RESUMO: O estudo exposto almeja traçar diretrizes sobre a atuação do profissional da advocacia, abordando as espécies de responsabilidade, pautadas ora no Código Civil, ora no Código de Defesa do Consumidor, bem como os principais argumentos utilizados pela doutrina clássica para não aplicação dos institutos consumeristas ao exercício da advocacia.
PALAVRAS-CHAVE: Advocacia. Direito do consumidor. Doutrina.
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 O exercício da advocacia e seu novos paradigmas – um diálogo entre as fontes 3 Considerações Finais 4 Referências Bibliográficas
1 INTRODUÇÃO
A advocacia possui papel proeminente no cenário jurídico nacional, tanto para a formação quanto para o funcionamento do Poder Judiciário. Sendo constitucionalmente elencada como atividade essencial à administração da Justiça, compete aos advogados primar pela defesa dos direitos de seus outorgantes. Cumpre analisar qual a natureza jurídica deste elo, e, por conseguinte, quais normas protegem o contratante, uma vez que, de maneira geral, a sociedade não detém conhecimentos suficientes para exigir o cumprimento dos deveres desses profissionais.
Ademais, vislumbra-se atualmente uma estandardização das relações de consumo, inclusive na prestação de serviços advocatícios, o que desvirtua os contratos tipicamente firmados como “intuitu personae”. Por diversas vezes, tal atuação massificada fulmina com a pretensão levada a juízo, em razão da desídia do profissional. Perquire-se, portanto, se esta relação pode ser caracterizada como de consumo, aplicando-se os princípios do Código de Defesa do Consumidor, em especial o da vulnerabilidade. Tal controvérsia tem admitido várias interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, o que ocasiona uma insegurança jurídica àqueles que mantêm relações jurídico-profissionais com advogados ou sociedades de advogados.
O presente estudo encontra como fundamento central a relevância acadêmica do tema, uma vez que é insatisfatório para o meio jurídico que um dos pilares da Justiça, o exercício da advocacia, sofra com a instabilidade dos julgadores que avaliam a relação entre cliente e advogado ora em conformidade com os parâmetros do Código de Defesa do Consumidor, ora como contrato regido pelo Direito Civil. Ademais, no contexto social, urge um esclarecimento à população de quais são seus reais direitos e a forma correta de reivindicá-los.
Ressalte-se, contudo, que se adota como critério de análise o constituinte sendo pessoa física, não se examinando, sobremaneira, a relação estabelecida entre o profissional da advocacia e as pessoas jurídicas.
Outrossim, o tema, a aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor aos contratos advocatícios, com foco na relação advogado-cliente, apresenta grande dissenso nas Turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e na jurisprudência em geral.
2 O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA E SEUS NOVOS PARADIGMAS – UM DIÁLOGO ENTRE AS FONTES
O exercício da advocacia encontra respaldo no art. 133, da Constituição Federal (CF), dentro do Capítulo IV, “Das Funções Essenciais à Justiça”, nos seguintes termos: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. (BRASIL, Constituição Federal)”.
A profissão tem como matriz ideológica a proteção e defesa de direitos em juízo, ou fora dele, uma vez que o advogado, instruído nas ciências jurídicas, inscrito e habilitado pela Ordem dos Advogados do Brasil, possui o arcabouço jurídico necessário para postular decisão favorável e a convencer o magistrado de suas alegações (§ 2º, art. 2º, da Lei 8.906/94). Há que se entender o exercício da advocacia, portanto, conforme preleciona Grinover (2012, p. 129):
O profissional legalmente habilitado a orientar; aconselhar e representar seus clientes, bem como para defender-lhes os direitos e interesses em juízo ou fora dele [...] O advogado, na defesa judicial dos interesses do cliente, age com legítima parcialidade institucional. O encontro de parcialidades institucionais opostas constitui fator de equilíbrio e instrumento da imparcialidade do juiz.
A importância e reconhecimento da atividade advocatícia é de tal monta que o Código de Processo Civil, em seu art. 36, estabelece a regra de que cabe somente ao advogado promover as ações em juízo e representar seus outorgantes, em decorrência de sua capacidade postulatória (o próprio dispositivo traz algumas exceções, não taxativas, quando faculta a parte postular em causa própria se legalmente habilitada ou na falta de profissional no local ou de seu impedimento).
Sendo alçada como pressuposto processual de existência, sua ausência implica na inexistência do processo, gerando vício passível de correção por meio da ação de “querela nullitatis insanabilis”, de natureza declaratória. Tal ação, atualmente prevista nos arts. 475-L, I, e 741, I, do Código de Processo Civil de 1973, também encontra-se delineada nos arts. 525, §1º, I, e 535, I, do Novo Código de Processo Civil de 2015.
