Resumo: O presente artigo trata do direito à desconexão na sociedade contemporânea, trazendo reflexões doutrinárias e precedentes judiciais a respeito do tema.
Palavras-chave: trabalhador; direito à desconexão; direitos fundamentais.
Em tempos modernos, em que a tecnologia avança em proporções avassaladoras e permite, cada vez mais, a execução de trabalhos à distância ou o teletrabalho, no domicílio do empregado ou em outro local, possibilitando, ainda, a realização de labor sob o regime de sobreaviso, de modo a permanecer o trabalhador permanentemente conectado ao seu trabalho, desponta uma questão bastante relevante e preocupante: assegurar o que Jorge Luiz Souto Maior[1] define como um direito fundamental dos trabalhadores à desconexão ou ao não-trabalho.
Na lição de Christiana D’Arc Damasceno Oliveira[2]:
O direito à desconexão pode ser definido como aquele direito que assiste ao trabalhador de não permanecer sujeito a ingerências, solicitações ou contatos emanados do respectivo empregador, pessoa física ou do empreendimento empresarial para o qual o obreiro trabalha, em seu período de descanso diário (intervalos intra e interjornada), semanal (descanso semanal remunerado) ou anual (férias), e ainda em situações similares (licenças), em especial diante da existência das novas tecnologias (blackberry, palm, pager, fax, e ainda computador ou notebook munidos de Internet ou de rede). Dito de outro modo, configura-se o direito à desconexão como o direito do trabalhador (teletrabalhador ou não) de permanecer desligado ou “desconectado” do polo patronal e da exigência de serviços em seus períodos de repouso, notadamente em virtude da possibilidade de interferências do tomador de serviços nesses lapsos de tempo diante da existência das novas tecnologias.
Tal direito, obviamente, não tem a pretensão de esvaziar todo o caráter dignificante e socializador do trabalho, mas atrela-se, fundamentalmente, à noção de que o homem não pode se tornar um escravo do trabalho, devendo exercê-lo dentro de limites que não comprometam a preservação da sua saúde física e mental e que lhe permitam conviver com sua família e desfrutar plenamente da sua vida privada e social[3].
Sob outra ótica, aproxima-se, segundo ensina Mauro César Cantareira Sabino[4], do direito ao lazer, previsto no artigo 6º da Constituição da República, no sentido de significar um direito a fazer atividades outras que não as laborativas, a permanecer em um estado de “não pensar regras obrigatórias, não ser assediado pelo cronômetro, não obedecer aos percursos da racionalidade e todas aquelas coisas que Ford e Taylor tinham inventado para bitolar trabalho executivo e torná-lo eficiente”.
E em uma sociedade marcada pelo imediatismo e pelo constante avanço da tecnologia a permitir uma ligação cada vez mais intensa do homem ao trabalho, é certo que essa questão ganha relevância ainda maior, a despeito de também serem inegáveis, e muitas vezes necessários, os benefícios trazidos por toda a modernização em comento[5].
A discussão perpassa, em verdade, pela busca do equilíbrio na relação do homem com o trabalho e pela análise dos efeitos negativos que o desenvolvimento dos recursos tecnológicos, da informática e das telecomunicações, aliados a valores próprios da sociedade contemporânea, tem gerado na vida dos trabalhadores, subtraindo-lhes o direito ao efetivo e verdadeiro descanso.
A lição de Vólia Bomfim Cassar[6] é, nesse contexto, valiosa:
Todo período de descanso, seja ele entre um dia e outro de trabalho, dentro da jornada, semanal ou anual, tem a finalidade de proporcionar ao empregado uma folga para repor as energias gastas pela execução dos serviços (fator fisiológico), a de permitir a convivência do trabalhador com a sua família e com a sociedade (fator social) e a de aumentar o rendimento, pois empregado descansado produz mais (fator econômico).
E o descanso somente terá por atendida todas essas finalidades que lhe são próprias se o trabalhador, efetivamente, desligar-se ou desconectar-se do trabalho e das preocupações, até mesmo inconscientes, que ele gera.
Como afirma Jorge Luiz Souto Maior[7], descanso significa pausa no trabalho, a qual apenas será devidamente cumprida se houver a desvinculação plena desse labor, exemplificando que “fazer refeição ou tirar férias com uma linha direta com o superior hierárquico, ainda que o aparelho não seja acionado concretamente, estando, no entanto, sob a ameaça de sê-lo a qualquer instante, representa a negação plena do descanso”.
