RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar os aspectos jurídicos do direito de nacionalidade no ordenamento jurídico brasileiro, bem como analisar a decisão do STF no bojo do RMS 27.840/DF. A forma metodológica do trabalho foi pautada na consulta a explicações científicas que delineassem os conceitos envolvidos na discussão em epígrafe.
Palavras-chave: Nacionalidade; Naturalização; Direitos fundamentais; Direito Internacional Público.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de Nacionalidade. 3. Nacionalidade e Direito Internacional. 4. Formas de aquisição da nacionalidade. 4.1 Nacionalidade na Constituição de 1988. 4.1.1. Nacionalidade originária (brasileiro nato). 4.1.2 Nacionalidade adquirida (brasileiro naturalizado). 5. Perda da nacionalidade brasileira adquirida e a decisão do STF no RMS 27.840/DF. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. Introdução
O presente artigo visa realizar um estudo sobre o direito à nacionalidade na ordem jurídica brasileira, direito fundamental de grande importância no âmbito do estudo do Direito Internacional Público e Direito Constitucional, tendo em vista a sua relação com a soberania dos Estados.
Ademais, realiza-se uma análise dos principais aspectos da recente decisão do STF no RMS 27.840/DF, que tratou do tema da perda de nacionalidade adquirida, prevista no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80), quando verificada a falsidade ideológica ou material dos requisitos exigidos no requerimento de naturalização destinado ao Ministro da Justiça.
Assim, primeiramente, efetua-se a conceituação de nacionalidade, conforme ensinamentos doutrinários. Após, comenta-se como o direito de nacionalidade é tratado na ordem internacional, por meio de convenções e tratados internacionais.
Prosseguindo no estudo, analisa-se as formas de aquisição da nacionalidade (originária e adquirida) e de que forma a Constituição Federal prevê o tema.
Por fim, trata-se de que forma o ordenamento jurídico brasileiro prevê a perda da nacionalidade derivada e como a decisão do STF no RMS 27.840/DF tratou da temática.
2. Conceito de Nacionalidade
Primeiramente, deve-se compreender o que é nacionalidade para entendermos a importância desse instituto na ordem internacional e no Direito interno dos Estados.
Segundo Guerra, “nacionalidade é o vínculo político jurídico que une o indivíduo ao Estado em que ele nasce e pelo qual o indivíduo passa a ter direitos e deveres com o Estado, assim como o Estado para com ele[1]”.
No mesmo sentido, cumpre colacionar a lição de Rezek:
Nacionalidade é um vínculo político entre o Estado soberano e o indivíduo, que faz deste um membro da comunidade constitutiva da dimensão pessoal do Estado. Importante no âmbito do direito das gentes, esse vínculo político recebe, entretanto, uma disciplina jurídica de direito interno: a cada Estado incumbe legislar sobre sua própria nacionalidade, desde que respeitadas, no direito internacional, as regras gerais, assim como as regras particulares com que acaso se tenha comprometido[2].
É importante consignar, entretanto, que nacionalidade não é sinônimo de cidadania, visto que esta pressupõe a nacionalidade, mas a suspensão ou perda dos direitos políticos não interfere na relação do indivíduo com o Estado[3].
Fazendo também a diferenciação, Mazzuoli leciona que:
A nacionalidade é conceito mais ligado aos aspectos internacionais do que o vínculo que liga o indivíduo ao Estado, distinguindo-o do estrangeiro, enquanto que a cidadania tem características mais ligadas à participação do indivíduo no cenário internacional, qualificando o gozo dos direitos políticos, os participantes dos negócios do Estado e a consciência de participação social, esta última, como garantia do exercício dos direitos fundamentais (CF, arts 1º, inc II, e 14). Sob esse aspecto, a cidadania pressupõe a nacionalidade, e é conceito menos amplo que o de nacional. Aliás se se atender a outras utilizações, é fácil verificar a amplitude maior do conceito de nacionalidade relativamente ao de cidadania [...][4].