Vislumbra-se uma função social do advogado em face da Constituição Federal, visto que sua atuação é necessária para que o Estado-Juiz seja capaz de cumprir a sua função primordial de prestação da tutela jurisdicional, uma vez que é vedado aos magistrados, em regra, ajuizarem ações sem a provocação da parte ofendida, representada por aquele que detém o ius postulandi.
A atuação do advogado pode ocorrer de duas formas distintas: a prestação dos serviços no âmbito judicial e no extrajudicial, conforme se aduz da leitura do art. 1º, do Estatuto: “São atividades privativas de advocacia: I – a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.” (BRASIL, Lei N.º 8.906).
A Lei N.º 8.906/84, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), garante determinadas prerrogativas em seu art. 7º para que o advogado possa exercer sua profissão, dentre elas, a liberdade do exercício profissional; a inviolabilidade do advogado; a imunidade profissional por manifestações e atos; e o sigilo profissional.
Os deveres impostos ao profissional, por sua vez, são elencados nos artigos 31 a 33 do Estatuto, havendo clara menção, no art. 33, parágrafo único, de que cabe ao Código de Ética e Disciplina (CED) regular as relações do advogado com a comunidade, seu constituinte e os demais profissionais. No CED regula-se, em seu Título II, do art. 8º ao 24, a relação do advogado com o cliente. Cumpre destacar o seguinte regramento previsto no art. 8º de que “o advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda.” (BRASIL, Código de Ética e Disciplina da OAB).
Depreende-se do dispositivo em comento que o profissional da advocacia deve prestar todas as informações pertinentes ao desenvolvimento da lide em juízo, ressaltando que sua atuação se dará com toda a diligência cabível ao feito, de forma que não se compromete em auferir uma prestação jurisdicional positiva, mas apenas de exercer sua atividade com todo o cuidado e perícia possíveis. Evidencia-se, portanto, que o ofício do advogado em juízo se configura em uma obrigação de meio, a qual, segundo Gagliano (2011, p. 134), define-se da seguinte forma:
A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga a empreender sua atividade, sem garantir, todavia, o resultado esperado. As obrigações do médico, em geral, assim como as do advogado, são, fundamentalmente, de meio, uma vez que esses profissionais, a despeito de deverem atuar segundo as mais adequadas regras técnicas e científicas disponíveis naquele momento, não podem garantir o resultado de sua atuação (a cura do paciente, o êxito no processo).
Importante proceder à distinção entre obrigação de meio e de resultado, posto que não se configura a responsabilidade objetiva naquelas, gerando-se apenas o direito de reparo quando o advogado agir com culpa (imprudência, imperícia ou negligência), diferentemente do que ocorre quando se trata de obrigação de resultado, na qual se avalia a responsabilidade tendo como parâmetro apenas o fim almejado, independendo do animusdo agente e investigando-se tão somente a existência do dano, de uma relação de causa entre aquele e uma ação ou omissão do agente.
Da análise do art. 12, do CED, o qual veda o abandono e o desamparo dos feitos, sem motivo justo e comprovada ciência do constituinte, deflui-se para o art. 32 do Estatuto, que impõe a responsabilidade do advogado, no exercício profissional, quando praticar atos com dolo ou culpa. Ocorrendo tal violação, cabe responsabilização por falta de ética profissional conforme estatui o Capítulo VII, Título II, do “Procedimento Disciplinar”, do dispositivo em comento.
Contudo, não restou esclarecido como se procede à responsabilização do advogado frente ao seu constituinte, pessoa física.
Inicialmente, importante a distinção entre as espécies de responsabilidade contratual e extracontratual. Esta deflui das regras estatuídas do art. 186 e do art. 927 do Código Civil, denominada de responsabilidade aquiliana, ao passo que o art. 389 do mesmo Código disciplina os efeitos resultantes da responsabilidade contratual. A responsabilidade decorrente do contrato pressupõe um vínculo jurídico derivado da convenção entre as partes, ou seja, a obrigação de indenizar emerge do inadimplemento de um feixe de direitos e deveres previamente acordados entre os contratantes. Ao passo que, na responsabilidade aquiliana, não existe um liame jurídico entre o causador do dano e a vítima, até que, por ação ou omissão, aquele cause danos patrimoniais ou extrapatrimoniais ao lesado, desde que não ocorra hipótese de excludentes da responsabilidade.
