RESUMO: Este estudo analisa os princípios constitucionais e seu vínculo com direito à educação. Examina os princípios sob a perspectiva constitucional como um dos direitos sociais da cidadania. Acompanha a evolução dos conceitos de princípios e regras. Considera a diferença entre estes conceitos. Princípios constitucionais e o seu vínculo com direito à educação. Questiona maneiras de garantir esse direito.
PALAVRAS CHAVE: Princípios. Normas. Regras. Educação. Educação Fundamental. Direito. Cidadania.
ABSTRACT: This study analyzes the constitutional principles and their relation with the right to education. It examines the principles under the constitutional perspective as one of the social rights of citizenship. It follows the evolution of the concepts of principles and rules. Consider the difference between these concepts. Constitutional principles and their link with the right to education. It questions ways to guarantee this right.
KEY WORDS: Principles. Standards. Rules. Education. Fundamental Education. Right. Citizenship.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Conceito de princípios sob a perspectiva constitucional; 3. Diferenciação entre princípios e regras; 4. Princípios constitucionais e o seu vínculo com direito à educação; 5. Considerações finais; 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda os princípios constitucionais que surgem na Constituição Federal brasileira e que servem de veículos para o desenvolvimento do direito à educação e a garantia do direito à educação.
O trabalho abordará os princípios constitucionais que servem de vetores para a proteção da educação apresentando significado do vocábulo “princípio” e sua definição no campo do direito, bem como averiguar a conformação entre a Constituição Federal e as demais normas infraconstitucionais, como dá-se na educação.
A pesquisa também, aborda de forma sucinta a competência dos entes Federados, os instrumentos de garantia do direito à educação, com a posição de se elevar os princípios ao patamar de norma, fazendo da educação uma nova e melhor forma de inclusão social, visitando o direito à educação fundamental prescrito no artigo 208, § 1º da Constituição, bem como, o direito a educação, inserido no artigo 6º da Constituição Federal, enquanto direito fundamental social, por fim, sua garantia no Estatuto da Criança e Adolescente e a Draft Resolution on the Right to Education”, que apresenta as diretivas emanadas da Comissão Nacional de Direitos Humanos – ONU.
2. CONCEITO DE PRINCÍPIOS SOB A PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL
A transformação da sociedade, bem como as mudanças existentes através dos anos nos diferentes campos das ciências sociais possibilitam analisar, nitidamente, que os “vocábulos” antes objetivos hoje se tornaram precários para exprimir ideias até então apresentadas.
O vocábulo “Princípio”, do latim pricipium, significa, numa definição corriqueira, início, começo, origem das coisas. Tal percepção, esclarecer Paulo Bonavides, origina-se da linguagem da geometria, “onde designa as verdades primeiras”.[1] No entanto, não é esta a acepção que reconhecemos quando nos aludimos aos “princípios constitucionais”.
