RESUMO:O presente estudo tem por objetivo analisar a importância e essencialidade dos princípios jurídicos, especificamente no âmbito do Direito Penal. Como decorrência do Neoconstitucionalismo, os princípios jurídicos passaram a ter fundamental prestígio em todas as ciências jurídicas, o que ocorreu, também, nas ciências penais. É de se ressaltar, inclusive, que alguns dos princípios de Direito Penal possuem base constitucional. Logo, diante da relevância dessa temática, o presente trabalho procura abordar os principais princípios de Direito Penal, demonstrando a sua relevância prática e jurídica.
PALAVRAS CHAVE:Direito Penal, princípios jurídicos e bem jurídico tutelado.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A proteção de bens jurídicos. 3. O Direito Penal e a Constituição Federal. 4. Os princípios jurídicos de Direito Penal. 4.1. Conceito de princípio jurídico. 4.2. Natureza jurídica dos princípios. 4.3. Funções clássicas dos princípios jurídicos. 4.4. Princípios implícitos. 4.5. Princípios como limitações ao poder punitivo do Estado. 4.6. Princípio da legalidade ou da reserva legal. 4.7. Princípio da intervenção mínima. 4.8. Princípio da fragmentariedade. 4.9. Princípio da subsidiariedade. 4.10. Princípio da proporcionalidade. 4.11. Princípio da ofensividade ou lesividade. 4.12. Princípio da exclusiva proteção do bem jurídico. 4.13. Princípio da insignificância. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O Direito Penal, sistema normativo de direito público, tem como fim regular o convívio em sociedade. Para isso, é formado por um conjunto de leis e princípios que buscam combater a prática de crimes e contravenções penais, por meio da imposição de sanção penal.
Na lição de Julio Fabbrini Mirabete:
A vida em sociedade exige um complexo de normas disciplinadoras que estabeleça as regras indispensáveis ao convívio entre os indivíduos que a compõem. O conjunto dessas regras, denominado direito positivo, que deve ser obedecido e cumprido por todos os integrantes do grupo social, prevê as conseqüências e sanções aos que violarem seus preceitos. À reunião das normas jurídicas pelas quais o Estado proíbe determinadas condutas, sob ameaça de sanção penal, estabelecendo ainda os princípios gerais e os pressupostos para a aplicação das penas e das medidas de segurança, dá-se o nome de Direito Penal. (MIRABETE, 2010, p. 1)
Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 2), nesse mesmo sentido, ensina que “esse conjunto de normas e princípios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possível a convivência humana”.
Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 67), por outro lado, conceitua o Direito Penal como um conjunto de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação.
E, ainda, sob outro aspecto, Mirabete (2010, p. 1) dispõe que o Direito em tela “também é o sistema de interpretação da legislação penal, ou seja, a Ciência do Direito Penal, conjunto de conhecimentos e princípios [...], com vistas em sua aplicação aos casos ocorrentes”.
Desse modo, esse conjunto de princípios e leis penais, que estabelece ações e omissões delitivas com a finalidade de ordenar o convívio social, bem como estabelecer balizas ao poder punitivo do Estado, denomina-se Direito Penal.
2. A proteção de bens jurídicos
O Direito Penal tem como função principal a proteção de bens jurídicos fundamentais ao indivíduo e à sociedade.
O conceito de bem jurídico surgiu no Iluminismo, o qual definia bem jurídico como direito subjetivo do indivíduo. Porém, ao longo do tempo, tal conceito passou por significativas mudanças, de modo que, atualmente, abrange os bens da coletividade.
Bitencourt (2009, p. 7), de forma clara e precisa, esclarece que “o bem jurídico pode ser definido ‘como todo valor da vida humana protegido pelo Direito’[...]”.
Observa-se, assim, que os bens jurídicos são interesses e valores reconhecidos e protegidos pelo Direito, uma vez que são imprescindíveis ao homem e à sociedade.