Retomando situação apontada no parágrafo inicial do presente estudo, não se pode olvidar, por exemplo, que o trabalho à distância - assim entendido como aquele executado longe dos olhos do empregador ou fora do estabelecimento empresarial, que pode ser ou não realizado no domicílio do empregado[8] e que não conta com qualquer distinção, para fins de caracterização da relação de emprego, com o trabalho convencional processado no interior da empresa (Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 6º) - atende, em princípio, às necessidades de ambas as partes envolvidas no contrato de trabalho.
Isso porque, por um lado, permite, para o empregador, a redução do espaço físico e imobiliário da empresa, com a consequente diminuição dos custos daí advindos, bem como a eliminação do tempo de ócio do trabalhador, inclusive o do deslocamento casa-trabalho e vice-versa, com o incremento da sua produtividade. Por outro lado, proporciona ao empregado maior comodidade e disponibilidade de tempo, mediante horários de trabalho que tendem a ser mais flexíveis, maleáveis e aptos para se conciliarem com as atividades e encargos familiares e pessoais[9].
Não obstante, essa realidade pode, sim, como vem sendo dito, gerar consequências perversas sobre a vida do trabalhador, principalmente em razão da dificuldade que daí exsurge de se separar o tempo de trabalho do tempo livre[10], este que deveria ser verdadeiramente destinado ao repouso, à privacidade, à vida familiar, enfim, à efetiva desconexão do trabalho.
E isso (separar tempo de trabalho de tempo livre) pode parecer uma tarefa simples, mas, na verdade, e de fato, não é, na medida em que, repise-se, está o trabalhador inserido em uma sociedade moderna que exige prestação de serviços cada vez mais céleres e que propaga um excesso de informações em tempo a real a serem absorvidas com essa mesma instantaneidade, situação arrefecida pela modernização e pelo aperfeiçoamento, também acelerado, dos recursos tecnológicos e dos meios de comunicação. Tudo isso culmina, ao final, em uma enorme pressão sobre as tarefas a serem executadas pelo trabalhador, diga-se, em tempo recorde e com qualidade, em total prejuízo à sua saúde física, psíquica e mental.
Aliada a esses fatos, tem-se a circunstância de que a tecnologia, por meio do incremento da informática e dos instrumentos de telecomunicação, também tem permitido a realização do controle exato, à distância pelo empregador, de todo o tempo de efetivo labor do empregado e de toda a sua produtividade, bem como a comunicação constante e permanente com o obreiro, além de possibilitar, assim, que o trabalhador, mesmo em sua residência e após ter deixado o local de trabalho, permaneça ligado ao seu ofício aguardando ordens para, a qualquer tempo, ter que eventualmente realizar alguma tarefa, instituto conhecido como tempo de sobreaviso[11].
E também nessa hipótese do sobreaviso é evidente a falta de desconexão do trabalho, porquanto, mesmo não estando em seu local de trabalho, o trabalhador encontra-se em estado de alerta e de preocupação constante, já que pode, a qualquer hora, ter que atender ao chamado do empregador.
O desconforto de situações dessa natureza é inegável, pois, além de contribuir para o adoecimento físico e mental do trabalhador - que acaba tomado por estresse e fadiga -, promove uma verdadeira invasão da privacidade e intimidade da vida do obreiro, que se depara com o trabalho imiscuindo-se naquilo que ele tem, portanto, de mais pessoal.
Ademais, a questão não se resume ao universo das hipóteses até aqui ventiladas (trabalho à distância ou teletrabalho e regime de sobreaviso), mas permeia as relações de trabalho de forma generalizada, alcançando as mais variadas situações, dentre as quais se destacam a de cumprimento de jornadas exaustivas por parte dos obreiros, realidade recorrente no mundo do trabalho contemporâneo, e a de trabalhadores que ocupam cargos de maior responsabilidade inseridos na categoria de “altos empregados” e que se veem conectados ao trabalho vinte e quatro horas por dia, durante os sete dias da semana[12].
Não se trata, obviamente, e consoante já salientado, de repudiar todo o desenvolvimento da sociedade atual e os avanços da tecnologia, que são responsáveis por trazer, também, grandes benefícios para a humanidade e para o próprio trabalho.
