do direito comum, especialmente porque, enquanto [este] supõe a igualdade das partes, [o Direito do Trabalho] pressupõe uma situação de desigualdade que ele tende a corrigir com outras desigualdades".
Ponto relevante consiste no fato de que este princípio não precisa estar diretamente positivado. Ele faz parte do ordenamento jurídico como um todo, uma vez que o inspira. Vislumbra-se nas leis e normas trabalhistas a presença do espírito protetor ao empregado. Esse princípio pode ser positivado: de forma substantiva: consistindo em incorporar à carta magna do país ou á uma lei pragmática, princípio genérico de proteção ao trabalhador ou que princípio que faça com que o trabalho se ponha sob proteção do Estado; e de forma instrumental: significando adicionar leis protetoras que disponham sobre interpretação das normas trabalhistas.
O princípio da proteção possui inúmeras formas de atuação no universo do direito laboral, seja por técnicas ou por regras, possibilitando a afirmação de que o Direito do Trabalho é um conjunto de garantias mínimas para o trabalhador, que podem ser ultrapassados em seu benefício. Assim, de acordo com o jurista Pinho Pedreira[12], os meios de atuação objetivando a proteção do trabalhador, denominados por ele como "técnicas de proteção", podem ser:
· a intervenção do Estado nas Relações de trabalho, através da edição de normas e da adoção de outras providências tendente ao amparo do trabalhador;
· a negociação coletiva, consistente em procedimentos destinados à celebração da convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo;
· e a auto tutela, que é a defesa dos interesses do grupo ou do indivíduo mediante o apelo à ação direta.
O Princípio da Proteção se subdivide em outros três: o princípio in dubio, pro operário, o princípio da aplicação da norma mais favorável e o princípio da condição mais favorável, conforme se elucidará adiante. No momento, a título de exemplificação da aplicação de tal princípio, cabível é o julgado da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho:
“RECURSO DE REVISTA. PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. QUITAÇÃO PLENA DO CONTRATO DE TRABALHO. A transação é negócio jurídico causal, somente manejável quando houver dúvida ou já tenha sido instaurado o litígio entre as partes. Inocorrendo qualquer dessas hipóteses tratar-se-á, quando muito, de mero acordo ou conciliação. E por óbvio, sem produzir o efeito da coisa julgada. Também não há falar em quitação, pois se o próprio direito comum limita a quitação ao valor e à espécie da dívida quitada (novo Código Civil, art. 320), “a fortiori” o direito do trabalho, cujo princípio da proteção, concretizado, dentre outras, na regra do § 2º, do art. 477, da CLT autoriza o interessado a demandar judicialmente por títulos e valores cujo pagamento lhe tenha sido sonegado. Violação legal não caracterizada. Afronta à Constituição Federal não prequestionada. Divergência superada por iterativa, notória e atual jurisprudência do TST. Aplicação da Orientação Jurisprudencial nº 270 da SBDI-I, do Enunciado nº 333 desta Corte e do artigo 896, § 4º da CLT. Recurso de revista não conhecido.
ABONO INDENIZATÓRIO. O trânsito regular do recurso de revista está subordinado à adoção, pelo Tribunal Regional, de tese a respeito dos temas objeto do inconformismo, sob pena de não-conhecimento por ausência de prequestionamento. Inteligência do Enunciado n.º 297 do TST. Recurso de revista não conhecido.
HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS. Basta a simples afirmação do declarante ou de seu advogado, na petição inicial, para se considerar configurada a situação econômica. Aplicação da Orientação Jurisprudencial nº 304 da c. SBDI-I, do Enunciado nº 333 desta Corte e do artigo 896, § 4º da CLT. Recurso não conhecido.” [13]
De acordo com Hueck e Nipperdey[14], a proteção especial que se dá ao trabalhador parte de dois fundamentos, o de que o sinal distintivo do trabalhador é sua dependência as ordens, que afeta a pessoa do trabalhador; e a dependência econômica, “pois em geral somente coloca sua força de trabalho a serviço de outro quem se vê obrigado a isso para obtenção de seus meios de vida”.
Já, de acordo com o doutrinador Luiz de Pinho Pedreira da Silva[15] quatro são os fundamentos do princípio da proteção no Direito do Trabalho. O primeiro é a subordinação jurídica, pois no contrato de trabalho há "a singularidade de ser, entre os contratos, o único em que há entre as partes uma relação de poder, a supremacia de uma delas (o empregador) sobre a outra (o empregado)." O segundo elemento refere-se à dependência econômica, que surge da necessidade que o trabalhador tem de vender a sua força a outrem.