Todavia, nem todos os bens jurídicos gozam de proteção pelo Direito Penal. Por isso, é necessário ter em vista que este ramo do Direito tutela os bens mais relevantes e valiosos.
Nesse sentido, é a lição de Nucci:
Quando o ordenamento jurídico opta pela tutela de um determinado bem, não necessariamente a proteção deve dar-se no âmbito penal. A este, segundo o princípio da intervenção mínima, são reservados os mais relevantes bens jurídicos, focando-se as mais arriscadas condutas, que possam, efetivamente, gerar dano ou perda ao bem tutelado. (NUCCI, 2011, p. 70)
Ainda, nesta linha, Luiz Regis Prado leciona:
A função primordial desse ramo da ordem jurídica radica na proteção de bens jurídico-penais – bens do Direito – essenciais ao indivíduo e à comunidade. Para cumprir tal desiderato, em um Estado de Direito democrático, o legislador seleciona os bens especialmente relevantes para a vida social e, por isso, mesmo, merecedores da tutela penal. A noção de bem jurídico implica a realização de um juízo positivo de valor acerca de determinado objeto ou situação social e de sua relevância para o desenvolvimento do ser humano. (PRADO, 2004, p. 55)
Nota-se, portanto, que somente os valores mais relevantes para o indivíduo e a sociedade são erigidos à categoria de bens jurídicos penais, em razão do caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal. E, para reprimir as condutas lesivas a tais bens, a legislação penal utiliza das sanções criminais - penas e medidas de segurança.
3. O Direito Penal e a Constituição Federal
A Constituição de um Estado é a sua lei fundamental e suprema.
Por isso, em razão do princípio da supremacia constitucional, as demais leis devem ser elaboradas e aplicadas em conformidade com o texto constitucional. Isto acontece, por exemplo, com a legislação penal, uma vez que os princípios e regras constitucionais são os parâmetros de legitimidade e validade das normas jurídicas penais.
Destarte, a fonte primária do Direito Penal é a Constituição, que estabelece as bases e os limites da intervenção punitiva do Estado sobre os direitos e garantias fundamentais do cidadão.
A definição de uma conduta como delituosa somente é válida quando consagra valores fundamentais. Portanto, é função do Direito Penal proteger os valores e os bens jurídicos mais relevantes da sociedade contra as injustas agressões. E, neste ponto, justifica-se a intervenção punitiva do Estado.
Ivan Luiz da Silva (2011, p. 68) destaca que a base constitucional do Direito Penal remonta à origem do próprio constitucionalismo, uma vez que o artigo 20 da Magna Carta, de 1215, assinada pelo rei João Sem-Terra, já assegurava a garantia penal da proporcionalidade da pena, nos seguintes termos:
Art. 20. A multa a pagar por um homem livre, pela prática de um pequeno delito, será proporcionada à gravidade do delito; e pela prática de um crime será proporcionada ao horror deste, sem prejuízo do necessário à subsistência e posição do infrator [...].
Por todo o exposto, verifica-se que a Constituição atua como base de fundamentação das normas penais, ora funcionando como fonte do Direito Penal ora como limitação a este Direito.
Como fonte de Direito Penal, a Constituição fornece os parâmetros de legitimidade e coercitividade da lei penal, o que possibilita a garantia dos bens jurídicos relevantes. Por outro lado, como meio limitador, a Constituição fornece limitações de natureza material e formal. As limitações materiais obstam a criação de normas penais contrárias aos direitos e garantias consagrados na Constituição. E, por sua vez, as limitações formais impedem a elaboração de normas em desconformidade com as diretrizes constitucionais que ordenam a elaboração da lei penal.
Portanto, as normas penais (regras e princípios) têm como fonte primeira a Constituição, que fundamenta e legitima o poder punitivo do Estado.
4. Os princípios jurídicos do Direito Penal
4.1. Conceito de princípio jurídico
Os princípios formam a base fundamental do ordenamento normativo e são, por isso, valores fundamentais que funcionam como critérios para a criação e aplicação das leis.
