RESUMO: A ação direita de inconstitucionalidade em face do direito municipal, por expressa disposição constitucional, deve ter como parâmetro o direito constitucional estadual. Doutrina e jurisprudência assim se pronunciam após a Constituição Federal de 1988, mas admitem que, de forma indireta, desde que a norma constitucional esteja expressa na Constituição Estadual, a Carta Maior seja parâmetro de referido controle. Não obstante, após o julgamento do recurso extraordinário nº 650898, houve ampliação do parâmetro de controle do direito municipal, passando a ser admitido como tal normas constitucionais de reprodução obrigatória ainda que não escritas nas Cartas Estaduais.
Palavras-chave: controle de constitucionalidade. direito municipal. parâmetro de controle.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. A AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE TENDO COMO OBJETO O DIREITO MUNICIPAL EM CONTRASTE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988; 2. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DO DIREITO MUNICIPAL PERANTE A CONSTITUCIÇÃO ESTADUAL; 3. A NOVA PERSPECTIVA INAUGURADA PELO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 650898; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O presente trabalho busca analisar de que forma é tratado o parâmetro de controle de constitucionalidade da ação direta de inconstitucionalidade do direito municipal na Constituição Federal de 1988.
Primeiramente, será verificado como o tema é tratado na Constituição Federal, passando a uma breve análise da doutrina e da jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal.
Após, será demonstrado que houve alteração do entendimento tradicional, ampliando o parâmetro de controle e dando maior efetividade ao princípio da supremacia da constituição.
1. A AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE TENDO COMO OBJETO O DIREITO MUNICIPAL EM CONTRASTE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988, em observância ao princípio da supremacia da Constituição, estabeleceu mecanismos de controle da validade das leis e atos normativos incompatíveis perante si.
O princípio da supremacia da constituição, basilar do controle de constitucionalidade, é assim definido por José Afonso da Silva:
Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.
Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal.
Os instrumentos de controle, mediante ação direta, são os seguintes: ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, “a”, CF), ação declaratória de constitucionalidade (art. 103,§2º, CF), arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102,§1º, CF), ação direta de inconstitucionalidade por omissão e representação interventiva (art. 36, III, CF).
Em virtude de o presente trabalho dizer respeito tão só à ação direita de inconstitucionalidade, aspectos relativos às demais ações não serão abordados, porquanto impertinentes ao caso.
No que toca à ação direta de inconstitucionalidade, observa-se que seu objeto é limitado às leis e atos normativos federais e estaduais, consoante expressa o art. 102, I, “a”, da CF, in verbis:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; [...]
Nesse diapasão, decorre que a despeito de o princípio da supremacia da constituição impor o respeito da Constituição Federal de 1988 como condição de validade do direito infraconstitucional, se o direito municipal revelar-se inconstitucional, por lege lata, não se efetivará o seu controle de constitucionalidade mediante ação direta de inconstitucionalidade.
O controle de constitucionalidade do direito municipal perante a Constituição Federal de 1988 restou viabilizado, assim, apenas pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, cujo parâmetro de controle é limitado aos prefeitos fundamentais, conforme enuncia os artigos 1º e 2º da Lei nº 9.882/1999:
Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;
II – (VETADO)
Art. 2o Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;
II - (VETADO)
§1o Na hipótese do inciso II, faculta-se ao interessado, mediante representação, solicitar a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do seu ingresso em juízo.
§2º (VETADO)
Por outro lado, a fim de possibilitar algum tipo de controle da constitucionalidade do direito municipal, por ação direta, o constituinte deixou a cargo dos Estados-membros a instituição de referido controle, que deve ter como parâmetro a norma fundamental estadual, qual seja, a Constituição Estadual, ex vi do art. 125, §2º, da CF:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
[...]
§ 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
Com efeito, constata-se que, com exceção da arguição de descumprimento de preceito fundamental, que terá como parâmetro de controle preceitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal, o direito municipal, por expressa previsão constitucional, tem sua constitucionalidade aferida somente perante a Constituição Estadual.
2. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DO DIREITO MUNICIPAL PERANTE A CONSTITUCIÇÃO ESTADUAL
A jurisprudência e a doutrina, praticamente de forma unânime, após o advento da Constituição Federal de 1988, sustentaram que a ação direta de inconstitucionalidade que tem por objeto direito municipal deveria ter como parâmetro, tão só, a Constituição do Estado.
Nesse sentido expressa Pedro Lenza, “o TJ, assim, só realiza controle abstrato tendo como parâmetro a CE, não podendo ter como parâmetro (controle concentrado e abstrato) a CF e, no caso do DF, tendo por parâmetro a Lei Orgânica do DF.”
E Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, “Com efeito, no controle abstrato efetuado pelo STF, o parâmetro é a Constituição Federal, ao passo que no controle abstrato realizado pelos Tribunais de Justiça dos estados, o parâmetro é a Constituição Estadual.”
A jurisprudência também se manifesta no mesmo diapasão:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ART. 74, XI. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROCEDÊNCIA. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe a tribunais de justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição federal. Precedentes. Inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido julgado procedente. (ADI 347, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2006, DJ 20-10-2006 PP-00048 EMENT VOL-02252-01 PP-00008 RTJ VOL-00200-02 PP-00636 LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 12-16 RT v. 96, n. 856, 2007, p. 95-97)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS MUNICIPAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO. VALIDADE DA NORMA EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESE DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. I - Os Tribunais de Justiça dos Estados, ao realizarem o controle abstrato de constitucionalidade, somente podem utilizar, como parâmetro, a Constituição do Estado. II - Em ação direta de inconstitucionalidade, aos Tribunais de Justiça, e até mesmo ao Supremo Tribunal Federal, é defeso analisar leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal. III - Os arts. 74, I, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo não constituem regra de repetição do art. 22 da Constituição Federal. Não há, portanto, que se admitir o controle de constitucionalidade por parte do Tribunal de Justiça local, com base nas referidas normas, sob a alegação de se constituírem normas de reprodução obrigatória da Constituição Federal. IV - Recurso extraordinário conhecido e provido, para anular o acórdão, devendo outro ser proferido, se for o caso, limitando-se a aferir a constitucionalidade das leis e atos normativos municipais em face da Constituição Estadual. (RE 421256, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 26/09/2006, DJ 24-11-2006 PP-00076 EMENT VOL-02257-07 PP-01268 LEXSTF v. 29, n. 338, 2007, p. 255-267)
Observam, ainda, que há normas inscritas nas Constituições Estaduais que são meras repetições de enunciados da Constituição Federal, o que enseja a admissão, ainda que indireta, do controle do direito municipal perante a Constituição Federal.
Ademais, caso estas normas sejam de reprodução obrigatória, a decisão proferida em controle de constitucionalidade do direito municipal em âmbito estadual poderá desafiar recurso extraordinário.
Nesse sentido é a lição de Gilmar Mendes:
Não se deve olvidar que o chamado poder constituinte decorrente do Estado-membro é, por sua natureza, um poder constituinte limitado, ou, como ensina, Anna Cândida da Cunha Ferraz, é um poder que “nasce, vive e atua com fundamento na Constituição Federal que lhe dá supedâneo; é um poder, portanto sujeito a limites jurídicos, impostos pela Constituição Maior”. Essas limitações são de duas ordens: as Constituições estaduais não podem contrariar a Constituição Federal (limitação negativa); as Constituições estaduais devem concretizar no âmbito territorial de sua vigência os preceitos, o espírito e os fins da Constituição Federal (limitação positiva).
A ideia de limitação material (positiva ou negativa) do poder constituinte decorrente remonta, no Direito Constitucional brasileiro, à Constituição de 1891, que, no art. 63, previa que cada Estado seria regido “pela Constituição e pelas leis” que adotasse, “respeitados os princípios constitucionais da União”. Embora o texto não explicitasse quais eram esses princípios, havia certo consenso na doutrina sobre o conteúdo dessa cláusula. As controvérsias político - constitucionais instauradas levaram o constituinte derivado, na Reforma de 1926, a elencar, expressamente, esses princípios. Essa tendência foi preservada pelas Constituições que a sucederam.
A doutrina brasileira tem -se esforçado para classificar esses princípios constitucionais federais que integram, obrigatoriamente, o direito constitucional estadual. Na conhecida classificação de José Afonso da Silva, esses postulados podem ser denominados princípios constitucionais sensíveis, extensíveis e estabelecidos. Os princípios constitucionais sensíveis são aqueles cuja observância é obrigatória, sob pena de intervenção federal (CF de 1988, art. 34, VII). Os princípios constitucionais extensíveis consistem nas regras de organização que a Constituição estendeu aos Estados -membros (v. g., CF, art. 25).
Os princípios constitucionais estabelecidos seriam aqueles princípios que limitam a autonomia organizatória do Estado.
A Constituição de 1988 foi moderada na fixação dos chamados princípios sensíveis.
Nos termos do art. 34, VII, devem ser observados pelo Estado -membro, sob pena de intervenção: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da Administração Pública direta e indireta.