O terceiro fundamento relaciona-se com o comprometimento pessoal do trabalhador na execução das tarefas, expondo-se a perigos de incolumidade moral e física (tais como doenças do trabalho, assédio sexual, dano moral etc.). Por fim, o quarto fundamento advém da incultura do trabalhador, em que o trabalhador não tem conhecimento, nem tão pouco informação sobre direitos e obrigações no plano jurídico do contrato de trabalho.
O Princípio da Proteção no Direito do Trabalho, que deveria ser interpretado como condição de igualdade entre empregado e empregador, passa a ser visto por alguns como uma lacuna deixada pelo legislador para demandas trabalhistas desnecessárias. Ao passo que o empregado continua, em geral, sendo a parte mais fraca da relação de emprego, há de ver-se que nem todas as empresas estão em condições de superioridade.
Não se questiona a existência do princípio, a qual é reconhecida por todos, mas quanto a sua aplicação existem controvérsias. Não se verifica posicionamento doutrinário, nem jurisprudencial que pregue a abolição deste princípio, mas nem todos entendem que sua aplicação deve ser e continuar como ocorria no início do direito do trabalho. Entendendo-se ser mais conveniente dosar o Princípio da Proteção a ponto de se obter uma condição isonômica entre as partes, devendo a aplicação da proteção, ser sensata buscando o equilíbrio.
Ao mesmo tempo em que o Direito do Trabalho foi norteado pelas diretrizes da idéia de protecionismo necessário, esse Principio dentro do direito, como instrumento apaziguador de relações, deve ser visto com o impulsionador de um dos lados dessa relação, que estando em desvantagem econômica e cultural, torna-se equiparado juridicamente por meio de alguma garantia, equilibrando os dois pólos, permitindo-se assim que com igualdade de condições se faça justiça. As relações trabalhistas devem ser pautadas pela isonomia, para que, então, obtenha-se uma relação harmoniosa de direitos e deveres e obrigações, tanto no aspecto contratual, como também no âmbito do direito material e processual.
4.1 O Sub-princípio in dubio, pro operário
No que pertine à regra do in dubio pro operário, também modernamente denominada de in dubio pro misero, esta constitui-se em desdobramento do princípio da proteção atinente a interpretação jurídica, o qual determina que entre várias interpretações que comporta uma norma, deve ser preferida a mais favorável ao trabalhador, ou como melhor definiu Montoya Melgar, "uma regra de hermenêutica jurídica-laboral."
Na mesma esteira de pensamento manifesta-se Ana Virginia Moreira Gomes:
A regra in dubio pro operario constitui um critério de interpretação jurídica, conforme o qual, diante de mais de um sentido possível e razoável para a norma, o aplicador do Direito deve escolher o que seja condizente com o abrandamento da desigualdade material que caracteriza a relação de emprego. [16]
Antonio Vasquez afirma que em todos os ramos do Direito existe um critério para vencer a escolha da dúvida que oferece a interpretação de uma norma, assim como também a aplicação da norma a outro caso, sendo que esta norma não é clara ao integrar um ordenamento jurídico. Tal concepção exemplifica-se em relação ao direito comum, com a regra pro debitore que normalmente é a parte mais débil da relação. No Direito Penal aplica-se o critério in dubio pro reo, bem como no direito financeiro vige o critério in dubio contra fiscum.
Ademais, em que pese à peculiaridade do Direito do Trabalho, deve se ter bem presente que em todos os ramos do direito a proteção é sempre em benefício da parte mais fraca da relação, ou seja, na relação trabalhista o trabalhador é protegido em face do empregador, na relação do direito comum o devedor em relação ao credor do direito comum, e assim sucessivamente.
4.1.2 Condições e diretrizes na aplicação da regra in dubio pro operario
Deveali apresenta como condições de aplicação da regra in dubio pro operario a existência de dúvida acerca do alcance da norma legal, e também, não ocorrer desacordo com a vontade do legislador.
O critério in dubio pro operario não é para corrigir a norma ou integrá-la, mas determinar o verdadeiro sentido dentro dos vários possíveis, ou seja, é imperativa a existência de uma norma.