Ademais, o direito de nacionalidade também deve ser diferenciado da ideia de nação, já que se refere a um grupo homogêneo, unidos por aspectos culturais comuns. Assim, em um Estado podem existir diversas nações, com membros com a mesma nacionalidade[5].
Por fim, nacionalidade é diferente de naturalidade, que é o local onde nasce o indivíduo, visto que, conforme os critérios adotados pela legislação de cada Estado, pode ser critério ou não para sua atribuição.[6]
3. Nacionalidade e Direito Internacional
Realizada a conceituação de nacionalidade, passa-se a analisar a sua relação com o Direito Internacional.
Cumpre esclarecer que a nacionalidade decorre da soberania. Nesse sentido, a Convenção de Haia Concernente a Certas Relativas aos Conflitos de Leis sobre Nacionalidade, de 1930, promulgada no Brasil pelo Decreto 21.798, estabelece que cabe aos Estados definir as normas que regularão a atribuição da respectiva nacionalidade.[7]
Não obstante, existem alguns princípios do Direito Internacional concernentes a essa temática. Em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua terceira sessão ordinária, considerou o direito de nacionalidade como direito fundamental da pessoa humana[8].
Assim, o art. 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem tratou da temática, aduzindo que: O Estado não pode, arbitrariamente, privar o indivíduo de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.[9]
A mesma norma dita anteriormente foi repetida pelo art. 20 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, acrescentando-se apenas uma regra. Veja-se:
Artigo 20. Direito à nacionalidade
1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.
2. Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra.
3. A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudá-la.
No mesmo sentido, o art. 24, parágrafo 3, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos afirma que: “ toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade”.
Apesar de não estar expresso, é costume geral do Direito Internacional que os filhos de indivíduos que são agentes do Estado, como os diplomatas, por exemplo, adquiram, ao nascer, a nacionalidade dos pais, haja vista a presunção de que haverá maior vínculo com o Estado da nacionalidade dos genitores[10].
Por fim, é princípio do Direito Internacional Público de que o Estado deve garantir o direito de seu nacional entrar e permanecer no território cuja nacionalidade detém. Como consequência, vários países adotam a regra de vedação à pena de banimento, inclusive o Brasil, que a prevê como direito fundamental, conforme dicção do art. 5º, XlVII, “d”, da Constituição Federal de 1988.[11]
4. Formas de aquisição da nacionalidade
Há duas espécies de aquisição de nacionalidade. A primeira mencionada pela doutrina é a nacionalidade originária, que é aquela oriunda do nascimento do indivíduo. Além disso, há também a nacionalidade adquirida, compreendida como aquela que resulta da mudança da nacionalidade primária ou das que a esta sucederam.[12]
Os dois critérios mais comuns adotados pelos países para aquisição originária da nacionalidade são o jus sanguinis (direito do sangue) e o jus solis (direito do solo). O primeiro atribui a nacionalidade aos indivíduos que são descendentes de nacionais. Já o segundo, adota o espaço territorial para conferir o direito de nacionalidade, ou seja, quem nasce no país será nacional, independentemente da nacionalidade de seus genitores. Finalmente, há alguns países que adotam o sistema misto ou eclético, já que utilizam os dois critérios conjuntamente (jus solis e jus sanguinis).[13]
Comentando sobre o critério jus sanguinis, Mazzuoli afirma que:
O critério do jus sanguinis é bastante peculiar em países de emigração, que pretendem sempre manter um vínculo com seus descendentes (o emigrante e sua família), na busca da proteção dos interesses nacionais. Na verdade, o que tais países temem é o êxodo como causa de despovoamento e debilitação industrial e militar. São exemplos de países que adotam tal critério a Alemanha, Áustria, Romênia, Hungria e Itália, nos quais se busca dar aos filhos de seus emigrantes a condição de seu nacional [grifos do autor][14]
Já quanto ao critério jus solis, traz o seguinte ensinamento:
Este processo, particularmente adotado em países de imigração, impõe a nacionalidade estatal a todos quantos nascerem em seu território, rechaçando o critério determinado pela filiação [...]. Sua origem vem desde o sistema feudal, em que vigorava a regra segundo a qual pertencia a determinado feudo quem dentro dele nascesse. O motivo de a regra dos jus soli ter se sedimentado nos países de imigração está ligado ao fato de tais países serem países novos, nos quais se impera a necessidade de formação de uma massa demográfica nacional, tendo por isso sido adotado com preponderância nos países do Continente Americano [grifos do autor][15]
Hildebrando Accioly comenta que, na Constituição do Império (1824), adotou-se o critério do jus solis no art 6º ao estipular que: “ São cidadãos brasileiros os que no Brasil tiverem nascido, que sejam ingênuos ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua nação”. Além disso, ao afirmar que seriam brasileiros: “os filhos de pai brasileiro, e os legítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, que vierem estabelecer domicílio no Império”, configurou-se, parcialmente, o critério do jus sanguini, apesar de exigir, concomitantemente, o jus domicilii para aquisição da nacionalidade brasileira.[16]
Sobre o critério do jus domicilli adotado na Constituição de 1824, Jacob Dolinger defende que o domicílio deveria ser critério autônomo para aquisição da nacionalidade, defendendo, portanto, uma forma de “usucapião aquisitivo”, para quem for domiciliado, por certo período de tempo, em determinado país. No entanto, tratando-se especificamente de Brasil, não se adota, na atual Constituição Federal (1988), o domicílio como forma autônoma de adquirir a nacionalidade originária, sendo utilizado apenas como um dos elementos para tanto, o que ocorre na hipótese do art. 12, I, “c”, a qual trata dos filhos de brasileiros que nascem no exterior e que vêm residir no Brasil. Para a aquisição de nacionalidade secundária, o entendimento é diverso, visto que pode, efetivamente, tornar-se elemento assegurador da nacionalização (artigo 12, II, b)[17]
4.1. Nacionalidade na Constituição de 1988
Trata-se, a partir deste momento, sobre a nacionalidade na Constituição Federal de 1988. Primeiramente, menciona-se o brasileiro nato para, após, efetuar considerações sobre o brasileiro naturalizado.
4.1.1 Nacionalidade originária (brasileiro nato)
A regulação da forma de aquisição da nacionalidade originária se encontra na Constituição Federal, dado a importância do tema, haja vista que se trata de temática referente à soberania. A CF/88 confere o status de brasileiro nato o detentor da nacionalidade primária[18].
Assim, a Constituição Federal estipula as hipóteses de nacionalidade originária em seu artigo 12, I. Veja-se:
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)
Na alínea “a”, consagrou-se o critério do jus solis, já que considera Brasileiro nato aquele “nascido na República Federativa do Brasil”, independentemente da nacionalidade de seus pais, excetuando os filhos de estrangeiros que estejam a serviço de seu país.[19]
É importante consignar que a exceção imposta na alínea “a” deve ser compreendida como configurada somente quando ambos os pais estejam a serviço da nação estrangeira cuja nacionalidade possuam. Dessa forma, por exemplo, o filho de um egípcio que cuidasse no Brasil da representação do Catar ou de Omã seria brasileiro e não egípcio.[20]
A alínea “b” consagra o critério do jus sanguinis. Resta saber, entretanto, qual o significado da expressão “à serviço da República Federativa do Brasil”. Para Ilmar Penna Marinho:
Por serviço do Brasil não se deve entender unicamente a missão de que se desincumbe o Chefe do Estado, o Ministro, o Diplomata, ou o Cônsul. Embora sem a relevância destas, as modestas funções de datilógrafo, de auxiliar de arquivista, de técnico que vai inspecionar navios, munições ou outra qualquer compra do Estado, se compreendem, também, na espécie.[21]
Por último, temos hipótese da alínea “c” que foi, recentemente, alterada pela EC 54/2007. Há também, nessa hipótese, a adoção do critério jus sanguinis.[22]
Na análise do dispositivo, percebe-se que há duas possibilidades distintas: A primeira possibilidade que existe é registrar o filho nascido no exterior em repartição consular brasileira. A outra se refere ao indivíduo que nasceu no exterior, mas que não realizou o registro no consulado. Nesse caso, exige-se que o interessado venha República Federativa do Brasil, antes ou depois da maioridade, com o intuito de residir no país e que opte, a qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.[23]
Quanto à opção referida acima, esta deve ser realizada na Justiça Federal, conforme preceitua o art. 109, X, da CF/88, verbum ad verbum[24].