A discussão que envolve o direito à desconexão do trabalho é mais profunda no sentido de buscar um equilíbrio frente ao que a organização social moderna tem impingido, de forma negativa, à esfera íntima do trabalhador.
Também não se trata o direito à desconexão de uma negação ao trabalho, como visto, mas, sim, na lição de Jorge Luiz Souto Maior[13], de uma negação ao ritmo alucinado de labor exigido pela economia hodierna, a este estado de constante alerta, a essa ligação permanente com o trabalho que perturba a alma do trabalhador e não o deixa se tranquilizar ou desfrutar de momentos de relaxamento físico e mental.
E a matéria, frise-se, está distante de ser simples, inclusive diante do seu caráter extremamente atual e desafiador, reflexo dessa sociedade moderna, globalizada, inflada, tecnologicamente avançada e excessivamente cobrada, com todos os paradoxos que, inevitavelmente, isso pode trazer.
Jorge Luiz Souto Maior[14] apresenta uma instigante reflexão sobre a importância do direito à desconexão e suas implicações:
A pertinência situa-se no próprio fato de que ao falar em desconexão faz-se um paralelo entre a tecnologia, que é fator determinante da vida moderna, e o trabalho humano, com o objetivo de vislumbrar um direito do homem de não trabalhar, ou, como dito, metaforicamente, o direito a se desconectar do trabalho. Mas, esta preocupação é em si mesma um paradoxo, revelando, como dito, as contradições que marcam o nosso “mundo do trabalho”. A primeira contradição está, exatamente, na preocupação com o não-trabalho em um mundo que tem como traço marcante a inquietação com o desemprego. A segunda, diz respeito ao fato de que, como se tem dito por aí à boca pequena, é o avanço tecnológico que está roubando o trabalho do homem, mas, por outro lado, como se verá, é a tecnologia que tem escravizado o homem ao trabalho. Em terceiro plano, em termos das contradições, releva notar que se a tecnologia proporciona ao homem uma possibilidade quase infinita de se informar e de estar atualizado com seu tempo, de outro lado, é esta mesma tecnologia que, também, escraviza o homem aos meios de informação, vez que o prazer da informação transforma-se em uma necessidade de se manter informado, para não perder espaço no mercado de trabalho. E, por fim, ainda no que tange às contradições que o tema sugere, importante recordar que o trabalho, no prisma da filosofia moderna, e conforme reconhecem vários ordenamentos jurídicos, dignifica o homem, mas sob outro ângulo, é o trabalho que retira esta dignidade do homem, impondo-lhe limites enquanto pessoa na medida em que avança sobre a sua intimidade e a sua vida privada.
Sob essa perspectiva, Vólia Bomfim Cassar[15] elucida, ainda, que o direito à desconexão ou ao não-trabalho perpassaria por quatro elementos: o estresse enfrentado pelo trabalhador para se manter constantemente atualizado e que provoca fadiga mental ou até mesmo doença por vício em trabalhar (“workaholic”); o direito ao descanso sem qualquer interferência do trabalho para possibilitar a efetiva reposição de energias e assegurar a higidez mental; o direito à preservação da sua vida íntima e privada; o direito de trabalhar menos ou de o fazê-lo dentro de limites fisiológicos e psicológicos recomendáveis, culminando no direito à saúde.