Na clássica conceituação de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico. (MELLO, 2009, p. 53)
Ainda, na lição de Miguel Reale:
Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes, também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundamentos da validez de um sistema particular de conhecimento com seus pressupostos necessários. (REALE, 1991, p. 59)
Assim, os princípios são verdadeiros mandamentos jurídicos fundamentais, compostos de valores sociojurídicos de uma sociedade, que influenciam na composição e no funcionamento do ordenamento jurídico. Por isso, possuem caráter superior, transcendental e vinculante, de modo que todas as demais normas devem estar em harmonia e conformidade com seus preceitos fundamentais.
4.2. Natureza jurídica dos princípios
Com o pós-positivismo, nas últimas décadas do século passado, reconheceu-se a natureza normativa aos princípios.
Assim, atualmente, predomina o entendimento de que os princípios são normas jurídicas, com caráter vinculante, que constituem os fundamentos da ordem jurídica.
Neste sentido, Norberto Bobbio, citado por Ivan Luiz da Silva, dispõe:
Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. O nome de princípio induz em engano, tanto que é velha a questão entre juristas se os princípios gerais são normas ou não são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as demais. E esta é a tese sustentada também pelo estudioso que mais se ocupou da problemática, ou seja, Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos vêm a ser dois, e ambos válidos: antes de tudo, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio de espécies animais, obtenho sempre animais, e não fores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, função de regular um caso. Para regular um comportamento não regulado, é claro: mas agora servem ao mesmo fim para que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas? (SILVA, 2011, p. 33)
É preciso, no entanto, observar que as normas que compõem a ordem jurídica também podem ser regras, outra espécie de normas jurídicas.
As regras são aplicáveis por completo. Assim, caso os pressupostos de fato de uma regra se concretizem, esta deve ser aplicada. Já em relação aos princípios, a ocorrência das condições para sua incidência não obriga a sua aplicação ao caso concreto.
Ademais, os princípios representam vetores fundamentais, servindo de base para as demais regras do ordenamento jurídico; enquanto que as regras possuem relevância ao caso concreto.
Em caso de conflito entre duas regras, no interior do sistema normativo, uma delas será considerada inválida. Já em uma colisão de princípios, deve-se utilizar o critério da ponderação de valores, uma vez que será aplicado o princípio jurídico que apresentar maior peso em relação ao outro.
Por fim, importa destacar que, os princípios contidos na Constituição, integrantes do ápice do ordenamento jurídico, são preponderantes às demais regras jurídicas. Os princípios constitucionais formam, assim, a base do sistema jurídico, construtores e informadores do Direito.
Neste ponto, Paulo Bonavides, magistralmente, prima o que se segue:
Postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para avaliação de todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao mesmo passo positivação no mais alto grau, recebem como instância valorativa máxima categoria constitucional, rodeada do prestígio e da hegemonia que confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja, norma das normas. (BONAVIDES, 1994, p. 257, grifo no original)
Ainda, o mesmo autor (1994, p. 260) assevera que os princípios, enquanto valores fundamentais, governam a Constituição, o regime, a ordem jurídica. Não são apenas a lei, mas o Direito em toda a sua extensão, substancialidade, plenitude e abrangência.
4.3. Funções clássicas dos princípios jurídicos
Sob o prisma doutrinário, os princípios jurídicos têm três funções clássicas: fundamentadora, interpretativa e supletiva.
Os princípios como base do ordenamento jurídico representam a função fundamentadora, uma vez que servem de fundamento às demais normas jurídicas.
Já a função interpretativa dos princípios possibilita que o intérprete ou aplicador do Direito se guie pelos valores fundamentais consagrados pela sociedade.
