RESUMO:A novidade jurídica do sistema de precedentes no sistema processual civil brasileiro trouxe bastante repercussão. As decisões judiciais que contrariarem súmulas, jurisprudências ou precedentes indicados pela parte, sem que, de forma justificada e claramente demonstrada, apresente a distinção no caso concreto ou a superação dos citados entendimentos se tornam passíveis de anulação, o que de certa maneira elevam os precedentes a um novo paradigma para futuras decisões, aproximando, assim o Common Law da moderna sistemática processual no Brasil e lhe conferindo maior estabilidade, coerência e integridade à aplicação do Direito. Nesse sentido, a uniformização dos entendimentos jurisprudenciais é imprescindível para que se evitem antagonismos de entendimentos e se procure garantir maior estabilidade jurídica das decisões dos órgãos que compõem a estrutura técnico-administrativa dos tribunais. O conjunto dos fundamentos jurídicos sobre os quais se sustenta uma decisão judicial é o que justificativa e alicerça a correta aplicação do direito, que transcenderá a abstração legislativa e interferirá diretamente na dinâmica social incidente.
Palavras-chave: Precedentes judiciais. Ratio decidendi. Distinção e superação da tese jurídica.
Sumário: Referencial teórico. 1. Noções fundamentais de precedentes. 1.1. Common law e Civil law. 2. Uniformização da jurisprudência e eficácia vinculante. 3. A ratio decidendi e a fundamentação. 4. Distinção (distinguishing) e superação da tese jurídica (overruling). Considerações Finais. Referencial bibliográfico.
Introdução
Tratar acerca da novidade jurídica do sistema de precedentes no sistema processual civil brasileiro é ter como ideia inicial, segundo Fernandes (2016)[1], aquela de que deixa a lei de ser o único paradigma jurídico para o juiz ao proferir atos decisórios no processo.
A reforma do Código de Processo Civil introduziu no inciso VI do §1º do art. 489[2] redação que prevê não serem consideradas as decisões judiciais que contrariarem súmulas, jurisprudências ou precedentes indicados pela parte, sem que, de forma justificada e claramente demonstrada, apresente a distinção no caso concreto ou a superação dos citados entendimentos.
Para abordar o tema, portanto, analisar-se-ão as noções fundamentais de precedentes, confrontando alguns dos principais aspectos dos sistemas do commom law e do civil law, bem como as ideias de uniformização de jurisprudência, de eficácia vinculante e de outros conceitos relacionados ao novel instituto no direito brasileiro.
Referencial teórico (Desenvolvimento)
1. Noções fundamentais de precedentes
Inicialmente, antes de serem apresentados conceitos acerca do que se deve entender por precedentes jurídicos ou judiciais, convém tecer breve distinção entre o sentido destes com o sentido da expressão jurisprudência.
Segundo conceitos apresentados por ACS[3], o termo “jurisprudência” condiz com “o conjunto das decisões, aplicações e interpretações das leis”, podendo ser entendido como: “a decisão isolada de um tribunal que não tem mais recursos”; “um conjunto de decisões reiteradas dos tribunais”; ou, “súmulas de jurisprudência, que são as orientações resultantes de um conjunto de decisões proferidas com mesmo entendimento sobre determinada matéria”.
Por sua vez, ainda segundo tais ensinamentos, “precedente é a decisão judicial tomada em um caso concreto, que pode servir como exemplo para outros julgamentos similares”.
Pondera-se, ainda, se tais decisões isoladas poderiam se revestir de um viés afeito ao que se tem por jurisprudência.
Na língua portuguesa, a palavra precedente pode assumir duplo caráter. Como adjetivo, significa “anterior” ou “o que acontece previamente”. Como substantivo, significa “ação, circunstância ou deliberação utilizada como parâmetro para futuras decisões”.[4]
O sentido jurídico do termo não se afasta muito dos sentidos léxicos mencionados.
Precedentes ou precedentes judiciais são, pois, para o Direito, resoluções em questões judiciais já decididas anteriormente por um dado tribunal em um caso concreto e que novamente há demanda em juízo lide de caráter assemelhado. Ou seja, fala-se em precedente quando se pretende discutir algo cuja causa de pedir já fora previamente decidida em outra ação.[5]
Nesse sentido, colacionam-se os artigos 520 e 521 do NCPC, além do dispositivo do art. 489 referido na introdução deste trabalho, que tratam acerca desse novo caráter assumido no processo civil brasileiro e que criam um sistema voltado para maior estabilidade das decisões. In verbis:
DO PRECEDENTE JUDICIAL
Art. 520 Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável.
