Resumo: O presente trabalho abordou o tema da subsistência do instituto exceção de pré-executividade como mecanismo de defesa do executado no processo de execução por título extrajudicial, frente à desnecessidade da prévia garantia do juízo como condição de procedibilidade dos embargos à execução, advinda da Lei nº 11.382/2006 e mantida pelo novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015.
Palavras-Chave: Exceção de pré-executividade. Prévia segurança do juízo. Embargos à execução. Execução por título extrajudicial
Sumário: 1. Introdução. 2. Perspectiva Histórica. 3. Da Designação do Termo “Exceção de Pré-Executividade”. 4. Objeto. 5. A Subsistência da Exceção de Pré-Executividade em Face do Novo CPC. 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O modelo processual de execução por título executivo extrajudicial regulado no novo Código de Processo Civil - NCPC, Lei nº 13.105/2015, rege-se, dentre outros, pelo princípio do resultado, positivado no caput do art. 797 do CPC[1], o qual determina que a execução realiza-se no interesse do credor. Dessa forma, a finalidade precípua do processo de execução, é a satisfação do direito do credor, que, portando um título executivo extrajudicial não adimplido, no qual esteja consubstanciada uma obrigação líquida, certa e exigível (art. 783 do CPC[2]), pode exercer seu direito de ação em face do devedor, pleiteando, no Poder Judiciário, a tutela jurisdicional executiva, voltada para o adimplemento da obrigação.
Para tanto, os atos jurisdicionais a serem praticados no decorrer do processo realizam-se em seu favor e têm por fito o cumprimento da obrigação. Portanto, não se admite que, no âmbito do processo de execução, seja discutido o direito material do credor, por intermédio de defesa interna do executado. Pelo contrário, o objetivo do processo de execução é, a princípio, tão-somente, a satisfação da obrigação inserta no título executivo.
Nesse sentido, leciona Didier. (2017, p. 761):
Por incompatibilidade de convivência funcional entre os atos cognitivos e executivos, a legislação processual concebeu o processo de execução de forma a não comportar defesa interna, sendo certo, portanto, que os embargos à execução, embora ostentem conteúdo de defesa, constituem verdadeira ação de conhecimento, incidente à execução.
O executado, por sua vez, tem contra si a presunção, conferida por lei, de existência de uma obrigação na qual figura como sujeito passivo, representada em determinado documento – o título executivo extrajudicial –, apto para, por intermédio do processo judicial e preenchidos os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, lhe impor o dever de adimpli-la.
Caso pretenda discutir o direito material do credor após o ajuizamento da ação executiva, ou mesmo arguir vícios formais quanto àquela, o executado deve, em regra, ajuizar contra o exequente ação autônoma, incidental ao processo de execução: os embargos à execução.
Entretanto, porquanto no regime anterior à vigência da Lei nº 11.382/2006, cujas principais alterações foram mantidas com o advento do novo Código de Processo Civil, o ajuizamento dos embargos dependia da prévia segurança do juízo, ou seja, da realização de ato de constrição judicial no patrimônio no executado para que este pudesse opor os embargos, doutrina e jurisprudência passaram a admitir que matérias de ordem pública e, posteriormente, matérias que pudessem ser comprovados por provas pré-constituídas, fossem veiculadas por simples petição, no âmbito do processo de execução, para que fossem submetidas à competente apreciação do juiz, petição esta que ficou amplamente conhecida como exceção de pré-executividade.
Por outro lado, pela reforma introduzida no processo de execução por intermédio da Lei nº 11.382/2006 e mantida no NCPC, deixou-se de exigir a prévia segurança do juízo como requisito de procedibilidade dos embargos à execução, e, com isto, surgiu o dissenso doutrinário acerca da subsistência do instituto da exceção de pré-executividade, uma vez que um dos “pilares” que justificavam, no regime anterior, a sua existência, tratava-se justamente daquela condição, pela qual o executado devia submeter-se à constrição judicial em seu patrimônio para, só então, impugnar o título executivo, a obrigação nele representada ou aspectos formais do processo de execução, voltando-se este artigo para defender a manutenção da exceção de pré-executividade como mecanismo de defesa do executado no processo de execução por título executivo extrajudicial.
