Resumo: O presente artigo propôs uma crítica à legalidade como uma construção do poder politico e econômico, e seu caráter universal, ou seja, isonômico, buscando demonstrar que legalidade não é justiça, e igualdade jurídica não implica em igualdade real. Para tanto, inicialmente lançou mão de um resgate histórico do princípio da isonomia, e uma análise deste em contraste com sua aplicação real, no seio das relações humanas nos Estados democráticos de direito. Traçando um paralelo, objetivou-se a análise das práticas político, sociais, e jurídicas do Estado brasileiro, fazendo uma breve consideração histórica, e apontamentos objetivos de tais práticas no presente.
Palavras-chave: Legalidade; Igualdade; Aparelhos ideológicos de Estado; Universalidade.
SUMÁRIO: 1.Introdução, 2.Igualdade Jurídica e Desigualdade Real, 3.Liberdade e Igualdade dentro dos Estados Liberais, 3. Estado Brasileiro: Legalidade e práticas Jurídico-Sociais, 4.Conclusão,5.Referencias.
INTRODUÇÃO.
As contradições sociais, a relação do direito com a política, economia, cultura, religiões, classes sociais, ou seja, todas as relações humanas que são constituintes e constituídas pelo direito, - e aí inclui-se também a preocupação com as apreciações do direito com o justo e o injusto na sociedade, - revelam a filosofia do direito como expressão máxima deste enquanto verdade social. A filosofia do direito é uma verdade jurídica que exerce uma relação com o todo histórico e social e não somente com a técnica e a dogmática jurídica. A filosofia se debruça sobre a história para apontar-lhe sua superação.
A história da legalidade e os caminhos por esta trilhados demonstra que, ao se legitimar a igualdade formal, legitima-se ao mesmo tempo uma relação existencial de desigualdade, ou seja, a sua própria contradição. Surge então indagações a este cenário: por que isto ocorre? E como isto ocorre?
Os princípios norteadores do direito moderno, tais quais um dia foram lema das revoluções burguesas do século XVIII, como a liberdade e igualdade, são deveras abstratos, e se apresentam muito aquém daquilo que os textos constitucionais predizem. Entender e esclarecer como se apresentam tais princípios em nosso tempo, nos Estados Democráticos de direito, afastando para tal a filosofia do direito, da legitimidade dada a este, conduz à um caminho de compreensão quanto às relações jurídicas no seio da sociedade capitalista, porque, como e para que se dão tais relações.
O objeto do presente trabalho, é a legalidade burguesa, e burguesa porque, historicamente é assim que ela se constrói e se demonstra, toda sua lógica, estrutura, essência, partem das práticas sociais dessa classe, a logicidade das trocas mercantis, das práticas capitalistas, se aplica, e isto com o suporte jurídico-político, às relações humanas no geral.
Contudo, não se quer aqui, apresentar verdades absolutas e inquestionáveis, o que seria totalmente contraproducente à uma filosofia crítica do direito, mas antes fazer uma leitura da legalidade como uma construção do poder e não da justiça, uma análise que confronte os valores adotados como quase que absolutos pelo conservadorismo jurídico, chamando-os ao debate, e assim repensar, não apenas os rumos do direito, mas todo o contexto social ao qual estamos inseridos.
IGUALDADE JURÍDICA E DESIGUALDADE REAL
Um dos mais consagrados princípios do direito, o princípio da igualdade, ou isonomia, - cujo apregoa a igualdade formal, constituído de um viés essencialmente universalista, posto que promete a todos os indivíduos um tratamento igualitário perante a lei, - tem sua primeira aparição em direito positivado, na Lei das XII tábuas (aprox. 450 a. C.), que remonta a origem do direito romano, anos mais tarde, aparece no Édito de Caracala (212 d. C),por meio do qual o imperador romano Caracala concedeu o direito de cidadania a todos os indivíduos livres do império, outros marcos históricos importantes foram a carta magna de 1215, a revolução francesa e a Declaração de direitos do homem e do cidadão de 1789, a revolução americana de 1776, e mais recentemente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 pela ONU.