Porém, antes de analisar os princípios constitucionais que servem de vetores para a proteção da educação, importante apontar o significado do vocábulo “princípio” e sua definição no campo do direito, como apontado por Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”[2]
Por outro lado, sob olhar crítico de Ruy Samuel Espíndola o termo princípio é usado na Ciência Jurídica de várias formas, para ele:
“[...] tem-se usado o termo princípio ora para designar a formulação dogmática de conceitos estruturados por sobre o direito positivo, ora para designar determinado tipo de normas jurídicas e ora para estabelecer os postulados teóricos, as proposições jurídicas construídas independentemente de uma ordem jurídica concreta ou de institutos de direito ou normas legais vigentes.”[3]
O referido autor adverte ainda que, está polissemia não é benéfica, uma vez que a confusão de conceitos e ideias pode levar a sonegação da prática jurídica por uma prática equívoca, de direitos protegíveis pelo sistema jurídico posto.[4]
Nesse diapasão, o aludido autor alega ser indispensável individualizar entre norma e o texto para versar sobre princípio, isto é, os princípios existentes no texto necessitam diferençar-se dos princípios adequados à integração das normas, deste modo, desempenhando esta prática, “conclui-se que a noção de princípio antes apontada é apenas o primeiro momento de uma indagação teórica tendente a dar conta dos grandes problemas que são colocados aos operadores do Direito, no momento de lidarem com os ‘princípios no Direito.’”[5]
Ante a referida polissemia conceitual, manifesta-se a inevitável obrigação de distinguir os princípios jurídicos das regras de direito. Esboçando este perfil exegético e destacando a necessária distinção acima assinalada José Afonso da Silva assim expõe:
“Há, no entanto, quem concebe regras e princípios como espécies de normas, de modo que a distinção entre regras e princípios constitui uma distinção entre duas espécies de normas. A compreensão dessa doutrina exige conceituação precisa de normas e regras, inclusive para estabelecer a distinção entre ambas, o que os expositores da doutrina não têm feito, deixando assim obscuro seu ensinamento.”[6]
Portanto, como se observa, um leque de definições remete ao significado do vocábulo “princípio” segundo proposto na língua portuguesa, de forma que o dicionário Houaiss acaba por defini-lo como:
“1. o primeiro momento da existência (de algo), ou de uma ação ou processo; começo, início (...) 2. o que serve de base a alguma coisa; causa primeira, raiz, razão. 3. ditame moral; regra, lei, preceitos.”[7]
Consequentemente, o princípio, é um indicador do conjunto de regras e preceitos de um povo, mais importância até que a própria regra jurídica, pois partem dos referidos princípios todos os pontos básicos do Direito, de modo a envolverem os fundamentos da própria Ciência Jurídica.
Ademais, os princípios jurídicos constitucionais verdadeiramente não só influenciam o Direito vigente de um determinado povo, bem como a compreensão do teor da Constituição em vigor, principalmente a brasileira que reconhece uma legítima carta de princípios constitucionais. Aliás, os princípios irradiam todo o sistema, apontando os caminhos a seguir. Segundo Rizzatto Nunes, “os princípios constitucionais dão estrutura e coesão ao ‘edifício jurídico’. Assim, devem ser estritamente obedecidos, sob pena de todo o ordenamento jurídico se corromper”.[8] Em outra obra acrescenta:
“O princípio jurídico constitucional influi na interpretação até mesmo das próprias normas magnas. É que, se um mandamento constitucional tiver pluralidade de sentidos, a interpretação deverá ser feita com vistas a fixar o sentido que possibilitar uma sintonia com o princípio que lhe for mais próximo.
Da mesma forma, se surgir uma aparente antinomia entre os textos normativos da Constituição, ela será resolvida pela aplicação do princípio mais relevante no contexto. Na realidade, o princípio funciona como vetor para o intérprete. E o jurista, na análise de qualquer problema jurídico, por mais trivial que ele possa ser, deve, preliminarmente, alçar-se ao nível dos grandes princípios, a fim de verificar em que direção eles apontam. Nenhuma interpretação será havida por jurídica se atritar com um princípio constitucional.”[9]
Desta forma, confirma-se a importância do tema, porque, com o entendimento dos princípios é possível realizar uma perfeita relação entre a Constituição Federal e as demais normas infraconstitucionais, como dá-se na educação. Roberta Soares da Silva neste sentido, afirma que podemos considerar que:
“[...] os princípios constitucionais constituem os mais elevados valores da sociedade, pois sustentam os pilares de todo o sistema constitucional. São os valores fundantes da sociedade, razão pela qual não podem ser contrariados. [...] Portanto, princípios são normas de grande relevância que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível das possibilidades fáticas existentes.”[10]
Após cuidarmos da compreensão do vocábulo “princípio”, sucederemos a análise deste enquanto princípios constitucionais e o seu vínculo com direito à educação, visto que os direitos sociais são destacados no preâmbulo da Constituição Brasileira e guardam características que os unem diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana. Tal fato, ocorre tanto da herança do texto constitucional quanto das diversas convenções internacionais que tratam dessa matéria.
3. DIFERENCIAÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS
Considerando que as normas jurídicas podem se conformar como princípios e regras é imprescindível avaliar a particularidade entre eles.
Segundo Alberto do Amaral Júnior a teoria geral do direito estabelece distinções entre regras e princípios nos seguintes termos:
“Princípios são pautas genéricas, não aplicáveis à maneira de “tudo ou nada”, que estabelecem verdadeiros programas de ação para o legislador e para o intérprete. Já as regras são prescrições específicas que estabelecem pressupostos e conseqüências determinadas. A regra é formulada para ser aplicada a uma situação especificada, o que significa em outras palavras, que ela é elaborada para um determinado número de atos ou fatos. O princípio é mais geral que a regra porque comporta uma série indeterminada de aplicações. Os princípios permitem avaliações flexíveis, não necessariamente excludentes, enquanto as regras embora admitindo exceções, quando contraditadas provocam a exclusão do dispositivo colidente.”[11]
Segundo Luiz Roberto Barroso, existe uma diferença significativa entre princípios e regras, para ele regras “são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações”.[12] Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, enquadrando-se os fatos na previsão abstrata e produzindo uma conclusão, de modo direto e automático, produzindo seus efeitos. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer.[13]
Já os princípios, de acordo com Luis Roberto Barroso, são mais abstratos que as regras, “não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações”.[14] Segundo o autor supra, os princípios devem ser aplicados mediante ponderação, uma vez que habitualmente entram em tensão dialética. “O intérprete, à vista do caso concreto, irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na medida do possível”.[15] Consequentemente, sua aplicação, não será no esquema “tudo ou nada”, mas ponderada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato.
Nesse fluxo, Edilson Pereira de Farias no que concerne a diferenciação entre o gênero e a espécie, assim arrazoou:
“A distinção lógica entre princípios e regras evidenciada nos casos de colisão de princípios e conflitos de regras, porquanto a maneira de solucioná-los é diversa. No caso de conflito entre regras, este é resolvido introduzindo uma cláusula de exceção ou declarando uma das regras inválida. Quando a primeira hipótese não for possível, só restará alternativa de afastar pelo menos uma das regras conflituosas, declarando-a inválida e expurgando-a do ordenamento jurídico. Esta é essencialmente uma decisão referente à validez de regras, uma vez que vale ou não vale juridicamente. Por seu turno, se o conflito de regras tem lugar na dimensão da validez, a colisão entre princípios (como só podem colidir princípios válidos) ocorre não à dimensão da validez, mas vai mais além, acontece na dimensão do peso. Assim, quando dois princípios entram em colisão e um deles prevalece sobre o outro, isso não significa que o princípio preterido deva ser declarado inválido, senão que sob determinadas condições um princípio tem mais peso ou importância do que o outro e, em outras circunstâncias poderá ocorrer o inverso.”[16]
Portanto, pode-se sintetizar a diferença estrutural entre essas normas conforme Roberta Soares da Silva: Regras – descritor normativo (dever ser): descrição de uma hipótese, da qual advém uma consequência jurídica (subsunção) específica (dar, fazer ou não fazer). Subsunção significa a perfeita adequação do fato à norma; rege-se por determinados atos e fatos da vida. Princípios – prescritor normativo (ser): prescrição de um valor. Não possuem hipótese normativa específica, alçando um indefinido rol de aplicações. Necessitam de maior concretização para serem aplicados, pois a mera subsunção não é possível.[17]
4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O SEU VÍNCULO COM DIREITO À EDUCAÇÃO
Indiscutivelmente, pode-se afirmar que a efetividade do direito a educação está associada à garantia do direito à livre determinação. A educação, portanto, considerada como um direito social é indispensável à efetivação do direito à liberdade, que até mesmo o antecede na formação do Estado de Direito.