A doutrina credita, predominantemente, a Pontes de Miranda a introdução do instituto da exceção de pré-executividade no direito brasileiro. Leciona-se que o referido doutrinador, em parecer de sua lavra, defendeu, no caso da Mannesmann, a possibilidade de serem alegadas incidentalmente, no âmbito do processo de execução e através de simples petição, matérias de ordem pública, passíveis de serem conhecidas de ofício pelo juiz.
No referido caso, diversas execuções foram ajuizadas com base em títulos executivos falsos e, à época, no ano de 1966, a legislação determinava que a defesa do executado deveria se dar por intermédio dos embargos à execução, os quais, por sua vez, necessitavam da prévia garantia do juízo como pressuposto para sua oposição.
Ante tal cenário, não se mostrava razoável que o executado sofresse, previamente, constrição patrimonial para levar ao conhecimento do juízo matérias que por este deveriam ser conhecidas independente de provocação das partes.
Por outro lado, leciona Barroso (2007) que as origens do instituto remontam o Decreto Imperial n. 9.885, de 1888, o qual permitia que o executado se opusesse à execução sem a necessidade de segurar previamente o juízo.
Na mesma linha, o Decreto n. 848/1890, que dispôs sobre a organização da Justiça Federal, previu a possibilidade de o executado se defender antes de realizada a penhora, caso exibisse documento autêntico de pagamento da dívida ou anulação da mesma.
Registre-se, por fim, que o Decreto n.225/1932, do Estado do Rio Grande do Sul, também previu a possibilidade de o devedor, antes da penhora, opor o instituto que denominou exceção de impropriedade do meio executivo.
São estas as origens apontadas pela doutrina pesquisada acerca da criação do instituto da exceção de pré-executividade no Direito pátrio.
3. DA DESIGNAÇÃO DO TERMO “EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE”
Conforme exposto, ante a necessidade da prévia segurança do juízo para a oposição dos embargos à execução, passou-se a admitir na doutrina e jurisprudência pátrias que matérias de ordem pública, passíveis de conhecimento ex officio e, posteriormente, qualquer matéria defensiva cuja comprovação pudesse se dar por prova pré-constituída fossem passíveis de cognição por intermédio de simples petição nos próprios autos do processo de execução. Tal modalidade de defesa ficou amplamente conhecida pela denominação de exceção de pré-executividade.
Inobstante, há na doutrina grande dissenso quanto à denominação mais adequada ao instituto, havendo quem a denomine, também, de exceção de não-executividade, objeção de pré-executividade ou objeção de não-executividade.
Consoante lição de Didier (2008), a expressão exceção possui três acepções distintas em Direito: a) em sentido pré-processual, significa o direito constitucional abstrato à defesa; b) em sentido processual, possui acepção ampla – direito de defesa concretamente exercido, ou seja, o meio pelo qual o litigante se defende em determinado processo judicial – e restrita – qualquer alegação de defesa que não possa ser conhecida de ofício pelo juiz; c) em sentido material, significa a situação jurídica, em favor do demandado, reconhecida pela lei material como apta a afastar ou retardar a eficácia pretensão contra ele formulada pelo demandante (ex: prescrição).
Por outro lado, a expressão objeção possui duas acepções: a) em sentido material é o instituto pelo qual o réu alega fato que nega a existência da pretensão do autor (ex: pagamento); em sentido processual é o instituto pelo qual o réu alega matérias passíveis de conhecimento de ofício pelo magistrado (ex: condições da ação).
Expostas as acepções dos termos exceção e objeção, passa-se à análise da nomenclatura do instituto de defesa ora analisado.
Porquanto as matérias passíveis de serem veiculadas por intermédio da exceção da pré-executividade tratam-se de matérias passíveis de cognição ex officio pelo juízo, melhor seria denominar o instituto de objeção – em contraposição ao instituto da exceção em sentido estrito, denominação das matérias defensivas que dependem de alegação da parte-, pois tal denominação é dada às matérias de defesa que possuem tal característica: não dependem de alegação da parte para serem conhecidas pelo magistrado.
Nesse sentido, leciona Dinamarco (2009, p. 852):
Chama-se de objeção de pré-executividade a defesa apresentada pelo executado no processo de execução, sem o formalismo dos embargos ou da impugnação, na maioria dos casos referente a matéria que poderia ter sido objeto de pronunciamento pelo juiz, de-ofício. É uma objeção, não uma exceção em sentido estrito, justamente porque esta depende sempre de alegação pela parte, e a objeção não: chamam-se objeções as defesas que o juiz pode e deve conhecer de-ofício, embora as partes tenham a faculdade de formulá-las.