Parágrafo único. Na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, os tribunais devem editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante.
Art.521 Para dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições seguintes devem ser observadas:
I – os juízes e os tribunais seguirão a súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
II – os juízes e os tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nesta ordem;
III – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, os juízes e os tribunais seguirão os precedentes:
a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional;
b) da Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nesta ordem, em matéria infraconstitucional;
IV – não havendo precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, os juízes e os órgãos fracionários do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal seguirão os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem;
V – os juízes e os órgãos fracionários do Tribunal de Justiça seguirão, em matéria de direito local, os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem.
§1º Na hipótese de alteração da sua jurisprudência dominante, sumulada ou não, ou de seu precedente, os tribunais podem modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos.
§2º A mudança de entendimento sedimentado, que tenha ou não sido sumulado, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
§3º Nas hipóteses dos incisos II a V do caput deste artigo, a mudança de entendimento sedimentado poderá realizar-se incidentalmente, no processo de julgamento de recurso ou de causa de competência originária do tribunal, observado, sempre, o disposto no §1º deste artigo.
§4º O efeito previsto nos incisos do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado.
§5º Não possuem o efeito previsto nos incisos do caput deste artigo:
I – os fundamentos, ainda que presentes no acórdão, que não forem imprescindíveis para que se alcance o resultado fixado em seu dispositivo;
II – os fundamentos, ainda que relevantes e contidos no acórdão, que não tiverem sido adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador.
§6º O precedente ou a jurisprudência dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo pode não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, mediante argumentação racional e justificativa convincente, tratar-se de caso particularizado por situação fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.
§7o Os tribunais deverão dar publicidade aos seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os preferencialmente por meio da rede mundial de computadores.
Art. 522 Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos:
I – o do incidente de resolução de demandas repetitivas;
II – o dos recursos especial e extraordinário repetitivos.
Mas tais dispositivos não estão sós a tratar do tema. Vejamos os artigos 926 e 927 e que expressamente apontam para o objetivo de coerência e integridade do novo sistema de precedentes judiciais:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade?
II os enunciados de súmula vinculante?
III os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos?
IV os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional?
V a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
O atual sistema de precedentes no Direito Processual Brasileira aproxima o Common Law do Civil Law, os dois grandes sistemas judiciais no direito moderno e se propõe a conferir maior estabilidade, coerência e integridade à aplicação do Direito no Brasil.
1.1. Common law e Civil law
Existem dois sistemas jurídicos consagrados, que estabelecem os principais paradigmas do Direito moderno no mundo ociental: o common law e o civil law.
Apesar da previsão do uso dos costumes na Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro, a regra é a sujeição deste ao sistema Civil Law, conforme melhor será esclarecido adiante.
Ocorre que, primitivamente, superada a fase primal das relações humanas em que a lei do mais forte imperava, os usos e costumes comuns surgem como principal regulador em determinadas sociedades. E, basicamente, é assim que entende pelo demoninado sistema do common law, que foi se sofisticando à medida em que a sociedade também passa a evoluir.
O common law como entendido hodiernamente desenvolveu-se originalmente no sistema inquisitorial da Inglaterra, nos séculos XII e XIII. A base desse sistema é constituída no “conjunto das decisões judiciais que se baseavam na tradição, no costume e no precedente”[6]. Ainda a esse respeito, “assemelham-se às que existiram historicamente em sociedades nas quais o precedente e o costume desempenharam, por vezes, um papel substantivo no processo legal, inclusive o direito germânico e o direito islâmico”[7] .
O civil law, por sua vez, segundo Castro e Gonçalves[8], é caracterizado pelo fato do sistema jurídico aplicável se fundar primordialmente nas leis escritas, objetivamente claras e completas, normatizando regras gerais para hipóteses abstratas que dever-se-ão subsumir aos fatos sociais e assim limitar a interpretação do julgador.
Na civil law, o primado é da lei. Portanto, vê-se que nesse sistema os atos legislativos possuem maior relevância que as decisões dos tribunais e que os raciocínios baseados em casos.
