Resumo: O presente artigo visa analisar as inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 influenciadas pelo movimento do Neoconstitucionalismo, tendo como principal ponto o direito à Gratuidade de Justiça.
Palavras Chave: processo civil; neoconstitucionalismo; gratuidade de justiça; Estado Democrático de Direito; acesso à justiça.
Abstract: This article aims to analyze the innovations brought by the Code of Civil Procedure of 2015 influenced by the movement of Neo - constitutionalism, having as its main point the right to Gratuitous Justice.
Key-words: civil lawsuit; neo-constitutionalism; gratuitousness of justice; Democratic State; access to justice.
Sumário: 1. Introdução. 2. Histórico. 3. A Gratuidade de Justiça no Código de Processo Civil. 4. Das principais alterações. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas
1. Introdução
Inicialmente, importante destacar que a principal função do presente artigo é permitir que através de uma análise do processo de Constitucionalização do Código de Processo Civil de 2015, possa se avaliar a influência deste movimento no direito à Gratuidade de Justiça.
Ao se fazer uma leitura dos artigos introdutórios do Novo Código, pode-se notar que o legislador teve uma maior preocupação em acender a força normativa da Constituição, princípio este trazido por Konrad Hesse, devendo-se levar em conta três pontos importantes: o condicionamento recíproco entre Constituição jurídica e realidade político-social; os limites e as possibilidades de atuação da Constituição jurídica e os pressupostos de eficácia da Constituição.
Aliado à necessidade de que o ordenamento seja adaptado à realidade social, é preciso que todo ele seja interpretado à luz de toda a Constituição. E como prova deste argumento tem-se expressamente previsto em todo do Código de Processo civil princípios constitucionais como: proporcionalidade, razoabilidade, primazia da decisão de mérito, boa-fé os quais estão intimamente ligados com o acesso à justiça e principalmente com a máxima constitucional da dignidade da pessoa humana.
Sob essa ótica da força normativa da Constituição incorporada pelo neoconstitucionalismo, o direito à gratuidade de justiça, apesar de já garantido pela Carta Magna e por lei específica, passou a ser expressamente previsto no Código de Processo Civil, como uma forma de facilitar o acesso à justiça dentro do Estado Democrático de Direito.
2. Histórico
No Brasil a justiça gratuita encontra sua origem nas chamadas “Ordenações Filipinas”, a qual embora não previsse especificamente o assunto, tratava do direito ao não pagamento de custas para impetração de agravo e livrava os presos pobres do pagamento dos processos em que fossem condenados.
Em dezembro de 1841 foi editada a Lei 261 dispondo sobre a isenção do pagamento de custas pelo réu pobre que perdesse em ação contra ele ajuizada. Além disso, previu a Lei 150 em 1842 que o pobre que ajuizasse uma demanda estaria isento de pagar uma taxa que dava autenticidade para os documentos, chamada de “dízimo de chancelaria”.
No ano de 1870, José Tomás Nabuco de Araújo, presidente do Instituto dos Advogados do Brasil, sugeriu que a entidade prestasse consultoria jurídica e oferecesse defesa às pessoas pobres em juízo. No entanto seu esforço não foi suficiente, era preciso um meio melhor para que fosse implantada uma assistência judiciária mais eficaz e duradoura.
Foi então, que em 1890 foi editado o Decreto 1030, o qual autorizada que o Ministro da Justiça organizasse uma comissão para fazer o patrocínio gratuito dos pobres, tanto na esfera penal como na cível.
Logo depois, em 1897, veio um outro Decreto que garantia o direito à assistência gratuita aquelas pessoas que não tivessem condições de pagar as custas processuais sem que isso gerasse prejuízo para ela e sua família. No entanto, para que tal benefício fosse concedido era necessário que fosse feita uma petição ao juiz e que nela fossem juntadas provas de sua pobreza.
Em julho de 1934 foi promulgada a Constituição Federal a qual previa que a União e os Estados deveriam conceder aos necessitados a assistência judiciária e para isso deveriam ser criados órgãos especiais. Três anos depois, no entanto, veio a Constituição de 1937 que nada dispôs sobre a matéria.