O texto constitucional contém, todavia, uma pletora de disposições que afetam a organização da unidade federada, como um todo. Pretender que a reprodução dessas normas federais no texto constitucional estadual implica a sua descaracterização como parâmetro de controle estadual revela -se assaz perigoso para a própria segurança jurídica. Até porque haveria imensa dificuldade de se identificar, com precisão, uma norma ontologicamente estadual. Não é preciso dizer que adoção do critério proposto na Reclamação n. 370 importaria, na sua
essência, no completo esvaziamento da jurisdição constitucional estadual.
Portanto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Reclamação n. 383 veio restabelecer a melhor doutrina, assentando que, posta a questão da constitucionalidade da lei municipal (ou da lei estadual) em face da Constituição estadual, tem -se uma questão constitucional estadual.
Vê -se que, dado o caráter vinculativo e a índole genérica inerentes ao modelo concentrado de controle de constitucionalidade, a possibilidade de coexistência entre jurisdições constitucionais federal e estadual, em uma ordem federativa, exige, igualmente, a definição de “parâmetros de controle” autônomos e diferenciados.
E de Pedro Lenza:
Excepcionalmente, contudo, pode surgir situação em que o parâmetro da CE nada mais seja que uma norma de observância obrigatória ou compulsória pelos Estados-membros (norma de reprodução obrigatória).
Nesse caso, se a lei estadual, ou mesmo a municipal, viola a CE, no fundo, pode ser que ela esteja, também, violando a CF. Como o TJ não tem essa atribuição de análise, buscando evitar a situação de o TJ usurpar competência do STF (o intérprete máximo da Constituição), abre-se a possibilidade de se interpor recurso extraordinário contra o acórdão do TJ em controle abstrato estadual para que o STF diga, então, qual a interpretação da lei estadual ou municipal perante a CF.
Igualmente, impende mencionar que também assim se manifestava a jurisprudência:
EMENTA: Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observancia obrigatoria pelos Estados. Eficacia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observancia obrigatoria pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente. (Rcl 383, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 11/06/1992, DJ 21-05-1993 PP-09765 EMENT VOL-01704-01 PP-00001 RTJ VOL-00147-02 PP-00404)
EMENTA: Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal. IPTU. Progressividade. - O Plenário desta Corte, ao julgar o RE 153.771, relativo à progressividade do IPTU, firmou o entendimento que "no sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real", e, assim sendo, "sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real, que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (especifico). - O acórdão recorrido julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade em causa, porque deu ao artigo 160, §1º, da Constituição do Estado de São Paulo (que reproduz o artigo 145, §1º, da Carta Magna Federal) interpretação diversa da que esta Corte tem dado ao princípio constitucional federal reproduzido pela Constituição Estadual. Recurso extraordinário conhecido e provido, para julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade, declarando, com eficácia erga omnes, inconstitucional o artigo 1º da Lei 11.152, de 30 de dezembro de 1991, do Município de São Paulo, na parte que altera a redação dos artigos 7º e 27 e respectivos parágrafos da Lei 6.989, de 29 de dezembro de 1966, com a redação que lhes foi conferida pelas Leis nºs 10.394, de 20 de novembro de 1987, 10.805, de 27 de dezembro de 1989, e 10.921, de 30 de dezembro de 1990. (RE 199281, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 11/11/1998, DJ 12-03-1999 PP-00018 EMENT VOL-01942-03 PP-00625)
Com esse contexto, havia, até o julgamento do recurso extraordinário nº 650898, consolidação na doutrina e na jurisprudência de que a ação direta de inconstitucionalidade do direito municipal só poderia ter como objeto a Constituição Estadual e, excepcionalmente, caso houvesse repetição de norma da Constituição Federal na Carta Fundamental Estadual, seria legítimo o controle em face do Texto Maior, de forma indireta.
3. A NOVA PERSPECTIVA INAUGURADA PELO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 650898
Após o julgamento do recurso extraordinário nº 650898, sob o regime de repercussão geral, de 1º de fevereiro de 2017, o Supremo Tribunal Federal superou o entendimento anterior e passou a admitir que a ação direta de inconstitucionalidade que tem como objeto o direito municipal, ainda que realizado pelo Tribunal de Justiça Estadual, pode ter como parâmetro a Constituição Federal, desde que se trate de norma de reprodução obrigatória, ainda que não repetida na Carta Estadual.