Somente se a lei for omissa, caberia ao Estado-juiz decidir conforme analogias, costumes e princípios gerais de direito, devendo atender na aplicação daquela ao espírito que a instituiu, não sendo possível qualquer que seja a descumprir se alegando o desconhecimento de seu teor.[9]
Observe-se, então, que o atual sistema de precedentes trazidos pelo Novo Código de Processo Civil, de 2015, traz uma nova roupagem ao sistema jurídico brasileiro, possibilitando uma feição judicial mais próxima do sistema do common law.
2. Uniformização da jurisprudência e eficácia vinculante
Tratar de uniformização da jurisprudência, conforme apresenta Guimarães[10] em citação a Wambier, Almeida e Talamini, possui a concepção doutrinária de um expediente que visa evitar conflitos de interpretações de entendimentos e teses jurisprudenciais nos tribunais.
No mesmo sentido ao trazer o pensamento de Arruda Alvim e Araken de Assis de que divergências dentro de um mesmo tribunal, sejam decorrentes de turmas, sejam decorrentes de câmaras, a despeito de circunstâncias históricas equivalentes, representa grande risco à certeza jurídica.
É, pois, a uniformização dos entendimentos jurisprudenciais sistemática imprescindível para que se evitem antagonismos de entendimentos e se procure garantir maior estabilidade jurídica das decisões dos órgãos que compõem a estrutura técnico-administrativa de dado tribunal, melhor delineando, com isso, os meandros e os sentidos de aplicação da lei ao caso concreto.
Importante esclarecer o caráter preventivo citado por Guimarães. Não é expediente recursal e não se presta a uso para reformar decisões jurisdicionais, a teor de decisão no AG 961322/STJ. Nesse íterim[11]:
O incidente de uniformização de jurisprudência é um instituto estabelecido pelo CPC e tem o objetivo de prevenir a adoção ou a continuação de uma tese jurídica diversa da acolhida por outro órgão julgador do próprio tribunal. No entanto, a uniformização de jurisprudência não é recurso. De acordo com o CPC, esse instituto deve ser arguido antes de concluído o julgamento.
Ao julgar o incidente de uniformização de jurisprudência, o relator, desembargador convocado Honildo de Mello Castro não deu razão às alegações da Interbank. Segundo ele, o STJ tem concluído que "o incidente de uniformização de jurisprudência é de iniciativa dos órgãos do tribunal e não da parte". Além disso, o relator destacou precedentes do tribunal no sentido de que o CPC não vincula o colegiado perante o qual foi levantado o incidente de uniformização.
Ao negar o pedido da Interbank, Honildo de Mello Castro também considerou que o julgamento tinha pendente apenas um voto-vista, "portanto e, em tese, já consumado o seu resultado, ausentes, assim, a natureza de caráter preventivo do incidente, a conveniência e a oportunidade quanto à sua interposição". Ele corroborou o entendimento de que o incidente de uniformização de jurisprudência é de iniciativa dos órgãos do tribunal, não da parte. A 4ª turma acompanhou o voto do relator.
Por fim, vê-se que o instituto de uniformização da jurisprudência tem por finalidade o de zelar por uma jurisprudência homogênea com vistas e combater que decisões divergentes sejam emanadas para situações fáticas semelhantes e dentro de um mesmo contexto.
Nesse esteio, há falar em vinculação, força vinculante ou eficácia vinculante das decisões nos tribunais que, por força dos precedentes implica em um fenômeno que supera a simples ideia da persuasão jurisprudencial e da orientação jurisprudencial consolidada.
A eficácia vinculante a que se refere é aquela em que aproxima o sistema do civil law ao sistema do common law e vai além daquele efeito erga omnes decorrente do controle concentrado de constitucionalidade. Além daquele efeito vinculante das decisões liminares, pronunciamentos de acolhimento ou improcedência de pedido de ADI, ADC, ADPF e na súmula vinculante.