Nesta acepção, Daniel Sarmento, citado por Ivan Luiz da Silva, dispõe:
[...] os princípios constitucionais desempenham também um papel hermenêutico constitucional, configurando-se como genuínos vetores exegéticos para a compreensão e aplicação das demais normas constitucionais e infraconstitucionais. Neste sentido, os princípios constitucionais representam o fio condutor da hermenêutica jurídica, dirigindo o trabalho do intérprete em consonância com os valores e interesses por eles abrigados. (SILVA, 2011. p. 55)
E, por fim, como função supletiva, os princípios integram a ordem jurídica quando constatada a ausência de norma reguladora do caso concreto.
Os princípios nem sempre estão dispostos de forma explícita no sistema jurídico, ou seja, há princípios em estado de latência. Estes são chamados de princípios implícitos.
O fundamento que legitima a existência de princípios implícitos está no fato de que o Direito não se exaure na lei; e, por isso, há norma mesmo na ausência de texto legal.
Os princípios implícitos são descobertos por meio da interpretação e concretização das normas jurídicas pelo intérprete e aplicador do Direito.
Eros Grau, citado por Ivan Luiz da Silva, ao tratar do assunto, discorre:
Não se trata, portanto, de princípios que o aplicador do direito ou intérprete possa regatar fora do ordenamento, em uma ordem suprapositiva ou no Direito Natural. Insista-se: eles não são descobertos em um ideal de ‘direito justo’ ou em uma ‘idéia de direito’. Trata-se, pelo contrário – e nesse ponto desejo referir explicitamente os princípios descobertos no seio de uma Constituição – não de princípios declarados (porque anteriores a ela) pela Constituição, mas sim de princípios que, embora nela não expressamente enunciados, no seu bojo estão inseridos. (SILVA, 2011, p. 49 e 50)
A Constituição Federal de 1988, conforme entendimento majoritário da doutrina, em seu artigo 5º, § 2º, reconhece expressamente a existência dos princípios implícitos, nos seguintes termos:
Art. 5º
[...]
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Tal dispositivo, conhecido como cláusula de reserva, demonstra um sistema constitucional aberto, que admite a integração por outros elementos, inclusive princípios implícitos.
Como exemplo de princípios implícitos, pode-se citar: o princípio da supremacia do interesse público, o princípio da proporcionalidade etc.
Ainda, importa observar que não há hierarquia entre os princípios expressos e os implícitos, uma vez que, no caso concreto, deve-se ponderar o peso assumido por cada princípio dentro das circunstâncias concretas.
Portanto, os princípios podem estar ou não explícitos no ordenamento jurídico. Os princípios implícitos existem por força própria, independentemente de texto normativo; com isto, a ausência de previsão legal não retira o seu caráter principiológico e, por conseguinte, normativo.
4.5. Princípios como limitações ao poder punitivo do Estado
A Constituição Federal possui, entre suas normas, vários princípios fundamentais informadores do Direito Penal, que, na verdade, são verdadeiras garantias do cidadão perante o poder punitivo do Estado.
Estes princípios constitucionais formam a base do ordenamento jurídico-penal, compondo a orientação devida ao legislador infraconstitucional, a fim de garantir a segurança jurídica formal e material imposta pelo Estado Democrático de Direito.
Diante disto, os princípios penais constitucionais são determinações fundamentais do sistema jurídico penal, uma vez que vinculam todo o processo de construção e aplicação das normas de Direito Penal. E, assim, definem as características, os fundamentos, a natureza e o modo de aplicação das normas penais.
Os princípios fundamentais de Direito Penal, conforme entendimento de Bitencourt (2009, p. 9), tornam-se freios ou limites ao poder punitivo do Estado, que não pode invadir de forma arbitrária a esfera dos direitos fundamentais do cidadão.