A igualdade formal se constitui em verdadeiro princípio basilar das constituições dos Estados modernos, um farol, que ilumina o caminho do legislador, do intérprete da lei, bem como do indivíduo. Entretanto, a par das considerações formais, existe uma realidade social heterogênea e dinâmica, a qual, o princípio da isonomia uma vez confrontado, não resiste em suas bases legalistas; deste confronto, depreende-se uma relação dialética, tendo, pois,como tese, a igualdade formal, e como antítese, a desigualdade real.
Trata-se, portanto, de avaliar as próprias contradições do direito dentro desta relação dialética, para desta forma compreender as insuficiências da legalidade em fazer cumprir seu papel universalista.
Neste sentido, aponta Mascaro (2008, p.22):
O elogio da legalidade é o elogio de um mundo cuja lógica faz com que a exploração seja relegada aos porões da vida social. O mando direto transforma-se no acordo do trabalho. A servidão torna-se trabalho assalariado, e sua forma jurídica é a vontade, não o eito. A riqueza insinua razões e justificativas, e não o acaso de nascimento. Os lucros no negócio são resultado da vontade comum no comércio, não mais resultado do confisco nem do roubo. A lei garante um mundo cuja transação é formalizada pela aparência de equivalência social, e, ao sacralizar a igualdade legal, guarda nos porões escondidos da sociedade aquilo que o altar das leis não vê: a injustiça real, a coerção econômica, a desigualdade que se mantém e a brutal diferença que o sistema social mantém e agrava. Ao olhar para o altar das leis, o caleidoscópio social se inebria daquilo que sob seus pés não é imediatamente percebido: a igualdade jurídica não é igualdade real, a legalidade não é justiça.
LIBERDADE E IGUALDADE DENTRO DOS ESTADOS LIBERAIS
Nas então denominadas democracias burguesas, ou Estados Democráticos de Direito, ou ainda Estados liberais, a liberdade de cada indivíduo é limitada unicamente pela liberdade dos demais, o Estado a princípio, não intervém, a não ser para assegurar a liberdade individual, impedindo, desta forma, que a liberdade jurídica de alguns se exerça, em detrimento a mesma liberdade jurídica de outros. Neste liame, entende-se que o limite da vontade e ação de cada indivíduo é determinado pela vontade concorrente dos demais, portanto, a harmonia social se sustenta, em regra, por acordo entre partes. É por meio de acordos expressos, ou tácitos, que se determina o que cada um pode, deve, ou não fazer.
Este padrão de condutas se molda pelos mesmos padrões das transações mercantis, estas são ajustadas pelo livre consentimento das partes envolvidas, constata-se então que a democracia burguesa, é a forma político-social e jurídica do sistema capitalista, e transcende por esse motivo, para as relações humanas no geral, a norma das relações econômicas constituintes deste sistema[1].[PRADO JUNIOR, 1985, pag. 12].
Em tese, qualquer indivíduo é livre para acordar, negociar com seus semelhantes, aceitar ou negar condições contratualmente expressas, sejam elas escritas ou apenas faladas, como também para discutir propostas e apresentar as suas, tudo isto ele fará sem constrangimento legal, sem a influência de forças estranhas a não ser sua própria vontade, e fará tais atos, em pé de igualdade com os demais, visto que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, permite a aplicação dos mesmos nas relações entre particulares, e não apenas Estado indivíduo.