Pare elucidação, vejamos a emenda do julgado mencionado:
Ementa: Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. Ação direta de inconstitucionalidade estadual. Parâmetro de controle. Regime de subsídio. Verba de representação, 13º salário e terço constitucional de férias. 1. Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados. Precedentes. 2. O regime de subsídio é incompatível com outras parcelas remuneratórias de natureza mensal, o que não é o caso do décimo terceiro salário e do terço constitucional de férias, pagos a todos os trabalhadores e servidores com periodicidade anual. 3. A “verba de representação” impugnada tem natureza remuneratória, independentemente de a lei municipal atribuir-lhe nominalmente natureza indenizatória. Como consequência, não é compatível com o regime constitucional de subsídio. 4. Recurso parcialmente provido. (RE 650898, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/02/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017)
Deveras, a partir de tal precedente, pode-se observar que o entendimento anterior que exigia que a norma constitucional estivesse expressa na Constituição do Estado para ser parâmetro em ação direta restou superado, sendo, agora, suficiente que a norma constitucional seja de reprodução obrigatória para ser utilizada como parâmetro em referida ação.
Para tais efeitos, doutrina reconhece como norma de reprodução obrigatória aquelas que trazem os princípios sensíveis, os estabelecidos e os extensíveis, assim definidos por José Afonso da Silva:
[...] princípios sensíveis são aqueles clara e indubitavelmente mostrados pela Constituição, os apontados, enumerados. São sensíveis [...] como coisa dotada de sensibilidade, que, em sendo contrariada, provoca reação, e esta, no caso, é a intervenção nos Estados, exatamente para assegurar sua observância.
[...] princípios estabelecidos são [...] os que limitam a autonomia organizatória dos Estados; são aquelas regras que revelam, previamente, a matéria de sua organização política, de caráter vedatório, bem como os princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia estadual, cuja identificação reclama pesquisa no texto da Constituição.
[...] princípios extensíveis, aqueles que consubstanciavam regras de organização da União, cuja aplicação [...] se estendia aos Estados.
Portanto, tratando-se de normas de reprodução obrigatória, segundo o Supremo Tribunal Federal, para efeito de ação direta de inconstitucionalidade do direito municipal, é prescindível a sua remissão ou transcrição na Constituição Estadual, de forma que se ampliou o parâmetro de controle, conferindo maior efetividade ao princípio da supremacia da constituição.
O princípio da máxima efetividade da constituição impõe a observância, por todos, das normas estabelecidas na Constituição Federal.
A despeito dessa ideia, em virtude de disposição expressa da Constituição Federal, o direito municipal não é objeto de controle perante si, sendo seu controle realizado perante a Constituição Estadual, que não apresenta as mesmas regras da Carta Maior.
Para contornar tal problemática, doutrina e jurisprudência consolidaram que, ainda que de forma indireta, seria admitida ação direta de inconstitucionalidade em face do direito municipal tendo como parâmetro a Constituição Federal, desde que se tratasse de norma da Constituição Federal reproduzida ou remissiva, com possibilidade de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal caso a norma fosse de reprodução obrigatória.
No entanto, após o julgamento do recurso extraordinário nº 650898, sob o regime de repercussão geral, de 1º de fevereiro de 2017, o Supremo Tribunal Federal passou a admitir que os Tribunais de Justiça Estaduais adotem como parâmetro de controle normas da Constituição Federal, independentemente de expressa previsão nas Constituições Estaduais, desde que tal norma seja de reprodução obrigatória, quais sejam: normas relativas aos princípios sensíveis, estabelecidos e extensíveis.
Tem-se, assim, que a decisão do recurso extraordinário nº 650898 ampliou o parâmetro de controle do direito municipal e conferiu máxima efetividade ao princípio da supremacia da constituição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 18 set. 2017.
BRASIL. Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm. Acesso em: 18 set. 2017.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 38ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo, MÉTODO, 2012.
PAULO, Vicente, ALEXANDRINO, Marcelo. Resumo de Direito Constitucional Descomplicado, 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
SILVA, José Afondo da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 37ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
Advogado do Município de Bragança Paulista/SP. Bacharel em Direito pela Universidade São Francisco. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMALHO, Henri Dhouglas. Aspectos relevantes relativos ao parâmetro do controle de constitucionalidade em ação direta de inconstitucionalidade em face do direito municipal após a decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 650898 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 set 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50702/aspectos-relevantes-relativos-ao-parametro-do-controle-de-constitucionalidade-em-acao-direta-de-inconstitucionalidade-em-face-do-direito-municipal-apos-a-decisao-proferida-no-recurso-extraordinario-no-650898. Acesso em: 23 dez 2024.
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