RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar as diversas classificações existentes sobre a aplicabilidade das normas constitucionais, principalmente a de José Afonso da Silva.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. 3 JOSÉ AFONSO DA SILVA. 4. MARIA HELENA DINIZ 5. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO. 6. CELSO RIBEIRO BASTOS E CARLOS AYRES BRITTO. 7. UADI LAMMÊGO BULOS .8. CONCLUSÃO.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo expor os critérios da aplicabilidade das normas constitucionais.
Começa-se com a classificação consagrada de José Afonso da Silva, o qual divide as normas em de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada. A seguir tratamos das classificações dadas por Maria Helena Diniz; Manoel Gonçalves Ferreira Filho; Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto e Uadi Lammêgo Bulos.
O trabalho procura diferenciar, de forma sucinta, as classificações mais utilizadas pela doutrina em relação a aplicabilidade das normas constitucionais.
2. APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
A análise da aplicabilidade das normas constitucionais tem relação direta com a omissão legislativa, qual seja, o campo de incidência da omissão legislativa inconstitucional.
Observa-se que a Carta Magna de 1988 exige da função legislativa imprescindível atuação, regulamentando inclusive direitos e garantias fundamentais, como exemplo, o direito a greve do servidor público.
Essa classificação surgiu com as constituições sociais pois, em regra, as normas fundamentais de primeira geração são autoaplicáveis, não sofrendo restrição infraconstitucional. Entretanto, os direitos sociais, em regra, não são autoaplicáveis, o que vem sendo discutido com o surgimento deste tipo de Constituição Dirigente.
Em regra, todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, algumas jurídicas e sociais, e outras são apenas jurídicas. A eficácia social é efetivamente aplicada nos casos concretos, já a eficácia jurídica significa que a norma não está apta a produzir efeitos no que concerne as relações concretas, mas já produz efeitos jurídicos a partir da sua edição, revogando normas anteriores com ela incompatíveis.
Passamos à análise das classificações mais adotadas das normas constitucionais, por diversos doutrinadores atuais, para melhor verificar a questão.
3. JOSE AFONSO DA SILVA
Trata-se da mais tradicional classificação das normas constitucionais, retirada de sua monografia cujo título é a “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”. Ali, o nobre doutrinador dividiu as normas em de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada.
As normas constitucionais de eficácia plena são as que, para a produção de todos os seus efeitos, não dependem de integração infraconstitucional e nem admitem regulamentação que reduza seu conteúdo normativo.
Segundo José Afonso da Silva, são normas que desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou tem possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular. Encontram-se, predominantemente, entre as regras organizativas e limitativas dos poderes estatais.
Em regra, essas normas criam ou estabelecem competências aos entes da Federação. Essa normas também são chamadas de autoaplicáveis, em que se pode destacar que: são as que podem ter a sua incidência imediata, independentemente de uma outra lei que a regulamente, não necessitam de lei para sua aplicação e são desde logo exigíveis.
Desta forma, se todas as normas constitucionais fossem dotadas de eficácia plena não haveria espaço para o controle da omissão legislativa e o mandado de injunção seria desnecessário, pois não se teria o que a discutir acerca de omissão legislativa inconstitucional.
Normas constitucionais de eficácia contida são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados.
Elas são normas de aplicabilidade direta e imediata. Em regra, elas solicitam a intervenção do legislador, mas visando restringir a plenitude e sua eficácia, para que sejam regulamentados direitos subjetivos que delas decorram para os cidadãos, indivíduos ou grupos. Enquanto isso não ocorrer, sua eficácia será plena.
Por exemplo, o Art. 5º, XIII, que garante, de imediato, o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, em que uma lei pode restringir seu alcance, tendo em vista a segunda parte deste inciso, o qual prevê: “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, que é o caso, por exemplo, da exigência de aprovação no exame da OAB para exercício da advocacia.
Não há omissão inconstitucional, visto que sua regulamentação é facultativa. Tais normas não necessitam ser regulamentadas, no entanto, elas podem ser regulamentadas.