Neste sentido, o mesmo autor ainda discorre:
As idéias de igualdade e de liberdade, apanágios do Iluminismo, deram ao Direito Penal um caráter formal menos cruel do que aquele que predominou durante o Estado Absolutista, impondo limites à intervenção estatal nas liberdades individuais. Muitos desses princípios limitadores passaram a integrar os Códigos Penais dos países democráticos e, afinal, receberam assento constitucional, como garantia máxima de respeito aos direitos fundamentais do cidadão. Todos esses princípios, hoje insertos, explícita ou implicitamente, em nossa Constituição (art. 5º), têm a função de orientar o legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista. (BITENCOURT, 2009, p.10, grifo no original)
Desse modo, no Direito Penal, os princípios têm a função de orientar o legislador ordinário, bem como o intérprete do Direito, a fim de limitar o poder repressivo estatal e garantir os direitos fundamentais da pessoa.
Passa-se, pois, a elucidação de alguns dos princípios mais relevantes para o Direito Penal.
4.6. Princípio da legalidade ou da reserva legal
Encontra-se previsto no artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal, bem como no artigo 1º do Código Penal. É, portanto, um princípio explícito.
O princípio da legalidade preceitua a exclusividade da lei para a elaboração dos crimes e contravenções penais, bem como para a cominação de pena.
Bitencourt, em uma precisa e sintética conceituação, define o princípio da legalidade nos seguintes termos:
[...] pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida. (BITENCOURT, 2009, p. 11)
Mirabete (2010, p. 40) ainda assevera que o princípio da legalidade inclui o princípio da anterioridade da lei penal. Pois, somente poderá ser aplicada ao criminoso pena que esteja prevista anteriormente na lei como aplicável ao autor do crime praticado.
Ante o exposto, verifica-se que o princípio da legalidade funciona como um verdadeiro controle do poder repressivo, uma vez que visa excluir a arbitrariedade e o excesso do poder punitivo estatal, permitindo ao indivíduo conhecer previamente a conduta delitiva e a pena cominada.
4.7. Princípio da intervenção mínima
O princípio da intervenção mínima consagra ser legítima a intervenção penal apenas quando a criminalização de um fato se constitui meio indispensável para proteção de determinado interesse ou bem jurídico, cuja tutela não pode se dar por outro ramo do Direito.
Nesse sentido, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 8º, traz que a lei somente deve prever as penas estritamente necessárias.
O principal destinatário de tal princípio é o legislador, uma vez que, conforme entendimento de Bitencourt (2009, p. 13), o princípio da legalidade impõe limites ao arbítrio judicial, mas não impede que o Estado crie tipos penais iníquos e comine sanções cruéis e degradantes. Por este motivo, impõe a necessidade de limitar ou, se possível, eliminar o arbítrio do legislador por meio do princípio da intervenção mínima.
Assim, o legislador deve eleger com moderação as condutas dignas de proteção penal, evitando-se incriminar qualquer comportamento.
No entanto, também é preciso que o aplicador do Direito não proceda à operação da tipicidade quando constatar que, no caso concreto, a situação pode ser resolvida satisfatoriamente com a atuação de outro ramo do ordenamento jurídico.
Nas palavras de Bitencourt:
O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade. (BITENCOURT, 2009, p. 13, grifo no original)
Posto isto, observa-se que, antes de se recorrer ao Direito Penal como prima ratio (primeira opção), deve-se exaurir todos os meios extrapenais de responsabilização, e apenas quando estes meios se mostrarem insuficientes à tutela de determinado bem jurídico deve-se utilizar o Direito Penal, aplicando-o como ultima ratio (última razão).
Ademais, do princípio da intervenção mínima decorrem outros dois princípios: fragmentariedade e subsidiariedade.
4.8. Princípio da fragmentariedade
Pelo princípio da fragmentariedade, o Direito Penal somente deve intervir quando ficar demonstrada a existência de relevante lesão a bem jurídico fundamental da sociedade.
A palavra fragmentariedade provém de “fragmentos”, o que determina que somente alguns poucos fragmentos devem ser tutelados pelo Direito Penal.