Essa igualdade dos indivíduos na liberdade de se acordarem entre si é, contudo, uma igualdade jurídica, isto é, uma liberdade de direito e não de fato. Em outras palavras, o direito, a lei não intervêm. A igualdade que o direito burguês figura é na base de uma personalidade abstrata que caberia ao indivíduo em si destacado das situações concretas em que se encontra ou pode se encontrar. A realidade, no entretanto, é que os indivíduos, por força daquelas situações, são muito desiguais, e são particularmente naquilo que mais contribui na fixação dos limites e do alcance da sua ação. A saber, na sua posição dentro da estrutura econômica da sociedade. Decorre daí que a liberdade de cada um variará muito, pois será função de desigualdade real existente à margem da esfera jurídica. [PRADO JUNIOR, 1985, pag. 13].
Para o direito moderno burguês, o indivíduo é soberano em sua esfera da vontade, e o meio social no qual este se insere, não o comprime nem o pressiona de todos os lados e a todo momento, não o força a trilhar caminhos predeterminados pela ordem estabelecida, visto que o livre arbítrio é quem o rege. A princípio, e teoricamente, o indivíduo, a rigor, possui diferentes alternativas pelas quais possa agir e se determinar, porém, na maior parte das vezes, tais alternativas se impõem de certa maneira, ensejando uma necessidade, uma verdadeira imposição da qual não há escape. Esta coerção indireta, e implícita, é legitimada pela lei, que se constitui em um dos diversos aparelhos ideológicos de Estado. Para se compreender a relação incongruente entre igualdade jurídica e desigualdade real, faz-se necessário lançar mão de uma análise quanto à relação entre ideologia e direito.
LEGALIDADE E PRÁTICAS JURÍDICO-SOCIAIS NO ESTADO BRASILEIRO.
A formação do ordenamento jurídico brasileiro é fortemente influenciada por paradoxos e problemas históricos nacionais, a carta de 1824 nasce do grande mito da independência; a república totalmente ausente do seu sentido literal latino onde a “res publica”, a coisa pública, é tomada como estatal, privada, ou ambos ao mesmo tempo; um país que vivenciou poucos períodos democráticos e consequentemente diversos golpes que resultaram em governos ditatoriais; o Brasil, um projeto alheio, de colônia, nas palavras do Professor Darcy Ribeiro:
Pela vontade deles, os índios, os negros e todos nós, mestiços deles, recrutados pela empresa colonial, prosseguiríamos na função que nos foi prescrita de proletariado de ultramar, destinado a produzir mercadoria exportável, sem jamais chegar a ser gente com destino próprio. Às vezes penso que continuamos cumprindo esse desígnio mesmo sem os portugueses, debaixo do guante da velha classe dominante de descendentes dos senhores de escravos que se seguiu a eles no exercício do poder e das novas elites cujo setor predominante é, hoje, o corpo gerencial das multinacionais. Os mesmos tecnocratas ainda meninos, mas já aconselhando governos se afundam ainda mais no espontaneísmo do mercado e na irresponsabilidade social do neoliberalismo” [RIBEIRO, 2015, p.225].
A legalidade brasileira destoa historicamente, ao modelo geral que serve de entendimento da formação da teoria jurídica europeia, e isto deve-se à própria história brasileira e latino-americana e a formação de tais Estados, que serviam como colônias de exploração ao capitalismo central.
A História brasileira e latino-americana é a História de um determinado capitalismo, do capitalismo tardio (...). Reversamente, a História do capitalismo é também a nossa História: o capitalismo não pode formar-se sem o apoio da acumulação colonial; o capitalismo industrial valeu-se da periferia para rebaixar o custo de reprodução tanto da força de trabalho quanto dos elementos componentes do capital constante; ademais, dela se serviu quer como mercado para sua produção industrial, quer como campo de exploração de capital financeiro e, mais adiante, produtivo. (CARDOSO DE MELLO, 1998, p.177).