No ano de 1939 o Código de Processo Civil previu normas relativas ao benefício da justiça gratuita, devendo a parte ao entrar com uma ação fazer uma petição ao juiz onde diria seus rendimentos bem como seus encargos familiares e pessoais, devendo tal pedido vir junto com uma prova, chamada de “atestado de pobreza”.
Com a promulgação da Constituição de 1946 o benefício voltou a ganhar status constitucional, mas não foi prevista a forma de conseguir esse direito. Em face dessa omissão legislativa, vários Estados se preocuparam em regulamentar a assistência judiciária e criaram órgãos específicos.
Veio então em 1950 a lei 1060 a qual reproduziu as normas do Código de Processo Civil de 1939, exigindo também a prova de pobreza para que a pessoa fizesse jus ao benefício. No entanto, tal lei sofreu mudanças entre 1986 e 1989, quando passou a se prever que a parte teria direito à gratuidade de justiça mediante simples afirmação de que não teria condições de arcar com as custas e honorários do processo sem prejuízo próprio ou de sua família, não havendo mais a necessidade de se provar tal impossibilidade.
E, finalmente, em 1988, foi promulgada a Constituição Federal a qual trouxe o direito a assistência gratuita como direito fundamental.
3. A Gratuidade de Justiça no Código de Processo Civil
O acesso à justiça é um direito fundamental garantido pela nossa Constituição Federal e significa o direito a ter um processo justo, efetivo, célere e eficaz para ambas as partes. Importante ressaltar os grandes custos que estão envolvidos em uma demanda judicial, muitas vezes até maiores que os benefícios que dela virão.
Mauro Cappelletti traz a existência de três ondas renovatórias. A primeira trata do direito à assistência judiciária às pessoas sem recursos econômicos. A segunda trata dos interesses difusos em juízo, visando evitar que haja um obstáculo de acesso à justiça com relação a esses direitos. E última onda trata da eficácia deste acesso à justiça, seu enfoque está direcionado aos aplicadores do direito.
Ao lado dessas três ondas renovatórias, teriam surgido ao longo dos anos duas outras ondas renovatórias. A quarta onda fundamentada na ideia de inclusão democrática do ensino jurídico e resgate ético do conceito de justiça. Por fim existiria ainda uma quinta onda renovatória, a qual tem como base a internacionalização do acesso à justiça.
A gratuidade de justiça, a qual está inserida dentro da primeira onda renovatória foi incorporada pelo Novo Código de Processo Civil, através de uma releitura do Neoconstitucionalismo, o qual como já abordado anteriormente trouxe a necessidade de ressaltar a eficácia da Constituição e garantir os direitos e garantias fundamentais como forma de facilitar o acesso à justiça.
As pessoas, muitas vezes, apenas buscam o Poder Judiciário como forma de serem ouvidas e por nele depositarem a confiança de que seus direitos serão respeitados, porém o auto custo do Judiciário Brasileiro acaba impedindo tal exercício, sendo a gratuidade de justiça uma forma que tem o Estado de garantir de forma isonômica o acesso à justiça.
Importante ressaltar as diferenças entre gratuidade de justiça, assistência judiciária e assistência jurídica. Justiça gratuita é o direito de não pagar as custas e despesas processuais que estão incluídas em um processo. Assistência judiaria é o direito da parte de ser assistida gratuitamente por um profissional do direito, no Brasil, normalmente, esse trabalho é exercido pela Defensoria Pública. E por fim a assistência jurídica é mais ampla e abrange os dois anteriores, sendo uma forma de aproximar a sociedade dos serviços jurídicos.
O nosso Código de processo Civil faz menção expressa a gratuidade de justiça e diz que não pagarão as despesas processuais todas aquelas pessoas, naturais ou jurídicas que tiverem insuficiência de recursos.