Neste sentido, é a lição de Nucci:
Fragmentariedade significa que nem todas as lesões a bens jurídicos protegidos devem ser tuteladas e punidas pelo direito penal que, por sua vez, constitui somente parcela do ordenamento jurídico. Fragmento é apenas a parte de um todo, razão pela qual o direito penal deve ser visto, no campo dos atos ilícitos, como fragmentário, ou seja, deve ocupar-se das condutas mais graves, verdadeiramente lesivas à vida em sociedade, passíveis de causar distúrbios de monta à segurança pública e à liberdade individual. (NUCCI, 2011, p. 88)
Sob o mesmo ângulo, Luiz Regis Prado leciona:
[...] apenas as ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização. Desse modo, opera-se uma tutela seletiva do bem jurídico, limitada àquela tipologia agressiva que se revela dotada de indiscutível relevância quanto à gravidade e intensidade da ofensa. Esse princípio impõe que o Direito Penal continue a ser um arquipélago de pequenas ilhas no grande mar do penalmente indiferente. (PRADO, 2004, p. 141)
Alguns doutrinadores defendem que a projeção do princípio da fragmentariedade se dá no plano concreto e a incidência do princípio da subsidiariedade no plano abstrato, referente ao processo legislativo. Para esta corrente de pensamento, na qual se inclui Rogério Sanches (2010), em decorrência do princípio da fragmentariedade, o Direito Penal só deve intervir no caso concreto quando existir lesão significativa ao bem tutelado, ou seja, mostrando-se ínfima a lesividade ao bem jurídico, a incidência da norma punitiva deve ser afastada. Para o referido doutrinador, o princípio da insignificância é desdobramento lógico do princípio da fragmentariedade, uma vez que, com a aplicação daquele princípio, determinada lei penal deixará de ser aplicada ao caso concreto em face da insignificante lesividade ao bem tutelado.
Dessa maneira, o Direito Penal, em razão de seu caráter fragmentário, preocupa-se apenas com comportamentos (fragmentos) que provoquem lesões de maior gravidade.
4.9. Princípio da subsidiariedade
O princípio da subsidiariedade garante que a atuação do Direito Penal somente se dará quando os outros ramos do Direito mostrarem-se impotentes para o controle social devido, ou seja, apenas será aplicado quando os demais meios estatais de proteção, mais brandos, não forem suficientes para a tutela de determinado bem jurídico.
Nucci, com maestria, disserta que:
[...] o direito penal deve ser visto como subsidiário aos demais ramos do Direito. Fracassando outras formas de punição e de composição de conflitos, lança-se mão da lei penal para coibir comportamentos desregrados, que possam lesionar bens jurídicos tutelados. (NUCCI, 2011, p. 87)
Tal princípio, assim como o princípio da intervenção mínima e o princípio da fragmentariedade, encontra-se disposto implicitamente na Constituição Federal. E, portanto, decorre da interpretação das normas dispostas no texto constitucional quando buscam tutelar os bens mais relevantes para a coletividade.
Ademais, como visto, para Rogério Sanches, o princípio da subsidiariedade tem relação com o plano abstrato, refere-se, assim, ao aspecto legislativo. Disto decorre que a norma penal apenas será criada quando nenhum outro ramo do Direito puder resolver o problema existente, atuando o Direito Penal como último meio de proteção.
Dessa maneira, infere-se que o princípio da subsidiariedade busca o maior bem social com o mínimo sofrimento necessário para o infrator da norma, apenas legitimando-se a aplicação da norma criminal quando os demais meios disponíveis de controle social já houverem sido empregados sem êxito na proteção do bem jurídico.
4.10. Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade teve sua origem normativa na Magna Carta do Rei João sem Terra, em 1215, cujo texto previa que o pagamento de determinada multa seria proporcional à gravidade do delito.
Posteriormente, a proporcionalidade foi tratada a partir dos pensamentos do Iluminismo e do Direito Natural, que proporcionaram uma mudança na concepção de indivíduo e Estado, impondo, desde então, a recusa das formas de punição exagerada, com enfoque na dignidade da pessoa humana.