A jurisprudência pátria tem se mostrado sensível a essa questão, adotando o entendimento de ser imprescindível o respeito ao direito à desconexão do trabalho. É o que se vislumbra nos julgados abaixo selecionados, versando sobre a matéria em diferentes situações verificadas no seio das relações de trabalho:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. JORNADA DE TRABALHO. HORAS DE SOBREAVISO. O regime de sobreaviso caracteriza-se como o tempo, previamente ajustado, em que o empregado permanece, fora do horário normal de serviço, à disposição do empregador, no aguardo de eventual chamada para o trabalho. Tal situação importa diminuição ou cerceamento da liberdade de dispor do seu próprio tempo, pois a constante expectativa de ser chamado ao serviço no momento de fruição do seu descanso, seja em casa ou em qualquer outro lugar que possa vir a ser acionado por meios de comunicação, impede que desempenhe as suas atividades regulares. A regra do artigo 244, § 2º, da CLT deve ser compreendida à luz da realidade da época de sua edição, nos idos de 1943, quando os meios de comunicação eram rudimentares e, por isso, era exigida a permanência do empregado em sua casa, a fim de ser localizado de maneira mais rápida. Hoje, porém, é possível que o trabalhador tenha certa mobilidade e, ainda assim, seja prontamente contatado pela empresa, por meio de pager, celular ou outros recursos tecnológicos. Nesse sentido é a Súmula nº 428 do TST. Na hipótese, o quadro fático delineado no acórdão regional comprova, efetivamente, a ocorrência de restrição à liberdade do autor, já que, quando escalado em regime de plantão, deveria ficar com o telefone celular e notebook disponíveis a fim de prestar suporte técnico ao cliente que necessitava. Incidência do artigo 896, §§ 4º e 5º, da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO. CARACTERIZAÇÃO. DIREITO À DESCONEXÃO. HORAS DE SOBREAVISO. PLANTÕES HABITUAIS LONGOS E DESGASTANTES. DIREITO AO LAZER ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO E EM NORMAS INTERNACIONAIS. COMPROMETIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE DESCONEXÃO DO TRABALHO. A responsabilidade civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos. O primeiro é a ação ou omissão de alguém que produz consequências às quais o sistema jurídico reconhece relevância. É certo que esse agir de modo consciente é ainda caracterizado por ser contrário ao Direito, daí falar-se que, em princípio, a responsabilidade exige a presença da conduta culposa do agente, o que significa ação inicialmente de forma ilícita e que se distancia dos padrões socialmente adequados, muito embora possa haver o dever de ressarcimento dos danos, mesmo nos casos de conduta lícita. O segundo elemento é o dano que, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, consiste na "[...] subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral". Finalmente, o último elemento é o nexo causal, a consequência que se afirma existir e a causa que a provocou; é o encadeamento dos acontecimentos derivados da ação humana e os efeitos por ela gerados. No caso, o quadro fático registrado pelo Tribunal Regional revela que "o autor permaneceu conectado, mentalmente, ao trabalho durante os plantões, que ocorriam 14 dias seguidos. Além de cumprir sua jornada, o autor permanecia à disposição da empresa, chegando a trabalhar de madrugada em algumas ocasiões, como no dia 06/01/2008, por exemplo, em que trabalhou das 2h às 5h, no dia 27 do mesmo mês, das 4h40min às 11h30min (fl. 416), e no dia 13/09/13, das 0h às 3h30min (fl. 418)." A precarização de direitos trabalhistas em relação aos trabalhos à distância, pela exclusão do tempo à disposição, em situações corriqueiras relacionadas à permanente conexão por meio do uso da comunicação telemática após o expediente, ou mesmo regimes de plantão, como é o caso do regime de sobreaviso, é uma triste realidade que se avilta na prática judiciária. A exigência para que o empregado esteja conectado por meio de smartphone, notebook ou BIP, após a jornada de trabalho ordinária, é o que caracteriza ofensa ao direito à desconexão. Isso porque não pode ir a locais distantes, sem sinal telefônico ou internet, ficando privado de sua liberdade para usufruir efetivamente do tempo destinado ao descanso. Com efeito, o excesso de jornada aparece em vários estudos como uma das razões para doenças ocupacionais relacionadas à depressão e ao transtorno de ansiedade, o que leva a crer que essa conexão demasiada contribui, em muito, para que o empregado cada vez mais, fique privado de ter uma vida saudável e prazerosa. Para Jorge Luiz Souto Maior, "quando se fala em direito a se desconectar do trabalho, que pode ser traduzido como direito de não trabalhar, não se está tratando de uma questão meramente filosófica ou ligada à futurologia(...), mas sim numa perspectiva técnico-jurídica, para fins de identificar a existência de um bem da vida, o