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
[...]
X – [...] as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
4.1.2 Nacionalidade adquirida (brasileiro naturalizado)
A naturalização é a forma de aquisição de nacionalidade derivada, sendo prevista na CF/88 no artigo 12, II. Confira-se:
Art. 12. São brasileiros:
[...]
II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.(Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
Percebe-se que na alínea “a”, primeira parte, a Constituição Federal afirma que são brasileiros naturalizado aqueles que “ na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira”. Trata-se da naturalização ordinária.
A Lei que regula a naturalização no Brasil é a 6.815/80 – Estatuto do Estrangeiro –, prevendo os diversos requisitos para a aquisição da nacionalidade secundária. Note-se que o tempo de residência contínua exigido, em regra, é de 4 anos, conforme o inciso IV do art. 112, in verbis:
Art. 112. São condições para a concessão da naturalização: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)
I - capacidade civil, segundo a lei brasileira;
II - ser registrado como permanente no Brasil;
III - residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização;
IV - ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando;
V - exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família;
VI - bom procedimento;
VII - inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada, superior a 1 (um) ano; e
VIII - boa saúde.
Já o artigo 113 da mesma Lei, reduz os prazos de residência no Brasil nas seguintes condições:
Art. 113. O prazo de residência fixado no artigo 112, item III, poderá ser reduzido se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)
I - ter filho ou cônjuge brasileiro;
II - ser filho de brasileiro;
III - haver prestado ou poder prestar serviços relevantes ao Brasil, a juízo do Ministro da Justiça;
IV - recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística; ou
V - ser proprietário, no Brasil, de bem imóvel, cujo valor seja igual, pelo menos, a mil vezes o Maior Valor de Referência; ou ser industrial que disponha de fundos de igual valor; ou possuir cota ou ações integralizadas de montante, no mínimo, idêntico, em sociedade comercial ou civil, destinada, principal e permanentemente, à exploração de atividade industrial ou agrícola.
Parágrafo único. A residência será, no mínimo, de um ano, nos casos dos itens I a III; de dois anos, no do item IV; e de três anos, no do item V.
É importante salientar que a concessão de naturalização, nos moldes previsto no Estatuto do Estrangeiro, é ato discricionário, competindo somente ao Poder Executivo, operando-se, por meio de uma portaria do Ministro da Justiça. Nesse sentido, o artigo 121 o Estatuto do Estrangeiro estabelece que: “A satisfação das condições previstas nesta Lei não assegura ao estrangeiro o direito à naturalização.[25]
Na segunda parte, da alínea do artigo 12, I, “a”, da CF/88, percebe-se que para os originários de países de língua portuguesa é necessário apenas reputação ilibada e residência por um ano ininterrupto. Os países de língua oficial portuguesa são Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.
O artigo 12, I, “b”, trata da naturalização extraordinária em que são exigidos 15 anos ininterruptos de residência na República Federativa do Brasil e que não haja condenação penal. É necessário, contudo, o requerimento do interessado na naturalização extraordinária, não se operando, assim, automaticamente.