4. Das principais alterações
Conforme estabelece o Código de Processo Civil, o beneficiário da justiça gratuita não pagará as seguintes despesas processuais: taxas ou custas processuais; selos postais; despesas com publicação na imprensa oficial; indenização devida à testemunha; despesas com realização de exames considerados essenciais; honorários do advogado, honorários do perito, intérprete ou tradutor; custo com a elaboração de cálculos; depósitos para interposição de recursos e ações e os emolumentos devidos aos notários ou registradores.
Nesses casos em que a parte fica isenta do pagamento das despesas processuais caberá ao Estado arcar o pagamento delas. Importante dizer que para a doutrina majoritária o Código apenas deu alguns exemplos de justiça gratuita, sendo cabível outras hipóteses.
Nos casos, porém, em que a parte por tiver urgência no processo, ela precisará prestar caução, e nesta hipótese ainda que seja beneficiário da justiça gratuita, não fica isento do pagamento.
Outra hipótese em que a parte não fica livre do pagamento é no caso de multas processuais. A multa pode surgir por dois motivos: porque a parte cometeu um ato ilícito ou porque é uma forma de obrigar a parte a cumprir com o seu dever. Nessas hipóteses o beneficiário da justiça gratuita também não fica isento do pagamento.
O novo Código também trouxe outra importante mudança. Permite que o benefício da justiça gratuita seja concedido quanto a apenas um, a alguns dos atos processuais ou a todos. Permite ainda que o juiz ao invés de conceder a isenção do pagamento das despesas processuais, conceda o parcelamento.
Quanto a hipótese de parcelamento existe já uma corrente doutrinária que entende ser inconstitucional esta previsão, uma vez que o artigo 5º da Constituição ao falar de assistência gratuita cita refere-se à palavra “integral”, o que apenas permitiria a concessão deste benefício em sua integralidade ou o indeferimento do seu pedido.
Cabe, no entanto, ressaltar, que tal posição não é majoritária, pois para a maior parte da doutrina esta inovação é um grande avanço, pois serve para os casos em que a parte não é tão pobre assim, evitando o pensamento do tudo ou nada e trazendo mais forte o pensamento do acesso à justiça. E ao mesmo tempo acaba sendo bom ao Estado que diminui o seu custo no processo.
Agora podemos nos perguntar: Quem é o beneficiário da justiça gratuita? O novo Código de Processo Civil também inovou neste aspecto. Embora a lei 1060/50, única lei que tratava especificamente do assunto até a publicação do novo código, apenas pessoas físicas tinham direito ao benefício, porém a jurisprudência já entendia que em alguns casos também teriam direito as pessoas jurídicas
O novo Código incorporou o entendimento jurisprudencial e passou a prever que pessoas físicas e jurídicas tem direito à justiça gratuita. Não importando a nacionalidade.
Para ter direito ao benefício a pessoa precisa ter insuficiência de recursos para pagar as despesas e custas processuais. A lei não fala em renda familiar, não exige a miserabilidade, nem que a pessoa fique sem condições de se sustentar, a lei não fala em valores, nem em parâmetros, é preciso que se olhe o caso concreto. Importante também dizer que ainda que a parte esteja assistida por advogado tem ela direito à justiça gratuita, conforme expressamente previsto no novo Código.
A lei também deixa claro que sendo deferida a justiça gratuita ela é direito personalíssimo e por levar em considerações a situação pessoal da parte não pode ser estendida para outras pessoas. Por isso em caso de durante o processo uma outra pessoa vier a substituir a parte inicial deverá fazer novo pedido de justiça gratuita.
O pedido de justiça gratuita é feito por simples requerimento do interessado, este requerimento pode ser feito a qualquer momento do processo, tanto no início, durante ou até mesmo na fase recursal.
Se o pedido de gratuidade for feito logo no início do processo ele será aplicado para todos os atos processuais posteriores, se for requerido em qualquer outro momento terá efeito a partir do seu deferimento, não sendo concedido para os atos anteriores ao pedido.
Outro requisito importante para requerer a justiça gratuita é que caso ela seja feita por advogado deve ele ter em sua procuração poder especial para assinar um pedido de gratuidade de justiça. A falta deste requisito torna ineficaz esse direito perante a parte.