Tal eficácia vinculante por força constitucional permanece inalterada e ao se falar em eficácia vinculante decorrente da reforma do Código de Processo Civil Brasileiro de 2015, se está a falar na disciplina necessária à manutenção da estabilidade, integridade e coerência decorrente da uniformização de jurisprudência, ampliando as hipóteses em que é atribuída, o que abrange decisões na seara dos procedimentos de recursos especiais, de recursos extraordinários repetitivos, de incidentes de resolução de demandas repetitivas e assunções de competências. (TALAMINI, 2016)[12]
3. A ratio decidendi, a fundamentação, a distinção (distinguishing) e a superação da tese jurídica (overruling)
Trata-se por ratio decidendi o conjunto dos fundamentos jurídicos sobre os quais se sustentam uma decisão judicial. Assim ensina Didier[13]. Defende que é a fundamentação que dá à sentença a perspectiva de norma jurídica individualizada legitimada em razão do princípio da motivação.
Desta feita, vislumbra-se a ideia de que é pela fundamentação pautada nas questões incidentais que o juízo de cognição poderá ser exercido. Ou seja, algumas questões debatidas no processo nunca estarão aptas a fazer coisa julgada e assim ficarem sujeitas à imutabilidade inerente às decisões que pela própria natureza compõem o verdadeiro objeto do juízo. Estas são questões que devem ser decididas. Aquelas, somente conhecidas.
Ou seja, a criação de norma preceitual depende precisamente da definição exata e fundamentada da norma para o caso concreto. Assim, nem se confunde com a mera abstração de preceitos circunscritos à hipotetização geral na qual a norma é formulada, nem com o momento pelo qual a norma individualizada é executada, vez que para se alcançar esse passo se faz imperativo já haver identificado o viés de incidência pelo qual o normativo concreto se formara.
E sobre a ratio decidendi em face das questões afeitas à necessidade de motivação judicial devida no atual sistema de precedentes judiciais, Camatta[14] conclui:
a ratio decidendi toma relevância no Novo Código de Processo Civil, especialmente pelo fato de se impor a devida fundamentação em qualquer decisão prolatada pelos juízes. Crê-se que a tomada dessa posição é salutar ao próprio exercício do Direito, uma vez que se evitará decisões sem que tenha os argumentos necessários para realmente decidir. Noutra ponta, permitirá ampliar o debate entre as partes, configurando uma forma de evoluir conceitos do Direito, além de submeter, sempre através dos argumentos, novas realidades de situações já julgadas.
Desta feita, ainda conforme entendimento de Didier[15], “a motivação tem conteúdo substancial”. Deduz-se, com isso, que não se trata a motivação de exigência baseada em mera alegoria legal com vistas a trazer solenidade às decisões judiciais. Ela tem justificativa em si e alicerça a escorreita aplicação do direito que transcenderá a abstração legislativa e interferirá diretamente na dinâmica social incidente.
E a ausência de motivação não se presta à fundamentação. A ausência dos reais porquês da decisão proferida torna-a inócua de aplicação e de perpetuação ou imutabilidade diante da realidade do convencimento do magistrado. Assim, contraria o próprio sentido do existir da Jurisdição. É a motivação e por consequência a fundamentação, a ratio decidendi, na visão do ilustre constitucionalista italiano Taruffo[16], elemento estrutural necessário dos provimentos jurisdicionais; o pressuposto da giurisdizionalità.
Portanto, entende-se que uma decisão “judicial” sem motivação é uma “não decisão”. Ela não estaria apta a integrar o conteúdo suficientemente mínimo para que se constituísse legitimamente o exercício funcional da jurisdição.
Em face do atual destaque dos precedentes judiciais no Novo Código de Processo Civil brasileiro, que os insere no universo de fontes de aplicação do Direito, segundo afirma Leite[17], deve-se a análise das teses jurídicas na moderna sistemática processual abordar pontos que dizem respeito à distinção e à superação da jurisprudência na aplicação ao caso concreto.
É importante lembrar que a “teoria do precedente”, por assim dizer, tem, como visto, origem no sistema do common law, e objetiva trazer ao novo processo civil maior isonomia, coerência e segurança jurídica na aplicação do Direito no Brasil.
Contudo, não se pode olvidar que a aplicação pura e simples ou a reprodução indiscriminada de precedentes tornariam inócua a própria evolução do direito em si que deve se submeter ao devido aperfeiçoamento. É, pois, nas lições de Reale[18], o Direito a implicação normativa dos fatos segundo os valores aplicáveis pela sociedade em cada momento da vida. O Direito deve enfrentar aspectos fáticos, axiológicos e normativos de modo determinar a ação humana baseada em significações constantemente mutáveis e adequáveis a cada época ou período histórico.