Segundo José Afonso da Silva, se forem cumpridos todos os requisitos, o interessado possui direito subjetivo à naturalização extraordinária.[26]
Por fim, vale ressaltar que o foro competente para julgar as causas referentes à naturalização é a Justiça Federal (CF, art. 109, X). Eventual recurso deve ser direcionado ao Tribunal Regional Federal, ex vi o disposto no artigo 108, II, da CF/88.
5. Perda da nacionalidade brasileira adquirida e a decisão do STF no RMS 27.840/DF
Conforme o artigo 12, § 4º, I, a nacionalidade adquirida pode ser perdida em razão de sentença judicial por atividade nociva ao interesse nacional, sendo denominada pela doutrina como perda - punição[27]. Confira-se:
Art. 12. São brasileiros:
[...]
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;
A ação de cancelamento de naturalização é proposta pelo Ministério Público Federal, pressupondo, para a efetiva perda da nacionalidade derivada, o trânsito em julgado da sentença, que tem efeitos somente ex nunc, não retroagindo, portanto.[28]
Além dessa hipótese, o Estatuto do Estrangeiro prevê no artigo 112, § 2º e 3º que é considerado nulo o ato de naturalização do estrangeiro, se for, a qualquer tempo, verificada a falsidade ideológica ou material dos requisitos exigidos pelos arts. 113 e 114 da Lei. Essa nulidade se processaria por meio de processo administrativo, no Ministério da Justiça, de ofício ou mediante representação fundamentada, concedido ao naturalizado, para defesa, o prazo de 15 dias, contados da notificação.
Segundo Rezek, caberia ao Presidente da República, por meio de decreto, anular a requisição fraudulenta da qualidade de brasileiro.[29]
No entanto, o STF, no RMS 27.840/DF, em que se discutia a possibilidade do Ministro da Justiça, por meio de ato administrativo, anular a naturalização por omissão da existência de condenação judicial anterior, decidiu que apenas o Poder Judiciário seria competente para anular a naturalização no caso de falsidade ideológica ou material na requisição da naturalização, haja vista o artigo 12, § 4º, I, da CF/88. Dessa forma, assentou-se a não recepção do art. 112, § 2º e 3º, da Lei 6.815/80.
Transcreve-se, nesse ponto, a ementa do julgado:
NATURALIZAÇÃO – REVISÃO DE ATO – COMPETÊNCIA. Conforme revela o inciso I do § 4º do artigo 12 da Constituição Federal, o Ministro de Estado da Justiça não tem competência para rever ato de naturalização. (RMS 27840, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 07/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 26-08-2013 PUBLIC 27-08-2013) [grifos nossos]
Além disso, o STF, na decisão, asseverou que é meramente exemplificativa a hipótese de cancelamento da naturalização pela “atividade nociva ao interesse nacional”, prevista no artigo 12, § 4º, I, da CF/88, prevendo, portanto, a constitucionalidade da perda de nacionalidade adquirida prevista no Estatuto do Estrangeiro, desde que realizada por meio de sentença judicial.
Assim, com o mencionado julgado acima, o Supremo Tribunal Federal privilegiou a nacionalidade, tendo em vista que “a possibilidade de um cidadão se tornar apátrida é extremamente danosa, tanto à sua pessoa como à própria ordem internacional, que não envida esforços para sempre reduzir os casos de apatridia existentes”.[30]
6. Conclusão
O direito de nacionalidade é tema de estudo do Direito Internacional Público pela preocupação da sociedade internacional com indivíduos sem pátria, já que, conforme a Assembleia Geral das Nações Unidas, é considerado direito fundamental.
Obedecendo à convenção de Haia, a qual estabelece que os Estados devem estabelecer as normas que regularão a respectiva nacionalidade, a Constituição Federal estipula um sistema misto de aquisição de nacionalidade originária (jus sanguinis e jus solis), além de admitir a possibilidade de naturalização, desde que atendidos os requisitos do artigo 112 do Estatuto do Estrangeiro (naturalização ordinária) ou fixe residência por, no mínimo, 15 anos na República Federativa do Brasil e não possua condenação criminal (naturalização extraordinária).