Todavia, considerando-se a evolução doutrinária e jurisprudencial no sentido de admitir, no âmbito da exceção de pré-executividade, a cognição de exceções em sentido estrito – matérias de defesa não que podem ser conhecidas de ofício, devendo ser alegadas pelo réu –, desde que comprovadas por prova pré-constituídas, a opção terminológica pelo termo objeção não compreenderia todas as matérias veiculáveis através do instituto ora analisado.
Dessa forma, considerando que o termo exceção, em seu sentido amplo, pode ser compreendido como defesa, não se vislumbra problema algum em denominar a defesa atípica do executado no âmbito do processo de execução de exceção, desde que assimilado como defesa, genericamente.
Didier (2013, p. 404) perfilha de tal posicionamento, ao lecionar: “Partindo da premissa que o termo ‘exceção’ é, também, sinônimo de defesa, qualquer uma, convém mantê-lo. A opção por objeção reduziria indevidamente a abrangência do instituto”.
Superado tal ponto, analisar-se-á o termo pré-executividade.
Insurge-se parte da doutrina contra o termo pré-executividade em virtude da utilização do prefixo pré, por denotar anterioridade ou precedência à executividade do processo ou do título. Ou seja, por intermédio da exceção de pré-executividade, sob essa denominação, estaria o executado defendendo-se de um processo ou de um título pré-executivo, locução que não convive harmoniosamente com a noção de título ou de processo executivos. Assim, considerando-se que o instituto da exceção de pré-executividade visa atacar a executividade do título ou do processo de execução, defende tal doutrina que a melhor terminologia seria não executividade.
Na mesma linha, Bueno (2012) leciona que em virtude de a execução já ter sido ajuizada, o que efetivamente se pretende questionar seriam os efeitos da executividade.
Portanto, considerando-se que o termo exceção, no seu sentido amplo, é entendido como qualquer defesa do réu, e, bem ainda, as críticas apontadas à locução pré-executividade, perfilha-se da doutrina que defende que a melhor denominação do instituto seria exceção de não-executividade, por se tratar de uma peça defensiva cujo escopo é questionar a executividade tanto do processo quanto do título executivo que o instrui.
Inobstante, porquanto a denominação exceção de pré-executividade já tenha se consagrado no âmbito da doutrina e da jurisprudência pátrias, tal será a denominação utilizada no presente artigo.
O processo de execução visa a satisfação da obrigação exequenda. Nesse panorama, as regras referentes ao processo de execução por título extrajudicial foram concebidas de modo a não permitir que o executado se defendesse nos próprios autos da execução, devendo ajuizar a ação de embargos à execução para exercer seu direito de defesa.
Dessa forma, inicialmente em virtude de os embargos à execução no regime originário do Código de Processo Civil de 1973 possuírem a segurança do juízo como seu pressuposto de procedibilidade, passou-se a admitir que o executado alegasse, nos próprios autos da execução, matérias de ordem pública, passíveis de conhecimento de ofício pelo juiz.
Com efeito, matérias de ordem pública – tais quais as concernentes às condições da ação e aos pressupostos processuais – são passíveis de conhecimento pelo magistrado sem a necessidade de provocação da parte que as aproveite. Por tal razão, sendo dever do Estado-juiz conhecer de tais matérias, mostrava-se um contrassenso que o executado devesse submeter seu patrimônio à constrição judicial para, só então, poder veicular, através dos embargos, matéria defensiva que já deveria ter sido observada independentemente de provocação.
Nesse sentido, leciona Câmara (2010, p. 415):
Era fácil entender as razões que levavam à admissibilidade deste meio defensivo diverso dos embargos e da impugnação antes da Lei nº 11.382/2006. É que estes exigiam, nos casos de execução por quantia certa e para a entrega de coisa, a prévia segurança do juízo, como requisito essencial para que pudesse ser proferido o provimento postulado pelo executado que se defende. Ocorre que tal garantia do juízo se dava através da realização de um ato executivo (bastando, para demonstrar a veracidade desta assertiva, recordar aqui a penhora). Os atos executivos, todavia, só podem ser praticados quando estão presentes os requisitos de admissibilidade da execução forçada. Soava, no mínimo, como um contrassenso exigir que o demandado se submeta a um ato executivo para poder afirmar que aquele ato não poderia ser praticado.