Diante dessa acepção, há falar nos institutos da distinção (distinguishing) e da superação (overruling) da tese jurídica aplicável no sistema de precedentes judiciais. Sobre o assunto, seguem orientações de Mansur[19].
Entenda-se por distinção da tese jurídica a característica atribuída à jurisprudência que, no caso concreto, não permite a omissão do julgador em avaliar peculiaridades e excepcioná-las da tese já fixada nos precedentes de fato. Isto é, a jurisprudência determinante não só permite como exige do magistrado a restrição de sua aplicação ou completo afastamento dela diante do caso concreto que, pelas características que lhe são inerentes, requer análise e fundamentação particular.
Por superação da tese jurídica, no mesmo caminho, deve-se entender a atenção dada pelo magistrado à aplicação dos precedentes em face de mudanças na concepção geral acerca do direito, dos valores sociais, dos meios e mecanismos tecnológicos, dos efeitos obtidos com a aplicação da norma, além dos erros passíveis de aplicação e de correção nas análises vindouras.
Assim, com fulcro na parte final do inciso VI do §1º do art. 489 do NCPC, a contrário senso, tais institutos surgem, no entender de Barreiros[20] como direitos subjetivos das partes de que o julgador avalie no caso concreto a necessidade de afastamento de precedentes com base da distinção ou superação de entendimentos.
Por fim, de forma resumida, ainda segundo Leite[21], a aplicação de ambos os institutos, em que pese a real intenção de valorização de precedentes processuais por razões justificáveis na celeridade e economia processuais, segurança jurídica e isonomia da relação processual, reduzindo possibilidades, até, de favorecimentos pessoais nas decisões judiciais, garante a promoção do aprimoramento do sistema jurídico-processual e da aplicação do direito de forma substancial em face da necessidade de uniformidade pautada em casos já avaliados anteriormente nos juízos dos tribunais.
Considerações Finais
O atual sistema de precedentes judiciais do Novo Código de Processo Civil vai ao encontro da necessidade cada vez mais premente de se buscar meios e soluções viáveis a certos problemas identificados em face da função jurisdicional, principalmente no que diz respeito a uma aplicação mais célere e mais isenta das normas nos casos concretos.
A aproximação do sistema do civil law com o sistema do common law caminha no sentido da evolução do sistema judicial brasileiro e tende a proporcionar vantagens na busca de soluções das controvérsias e, assim, servir ao exercício de uma jurisdicionalidade equilibrada e efetiva.
Deixam os precedentes de ter característica meramente argumentativa e passam a exercer um caráter normativo vinculante às causas demandadas, dando maior estabilidade às questões inerentes ao novo sistema processual no Brasil.
Referencial bibliográfico
ACS. Jurisprudência x precedente. 2015.
BRASIL. Congresso Nacional. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942, alterada pela Lei nº 12.376, de 2010.
CAMATTA, Roberto Mielke. Ratio decidendi e o novo Código de Processo Civil.
CASTRO, Guilherme Fortes Monteiro de; GONÇALVES, Eduardo da Silva. A aplicação da common law no Brasil: diferenças e afinidades.
DIDIER JR, Fredie. Sobre a fundamentação da decisão judicial.
FERNANDES, Francis Ted. O sistema de precedentes do novo CPC, o dever de integridade e coerêcia e o livre convencimento do juiz. 2016.
GUIMARÃES, Janine. Uniformização da jurisprudência no sistema brasileiro - uniformização da jurisprudência no sistema recursal.
LEITE, Rodrigo de Queiroz. A superação e a distinção dos precedentes judiciais no Direito Processual Brasileiro.
MACEDO, Lucas Buril de. Afinal, o que é um precedente. 2015.
MANSUR, Sâmea Luz. A teoria dos precedentes e os institutos do “overruling” e do “distinguishing”.
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
TALAMINI, Eduardo. O que são os “precedentes vinculantes” no CPC/15. 2016.
[1] FERNANDES, Francis Ted. O sistema de precedentes do novo CPC, o dever de integridade e coerêcia e o livre convencimento do juiz. 2016. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI248774,81042-O+sistema+de+precedentes+do+novo+CPC+o+dever+de+integridade+e, acessado em 12/05/2017, às 12h39min.