Tratando da temática da perda da nacionalidade secundária, o STF, por meio da decisão no RMS 27.840, deu preferência à manutenção da nacionalidade, ao decidir que somente por meio de sentença judicial é possível anular a naturalização realizada com falsidade ideológica ou material, não recepcionando os dispositivos do Estatuto do Estrangeiro, que previam somente um procedimento administrativo para tal desiderato.
Dessa forma, o Pretório Excelso atuou em conformidade com o princípio geral do Direito Internacional que evita que os casos de apátridas se somem, pelo prejuízo que causa à dignidade humana, haja vista que a maioria dos direitos previstos nas ordens jurídicas são concedidos a nacionais, como, por exemplo, o direito de voto no Brasil (CF/88, 14, § 2º).
7. Referências
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G.E do Nascimento; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional Público. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
ARRUDA, Lucila Carla Squina Albertini; VILELA, Danilo Vieira. O Regime Jurídico do Direito à Nacionalidade na Constituição da República Federativa do Brasil. Revista Virtual Direito Brasil,v. 7, n. 1. 2013. Disponível em: http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/revista/revistav71/alunos/da.pdf. Acesso em 16 de jan. 2016.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 de ago. 1980. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6815.htm. Acesso em: 18 de jan. 2016.
BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em 18 jan. 2016.
GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. Bahia: Juspodivm, 2015.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
[1] GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 282.
[2] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p 212-213.
[3] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p 287.
[4] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p 741.
[5] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 287.
[6] Ibid., p. 287.
[7] Ibid., p. 288.
[8] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 216
[9] Ibidem, p. 214.
[10] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 289.
[11] Ibid., p. 289-290.
[12] GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 282.
[13]ARRUDA, Lucila Carla Squina Albertini; VILELA, Danilo Vieira. O Regime Jurídico do Direito à Nacionalidade na Constituição da República Federativa do Brasil. Revista Virtual Direito Brasil,v. 7, n. 1. 2013. Disponível em: http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/revista/revistav71/alunos/da.pdf. Acesso em 16 de jan. 2016.
[14] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p 750.
[15] Ibid., p. 750.
[16] ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G.E do Nascimento; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p 530.
[17] DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 162-163. Apud. ARRUDA, Lucila Carla Squina Albertini; VILELA, Danilo Vieira. O Regime Jurídico do Direito à Nacionalidade na Constituição da República Federativa do Brasil. Revista Virtual Direito Brasil,v. 7, n. 1. 2013. Disponível em: http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/revista/revistav71/alunos/da.pdf. Acesso em 16 de jan. 2016.
[18] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 294.
[19] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 755.
[20] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 220-221.
[21] MARINHO, Ilmar Penna. Tratado sobre Nacionalidade. Rio de Janeiro, 1957, III, p. 206. Apud. ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional Público. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 70.
[22] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 294.
[23] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. P. 762
[24] Ibid., p. 765.
[25] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 296.
[26] SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 2011. Apud. ARRUDA, Lucila Carla Squina Albertini; VILELA, Danilo Vieira. O Regime Jurídico do Direito à Nacionalidade na Constituição da República Federativa do Brasil. Revista Virtual Direito Brasil,v. 7, n. 1. 2013. Disponível em: http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/revista/revistav71/alunos/da.pdf. Acesso em 16 de jan. 2016.
[27] BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 858.
[28] Ibid., p. 858.
[29] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 222.
[30] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 777.
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PORTO, Iago Dias. Direito de nacionalidade no ordenamento jurídico brasileiro e a decisão do STF no RMS 27.840/DF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 out 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50751/direito-de-nacionalidade-no-ordenamento-juridico-brasileiro-e-a-decisao-do-stf-no-rms-27-840-df. Acesso em: 23 dez 2024.
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