Em 1763, influenciado pelos pensamentos de Montesquieu sobre a proporcionalidade, Cesare Beccaria, por meio da obra “Dos Delitos e das Penas”, trata sobre a necessidade de uma proporção entre o crime praticado e a pena a ele cominada. Nas palavras do autor:
Não somente é interesse de todos que não se cometam delitos, como também que estes sejam mais raros proporcionalmente ao mal que causam à sociedade. Portanto, mais fortes devem ser os obstáculos que afastam os homens dos crimes, quando são contrários ao bem público e na medida dos impulsos que os levam a delinquir. Deve haver, pois, proporção entre os delitos e as penas. (BECCARIA, 1997, p. 123)
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 15, também dispôs que a lei só deveria cominar penas que fossem estritamente necessárias e proporcionais ao delito, consagrando, assim, a proporcionalidade entre a gravidade do crime cometido e a sanção a ser aplicada.
A Constituição Federal de 1988 em vários de seus dispositivos prega o princípio da proporcionalidade, como, por exemplo, nos incisos XLVI (exigência de individualização da pena) e XLVII (vedação a determinadas sanções penais), do artigo 5º.
Nucci, neste sentido, assevera:
A Constituição, ao estabelecer as modalidades de penas que a lei ordinária deve adotar, consagra implicitamente a proporcionalidade, corolário natural da aplicação da justiça, que é dar a cada um o que é seu, por merecimento. Fixa o art. 5º, XLVI, as seguintes penas: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos. (NUCCI, 2011, p. 89)
O princípio da proporcionalidade tem os seguintes destinatários: o legislador (proporcionalidade abstrata), o juiz da ação penal (proporcionalidade concreta) e o juiz da execução penal (proporcionalidade executória).
A proporcionalidade abstrata (ou legislativa) preceitua que devem ser eleitas as penas mais apropriadas para cada delito, bem como a respectiva graduação em mínimo e máximo. Já na proporcionalidade concreta (ou judicial), o juiz da ação deve promover a individualização adequada da pena ao caso concreto. Bitencourt (2009, p. 27), ao elucidar sobre o tema, dispõe que “pelo princípio da proporcionalidade na relação entre crime e pena deve existir um equilíbrio – abstrato (legislador) e concreto (judicial) – entre a gravidade do injusto penal e a pena aplicada”. E, por fim, na proporcionalidade executória, devem-se levar em consideração as condições pessoais do condenado quando do cumprimento da pena.
Além disso, verifica-se que o princípio da proporcionalidade compreende, além da proibição ao excesso, a proibição de insuficiência da intervenção jurídico-penal. Dessa maneira, proibi-se a cominação de penas desnecessárias e exageradas, bem como procura-se impedir que a intervenção penal fique abaixo da medida devida.
Importa destacar, ademais, que o princípio da proporcionalidade não se confunde com o princípio da razoabilidade, apesar de alguns doutrinadores defenderem que se tratam do mesmo princípio. Neste ponto, vale destacar o ensinamento de Bitencourt:
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não se confundem, embora estejam intimamente ligados [...] Pois é exatamente o princípio da razoabilidade que afasta a invocação do exemplo concreto mais antigo do princípio da proporcionalidade, qual seja, a ‘lei do talião’, que, inegavelmente, sem qualquer razoabilidade, também adotava o princípio da proporcionalidade. Assim, a razoabilidade exerce função controladora na aplicação do princípio da proporcionalidade. Com efeito, é preciso perquirir se, nas circunstâncias, é possível adotar outra medida ou outro meio menos desvantajoso e menos grave para o cidadão. (BITENCOUT, 2009, p. 27, grifo no original)
Por todo o exposto, perfaz-se que o sistema penal, em razão do princípio da proporcionalidade, atualmente, somente se legitima quando as penas impostas estão em harmonia com a gravidade da infração penal cometida, sem que, com isto, o Estado atinja de forma excessiva os direitos individuais da pessoa.