Esta concepção também é defendida pela doutrina, através do eminentemente doutrinador Mario De La Cueva, na seguinte passagem:
Fala-se do princípio em caso de dúvida deve resolver-se a controvérsia em favor do trabalhador, posto que o Direito do Trabalho é eminentemente protecionista; o princípio é exato, mas sempre que exista verdadeira dúvida acerca do valor de uma cláusula de contrato individual ou coletivo ou da lei, mas não deve ser aplicado pelas autoridades judiciais para criar novas instituições. [17]
Em relação às diretrizes de aplicação da regra é possível localizar as seguintes, vejamos. A primeira é de que a regra in dubio pro operario aplica-se tanto para estender benefício como para diminuir prejuízo. A segunda diretriz determina a moderação na aplicação da regra, para que os tribunais não caiam no subjetivismo perigoso. A terceira diretriz determina a variação do brocardo em face da fonte de que provenha a norma interpretada, sendo arrematada pelo conceito de Vasquez que recomenda especial atenção as partes em relação a sua categoria e a situação especial em concreto.
Esta última regra pode levar à conclusão no caso concreto de que um jogador de futebol "estrela" não mereceria a regra in dubio pro operari, mas, em realidade, a grande maioria não possui este quilate, estando, muitas vezes, a serviço de clubes sem capacidade para remunerá-los, sendo que com certa freqüência, têm o pagamento dos seus salários atrasados, conforme temos notícia da realidade brasileira.
4.2 O Sub-princípio da aplicação da norma mais favorável
Segundo o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, havendo duas ou mais normas, estatais ou não estatais, sobre a mesma matéria, deverá ser aplicada, no caso concreto, a mais benéfica para o trabalhador.
Percebe-se, assim, que o Direito do Trabalho não adota o sistema clássico da hierarquia das normas, aplicável ao direito comum, mas sim um modelo de hierarquia dinâmica das normas, consistente na aplicação prioritária de uma “norma fundamental”, que sempre será a mais favorável ao trabalhador, salvo disposições estatais proibitivas ou de ordem pública.
Como corolário desse princípio, a Constituição permite, salvo as disposições expressas em seu texto, que normas e condições de trabalho mais vantajosas para os trabalhadores, conferindo direitos acima dos constitucionalmente previstos, venham a ser criadas pelas normas inferiores do escalonamento jurídico. Em regra, as condições mais benéficas ao trabalhador serão sempre preservadas, ainda que norma jurídica posterior estabeleça condições menos favoráveis.
Se a lei ordinária garante férias de trinta dias e a convenção coletiva assegura férias de sessenta dias, esta última será a “norma fundamental” a ser aplicada à categoria profissional a que se refira a convenção. Se, de acordo com os usos e costumes, o aviso prévio é de sessenta dias e a lei fixar a duração do aviso em trinta dias, prevalecem os usos e costumes, de caráter mais vantajoso. Se a Constituição dispõe que o descanso semanal remunerado será preferivelmente aos domingos e o regulamento da empresa dispuser que o repouso será aos sábados e domingos, esta última norma será a “fundamental” para os trabalhadores daquela empresa. Se o contrato individual de trabalho garantir a remuneração das horas extras com adicional de 100% sobre a hora normal e a Constituição assegurar acréscimos de apenas 50%, o contrato individual será a norma aplicável.
Outra função do princípio da norma mais favorável ao trabalhador é quanto à interpretação das normas jurídicas. Assim, em face de obscuridade quanto ao significado de um dispositivo, há que se optar pela interpretação que assegure a prevalência do sentido mais favorável ao trabalhador, identificando-se com a predominante natureza social do Direito do Trabalho.
Tal princípio admite exceções, posto não ser absoluto. A primeira diz respeito às leis governamentais proibitivas, uma vez que o Estado, mediante lei, pode vedar que por meio de outras normas jurídicas seja dispensado um tratamento mais benéfico para o trabalhador. Nesse caso, uma cláusula de convenção ou acordo coletivo que favoreça o trabalhador, em desrespeito à lei, será inaplicável.
A segunda diz respeito às chamadas leis de ordem pública, as quais, ainda que não expressamente proibitivas, não podem ser contrariadas, em razão de sua função de garantia maior da sociedade.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE HORAS EXTRAS - PERCENTUAL 100%. FERIADOS TRABALHADOS. COMPENSAÇÃO. Acórdão proferido em recurso ordinário a traduzir, quanto ao adicional de horas extras, a aplicação do princípio da norma mais favorável, derivação do mega princípio da proteção que informa o Direito do Trabalho. Ademais, o exame das razões esgrimidas na revista exigiria revisita ao conjunto fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula 126/TST. Revista desfundamentada, quanto à compensação requerida, à luz do art. 896 da CLT, a inviabilizar por qualquer ângulo o seu trânsito.