Sérgio Buarque de Holanda dirá “a democracia no brasil sempre foi um grande mal entendido”, de fato, historicamente, o povo brasileiro, pouco contato teve com a consciência democrática, e cidadania; diversos golpes ao decorrer da história brasileira, interromperam os governos democráticos, golpes estes financiados por países estrangeiros, e ainda, tais Estados estrangeiros quando não por meio de golpes, controlava e controla o Estado brasileiro, fazendo valer seus interesses econômicos, determinando os caminhos os quais a economia deve percorrer, e impondo sanções, limites, e vontades na obtenção de lucro, e da supremacia político-ideológica. Entende-se que há, ainda por parte do Estado brasileiro, uma grande submissão à interesses de Estados estrangeiros, o que interfere diretamente, não apenas na soberania nacional, mas nas próprias políticas públicas desempenhadas em território tupiniquim.
Esta soberania nacional, apenas no sentido formal, abre margem para que, as instituições democráticas brasileiras, sejam organizadas em prol de interesses diversos, estranhos à efetivação da cidadania e dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição de 1988. Conforme o Professor Eros Grau (1995, p. 35-36 apud MASCARO, 2008, p.186-187):
A constituição do Brasil, de 1988, define (...) um modelo econômico de bem-estar. Esse modelo, desenhado desde o disposto nos seus arts.1º e 3º, até o quanto enunciado no seu art. 170, não pode ser ignorado pelo Poder Executivo, cuja vinculação pelas definições constitucionais de caráter conformador e impositivo é óbvia. Assim, os programas de governo deste e daquele Presidentes da República é que devem ser adaptados à Constituição, e não o inverso, como se tem pretendido. A incompatibilidade entre qualquer deles e o modelo econômico por ela definido consubstancia situação de inconstitucionalidade, institucional e/ou normativa. Sob nenhum pretexto, enquanto não alteradas aquelas definições constitucionais de caráter conformador e impositivo poderão vir a ser elas afrontadas por qualquer programa de governo. E assim há de ser ainda que o discurso que agrada à unanimidade nacional seja dedicado à crítica da Constituição. A substituição do modelo de economia de bem-estar consagrado na Constituição de 1988 por outro, neoliberal, não poderá ser efetivada sem a prévia alteração dos preceitos contidos nos seus arts. 1º, 3º e 170. Em outros termos: essa substituição não pode ser operada sub-repticiamente, como se os nossos governantes pretendessem ocultar o seu comprometimento com a ideologia neoliberal.
Tal questionamento levantado pelo Professor Eros Grau, ainda na década de 1990, aplica-se hodiernamente, tanto em alguns aspectos do governo Dilma, quanto dos primeiros meses do governo Temer. E esta afirmação se dá pelas práticas destes dois governos, projetos de privatizações, cortes de investimentos sociais, propostas de emenda constitucional no intuito de congelar gastos públicos, sem contudo proceder à caminhos que confrontariam o capital financeiro, como a auditoria da dívida pública[2], prevista no texto constitucional, a tributação sobre grandes fortunas também prevista no texto constitucional. Tais práticas governamentais que aplicam duras penas aos cidadãos e não fere com os interesses das grandes corporações, do capital financeiro, tem razão de ser, e isto encontra-se no próprio caráter do Estado, e do direito, que burgueses, protegem interesse de classe, seja por meio da política, seja por meio do judiciário.
Os poderes verticalizados em relações de subordinação negam a horizontalidade da cidadania imposta pela legalidade, visto que tal cidadania apregoada pelo texto constitucional, não oferece nem o mínimo de igualdade formal.
Passados 27 anos de vigência da constituição de 1988, a realidade social nos mostra a concepção individualista hegemônica da sociedade em detrimento à um sentimento solidário, e a dificuldade dos cidadãos em verem seus direitos fundamentais efetivados.
Esta conclusão é alcançada quando se leva em consideração as ações cotidianas do Estado brasileiro, como a criminalização das classes não inseridas no mercado de consumo (em sua maioria negra e pobre); no pouco caso da mídia e do judiciário quanto a apuração dos assassinatos de camponeses e indígenas pelo interior do país cometidos por latifundiários; na não realização da reforma agrária e urbana; nas decisões judiciais que priorizam a especulação imobiliária e o latifúndio improdutivo ao invés de se fazer valer o princípio da dignidade humana e a função social da terra. (BEZERRA, 2014, p. 4,5).