não-trabalho, cuja preservação possa se dar, em concreto, por uma pretensão que se deduza em juízo." Não fossem suficientes as argumentações expostas e a sustentação doutrinária do reconhecimento do direito aludido, há que se acrescentar o arcabouço constitucional que ampara o direito ao lazer, com referência expressa em vários dispositivos, a exemplo dos artigos 6º; 7º, IV; 217, § 3º; e 227. O direito à desconexão certamente ficará comprometido, com a permanente vinculação ao trabalho, se não houver critérios definidos quanto aos limites diários, os quais ficam atrelados à permanente necessidade do serviço. Resultaria, enfim, em descumprimento de direito fundamental e no comprometimento do princípio da máxima efetividade da Carta Maior. Finalmente, a proteção não se limita ao direito interno. Mencione-se, na mesma linha, diversos diplomas normativos internacionais, que, ou o reconhecem de modo expresso, ou asseguram o direito à limitação do número de horas de trabalho, ora destacados: artigos 4º do Complemento da Declaração dos Direitos do Homem (elaborado pela Liga dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1936); XXIV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; 7º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; e 7º, "g" e "h" do Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Interamericana Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), os dois últimos ratificados pelo Brasil. Nesse contexto, mostra-se incontroversa a conduta antijurídica da empresa que violou direito fundamental decorrente de normas de ordem pública. Os danos causados, pela sua natureza in re ipsa, derivam na própria natureza do ato e independem de prova. Presente o nexo de causalidade entre este último e a conduta patronal, está configurado o dever de indenizar. Agravo de instrumento a que se nega provimento. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. DECISÃO GENÉRICA. INÉRCIA DA PARTE, QUANTO À OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. O Tribunal Regional não especificou os parâmetros concretos que o levaram a manter a sentença que fixou a indenização por danos morais em R$25.000,00. Diante da omissão da Corte a quo, caberia a oposição de embargos de declaração, a fim de que explicitasse os fundamentos que conduziram ao valor arbitrado e demonstrasse a proporcionalidade com relação à extensão do dano. Como a parte não tomou tal providência afigura-se inviável o exame da tese recursal, no sentido de que não há razoabilidade no montante da indenização. Incidência da Súmula nº 297 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AIRR - 2058-43.2012.5.02.0464 , Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 18/10/2017, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/10/2017) (destaque acrescido)
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. A Corte de origem, a partir do conjunto probatório disponível nos autos, especialmente o laudo pericial, registrou que o Reclamante, exercendo a função de motorista de caminhão frigorífico, era responsável por efetuar a descarga de mercadorias no momento da entrega, com o auxílio de trabalhadores avulsos, sendo que o baú frigorífico tinha temperatura de aproximadamente 15º negativos (-15ºC). Assim, restou caracterizada a insalubridade, nos termos no Anexo 09 da NR 15 do MTE. O Regional também mencionou que o Reclamante não utilizava qualquer tipo de EPI e que a reclamada não produziu qualquer prova oral para refutar tais conclusões, mesmo após impugnar o conteúdo do laudo. Tais premissas fáticas não são passíveis de modificação na atual fase recursal, de natureza extraordinária, pois demandaria o revolvimento de fatos e de provas, o que é vedado, nos termos da Súmula 126 do TST. Portanto, levando em consideração as premissas fáticas estabelecidas, não é possível visualizar violação ao artigo 189 da CLT, pois o Reclamante estava submetido a condições insalubres. Por fim, a Reclamada não cuidou de reiterar no Agravo de Instrumento o aresto antes transcrito no Recurso de Revista. Ocorre que o agravo de instrumento é recurso autônomo, que deve demonstrar, por si mesmo, por que o recurso de revista deveria ser conhecido. Não se admite que a parte remeta esta Corte Superior à leitura do recurso trancado. 2. JORNADA DE TRABALHO. O Tribunal Regional do Trabalho, sobre o tema, fixou que a Reclamada controlava a jornada de trabalho do Reclamante, descaracterizando, desse modo, a alegação patronal de trabalho externo sem controle de jornada (art. 62, I, da CLT). O Regional também consignou que os registros de jornada do Reclamante possuem diversas rasuras, praticamente todas para reduzir o valor inicialmente indicado e, consequentemente, reduzir o período de trabalho registrado. Por fim, a Corte de origem registrou que o Reclamante laborava aproximadamente 15 (quinze) horas todos os dias. Tais premissas fáticas não são passíveis de modificação na atual fase recursal, de natureza extraordinária, pois demandaria o revolvimento de fatos e de provas, o que é vedado, nos termos da Súmula 126 do TST. Desta feita, considerando as premissas fixadas pelo Regional, não é possível visualizar que o acórdão tenha violado os artigos 59, §2º, da CLT e 7º, XIII e XXVI, da CF/88, na medida em que o labor por cerca de 15 (quinze) horas, todos os dias, descaracteriza o sistema de "banco de horas", que encontra limite máximo em 10 (dez) horas diárias. 3. INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL. DIREITO À DESCONEXÃO. PERNOITE DENTRO DO CAMINHÃO POR DETERMINAÇÃO DO EMPREGADOR. GARANTIA DA SEGURANÇA DO PATRIMÔNIO PATRONAL. Do acórdão regional é possível extrair que o reclamante pernoitava dentro do caminhão por determinação do empregador, como forma de garantir a segurança daquele patrimônio. Também ficou assentado que a Reclamada não indenizava os gastos necessários para que os trabalhadores pagassem acomodação em algum tipo de hospedaria. Nesse contexto, verificado pela Corte de origem que a permanência do Reclamante na cabine se dava por exigência da Reclamada, resta configurado que o Reclamante não dispunha livremente de seu intervalo interjornada, mantendo-se vigilante no momento em que deveria estar descansando. Em consequência, restaram agredidos os direitos fundamentais à intimidade, à vida privada (art. 5º, X, da CF/88), ao lazer (art. 6º, da CF/88) e à redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII, da CF/88), refletindo, assim, na violação ao direito à desconexão do trabalhador em relação ao trabalho nos horários destinados ao descanso. Por consequência, preenchidos os requisitos previstos nos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil (culpa, dano e nexo de causalidade), a viabilizar a responsabilização civil pelo dano moral daí decorrente. Agravo de Instrumento não provido. (AIRR - 196300-81.2012.5.17.0141 , Relator Desembargador Convocado: Américo Bedê Freire, Data de Julgamento: 26/08/2015, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/08/2015) (destaque acrescido)
DIREITO DE DESCONEXÃO DO TRABALHO. PLANTÃO NO PERÍODO DESTINADO A DESCANSO. CONTROLE PATRONAL POR INSTRUMENTO TELEMÁTICO. SOBREAVISO. A jurisprudência tem estendido os efeitos do § 2º do art. 244 da CLT, sendo devido o sobreaviso se no período destinado a descanso há regime de plantão submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos, com possibilidade de chamado a qualquer momento. Nesse sentido a Súmula 428 do TST. (TRT 3ª Região – RO- 00699-2012-109-03-00-9, Quinta Turma, Relator Desembargador José Murilo de Morais, Publicado no DEJT de 25 de março de 2013) HORAS DE SOBREAVISO. DIREITO À DESCONEXÃO. Tempo livre é aquele no qual a subjetividade do trabalhador se distancia dos problemas, questões e compromissos - potenciais ou efetivos – concernentes ao mundo do trabalho permitindo-lhe “esquecer” e descansar, repousar e usufruir de seu direito ao lazer.(CRFB, Art. 6º). Em contraponto, o tempo em que o empregado deve permanecer conectado à empresa, ainda que por meio do aparelho celular é tempo de trabalho e portanto, deve ser remunerado. As horas de sobreaviso, diante da desterritorialidade do trabalho no mundo contemporâneo, não se definem pela exigência da fixação a um local aguardando ordens, mas pela fixação a um aparelho móvel que aprisiona seu portador às demandas potenciais do empregador. A utilização da analogia é admitida expressamente pelo art. 8º da CLT e se constitui em importante recurso de integração das lacunas surgidas diante das transformações tecnológicas e produtivas e se constitui em importante modo de atualização do Direito do Trabalho e uma das razões para a permanência da CLT. (TRT 1ª Região, RO-0000694-05.2011.5.01.0042, Sétima Turma, Relatora Desembargadora Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, Publicado no DEJT de 16 de janeiro de 2013) |
Christiana D’Arc Damasceno Oliveira[16] comenta que:
O direito á desconexão surge sob o invólucro dos novos tempos. A disseminação das tecnologias torna possível seja o trabalhador subordinado (teletrabalhador ou não) contactado instantaneamente mesmo em seus períodos de repouso, ocasionando-lhe embaraço na fruição plena do direito fundamental ao descanso (indispensável à recuperação de suas potencialidades física e psíquica), interferindo também na fruição do direito fundamental social ao lazer, circunstâncias que, se reiteradamente renovadas, geram pretensão passível de ser apresentada judicialmente no sentido de exigir-se que o tomador de serviços se abstenha de protagonizar atos dessa natureza, com a cominação de multa para a hipótese de descumprimento e, se for o caso, indenização por dano de natureza extrapatrimonial. Referidas medidas não afastam, contudo, a incidência do pagamento de consectários trabalhistas típicos (horas extras, sobreaviso ou prontidão) que também forem devidos, a depender do caso concreto.