A responsabilização dos advogados para com seus clientes, tanto na atuação judicial, quanto na extrajudicial, decorre tipicamente do vínculo contratual entre as partes, conforme preleciona Diniz (2015, p. 321), ao afirmar que “será contratual, pois aos profissionais liberais ou manuais se aplicam as noções de obrigação de meio e de resultado, que partem de um contrato”.
Para alguns juristas, no âmbito da atuação judicial, por se tratar de uma responsabilidade decorrente de descumprimento de cláusula contratual (o dever de assistência, de apresentar as provas, de acompanhar o processo em todas suas fases e etc), ocorre, em um primeiro momento, a necessidade de comprovação, pela parte prejudicada, da existência de dano. Tal assertiva encontra-se respaldada pelo art. 333 do Código de Processo Civil (CPC), no qual se estabelece que o ônus da prova dos fatos alegados incumbe ao autor. Insta sopesar que o dispositivo em comento pressupõe uma relação jurídica em que ambas as partes detenham controle dos meios de produção de prova, ou seja, posicionam-se em patamar de igualdade tanto na possibilidade de congregar os elementos constitutivos de seus direitos quanto no mínimo de conhecimento jurídico necessário para utilizá-los.
Para outra vertente doutrinária, incide a aplicação do art. 14, § 4º, do CDC, segundo o qual se apura a responsabilidade dos profissionais liberais mediante a verificação de culpa. Nesta hipótese, contudo, não se afasta a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, conforme dispõe o art. 6º, VIII, do CDC, pois, presente a verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência deste, é facultado ao magistrado recorrer-se do instituto com o fito de facilitar a defesa de seus direitos, conforme precedente colacionado:
RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO E HOSPITAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RESPONSABILIDADE DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS - MATÉRIA DE FATO E JURISPRUDÊNCIA DO STJ (REsp. Nº 122.505-SP). 1. No sistema do Código de Defesa do Consumidor a "responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa" (art. 14, § 4º). 2. A chamada inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao "critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências" (art. 6º, VIII). Isso quer dizer que não é automática a inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilitação da defesa" dos direitos do consumidor. E essas circunstâncias concretas, nesse caso, não foram consideradas presentes pelas instâncias ordinárias. 3. Recurso especial não conhecido.(STJ - REsp: 171988 RS 1998/0029834-7, Relator: Ministro WALDEMAR ZVEITER, Data de Julgamento: 24/05/1999, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 28/06/1999 p. 104 JBCC vol. 194 p. 74 JSTJ vol. 8 p. 294 RT vol. 770 p. 210)
Cabível, portanto, a aplicação dos princípios consumeristas na prestação de serviços advocatícios, como a possibilidade de inversão do ônus da prova quanto aos fatos alegados?
Foge da razoabilidade fática pressupor que um constituinte com explícita falta de conhecimento forense vá se socorrer de outro profissional da advocacia para instruí-lo em juízo contra o primeiro outorgado. Evidente que esta parte detém a chamada vulnerabilidade jurídica, a qual se constitui no desconhecimento dos trâmites legais e de outras matérias pertinentes ao litígio para ter sua pretensão acolhida pelo Poder Judiciário. Muitas vezes, essas pessoas, reclusas em uma vida de labor, não possuem a mais básica instrução para sequer compreenderem o teor dos contratos firmados. Inúmeros são os casos de agricultores que pleiteiam benefícios previdenciários, tais como o de aposentadoria rural, e têm sua pretensão indeferida simplesmente pela inépcia do advogado em requisitar os documentos necessários de seu próprio cliente. Em notórios contratos de adesão, profissionais da advocacia cobram um determinado valor de uma quantidade exorbitante de constituintes e, por desídia, não prestam a assistência necessária aos casos específicos.
Para ilustrar o tema, colaciona-se acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre o tema:
Da leitura do artigo legal se infere que o legislador afastou a responsabilização objetiva em face de erros praticados por profissionais liberais, tais como advogados, pois a relação é fundada basicamente na confiança. Ocorre que tal norma legal de nenhuma forma estabelece a impossibilidade de inverter-se o ônus probatório em favor do consumidor, porque evidente a condição hipossuficiente deste em relação ao outro." (AI n. 70005785118, TJRS, julg. 27.05.2003).
Portanto, em regra, deve-se aplicar o disposto no art. 333 do CPC ao se verificar uma relação de paridade. Entende-se, contudo, que se excepciona tal dispositivo, quanto às cláusulas contratuais, verificando-se a existência de vulnerabilidade jurídica deste constituinte, através da análise do caso in concreto.