Por sua vez, a Constituição Federal atentou também de ajustar a competência legislativa entre os entes da Federação, porém, não existe hierarquia entre as normas provenientes dos diferentes entes federativos. Existindo por assim dizer, apenas uma divisão de competências, em que à União cabe legislar privativamente, sobre diretrizes e bases da educação nacional, e de forma concorrente com os Estados e o Distrito Federal, compete-lhe legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto, conforme art. 24: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] IX - educação, cultura, ensino e desporto”.[18]
Nesse contexto, existindo conflitos entre os direitos, portanto, um deles deve renunciar em prol do outro, ou ambos devem fazer concessões mútuas até que seja encontrada a situação mais justa e harmônica com o ordenamento jurídico no caso concreto de forma a evitar a predominância de alguns em detrimento do sacrifício de outros.
Sobre o princípio da concordância prática ou harmonização, Willis Santiago Guerra Filho, ensinando GADAMER, adverte que toda a descrição conceitual desse princípio, é inspirado na classificação original de Konrad Hesse, e pouco se acrescentou a sua formulação inicial:
“Conforme este princípio, deve-se buscar no problema a ser solucionado, em face da constituição, a confrontação de bens e valores jurídicos que ali estariam conflitando de modo a, no caso concreto sob exame, estabelecer qual ou quais dos valores em conflito deverá prevalecer, preocupando-se, contudo, em otimizar a preservação, igualmente, dos demais, evitando o sacrifício total de uns em benefício dos outros.”[19]
Essa avaliação deve se usar de critérios racionais, a fim de se distinguir qual princípio possui o maior peso em determinada situação e se evitar subjetivismos.
Em relação às normas constitucionais referentes à educação fundamental, estas garantem o pronto gozo desse direito, já que o próprio artigo 208, § 1º da Constituição aborda-o como direito subjetivo público, com eficácia plena e aplicabilidade imediata. Igualmente, esse direito integra o rol mínimo de direitos indispensáveis a uma existência digna, repelida qualquer possibilidade de sua não efetivação.
Segundo a doutrina pátria, o mínimo existencial equivale ao “núcleo essencial” dos direitos fundamentais, apontando o conteúdo insuperável desses direitos. Esta identidade entre núcleo essencial e mínimo existencial pode ser observada no entendimento manifestado por Ana Paula de Barcellos, segundo o qual o mínimo existencial corresponde a um “subconjunto dentro dos direitos sociais, econômicos e culturais menor – minimizando o problema dos custos – e mais preciso – procurando superar a imprecisão dos princípios. E, mais importante, que seja efetivamente exigível do Estado”.[20]
E assim, a submissão a esse conteúdo mínimo se faz devido ao cumprimento da própria Constituição, não sendo lícito ao Estado assumir quaisquer medidas que frustrem a sua aplicação. A referida autora com referência ao aludido tema, afirma que “o mínimo existencial refere-se ao ensino fundamental. Assim se em um determinado Município não houver vagas nas escolas de ensino oficial, pode o munícipe ingressar com uma ação, obrigando o Poder Público Federal, estadual ou municipal, pois a competência é concorrente das três entidades, a efetuar a matrícula em uma escola particular”.[21]
Por força constitucional, o Estado tem o dever de efetivar o direito à educação, reconhecendo seu status de direito subjetivo público, conforme entendimento do STF, Informativo 520, Ministro Relator Celso de Mello - AI 677274 SP:
“A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível” [...] CF, art. 208, IV – reconhece o direito subjetivo público à educação para crianças de até 5 anos de idade. Ainda direito reconhecido neste Tribunal no RE nº 436996/SP e na ADPF/DF nº 45.[22]
Tal reconhecimento garante a cidadão lesado em seu direito, a possibilidade de o mesmo ser exigido contra o poder público de imediato e individualmente. Nesta direção assevera Ricardo Lobo Torres:
“A elevação do direito à educação como subjetivo público confere-lhe o status de direito fundamental, mínimo existencial, arcando o Estado, nos limites propostos, com prestações positivas e igualitárias, cabendo a este, também, através de sua função jurisdicional, garantir-lhes a execução.”[23]
Em outras palavras, caso lhe seja negado este direito, qualquer pessoa sujeito de direito, caso queira, terá a tutela dessa garantia constitucional. Podendo ser negado tal direito, tanto por ação ou por omissão estatal.