4.11. Princípio da ofensividade ou lesividade
Entende-se pelo princípio da ofensividade que não há infração penal quando a conduta não oferece ao menos perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.
Bitencourt (2009, p. 22) destaca que o princípio da ofensividade no Direito Penal tem a pretensão de que seus efeitos tenham reflexos em dois planos: no primeiro, servir de orientação à atividade legiferante, fornecendo substratos político-jurídicos para que o legislador adote, na elaboração do tipo penal, a exigência indeclinável de que a conduta proibida represente ou contenha verdadeiro conteúdo ofensivo a bens jurídicos socialmente relevantes; no segundo plano, servir de critério interpretativo, constrangendo o intérprete legal a encontrar em cada caso concreto indispensável lesividade ao bem jurídico protegido.
Portanto, no Direito Penal, não se admite a incriminação de condutas não lesivas ou provocadoras de ínfima lesão ao bem tutelado, uma vez que a lesividade deve estar presente no tipo penal. Caso contrário, o Direito Penal passaria a prever situações inócuas, e, consequentemente, outro princípio seria violado neste caso – o princípio da proporcionalidade.
4.12. Princípio da exclusiva proteção do bem jurídico
Predomina o entendimento atual de que o Direito Penal tem como principal função a proteção de bens jurídicos fundamentais. Assim, o princípio da exclusiva proteção do bem jurídico veda ao Direito Penal a preocupação com os pensamentos e intenções das pessoas, enquanto não exteriorizados.
Desse modo, o Direito Penal visa tutelar os bens jurídicos fundamentais, não se destinando a questões de ordem moral, ideológica ou ética.
4.13. Princípio da insignificância
A tipicidade penal, necessariamente, exige a ofensa de determinada gravidade ao bem jurídico tutelado, uma vez que a ausência dessa ofensa não caracteriza o injusto penal, o dano significativo ao bem (princípio da lesividade). Todavia, em algumas situações, condutas sem relevância jurídica para o Direito Penal – sem ofensividade – ajustam-se formalmente ao tipo penal, quando, na verdade, deveriam ser excluídas da incidência da legislação criminal.
Assim, para solucionar este problema, a doutrina desenvolveu a teoria do princípio da insignificância no Direito Penal, cuja intenção é excluir do campo penal as condutas que não causam um grau de lesividade mínimo ao bem jurídico tutelado.
Como visto, para o doutrinador Rogério Sanches (2010), o princípio da insignificância é desdobramento lógico do princípio da fragmentariedade, uma vez que incorre no caso concreto.
A presente pesquisa se desenvolve neste campo de aplicabilidade do princípio da insignificância no Direito Penal, mais precisamente a sua aplicabilidade aos crimes praticados em desfavor do bem jurídico difuso meio ambiente, a fim de se buscar quais condutas podem ser qualificadas como insignificantes para a tutela penal.
5. CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, nota-se a relevância dos princípios como elementos essenciais de todo o ordenamento jurídico, considerados verdadeiros preceitos fundamentais para a elaboração e emprego das demais normas jurídicas. Não quer dizer, todavia, que sempre estarão de forma explícita no ordenamento, mas, ao revés, podem estar ou não expressos no texto legal e constitucional, já que, como visto, a ausência de previsão normativa não retira o seu caráter principiológico.
No âmbito do Direito Penal não é diferente. São vários os princípios jurídicos com incidência no âmbito penal, os quais têm a função de guiar o legislador ordinário e o intérprete do Direito (juiz), limitando, principalmente, o poder repressivo do Estado e, por consequência, garantindo os direitos fundamentais do indivíduo submetido à lei penal.
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Graduada pela Universidade Federal de Rondônia - UNIR; Pós-graduada em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio; Analista do Ministério Público do Trabalho; já ocupante dos cargos de técnico e analista do Ministério Público Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Rafaela Afonso. Os Princípios Jurídicos de Direito Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 fev 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51321/os-principios-juridicos-de-direito-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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