Importante destacar a positivação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova no art. 373, §1º, do Novo Código de Processo Civil, cuja matriz ideológica se funda na prevalência do dinamismo processual e do princípio da cooperação para a resolução da lide, e sua diferença com a inversão do ônus da prova. Conforme dispõe o artigo em comento, diante de previsão legal ou em decorrência das peculiaridades do caso, quanto à impossibilidade ou à excessiva dificuldade em se cumprir o encargo conforme a teoria estática do ônus da prova (autor deve comprovar os fatos constitutivos de seu direito e o réu a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos deste), é facultado ao juiz atribuir o ônus da prova de maneira diversa, através de decisão fundamentada, garantido o contraditório e ampla defesa para reversão do provimento jurisdicional. Desta feita, trata-se de alteração da carga probatória prevista em lei através da análise in concreto do magistrado, na qual cada litigante apresentará qualquer tipo de prova, desde que seja possível e mais simples de fê-lo, evidenciando-se o caráter de instrumentalidade do processo frente ao direito material. Neste caso, pautado no princípio inquisitivo e na persuasão racional, cabe ao magistrado analisar a quem incumbe cada ônus, em relação a cada situação específica.
A inversão do ônus da prova refere-se ao deslocamento completo do encargo de uma parte à outra. Não corresponde ao provimento jurisdicional que determina o dinamismo quanto à produção de provas, pautadas na maior facilidade em confeccioná-las, mas é a transferência rígida do ônus processual, nas hipóteses previstas em lei. Assim sendo, o juiz não realiza apreciação própria, mas é mero aplicador da norma.
Conforme determina o art. 6º, VIII, do CDC, sendo verossímeis as alegações do autor, ou quando ele for hipossuficiente, o juiz procederá com a inversão do ônus da prova. Ou seja, constatado um destes requisitos surge o direito do consumidor à inversão do ônus, tendo o magistrado função de concretizar o comando legal.
A inversão do ônus da prova é, conforme explanado, mecanismo de proteção muito mais eficiente para garantir os direitos do consumidor. Não obstante, pode-se tecer comentário crítico de que, em verdade, na seara dos direitos consumeristas os dois institutos se aproximam muito, visto que, em decorrência da própria sistemática do CDC, que prevê a aplicação de suas regras aos vulneráveis, acaba-se impondo até mesmo na sistemática do dinamismo processual do NCPC a obrigação do prestador/fornecedor em cumprir grande parte ou a totalidade do ônus processual.
Em relação à atuação extrajudicial do advogado, algumas diferenças podem ser apontadas, uma vez que, para parcela da doutrina, cabe a responsabilização contratual fundada na responsabilidade subjetiva do profissional, conforme explicitado acima.
Para a outra corrente, cabe a responsabilização objetiva, visto que se trataria de uma obrigação de resultado, conforme preleciona Stoco (2007, p. 500):
Quando esse profissional tem atuação extrajudicial, ou seja, fora do juízo, como jurisconsulto, pareceristas, conselheiro ou contratado para tarefa certa, como a redação de um contrato, de um estatuto ou ato constitutivo; de providenciar o registro público desses documentos, então estará assumindo uma obrigação de resultado, pois o contrato objetivou essa finalidade. Evidente que ao produzir um parecer não está assumindo a obrigação de que seu trabalho intelectual deverá conduzir ao sucesso na ação judicial onde será apresentado. Tem obrigação de resultado na medida em que lhe foi encomendado um estudo jurídico e esse dever ser apresentado tal como a encomenda e no dia aprazado. Nessas hipóteses e como exceções, a não-obtenção desse resultado, por erro indesculpável, caracterizará o inadimplemento contratual e nascerá a obrigação de reparar se prejuízo efetivo decorrer.
Tal instituto se assemelha à responsabilidade objetiva do art. 20, § 2°, do CDC, visto que a atuação do profissional que não corresponder razoavelmente ao que se espera ou que não atenda as normas regulamentares de prestabilidade pode caracterizar o serviço como impróprio, viciado. Contudo, imprescindível relacionar com o art. 14, § 4°, CDC, em que se determina que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Dispositivo que, a priori, afasta a possibilidade de responsabilização objetiva do advogado.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, conclui-se que a prática extrajudicial do prestador de serviços advocatícios deve ser entendida como uma relação em que o outorgado se incumbe de atividades específicas, conforme firmado em contrato. A depender da natureza da obrigação pactuada há de se ter uma responsabilidade objetiva ou subjetiva. Toma-se como exemplo a atuação como jurisconsulto, na qual não há que se discutir se os conhecimentos do profissional alcançaram a plenitude do interesse subjetivo do constituinte, tendo uma clara feição de obrigação de meio. Tendo, contudo, se prestado a elaborar um contrato de compra e venda, não há que se averiguar a existência de culpa do prestador de serviços advocatícios no caso de não se entregar o documento requerido, constituindo-se, portanto, em uma obrigação de resultado.