Assim, mostra-se inegável que matérias cuja cognição deva se dar de ofício pelo magistrado, são passíveis de serem alegadas pelo executado no próprio processo de execução, sem a necessidade dos rigorismos advindos do manejo da ação de embargos à execução.
Adotando tal entendimento, o novo Código de Processo Civil, previu expressamente, no parágrafo único do art. 803[3], que o juiz pode pronunciar a nulidade da execução, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução, quando o título executivo extrajudicial não corresponder a uma obrigação certa, líquida e exigível, o executado não tiver sido citado, ou, ainda, quando a execução for instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrer o termo, todas estas matérias de ordem pública, por se referirem à admissibilidade ou validade do processo executivo.
Por outro lado, com a evolução doutrinária acerca do instituto, passou a jurisprudência a admitir que matérias que não fossem de ordem pública, ou seja, que interessassem exclusivamente ao executado e que por isso só poderiam ser conhecidas caso este as alegasse em juízo, pudessem ser veiculadas através da exceção de pré-executividade, desde que comprovadas por prova pré-constituída e desde que não sujeitas a dilação probatória, incabível no âmbito do processo de execução.
Confira-se, a propósito, a elucidativa ementa proferida pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, in litteris:
PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A discussão sobre provável inclusão do nome do sócio-gerente porque consta da CDA, não é possível na via especial, tendo em vista que a matéria não foi objeto de análise na origem, portanto, óbice instituído pela Súmula 7/STJ. É impossível alterar as premissas fáticas consignadas no aresto atacado, sob pena de revolverem-se fatos e provas dos autos. 2. Adotou-se, nesta Corte, como critério definidor das matérias que podem ser alegadas em objeção de pré-executividade o fato de ser desnecessária a dilação probatória, afastando-se, pois, o critério fincado, exclusivamente, na possibilidade de conhecimento de ofício pelo Juiz. Passou-se a admitir essa forma excepcional de defesa para acolher exceções materiais, extintivas ou modificativas do direito do exeqüente, desde que comprovadas de plano e desnecessária a produção de outras provas além daquelas constantes dos autos ou trazidas com a própria exceção. 3. Agravo regimental não provido. STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 1.051.891/SP, Relator: Ministro Castro Meira, Data de Julgamento: 23/09/2008, DJe 23.10.2008 (grifo nosso)
Observa-se, desse modo, que o STJ admite as exceções de pré-executividade nas quais se veiculem exceções em sentido estrito, desde que tais matérias possam ser provadas por provas pré-constituídas e que não haja a necessidade de dilação probatória. Prestigia-se, dessa forma, os princípios da economia processual e do contraditório, pois, sem a necessidade da oposição de embargos à execução, com todos os rigorismos formais a eles inerentes, pode o executado, por simples petição, levar a conhecimento do juízo matérias que lhe são vedadas conhecer de ofício e que maculam o prosseguimento do processo executivo.
À guisa de complementação, a súmula 393 do STJ[4] reconhece, expressamente, no âmbito da execução fiscal, a admissibilidade da exceção de pré-executividade relativamente às matérias conhecíveis de ofício e que não exijam dilação probatória.
No mesmo sentido, confira-se a lição de Didier (2013, p. 403):
A doutrina e a jurisprudência passaram, com o tempo, a aceita-la, quando, mesmo a matéria não sendo de ordem pública nem devendo o juiz dela conhecer de ofício, houvesse prova pré-constituída da alegação feita pelo executado. Na verdade, o que passou a servir de critério para a admissibilidade da exceção de pré-executividade foi a verificação da necessidade ou não de prova pré-constituída.
Portanto, as matérias veiculáveis através do incidente da exceção de pré-executividade são: a) quaisquer matérias de ordem pública, cuja cognição se dá de ofício (objeções), e; b) quaisquer exceções em sentido estrito, desde que comprovadas por prova pré-constituída e desde que não se necessite realizar dilação probatória.
5. A SUBSISTÊNCIA DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE EM FACE DO NOVO CPC
A Lei nº 11.382/2006, quando vigia o Código de Processo Civil de 1973, objetivou, ao dispensar o requisito da prévia segurança do juízo para a oposição dos embargos à execução, extinguir do ordenamento pátrio a exceção de pré-executividade, sob o fundamento de que tal incidente causaria diversos embaraços e demoras no curso do prosseguimento da execução, alterações estas que foram mantidas pelo novo Código de Processo Civil.