O requerente do benefício apenas precisa afirmar que tem insuficiência de recursos para arcar com as despesas processuais, não precisando juntar prova. O fato é tido como verdadeiro até que se prove o contrário.
No entanto, essa presunção não se aplica quando o requerimento ao benefício da justiça gratuita é feito pela pessoa jurídica, não importa se a pessoa jurídica tem ou não finalidade lucrativa. Se quiser ter direito a justiça gratuita terá que demonstrar a sua impossibilidade de pagar as despesas processuais.
O procedimento para impugnar o pedido de gratuidade é bem simples, e assim como o procedimento para requerer tal benefício não requer grandes formalidades.
Caso o pedido seja feito pelo autor no início do processo, cabe ao réu impugnar tal pedido na sua defesa, no prazo de 15 dias. Se for deferido ao réu o direito a justiça gratuita, o autor deverá impugna-lo na réplica, ou no prazo de quinze dias contando de quando teve conhecimento do deferimento do pedido.
Pode acontecer também que no decorrer do processo o requerente da justiça gratuita melhore a sua condição financeira ou que fique a outra parte sabendo que ele nunca precisou do benefício, neste caso caberá a parte adversária no prazo de quinze dias, contando de quando ficou sabendo desses acontecimentos, impugnar a justiça gratuita concedida a outra parte.
Ocorrendo uma dessas hipóteses, o ônus de provar que o beneficiário da justiça gratuita não faz jus ao benefício é da parte que impugnou tal pedido. Após a impugnação e apresentação das provas cabe ao juiz decidir se revoga ou se mantém o benefício. Caso seja revogado o direito a justiça gratuita, o requerente deverá arcar com todas as despesas processuais das quais havia ficado dispensado do pagamento.
O benefício também pode ser revogado sem requerimento da outra parte, é o que chamamos de revogação de ofício, quando surgem nos autos evidências de que a parte nunca teve direito a justiça gratuita ou de que daquele em momento em diante não preenche mais os requisitos deste direito. Porém em qualquer uma dessas hipóteses deve o juiz ouvir a parte, antes de revogar o benefício.
Contra a decisão que indefere o pedido de justiça gratuita é cabível em regra, agravo de instrumento, caso, porém tal decisão seja proferida em sentença, contra esta decisão caberá apelação.
Indeferida ou revogada a justiça gratuita e interpondo a parte o recurso cabível, ela não terá que arcar com a despesa do recurso e nem com as despesas processuais até que seu recurso seja decidido. Sendo mantida a decisão depois do recurso a parte deverá, no prazo de cinco dias, pagar as despesas processuais das quais havia sido dispensada, inclusive o pagamento do recurso contra a decisão que impugnou o indeferimento ou revogação do benefício.
Ainda que beneficiária da gratuidade de justiça será a parte vencida condenada a pagar as despesas processuais e o honorário da sucumbência, porém tal condenação fica sob condição suspensiva e apenas será cobrada se no prazo de cinco anos a contar da decisão a parte mudar o seu patamar econômico, quando então terá que pagar tais despesas. Passados cinco anos sem que isso ocorra tais valores não poderão mais ser cobrados da parte vencida, se extinguindo a obrigação.
5. Conclusão
Como se pode notar a justiça gratuita é uma das facetas do princípio e garantia fundamental do acesso à justiça, o qual ao longo dos anos sofreu importantes modificações até chegar nos dias atuais, em que ficou evidente a preocupação de exaltar a força normativa da Constituição em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana e permitindo assim o acesso ao Estado Democrático de Direito a todos os cidadãos.
6. Referências Bibliográficas
DIDIER JUNIOR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da Justiça Gratuita.4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016
FLEXA, Alexandre. MACEDO, Daniel. BASTOS, Fabrício. Novo código
de processo civil. Salvador: JusPodivm, 2015.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São
Paulo: Atlas, 2015.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2014
Advogada. Bacharel pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PADUA, Gabriela Mosciaro. Da Gratuidade de Justiça e da Constitucionalização do Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51214/da-gratuidade-de-justica-e-da-constitucionalizacao-do-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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