Em decorrência da nítida especificidade do contrato de prestação de serviço extrajudicial, entendido como o cumprimento de atividades pré-determinadas, não se vislumbra muitos casos de massificação do instituto. Todavia, presentes os vícios existentes na já abordada atuação judicial, quais sejam, estandardização dos contratos e vulnerabilidade jurídica da parte, existe a possibilidade de se aplicar os princípios do CDC.
Insta salientar, todavia, que em ambas as formas de atuação em juízo, comprometendo-se o profissional da advocacia em lograr determinado resultado, caberá a responsabilização objetiva, fundada no art. 14, caput, do CDC, constituindo ônus do advogado, anteriormente ao firmamento do contrato, prestar todas as informações pertinentes ao outorgante dos serviços a serem executados, explicitando como a ação se processará e suas possíveis hipóteses de resolução.
De toda feita, tanto na prática judicial, quanto na extrajudicial, reside no art. 5º, do CED, um dos principais argumentos para não aplicação dos princípios consumeristas aos contratos advocatícios, pois o mencionado dispositivo afirma que não é compatível com exercício da advocacia qualquer procedimento de mercantilização. Para se compreender tal conceito, deve-se aprofundar em como se configura a relação de consumo, feita em tópico seguinte.
Outro ponto de divergência que respeitável segmento da doutrina apresenta refere-se ao fato do Estatuto da Advocacia e da OAB, de 1994, ser considerado lei específica, visto que confeccionada em data posterior ao Código de Defesa do Consumidor, de 1990, conforme se depreende do julgado colacionado:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE CONHECIMENTO PROPOSTA POR DETENTOR DE TÍTULO EXECUTIVO. ADMISSIBILIDADE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei nº 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. (STJ - REsp: 532377 RJ 2003/0083527-1, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento: 21/08/2003, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 13/10/2003 p. 373REVFOR vol. 375 p. 298RT vol. 820 p. 228).
Para esta vertente doutrinária há de se aplicar a regra de que lei específica que trate sobre a mesma matéria tem o condão de revogar as leis anteriores naquilo que lhes for incompatível (art. 2º, § 1o, da LINDB), sendo, portanto, inaplicável, o uso do CDC na relação advocatícia.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça - REsp: 171988 RS 1998/0029834-7, Relator: Ministro WALDEMAR ZVEITER, Data de Julgamento: 24/05/1999, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 28/06/1999 p. 104 JBCC vol. 194 p. 74 JSTJ vol. 8 p. 294 RT vol. 770 p. 210, disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8391388/recurso-especial-resp-171988-rs-1998-0029834-7.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça - REsp: 539077 MS 2003/0099158-3, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 26/04/2005, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 30/05/2005 p. 383 RDDP vol. 29 p. 124, disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7227159/recurso-especial-resp-539077-ms-2003-0099158-3-stj.
BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Recurso Cível 71000533554, Porto Alegre – Terceira Turma Recursal Cível – Rel. Des. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez – j. 13.07.2004, disponível em http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5557266/recurso-civel-71000533554-rs/inteiro-teor-101916418.
BRASIL, Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, Publicado no Diário da Justiça, Seção I, do dia 01.03.95, pp. 4.000/4004, disponível em http://www.oab.org.br/visualizador/19/codigo-de-etica-e-disciplina.
BRASIL, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.
BRASIL, Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm.
BRASIL, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm.
BRASIL, Lei 8.906, de 4 de julho de 1984, Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, Volume II. 12ª Edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2011, p. 134.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª Edição. São Paulo. Malheiros Editores LTDA. 2012, p. 129.
STOCO, Rui. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 500.
Procurador autárquico da Manaus Previdência. Graduado em Direto pela Universidade Federal do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GERALDO UCHôA DE AMORIM JúNIOR, . A prestação de serviços advocatícios: novos paradigmas das relações civis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 out 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50723/a-prestacao-de-servicos-advocaticios-novos-paradigmas-das-relacoes-civis. Acesso em: 23 dez 2024.
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