RESUMO: O presente artigo trata, em linhas gerais, dos princípios básicos que norteiam o constitucionalismo hodierno brasileiro, ao qual se dá a denominação de neoconstitucionalismo, desenhando-se as principais características e pretensões desse novo paradigma jurídico que se irradia por todos os ramos do direito. A partir disso, faz-se uma leitura de como esse modelo gera efeitos na percepção do direito processual, com o fim de estabelecer uma releitura da função do processo e sua necessária relação dialética com o direito material. A busca pela máxima efetividade dos direitos fundamentais e do direito material tem sido o elemento norteador da doutrina processualista, no sentido de reforçar os ditames que baseiam os preceitos constitucionais.
SUMÁRIO: 1 - Neoconstitucionalismo e suas premissas teóricas gerais no cenário Brasileiro; 2 - “Neoprocessualismo” como resultado dos princípios Neoconstitucionais; 3 - “Neoprocessualismo” e a relação entre as dimensões material e processual do Direito; 4 – Considerações finais; 5 – Bibliografia.
1- Neoconstitucionalismo e suas premissas teóricas gerais no cenário Brasileiro
O constitucionalismo moderno traduz uma ruptura com paradigmas teóricos que alimentaram a compreensão do Direito até meados do século XX, sendo a corrente então predominante a do juspositivismo, a qual já havia sido modelo que ganhou espaço com a crise do jusnaturalismo, cujas premissas foram desenvolvidas no século XVIII, durante as revoluções burguesas.
A partir do período pós Segunda Guerra Mundial, percebe-se o surgimento de modelos jurídicos que buscam a superação do paradigma positivista, dado o abalo de suas estruturas e os limites impostos por uma nova realidade emergente. Em vários países, novos modelos de constitucionalismo passaram se desenvolver, com bases científicas que fariam propagar novas teorias do direito (CARBONELL, 2009, p. 9 - 10).
No Brasil, a nova onda constitucionalista se verificou com a promulgação da Constituição de 1988, cujas bases resultaram no modelo que hoje se desenha e se denomina de Neoconstitucionalismo. Miguel Carbonell (2009, p. 9) ensina que o constitucionalismo pós Segunda Guerra Mundial não se mostra de modo estático, devendo-se falar, na verdade, em “neoconstitucionalismos”, porquanto se verifica panoramas jurídicos com estruturas diversas, surgidos em momentos diferentes. Portanto, não se pode pensar que o modelo que se chama de neoconstitucionalismo no Brasil seja um modelo geral igualmente aplicável em outros países.
No entanto, a intenção aqui não é tratar dos diversos ordenamentos constitucionais surgidos em países diversos, mas sim ter uma visão geral sobre o Neoconstitucionalismo brasileiro, de modo a se verificar suas implicações no Processo Civil.
A mudança de paradigma no constitucionalismo hodierno implica em construção de novas perspectivas para os ramos infraconstitucionais do Direito, notadamente quando se verifica uma significativa interferência nos padrões da hermenêutica utilizada para a interpretação e aplicação das normas.
O Neoconstitucionalismo brasileiro, o qual se insere no paradigma jurídico pós-moderno, caracterizado pela constitucionalização do Direito, traz em si mudanças significativas na interpretação e aplicação do direito e nos seus diversos ramos. Ressalta-se o aspecto da unicidade do Direito, enquanto sistema orgânico e interligado, cujas ramificações estão ligadas a um elemento central, o qual é parâmetro de validade e orientação: a Constituição.
As principais características desse novo marco teórico são o reconhecimento da força normativa da Constituição; a difusão da jurisdição constitucional, seja através de ações constitucionais próprias ou de um processo constitucional, seja por meio da aplicação de preceitos constitucionais em todas as demandas levadas ao Judiciário; e o surgimento de novos modos de interpretação e aplicação das normas constitucionais, cujas bases residem nos princípios e nos diretos fundamentais como guia de operacionalização de todo o Direito. (BARROSO, 2006, p. 6 a 15).
Baseado na ideia de unicidade do sistema, força normativa da Constituição e dos direitos fundamentais, bem como o exercício da jurisdição constitucional com a máxima efetividade dos direitos e garantias fundamentais, tem-se que as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas e aplicadas de conforme os ditames constitucionais e de modo a dar-lhes maior efetividade.