Desta forma, compreende-se que o direito a educação, celebrado no artigo 6º da Constituição Federal, é um dos direitos fundamentais sociais, uma vez que, é uma das condições de existência do homem como indivíduo social. Portanto, a educação se mostra como requisito indispensável para a própria cidadania.
Considerando que a educação, longe de ser um objeto de luxo ou o resultado de uma frívola vaidade humana, oportuniza o pleno desenvolvimento da personalidade humana e é um requisito indispensável à concreção da própria cidadania. É a partir dela que o cidadão pode conseguir a efetivação de outros direitos fundamentais. Consequentemente, o mínimo refere-se a direitos associados às necessidades sem as quais não é possível “viver como gente”, isto é, objetiva garantir condições mínimas da existência humana, o mínimo existencial é inerente à ideia de justiça social.
Nas palavras de Wagner Balera “a pauta do mínimo existencial, em matéria de educação, não diz somente com a erradicação do analfabetismo, tema antigo e recorrente, mas, sobretudo com o compromisso com o ensino fundamental, a ser ministrado a todos”.[24] Portanto, este conteúdo mínimo dos direitos é resultante da sua incorporação aos tratados internacionais, às cartas políticas e à legislação infraconstitucional, tornando imprescindível a sua análise, dado os valores maiores aí envolvidos e possui característica de universalidade.
Dessa conclusão decorre que o direito à educação confere ao Estado a sua prestação, resultando na observância essencial dos princípios compreendidos na atividade estatal. Posto que, a educação é serviço público primordial, torna-se essencial a sua manutenção de forma regular e contínua, jamais abaixo das condições a serem necessariamente cumpridas.
Desta forma, existindo por parte do Estado o descumprimento do dever jurídico relativo ao direito à educação, é legítimo fazer uso dos instrumentos processuais contidos no texto constitucional, tais como o mandado de injunção o mandado de segurança e a ação civil pública. Sendo assim, ante o caráter da educação como direito público subjetivo no ingresso ao ensino obrigatório e gratuito, “o seu não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilização da autoridade competente” (art. 54, § 2º/ECA).
Como apresentado até aqui, constata-se que ser inaceitável a mera justificativa de falta de recursos para suprir à demanda desses direitos, visto que, para tanto, seria obrigatória a prova plena e cabal dessa situação por parte do Poder Público. Ainda que comprovada a inexistência total de recursos, mesmo assim, é totalmente viável a realocação de recursos orçamentários para assegurar os direitos prestacionais, como no caso o direito à educação fundamental, por consistir em valor atrelado à dignidade da pessoa humana.[25]
Neste norte, a Comissão Nacional de Direitos Humanos – ONU, em reunião em Nova Deli, em setembro de 2008, divulgou o “Draft Resolution on the Right to Education”, que apresenta diretivas que reconhece a eficácia plena e aplicabilidade imediata do direito à educação. Segundo este documento o estado não precisa esperar por uma legislação infraconstitucional para aplicar o direito à educação, o que corrobora em plano internacional a iminência para se efetivar, na maior medida possível, o direito à educação no seu primeiro estágio, com a universalização da educação básica.
"The State governments need not wait for a Central legislation in order to execute right to education. Legislation is to enforce quality & make it more justiciable. Constitutional amendment cannot be subjugated to legislation”. [26]
O relatório acrescenta ainda que, que os governos locais devem assumir a responsabilidade de garantir direito à educação com participação ativa e envolvimento dos gestores, da comunidades e setor privado. No entanto, não isenta a responsabilidade do Estado, posto que, ao Estado cabe implementar as políticas públicas para a consolidação dos direitos sociais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste estudo, conclui-se que os Princípios Jurídicos é a base, o fundamento de todo o sistema jurídico, ele define a estrutura de um sistema de conceitos, compreensões ou normas, e todas as demais ideias, pensamentos ou normas emanam dele. Evidenciando-se assim, a relevância fundamental dos princípios na ordem jurídica.