Frise-se, ainda, que tal alteração (dispensa de segurança do juízo para oposição dos embargos à execução) teve por escopo aumentar a proteção ao executado que, no regime anterior, para exercer seu direito de defesa, deveria sofrer constrição patrimonial prévia e, bem ainda, extinguir do sistema jurídico o instituto da exceção de pré-executividade, conforme consta expressamente na exposição de motivos da Lei nº 11.382/2006, nos seguintes termos:
Nas execuções por título extrajudicial a defesa do executado – que não mais dependerá de ‘segurança do juízo’ -, far-se-á através de embargos, de regra sem efeito suspensivo (a serem opostos no prazo de quinze dias subsequentes à citação), seguindo-se instrução probatória e sentença; com tal sistema, desaparecerá qualquer motivo para a interposição da assim chamada (mui impropriamente) ‘exceção de pré-executividade’, de criação pretoriana e que tantos embaraços e demoras atualmente causa ao andamento das execuções.
Com efeito, percebe-se que, deliberadamente, pretendeu o legislador, ao introduzir no ordenamento jurídico a regra da dispensa de segurança do juízo como condição de procedibilidade dos embargos à execução, extinguir, nas execuções por título extrajudicial, a possibilidade da interposição da exceção de pré-executividade, alteração mantida pelo novo CPC, conforme se extrai do art. 914[5], que dispõe ser desnecessária penhora, depósito ou caução para o manejo dos embargos à execução.
Ocorre que o novo Código de Processo Civil, conforme exposto na seção antecedente, passou a admitir expressamente, por intermédio do parágrafo único do art. 803, que o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, declare a nulidade do processo de execução nas hipóteses nele elencadas, ou seja, hodiernamente, pode o executado levar a conhecimento do juiz tais vícios mesmo sem o manejo dos embargos, através de simples petição, cuja denominação é exceção de pré-executividade. Nesse sentido, Donizetti (2016, p.1284) leciona:
Ora, se o juiz pode conhecer de tais vícios de ofício, com muito mais razão pode deles conhecer se a parte, por simples petição nos autos, sem as formalidades dos embargos à execução, apresenta-las em juízo. A esse meio simplificado de levar ao conhecimento do juiz materiais cognoscíveis de ofício dá-se o nome de exceção ou objeção de pré-executividade.
Não obstante, cumpre esclarecer que a despeito de tal previsão legal, Daniel Amorim Assumpção Neves (2017) entende que o instituto ainda se trata de meio atípico de defesa do executado, uma vez que o novo CPC não o previu expressamente, embora aquele dispositivo legal possa justificar o manejo da mesma.
Não se olvida que a maior causa para a gênese da exceção de pré-executividade tenha sido a necessidade da prévia garantia do juízo para a oposição dos embargos. Entretanto, embora os embargos à execução não mais dependam da segurança do juízo, ainda assim se tratam de um processo de conhecimento, com todos os rigorismos formais a ele inerentes, razão pela qual a simplicidade do procedimento da exceção de pré-executividade (o qual consiste, basicamente, na intimação do exequente para manifestar-se sobre exceção, em obediência ao contraditório, e posterior decisão do juízo), bem como as matérias nela veiculáveis (matérias de ordem pública e matérias de ordem privada, provadas por prova pré-constituída) são justificativas mais que o suficiente para a manutenção do instituto na prática forense brasileira.
Com efeito, por tal meio de defesa, pode o executado submeter à apreciação judicial, vícios ou circunstâncias facilmente comprováveis que maculam o prosseguimento à execução, em procedimento mais simples que os embargos. Prestigia-se, dessa forma, o princípio da economia processual, tanto no aspecto da menor prática de atos processuais, dado que após a oitiva do executado o juiz já profere decisão, quanto no aspecto de menor sacrifício econômico aos demandantes, que não terão que arcar com as despesas dos embargos - nítido processo de conhecimento.
A corroborar com o exposto, leciona Theodoro (2009, p. 446):
Certo é que atualmente o executado está liberado do ônus da penhora para legitimar-se à propositura da ação de embargos. Não se pode, todavia, esquecer que o manejo dos embargos está sujeito à preclusão temporal e a respectiva propositura correspondente a uma nova ação, com ônus, encargos e riscos que se poder evitar, tornando mais singela a via processual para objetar-se à execução ilegal ou incabível. Basta lembrar que nos embargos, além da tramitação pesada e inevitável de uma ação de conhecimento, haverão as partes de suportar os encargos de eventual sucumbência, inclusive com a imposição de novos honorários advocatícios acumuláveis com os da ação de execução (...) (grifo nosso).