Ante este cenário, o Estado brasileiro passa por uma verdadeira judicialização de setores cujo responsável é o poder executivo: saúde, habitação, educação, são exemplos, transformando o judiciário, (e não tão somente as ruas) num espaço de luta para que os indivíduos possam exigir seus direitos tanto individuais como coletivos, na medida em que estes entendem a desigualdade não como um dado adquirido, mas uma injustiça.O professor Boaventura de Souza Santos (2011, p. 16) assim assevera:
A nova fase do constitucionalismo que hoje se vive no continente latino-americano - que se iniciou com a Constituição brasileira de 1988, prolongou-se na Constituição de 1991 da Colômbia e que agora tem um novo alcance com as novas Constituições da Bolívia, do Equador e da Venezuela – concede força constitucional a um novo catálogo de direitos sociais que a hipocrisia e a falta de vontade política dos governantes não têm, até o momento, tornado efetivos.
Grande parte da litigação que hoje chega aos tribunais deve-se ao desmantelamento do Estado social, e isto não apenas no Brasil como em muitos países do mundo. O Estado de bem- estar, teve seu desenvolvimento e aplicação principalmente no pós 2º guerra mundial, ele caracteriza-se por um Estado intervencionista, que por meio de políticas públicas institucionais, muitas delas, positivadas, e garantidas pelos direitos sociais, oferece serviços essenciais ao povo como: saúde, educação, esporte, lazer, habitação, alimentação.
Quando se observa países da Europa em que vige o Estado de bem-estar, como Suécia e Holanda, aufere-se o baixíssimo nível de litigação judicial. Isto nos leva a conclusão de que a litigação tem a ver com culturas jurídicas e políticas, e com o grau e nível de efetivação dos direitos garantidos pelos textos constitucionais.
A constituição de 1988, ampliou o rol de direitos, não apenas civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, mas também, dos chamados na doutrina jurídica direitos de terceira geração, quais sejam: meio ambiente, direitos do consumidor, e qualidade de vida. Também ofereceu mecanismos para o acesso às cortes superiores, como a ampliação do rol de legitimados para propor as ações de controle de constitucionalidade concentrado, e a possibilidade de associações interporem ações em nome dos associados, como também, propôs um modelo público de assistência judiciária e acesso efetivo à tutela jurisdicional. Os instrumentos que outrora, durante o período ditatorial, como a ação civil pública e ação popular, ganharam novo fôlego com a carta de 1988.
No entanto, ainda que formalmente, exista um Estado democrático de direito, este se demonstra, como Estado oligárquico, preservando privilégios de classe, principalmente a política, como também, contemplando interesses de latifundiários, multinacionais, e das poucas famílias que detém o monopólio dos meios de comunicação.
Os direitos sociais, se constituem em uma garantia capitalista contra a ruptura do próprio sistema, como também, representam a possibilidade de sua auto reprodução, é necessário pois ao Estado, que este ofereça serviços, ainda que mínimos ao povo, para que este não se insurja contra ele, as lutas por mais ou menos direitos, vão ser sempre limitadas por algum dispositivo jurídico, ficando o indivíduo preso, ao ciclo, à vontade, à lógica do direito burguês.
Grandes avanços e conquistas foram feitas, da redemocratização e promulgação da carta de 1988, como também, inúmeros retrocessos, e isto coloca em xeque a efetividade do texto constitucional, na tentativa do legislador em conciliar valores liberais, individualistas, com valores sociais de caráter solidário e fraterno.
CONCLUSÃO.