Nelson Nery Júnior defende que a Constituição possui três tarefas fundamentais, quais sejam: a de integração, a de organização e a de direção jurídica (2016, p. 50). Segundo o autor, a primeira função diz respeito à necessidade de manutenção da unidade política da sociedade e dos indivíduos que ela compõem, prevendo instrumentos de pacificação de solução dos conflitos entre os sujeitos. A segunda tarefa seria a de organização dos poderes do Estado e dos órgãos e instituições através dos quais são exercidos, distribuindo-se as devidas competências para tal. Por fim, a tarefa de direção jurídica concerne diretamente à vinculação das normas fundamentais da Constituição, notadamente os direitos fundamentais, a todo o ordenamento jurídico. Sustenta o processualista que “ao realizar essa três tarefas, a Constituição deixa de ser apenas ordem jurídica fundamental do Estado e passa a ser ordem jurídica fundamental da sociedade.” (2016, p. 51).
É dentro dessa tarefa de direção jurídica do ordenamento que se coloca a releitura do direito infraconstitucional, no qual os princípios, direitos e garantias fundamentais ganham função de vetores de interpretação e aplicação dos institutos e normas dos seus distintos ramos.
Não seria diferente no Direito Processual, cujo estudo e aplicação são estão cada vez mais em sintonia com essa visão do constitucionalismo contemporâneo, deixando de ser um direito puramente procedimental e instrumental, para ser verdadeiro meio de efetivação dos direitos fundamentais, a partir de uma relação dialética e dinâmica com o direito material.
2- “Neoprocessualismo” como resultado dos princípios Neoconstitucionais
No âmbito do Direito Processual[1], falar em efetividade da Constituição significa inserir na estrutura de suas normas a lógica da jurisdição constitucional pós-positivista, transformando-o em instrumento de garantia e efetividade dos princípios e direitos fundamentais, devendo ser superada a ideia formalista e procedimentalista do processo, que o encara apenas como forma despreocupada de seu conteúdo e dos direitos em jogo no seio do conflito judicializado, característico do modelo positivista, cujo cerne dos ordenamentos era a lei posta nos Códigos. Essa constitucionalização do direito processual é que a doutrina vem denominando de Neoprocessualismo.
O desenvolvimento de um pressuposto teórico voltado à efetividade dos princípios e direitos fundamentais constitucionais traz novos elementos de interpretação e aplicação das normas processuais. Esses novos elementos estão ligados, por um lado, aos próprios direitos fundamentais relativos ao processo em si, como acesso à jurisdição, o direito de ação, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, duração razoável, entre outras garantias processuais constitucionais que reorientam a operatividade desse ramo do Direito. Também, por outro lado, esses novos pressupostos neoprocessuais estão ligados aos direitos e princípios fundamentais não necessariamente relacionados ao processo, mas o que perpassam por todos os ramos do direito, cuja efetividade deve ser buscada por essas normas processuais.
Portanto, os direitos fundamentais, materiais ou processuais, são o cerne de construção da estrutura teórica do novo modelo processual, podendo-se falar em modelo processual constitucional, cuja lógica está centrada da defesa e efetivação desses direitos no âmbito de uma jurisdição constitucional em sentido amplo.
É preciso destacar que os direitos fundamentais se expressam em duas dimensões, uma subjetiva e outra objetiva. A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais expressa uma posição jurídica de um titular de um direito em face alguém, seja do Estado ou de um particular. É direito que pode ser posto perante alguém que o viola ou que o ameaça, devendo ser tutelado pelo Direito. A dimensão objetiva, por sua vez, denota a própria estrutura irradiante dos direitos fundamentais, aqui não atribuídos a um individuo, mas entendidos como valores essenciais que devem condicionar a construção, interpretação e aplicação do direito, isto é, como elementos de estruturação do próprio direito e que orienta a ação do Estado. (GUERRA FILHO, 2007, p. 31)
Em ambas as dimensões, o Direito Processual deve estar condizente, pela sua própria estruturação, interpretação e aplicação, e pela defesa, em casos concretos, dos direitos que se põem em conflito, devendo o processo, como já alertava Fredie Didier Júnior, “[...] estar adequado à tutela efetiva dos direitos fundamentais (dimensão subjetiva) e, além disso, ele próprio deve ser estruturado de acordo com os direitos fundamentais (dimensão objetiva). (2008, p. 29).