Normas constitucionais de eficácia limitada são as que, no momento da promulgação da Constituição, não estão aptas a produzirem todos os seus efeitos, pois dependem da integração por regulamentação infraconstitucional. São chamadas de eficácia limitada, pois, para que haja sua executoriedade plena é preciso legislação integrativa. São de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
No entanto, embora as normas ditas de eficácia limitada não produzam todos seus efeitos de imediato, entretanto, isso não quer dizer que não produzam efeito nenhum. Percebe-se que tais normas têm, ao menos, eficácia jurídica imediata, direta e vinculante, porque estabelecem um dever para o legislador ordinário; condiciona a legislação posterior de ser inconstitucional, caso não seja respeitada a norma estabelecida na Carta Magna; constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; se tornam condicionantes para a atividade discricionária da Administração e do Judiciário e criam situações jurídicas subjetivas de vantagem ou desvantagem.
É possível dividi-las em dois grandes grupos: normas de princípio institutivo ou organizativo, e normas de princípio programático.
Normas de princípio institutivo (ou organizativo), que, segundo José Afonso da Silva, são aquelas através das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei.
Essas normas ainda podem ser divididas em impositivas e facultativas. As primeiras determinam ao legislador uma ordem de emitir uma legislação integrativa, como o Art. 32, § 4º da CF/88, que, segundo ela, “Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar” e o Art. 88 da CF/88, que diz “A lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública”.
Já as segundas não impõem uma obrigação, limitando-se a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instituir ou regular a situação nelas delineada, como o Art. 25, §3º da CF/88, cuja redação dispõe que “Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões” e como o Art. 22, parágrafo único em que “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.
Normas de princípio programático são aquelas que o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a lhes traçar os princípios e diretrizes, para serem cumpridos pelos órgãos integrantes dos poderes constituídos, visando a realização dos fins sociais do Estado.
Em geral, veiculam programas a serem implementados pelo Estado, com o objetivo de realizar atividades de fins sociais, como a Art. 196, que assegura o direito à saúde, o Art. 205 sobre a educação e o Art. 218, acerca da ciência e tecnologia, dentre outros.
Assim, observa-se que a incidência da omissão legislativa é restrita às normas constitucionais que, de alguma forma, necessitam, para a produção de seus efeitos, de regulamentação. Em suma, a omissão legislativa inconstitucional ocorre quando não existe a regulamentação total ou parcial de normas constitucionais ditas de eficácia limitada.
O Art. 5º, § 1 º da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe que as normas definidoras de direito e garantias fundamentais tem aplicação imediata. No entanto, a doutrina divide esses direitos, em que os direitos e garantias individuais, de primeira geração, são de aplicabilidade imediata. Já os direitos sociais, culturais e econômicos podem não ser, dependendo providências posteriores que completem a eficácia e possibilidade de aplicação.
Segundo ainda o doutrinador objeto deste item, essa aplicabilidade exposta no Art. 5º § 1º, significa que as normas são aplicáveis até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento e também significa que o Poder Judiciário, ao ser provocado em relação a uma situação concreta, não pode deixar de aplica-las, conferindo ao interessado o direito, se for o caso
São as normas de eficácia limitada que podem levar à ocorrência da inconstitucionalidade por omissão, conforme será visto adiante.
4 MARIA HELENA DINIZ
Maria Helena Diniz propõe uma nova espécie de classificação das normas constitucionais, tendo por critério a intangibilidade e a produção dos efeitos concretos.
Normas constitucionais de eficácia absoluta são intangíveis e não podem ser emendadas para restringir sua aplicação. Contêm uma força paralisante total de toda a legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las. Distinguem-se, portanto, das normas constitucionais de eficácia plena, que, apesar de incidirem imediatamente sem necessidade de legislação complementar posterior, são emendáveis.
Cita a doutrinadora, os textos constitucionais que amparam a federação, Art. 1º; o voto direto, secreto, universal e periódico, Art. 14; a separação de poderes, Art. 2º; e os direitos e garantias individuais, Art. 5º, I a LXXVII; isso por serem insuscetíveis de emenda, por força do Art. 60, §4º, que os qualificam como cláusulas pétreas.
Elas possuem eficácia positiva, por terem incidência imediata e serem não emendáveis, por não poderem ser modificadas por processo norma de emenda, e eficácia negativa, por vedarem qualquer lei que as contrarie, tendo força paralisante total e imediata.
Normas de eficácia plena são, desde a entrada em vigor da Constituição, plenamente eficazes para disciplinarem as relações jurídicas ou o processo de sua efetivação, por conterem todos os elementos imprescindíveis para que haja a possibilidade da produção imediata dos efeitos previstos, já que, apesar de poderem ser emendadas, não requerem regulamentação infraconstitucional. Podem ser imediatamente aplicadas. Incidem diretamente sobre o objeto de sua regulamentação jurídica, criando direitos subjetivos, desde logo exequíveis, sabendo-se qual o comportamento a seguir.