Embora tal citação se refira ao posicionamento do autor em referência ao Código de Processo Civil de 1973, após as mudanças da Lei nº 11.382/2006, tal raciocínio deve ser mantido, uma vez que, pelo novo CPC, os embargos à execução continuam dispensando a segurança do juízo e sendo o meio próprio para o executado insurgir-se contra a execução.
Garante-se, ainda, ao executado, contra o qual há a presunção legal de legitimidade do título executivo, a efetivação do contraditório, uma vez que pode levar ao conhecimento do juiz as questões de menor complexidade probatória que maculam a execução, e da ampla defesa, visto que seu direito de defesa não estará restrito aos embargos, que, caso não opostos tempestivamente, se mostrarão preclusos (preclusão temporal).
Nesse sentido, Neves (2017, p. 1380) leciona que:
“Ainda que a interposição das defesas executivas típicas não esteja condicionada à garantia do juízo, é absolutamente equivocado imaginar que não caiba mais exceção de pré-executividade porque, tendo como objeto matérias conhecíveis de ofício, não há exigência formal para sua alegação, bem como não se opera preclusão relativamente a elas. O executado continuará a poder ingressar com uma mera petição, antes, durante ou depois da defesa típica, alegando matéria conhecível de ofício e ainda não enfrentada por meio da exceção por meio da exceção de pré-executividade” (grifos nosso).
Neste ponto, vale destacar que o título executivo extrajudicial, em consonância com o princípio do nulla executio sine titulo, é documento formado por ato de vontade das partes, ao qual a lei atribui força executiva. Assim, diferentemente do que ocorre no cumprimento de sentença, na execução por título extrajudicial o documento que a embasa não foi previamente apreciado pelo Poder Judiciário, de forma que sua presunção de legitimidade pode ser elidida. Assim, caso o executado perca o prazo de quinze dias para embargar (art. 915, CPC[6]), não parece razoável que a presunção relativa de legitimidade conferida ao título executivo se converta em absoluta, abstraindo-se do devedor a possibilidade de levar a conhecimento do Estado-juiz eventuais questões de fácil comprovação aptas a desconstituí-lo ou extinguir o processo de execução.
Com efeito, na medida em que as matérias de ordem pública, tais quais os pressupostos processuais e as condições da ações, não se sujeitam à prescrição, não há razão pela qual não possa o executado, após o prazo dos embargos, suscitá-las por intermédio da exceção de pré-executividade, uma vez que são alegáveis a qualquer tempo e conhecíveis de ofício.
E mais, sustenta-se, ainda, neste artigo, com fundamento na jurisprudência do STJ exposta no tópico precedente, que, qualquer que seja a matéria veiculada na exceção de pré-executividade, desde que comprovada por prova pré-constituída, não há que se falar em preclusão temporal para o manejo de tal defesa do executado. De tal sorte, exceções materiais (fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor) podem ser veiculadas mesmo que escoado o prazo para embargar.
Defende-se, portanto, que o transcurso in albis do prazo para embargos não sujeita à preclusão temporal a apreciação de exceções substantivas, desde que comprovadas por prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória. Com efeito, não se mostra razoável que uma circunstância fática que, não alegada no prazo de embargos, mas facilmente comprovada e que possa ensejar a extinção da execução, seja impedida de ser levada à cognição do juízo por aquela circunstância.
Seria o caso, por exemplo, do devedor que possui o comprovante de pagamento do débito, matéria de ordem privada e que retiraria do título executivo a exigibilidade, mas que, por não o alegar através dos embargos, não mais o poderia, dada a preclusão temporal. Repise-se: a mera não apresentação dos embargos não pode transmudar a presunção relativa conferia ao título executivo em absoluta
Ainda, em virtude do princípio da economia processual, defende-se que tais matérias possam ser veiculadas pela exceção de pré-executividade inclusive dentro do prazo dos embargos, pois, sendo de fácil comprovação, não há razões para que o juízo apenas as conheça em processo autônomo, com todos os encargos dele decorrentes.
A corroborar com o exposto, vale registrar que Donizetti (2016, p. 1284) leciona que “além das matérias cognoscíveis de ofício, a instrumentalidade das formas aponta no sentido de que, não havendo necessidade de dilação probatória, admissível é a exceção de pré-executividade”.