Agravo de instrumento conhecido e não-provido.” [18]
O Direito Trabalhista é, consoante exposto, o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhores condições trabalhistas e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas. Sendo um ramo autônomo do Direito, apresenta desenvolvimento didático próprio, autonomia legislativa, doutrinária e jurisdicional.
O mestre Amauri Mascaro define Direito do Trabalho:
“[...] como o ramo da ciência do direito que tem por objeto as normas, as instituições jurídicas e os princípios que disciplinam as relações de trabalho subordinado, determinam os seus sujeitos e as organizações destinadas à proteção desse trabalho em sua estrutura e atividade.” [19]
A partir destas colocações, percebe-se que não é função do direito do trabalho proteger o empregado, e, sim, regular as relações entre empregado e empregador.
Os princípios do Direito do Trabalho revelam não apenas o conteúdo básico da estrutura interna do ordenamento jurídico laboral, mas também os valores sociais que o informam. Assim, o princípio da proteção absorve em si um conteúdo tão contraditório quanto é o próprio sistema capitalista, meio no qual está inserido o Direito do Trabalho.
Ainda seguindo o pensamento de Mascaro Nascimento, no sentido de observar que no direito do trabalho existe um princípio maior, que é o da proteção jurídica do trabalhador, compensadora da inferioridade em que se encontra no contrato de trabalho, pela sua posição econômica de dependência ao empregador e de subordinação às suas ordens de serviço. De maneira que, nesta perspectiva, o direito do trabalho é um direito conferido ao trabalhador como meio de dar equilíbrio entre os sujeitos do contrato de trabalho, diante da natural desigualdade que os separa e favorece uma das partes do vínculo jurídico, a patronal.
O princípio ora discutido, portanto, foi construído para servir como fundamento para a criação de leis e, por conseqüência, como diretriz para a interpretação do direito, seja em sua acepção judicial, autêntica ou doutrinária. Não podendo o juiz valer-se deste para agir de forma discricionária, sobretudo devido à existência de uma grande quantidade de normas que tutelam o empregado.
Dessarte, a proteção do trabalhador deve coexistir com a segurança jurídica e demais princípios, porquanto, como demonstrado, um princípio não pode ser interpretado de forma apartada do resto do ordenamento, devendo o Princípio da Proteção ser aplicado com bom senso e tecnicismo, dissociado de abusos desmedidos a favor do hipossuficiente obreiro e tentativas de enquadramento como substitutivo do legislador, sob pena de ofensa direta aos ideais de justiça, igualdade material e juridicidade.
REFERÊNCIAS
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REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1975.
RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000.
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SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
SUSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio e VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. 14 ed. São Paulo: LTr, 1993.
[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTR, 2003. p. 54.
[2] MARTINS, Sergio Pinto. Curso de direito do trabalho. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 17.
[3] MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho. Parte geral, 4ª ed. São Paulo: LTR, 1991. p. 59.
[4] SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 83.
[5] De acordo com o pensamento de Evaristo de Moraes Filho e Antonio Carlos Flores de Moraes. In: Introdução ao direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTR, 1995. p. 59.
[6] Nascimento, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 33° ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 60.
[7] DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho, 2001, p.16.
[8] Celso Antônio Bandeira de Mello apud SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho,1999, p.12.
[9] REALE, Miguel. Filosofia do Direito, 1975, p.57.
[10] De acordo com o pensamento de Amauri Mascaro Nascimento. In: Iniciação ao Direito do Trabalho. 33° ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 59.
[11] SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio e VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 1993. v. I, p. 128.
[12] SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho, 1999, p.30
[13] RR - 228400-24.1999.5.19.0001 , Relator Juiz Convocado: Luiz Carlos Gomes Godoi, Data de Julgamento: 27/10/2004, 2ª Turma, Data de Publicação: 26/11/2004
[14] HUECK E NIPPERDEY apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, 2000, p.88.
[15] SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho, 1999, p.26.
[16] GOMES, Ana Virginia Moreira. A aplicação do princípio protetor no Direito do Trabalho. 2001, p.46.
[17] DE LA CUEVA, Mario apud RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, 2000, p.112.
[18] AIRR - 27700-76.2002.5.03.0064 , Relatora Ministra: Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Data de Julgamento: 21/05/2008, 3ª Turma, Data de Publicação: 13/06/2008.
[19] Nascimento, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 33° ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 58.
Graduado e Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Advogado. Autor de obras jurídicas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Raphael Rodrigues Valença de. O princípio da proteção no Direito Trabalhista brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50289/o-principio-da-protecao-no-direito-trabalhista-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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