Os princípios demonstram valores e a essência pelo qual um ordenamento existe. Da sua inserção no plano constitucional resulta a ordenação dos preceitos constitucionais segundo uma estrutura hierarquizada.[27]
Evidenciou-se a diferença entre princípios e regras visto que o método de solucionar as possibilidades de colisão de princípios e conflitos de regras é diversa, uma vez que, a colisão de princípios é decidida levando em consideração o peso ou a importância relativa de cada princípio, já o conflito entre regras ocorre na dimensão da validade.
Como afirma José Silverio B. Horta, a “Constituição de 1988 fecha o círculo com relação ao direito à educação e à obrigatoriedade escolar na legislação educacional brasileira, recuperando o conceito de educação como direito público subjetivo, abandonado desde a década de 30”.[28]
Portanto, o direito a educação, notabilizado no artigo 6º da Constituição Federal, é um dos direitos fundamentais sociais, pois, trata-se de um requisito de existência do homem como indivíduo social, de forma que, a educação apresenta-se como requisito imprescindível para a consecução da própria cidadania.
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NOTAS:
[1] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Malheiros, São Paulo, 1998, p. 228.
[2] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 230.
[3] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 55.
[4] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Op. cit., p. 55.
[5] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Op. cit., p. 56.
[6] SILVA, José Afonso Da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p. 92.
[7] HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, 2229.
[8] NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 170.
[9] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 37.
[10] SILVA, R. S. A concreção eficacial do princípio da contrapartida no sistema de seguridade social: uma proposta de orçamento. 2014. 205 f. Tese (Doutorado em Direito) - São Paulo: Biblioteca PUC-SP, 2014, p. 44-45.
[11] AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A Boa-fé e o Controle das Cláusulas Contratuais Abusivas nas Relações de Consumo. In: BENJAMIN, Antonio Herman de V. Revista de Direito do Consumidor, Vol. 6., São Paulo: RT, 1993, p. 27.
[12] BARROSO, Luís Roberto. BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. R. Dir. Adm., Rio de Janeiro, 232: 141-176, Abr./Jun. 2003, p. 148.
[13] BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 148.
[14] BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 149.
[15] BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 149.
[16] FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de Direitos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1996, p. 26-27.
[17] SILVA, R. S. Op. cit.; p. 49.
[18] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acessado em: 12.08.2017.
[19] GADAMER apud. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo. Celso Bastos. 1999, p. 56.
[20] BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais - O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 23.
[21] BARCELLOS, Ana Paula. Op. cit., p. 261-262.
[22] STF. Informativo 520 - Ministro Relator Celso de Mello - AI 677274 SP. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo520.htm>. Acessado em: 12.08.2017.
[23] TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidade e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 161.
[24] BALERA, Wagner. Declaração sobre o direito ao desenvolvimento - anotada. Curitiba: Juruá, 2015, p. 200.
[25] BITTAR, Carla Bianca. Educação e direitos humanos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 46.
[26] NATIONAL HUMAN RIGHTS COMMISSION. Draft Resolution on the Right to Education. Disponível em: <http://nhrc.nic.in/dispArchive.asp?fno=1609>. Acessado em: 13.08.2017.
[27] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 153.
[28] HORTA, J. S. B. Direito à educação e obrigatoriedade escolar. Cadernos de Pesquisa, n. 104, p. 5-34, jul. 1998, p. 25.
Graduação em Direito - Faculdades Associadas de Ariquemes (2010). Especialista em Planejamento Educacional e Docência do Ensino Superior pelas Faculdades Associadas de Ariquemes. Atualmente é professor - Faculdades Associadas de Ariquemes-FAAr e mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Flávio Estevão. Os princípios constitucionais e o direito à educação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50697/os-principios-constitucionais-e-o-direito-a-educacao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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