Outro ponto merece destaque para legitimar a subsistência da exceção de pré-executividade: a possibilidade da concessão de efeito suspensivo.
Defende-se neste artigo que a exceção de pré-executividade, em casos em que haja relevante fundamento e perigo de dano irreparável e de difícil reparação, demonstrados de plano pelo executado, pode ensejar a suspensão da execução, com fundamento no poder geral de cautela conferido pelo artigo 300 do CPC[7] ao juiz, e aplicável ao processo de execução por força do art. 771, parágrafo único[8].
Pela via dos embargos, o efeito suspensivo só pode ser concedido caso haja a garantia do juízo (art. 919, §1º[9]), e os demais requisitos legais das tutelas de urgência. Sob esse viés, não se afigura razoável que o executado sofra o risco de ter seu patrimônio constrito quando pode, de plano, demonstrar a inviabilidade do processo de execução.
Esse é o entendimento, inclusive, de Neves (2017, p. 1380), que leciona:
Não se pode, entretanto, descartar a utilização dessa defesa atípica na tentativa de o executado evitar a realização da penhora, tentando convencer o juiz de que a execução não reúne as condições formais mínimas para prosseguir seu andamento. Nesse caso, inclusive, o executado fatalmente pedirá a concessão do efeito suspensivo à sua objeção, procurando demonstrar a relevância de sua fundamentação e o fundado perigo de dano que representaria a realização da constrição judicial. (grifo nosso)
Com efeito, em casos tais, mostra-se a utilidade da exceção de pré-executividade para a obtenção do efeito suspensivo, sem a necessidade de garantia do juízo. Deixe-se registrado que não se pretende, neste artigo, aceitar amplamente a utilização da exceção de pré-executividade como mecanismo apto à obtenção do efeito suspensivo em detrimento dos embargos, meio típico para tanto. Pelo contrário: a obtenção do efeito suspensivo pela exceção deve ser extremamente excepcional, em casos flagrantes de impossibilidade de prosseguimento da execução, comprovados documentalmente, de plano, pelo executado, quando da apresentação da exceção.
A segurança do juízo, nos embargos, visa garantir a satisfação do débito exequendo, pois o curso da execução será interrompido até a decisão nos embargos. Dessa forma, em casos que a relevância da fundamentação e o perigo de dano estejam configurados, mas que demandem dilação probatória, apenas pela via dos embargos será possível a obtenção do efeito suspensivo. Repise-se: na exceção de pré-executividade a obtenção do efeito suspensivo deve se dar apenas em casos flagrantes de inviabilidade do feito executivo, comprovados de plano.
6. CONCLUSÃO
Por todo exposto, conclui-se que o advento do novo Código de Processo Civil não retirou do mundo jurídico o instituto da exceção de pré-executividade, como defesa do executado na execução por título extrajudicial, pois ainda que embargos à execução prescindam da segurança do juízo, estes ainda constituem ação autônoma, de procedimento mais complexo, demorado e dispendioso que a exceção de pré-executividade, mero incidente.
Assim, se comprovada de plano a inviabilidade do prosseguimento da execução, ou ainda os requisitos para obtenção de efeito suspensivo, seja por matérias de ordem pública ou por exceções materiais, não parece razoável que o devedor tenha que arguir a matéria de defesa por mecanismo mais complexo, quando o pode fazer pela exceção de pré-executividade, simples petição.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Darlan. Manual de direito processual civil. 1. ed. São Paulo: Manole, 2007. v. II.
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1 Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.
[2] Art. 786. A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo
[3] Art. 803. É nula a execução se:
I - o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;
II - o executado não for regularmente citado;
III - for instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrer o termo.
Parágrafo único. A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução
[4] Súmula 393- STJ. A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.
[5] Art. 914. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.
[6] Os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contado, conforme o caso, na forma do art. 231.
[7] Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
[8] Art. 771. Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições aplicam-se, também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva.
Parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial
[9] Art. 919. Os embargos à execução não terão efeito suspensivo.
Bacharel em direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá - CEAP. Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Pedro Paulo de Melo Reis. A subsistência da exceção de pré-executividade como defesa do executado na ação de execução por título executivo extrajudicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50378/a-subsistencia-da-excecao-de-pre-executividade-como-defesa-do-executado-na-acao-de-execucao-por-titulo-executivo-extrajudicial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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