O discurso jusfilosófico da isonomia, da legalidade como uma válida universalidade, que se aplica à todos indistintamente, resume-se num discurso falso, ideológico, classista, parcial.Uma legalidade que se apresenta como universal, mas que de fato não o é, demonstra-se claramente como privilégio e divisão, um contraponto com a dialética da opressão do todo social, demonstra a fragilidade, e inverdade, da garantia legal de liberdade e igualdade, de um lado, os que vivem e desfrutam do direito, das leis, da máquina Estatal, de outro, a injustiça, a carência, a exploração, a miséria. O mesmo direito que afirma a validade dos contratos, não afirma a efetividade dos direitos sociais, e isto ocorre consequentemente, pelo que foi apresentado no presente trabalho, a legalidade é uma construção do poder, e não da justiça.
Romper com o legalismo exacerbado, com o mundo da lex mercatória institucionalizada,que faz do direito uma mera ciência normativa estatal, que iguala, na universalidade da própria técnica legislativa, as subjetividades, as diferenças sociais, as necessidades e expectativas diversas, é ampliar os horizontes da realidade social contemplada pelo direito.
A política, o direito, e o aparato Estatal, não constituindo uma máquina perfeita, abriu margem para que o mundo conhecesse diferentes formas de organização social, que não o Estado burguês, como o Estado intervencionista, o totalitarismo, e o socialismo. No entanto, tais propostas, (algumas como esperanças, outras, como medo), projetos de cumprimento das promessas da modernidade, como o socialismo, fracassaram na empreita, visto que os Estados socialistas (da forma como se apresentaram) ao se tornarem totalitários, ditatoriais, abandonaram a própria filosofia crítica, como também a democracia e a real participação popular.
Ante as estruturas do presente, que se demonstra injusto por natureza, os postulados jurídicos capazes de alterá-lo, só poderão advir, dos ímpetos das classes subjugadas, dos pobres, dos negros, das mulheres, dos refugiados, das minorias, dos estudantes, dos trabalhadores. Assim trata Bloch (1985, p. 234 apud MASCARO, 2016, p. 586):
As utopias sociais estão dirigidas principalmente à sorte (Glück), ou, pelo menos, à eliminação da necessidade e das circunstâncias que mantêm ou produzem aquela. As teorias jusnaturalistas, pelo contrário, como se viu claramente, estão dirigidas predominantemente à dignidade, aos direitos do homem, a garantias jurídicas de segurança ou liberdade humanas, como categorias de orgulho humano. E de acordo com isso, a utopia social está dirigida, sobretudo, à eliminação da miséria (Elends) humana, enquanto que o direito natural está dirigido, acima de tudo, à eliminação da humilhação (Erniedrigung) humana. A utopia social quer afastar tudo o que opõe à eudemonia (felicidade) de todos, enquanto que o direito natural quer acabar com tudo que se opõe à autonomia e a sua eunomia (boa lei). É que a ressonância nas utopias sociais e nas teorias do direito natural é muito diferente.
Urge despolitizar o direito, repensá-lo, para além de seu poder coercitivo, excludente, e eiva-lo de consciência crítica, democrática, social, construí-lo em espaços públicos, em seu sentido inaugural, no qual o conceito de política seja comum, para todos, vivido pela palavra e ação de cada indivíduo.
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[1] “ As mesmas equações dominam a justiça burguesa e a troca mercantil. (...) A sociedade burguesa está dominada pelo equivalente. Ela torna o heterogêneo comparável, reduzindo-o a grandezas abstratas. ” (Adorno e Horkheimer. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985, p.22).
[2] A dívida pública em 2014 consumiu 45,11% do orçamento geral da União, conforme dados divulgados http://www8d.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=92718
formado na Universidade Paranaense - UNIPAR, advogado atuante até o ano de 2008 (OAB-PR 30651), quando então passou a integrar os quadros da Policia Civil do Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CANDIDO, Eric Costa. A legalidade e o tratamento isonômico na prática jurídico social brasileira. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jul 2017, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50427/a-legalidade-e-o-tratamento-isonomico-na-pratica-juridico-social-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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