Desta feita, assegurar o direito à desconexão significa, com base em tudo quanto exposto, e como vem sendo feito pelos Tribunais pátrios, velar pela integridade, saúde e higidez física e psíquica do trabalhador e garantir a efetivação, em última análise, do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), permitindo o pleno exercício, pelo homem, da sua cidadania e o desenvolvimento de potencialidades outras que reflitam para além do meio ambiente de trabalho, traduzindo-se, assim, em bem jurídico da maior relevância para o atual Estado Democrático de Direito a ser objeto de efetiva tutela e proteção.
Afinal, o direito à desconexão do trabalho relaciona-se, umbilicalmente, a direitos fundamentais pertinentes às normas de saúde, higiene, medicina e segurança no trabalho, descritas na Constituição da República, especialmente ao estabelecer regras de limitação da jornada, o direito ao descanso, às férias, e à redução dos riscos inerentes ao trabalho (artigo 7º, incisos XIII, XV, XVII e XXII), que somente reforçam essa preocupação elementar com a incolumidade física e psíquica do trabalhador e com a efetiva restauração da energia por ele despendida na realização do seu mister.
REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direto do Trabalho. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2012.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2012.
CASSAR, Vólia Bomfim. Reflexos do avanço da tecnologia e da globalização nas relações de trabalho: novas profissões e métodos de execução do trabalho – parte II. Disponível em: <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUDENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT-RJ/48/20_REVTRT48_VOLIA%20BOMFIM.PDF>. Acesso em: 10 jul. 2013.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Do direito à desconexão do trabalho. Disponível em: <http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos/Do%20Direito%20%C3%A0%20Desconex%C3%A3o%20do%20Trabalho%20-%20Jorge%20Luiz%20Souto%20Maior.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2013.
OLIVEIRA, Christiana D’Arc Damasceno. Direito à desconexão do trabalhador: repercussões no atual contexto trabalhista. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v. 22, n. 253, p. 63-81, jul. 2010.
SABINO, Mauro César Cantareira. A desconexão do trabalho e o direito ao lazer sob uma ótica pós-positivista: a dignidade da pessoa humana como princípio basilar do ordenamento jurídico. Revista do Direito Trabalhista, Brasília, v. 18, n. 4, p. 25-31, abr. 2012.
[1] MAIOR, Jorge Luiz Souto. Do direito à desconexão do trabalho. Disponível em: <http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos/Do%20Direito%20%C3%A0%20Desconex%C3%A3o%20do%20Trabalho%20-%20Jorge%20Luiz%20Souto%20Maior.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2013.
[2] OLIVEIRA, Christiana D’Arc Damasceno. Direito à desconexão do trabalhador: repercussões no atual contexto trabalhista. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v. 22, n. 253, jul. 2010, p. 65.
[3] MAIOR, op. cit.
[4] SABINO, Mauro César Cantareira. A desconexão do trabalho e o direito ao lazer sob uma ótica pós-positivista: a dignidade da pessoa humana como princípio basilar do ordenamento jurídico. Revista do Direito Trabalhista, Brasília, v. 18, n. 4, abr. 2012, p. 31.
[5] SABINO, op. cit., p. 25.
[6] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2012, p. 686.
[7] MAIOR, op. cit.
[8] CASSAR, op. cit., p. 666.
[9] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direto do Trabalho. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2012, p. 259.
[10] Ibid., p. 259.
[11] O sobreaviso é tratado na Súmula n. 428 do Tribunal Superior do Trabalho que assim dispõe: “SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT (...) I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso.
[12] MAIOR, op. cit.
[13] Ibid.
[14] Ibid.
[15] CASSAR, Vólia Bomfim. Reflexos do avanço da tecnologia e da globalização nas relações de trabalho: novas profissões e métodos de execução do trabalho – parte II. Disponível em: <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUDENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT-RJ/48/20_REVTRT48_VOLIA%20BOMFIM.PDF>. Acesso em: 10 jul. 2013.
[16] OLIVEIRA, op. cit., p. 79.
analista do Ministério Público da União graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais e pós-graduada em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Luiza Prado Lima Santiago Rios. O direito à desconexão nas relações de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jan 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51242/o-direito-a-desconexao-nas-relacoes-de-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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