[2] Art. 489. (...). § 1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) VI. deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
[3] ACS. Jurisprudência x precedente. 2015. Disponível em http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil/jurisprudencia-x-precedente, acessado e m12/05/2017, às 16h15min.
[4] Dicionário on-line de português. Disponível em https://www.dicio.com.br/precedente/, acessado e m12/05/2017, às 16h31min.
[5] MACEDO, Lucas Buril de. Afinal, o que é um precedente. 2015. Disponível em http://justificando.cartacapital.com.br/2015/05/15/afinal-o-que-e-um-precedente-2/, acessado e m12/05/2017, às 16h43min.
[6] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Common_law, acessado em 16/05/2017, às 16h44.
[7] Idem.
[8] CASTRO, Guilherme Fortes Monteiro de; GONÇALVES, Eduardo da Silva. A aplicação da common law no Brasil: diferenças e afinidades. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=11647&n_link=revista_artigos_leitura, acessado em 16/05/2017, às 16h47.
[9] BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942, alterada pela Lei nº 12.376, de 2010.
[10] GUIMARÃES, Janine. Uniformização da jurisprudência no sistema brasileiro - uniformização da jurisprudência no sistema recursal. Disponível em https://janinecalmon.jusbrasil.com.br/artigos/114970739/uniformizacao-da-jurisprudencia-no-sistema-brasileiro, acessado em 18/05/2017, às 14h49.
[11] Disponível em http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI107722,51045-STJ+admite+analise+do+recurso+mesmo+sem+a+procuracao+do+advogado+que, acessdo em 18/05/2017, às 15h14.
[12] TALAMINI, Eduardo. O que são os “precedentes vinculantes” no CPC/15. 2016. Disponível em www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI236392,31047-O+que+sao+os+precedentes+vinculantes+no+CPC15, acessado em 18/0/2017, às 15h46.
[13] DIDIER JR, Fredie. Sobre a fundamentação da decisão judicial. Disponível em https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwips4np9M_UAhVEg5AKHTKDC9AQFggnMAA&url=http%3A%2F%2Fwww.frediedidier.com.br%2Fwp-content%2Fuploads%2F2012%2F02%2Fsobre-a-fundamentacao-da-decisao-judicial.pdf&usg=AFQjCNHv6o7Sx-1pW7DKAqu3gA88CsXIvQ&sig2=TknZk6XgvK0aqn6LHHaarg&cad=rja, acessado em 21/06/2017, às 18h50.
[14] CAMATTA, Roberto Mielke. Ratio decidendi e o novo Código de Processo Civil. Disponível em http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15878, acessado em 21/06/2017, às 19h05.
[15] DIDIER, Fredie. Op cit.
[16] TARUFFO, Michelle. La motivazione della sentenza civile. Padova: CEDAM, 1975, apud DIDIER, Fredie. Op et al cit.
[17] LEITE, Rodrigo de Queiroz. A superação e a distinção dos precedentes judiciais no Direito Processual Brasileiro. Disponível em http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-superacao-e-a-distincao-dos-precedentes-judiciais-no-direito-processual-brasileiro,57880.html, acessado em 22/06/2017, às 11h26.
[18] REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
[19] MANSUR, Sâmea Luz. A teoria dos precedentes e os institutos do “overruling” e do “distinguishing”. Disponível em https://samealuz.jusbrasil.com.br/artigos/383859816/a-teoria-dos-precedentes-e-os-institutos-do-overrunling-e-do-dist inguishing, acessado em 22/06/2017, às 11h58.
[20] BARREIROS, Lorena, apud MANSUR, Sâmea Luz. A teoria dos precedentes e os institutos do “overruling” e do “distinguishing”. Disponível em https://samealuz.jusbrasil.com.br/artigos/383859816/a-teoria-dos-precedentes-e-os-institutos-do-overrunling-e-do-distinguishing, acessado em 22/06/2017, às 12h20.
[21] LEITE, Rodrigo de Queiróz. Op. cit.
Advogada da União, pós-graduada em Direito Empresarial e mestranda em Derecho de las Relaciones Internacionales y de la Integración en América Latina pela Universidad de la Empresa de Montevideu/Uruguai.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Ruth Helena Silva Vasconcelos. O sistema de precedentes no Código de Processo Civil de 2015. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50393/o-sistema-de-precedentes-no-codigo-de-processo-civil-de-2015. Acesso em: 23 dez 2024.
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