Normas de eficácia relativa restringível são as de eficácia contida de José Afonso da Silva, já acima citadas, mas pode-se denominá-las de normas constitucionais de eficácia redutível ou restringível, pois apesar de terem aplicabilidade imediata ou plena, são restringidas nos casos e na forma que a lei estabelecer. Portanto, seu alcance pode ser reduzido pela atividade legislativa.
São preceitos constitucionais que receberam do constituinte normatividade capaz de reger os interesses, mas contêm a prescrição de meios normativos ou de conceitos que restringem a produção de seus efeitos. São normas passíveis de restrição.
Normas com eficácia relativa dependente de complementação legislativa têm aplicação mediata, por dependerem de norma posterior, ou seja, de lei complementar ou ordinária, que lhes desenvolva a eficácia, permitindo o exercício do direito. Sua possibilidade de produzir efeitos é mediata, já que, enquanto não for promulgada aquela lei complementar ou ordinária, não produzirão efeitos positivos, mas terão eficácia paralisante de efeitos de normas precedentes incompatíveis e impeditiva de qualquer conduta contrária ao que estabelecerem, o é chamado de eficácia negativa. Não recebem, portanto, do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação imediata, porque ele deixou ao Legislativo a tarefa de regulamentar a matéria, logo, não poderão produzir os seus efeitos de imediato, porém têm aplicabilidade mediata, já que incidirão totalmente sobre os interesses tutelados, após o regramento infraconstitucional.
5. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO
Segundo o autor as normas podem ser autoexecutáveis ou não autoexecutáveis.
Normas autoexecutáveis são completas e definidas quanto à hipótese e à disposição, bastando por si mesmas e assim podem ser aplicadas de imediato.
Já as normas não-autoexecutáveis são as que não possuem aplicação imediata, dependendo de regra posterior que as complemente. Não possuem aplicabilidade imediata e são de três espécies:
a) normas incompletas – não são suficientemente definidas, como as “que criam institutos processuais, mas não esclarecem qual o procedimento aplicável”;
b) normas condicionadas - embora pareçam suficientemente definidas na hipótese e no dispositivo, foram condicionadas pelo constituinte a uma lei posterior, que precise os seus elementos integrantes;
c) normas programáticas - indicam planos ou programas de atuação governamental. Estas não só reclamam lei ordinária de complementação ou regulamentação, mas também exigem medidas administrativas, para que possam tornar-se efetivas.
6. CELSO RIBEIRO BASTOS E CARLOS AYRES BRITTO
Segundo esses autores, as normas constitucionais podem ser classificadas em normas de aplicação e normas de integração.
Normas de aplicação são aquelas capazes de produzir todos os seus efeitos, dispensando regulamentação (norma de aplicação irregulamentável) ou permitindo a regulamentação, mas sem qualquer restrição do conteúdo constitucional (norma de aplicação regulamentável).
Já as normas de integração são integradas pela legislação infraconstitucional. Dividem-se em normas complementáveis, que exigem uma legislação integrativa para a completa produção de seus efeitos, e normas restringíveis, as quais permitem à legislação ordinária a possibilidade de restrição dos seus efeitos.
7. UADI LAMMÊGO BULOS
Segundo o autor, as normas de eficácia exaurida ou esvaídas são aquelas que já esvaziaram a produção de seus efeitos. São próprias do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em relação àquelas normas que já cumpriram o papel, encargo ou tarefa para o qual foram propostas. Como exemplo se tem o Art. 3º do ADCT, que dispõe sobre a revisão constitucional.
Ao longo deste trabalho, buscou-se explanar, de forma sucinta, a aplicabilidade das normas constitucionais, tratando inicialmente sobre sua eficácia social e jurídica.
Em seguida, tratou-se das principais classificações doutrinárias utilizadas para explicar a eficácia dessas normas, sendo a mais utilizada a de José Afonso da Silva.
Assim, esse trabalho visa oferecer uma rápida análise da classificação da aplicabilidade das normas constitucionais pela doutrina brasileira.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRAGA, Jose Francisco Britto. As principais classificações da aplicabilidade das normas constitucionais pela doutrina brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50365/as-principais-classificacoes-da-aplicabilidade-das-normas-constitucionais-pela-doutrina-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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