É importante esclarecer que, embora tais fundamentos se apliquem ao processo em sentido amplo, como conjunto de atos concatenados que culminam em um resultado e orientados à sua execução, podendo ser tanto o processo administrativo, legislativo ou judicial, dá-se ênfase, nesse artigo, à última modalidade processual, ou seja, à jurisdicional, que difere das demais modalidades de processo pela presença necessária do contraditório, onde o direito material, estático a priori, se dinamiza. Dessa forma, é processo no sentido que anota Willis Santiago Guerra Filho (2007, p. 13), segundo o qual:
[...] o processo, entendido como relação jurídica de caráter público, com a peculiaridade de se desenvolver numa extensão temporal, com a concorrência de um representante do Estado (o juiz) e dos sujeitos interessados na decisão que afinal se deveria obter como resultado (as partes).
Ainda como efeito dessa constitucionalização do Direito Processual, Nelson Nery Junior afirma a existência de duas vertentes de estudo, o direito processual constitucional e o direito constitucional processual. O primeiro diz respeito ao estudo das normas e instrumentos processuais contidas na Constituição Federal de 1988. O segundo ramo, o estudo dos princípios constitucionais aplicados ao Direito Processual em si, como, por exemplo, o princípio do contraditório e da ampla defesa. (2016, 54)
Ressalta o autor que, não obstante a unicidade do Direito Processual e seus reflexos constitucionais, divisão referenciada possui fins didáticos. O que importa frisar é que os ramos de estudo acima indicados revelam a forte difusão das normas constitucionais no âmbito do processo.
Feita essa singela e curta introdução sobre a característica básica do neoprocessualismo como resultado da constitucionalização do direito processual no paradigma jurídico do pós-positivismo, passaremos a tratar, adiante, da relação que se estabelece entre as dimensões material e processual do Direito.
3 – “Neoprocessualismo” e a relação entre as dimensões material e processual do Direito
Como já mencionado, o Direito Processual, na ótica do neopreocessualismo, assim como todos os ramos do Direito no paradigma jurídico do Neoconstitucionalismo brasileiro, tem como principal fundamento a efetivação dos princípios e direitos fundamentais, que se colocam não só como imperativos normativos, mas como parâmetros de interpretação e aplicação de suas normas. Dessa forma, ganha destaque, nessa percepção, a instrumentalidade do processo como meio para a sua garantia e efetivação.
Rompe-se com o modelo formalista do positivismo jurídico que concebe o processo e suas normas de maneira puramente autônoma, sem levar em consideração o direito material que se faz presente na dinamização processual. Embora se reconhecesse, no modelo positivista, que o processo tivesse como fim a realização do direito material, considerava-se também que o direito processual era válido por si mesmo. Ocorre que tal percepção, muito embora correta ao se reconhecer autonomia do direito processual em relação ao material, era levada a um extremo que ignorava o preceito de funcionalização do direito, considerando a validade absoluta da norma processual, mesmo que se contrariasse o direito material posto no âmbito do processo, sob a alegação do preceito maior da segurança jurídica. Tal ideia é expressa na filosofia do direito de Gustav Radbruch (1979, p. 344-345), segundo o qual:
A independência do direito adjectivo na sua obrigatoriedade em frente do direito substantivo – mesmo que o primeiro deixe de preencher a sua função para alcançar a realização do segundo – acha a sua mais vigorosa expressão na bem conhecida distinção dogmática entre relação jurídica processual ou formal e a relação jurídica material, para cuja verificação a primeira deve servir. [...] Porquanto não nos devemos esquecer que a única idéia de valor capaz de servir de justificação a esta obrigatoriedade do direito processual, sobretudo nos casos em que este vem a estar em oposição às exigências do direito material, é sempre a da segurança jurídica.
Com o advento e desenvolvimento do pós-positivismo, houve a superação da ideia pura e formalista da norma jurídica, a qual se mostrou contraditória e limitada, passando o Direito a ser interpretado e aplicado à luz de princípios e direitos fundamentais, de estrutura normativa aberta, que se adéquam aos casos e à natureza dos direitos envolvidos em uma relação jurídica. O Direito também é estudado como sistema uno, de ramos e especialidades interligadas que, embora autônomas, não são modelos estanques como se estivessem situados em um ordenamento próprio e sem nenhuma relação com outros ramos ou com sua base normativa fundamental, isto é, a Constituição.
O mesmo processo de transformação se dá no Direito Processual com o neoprocessualismo, que, conforme magistério de Eduardo Cambi (2009, p. 117), “[...] implica na coragem para romper com as armadilhas do positivismo e dos formalismos jurídicos, concebendo o processo como um mero veículo de tutela de direitos materiais.”
Nessa perspectiva, se o processo é tomado como meio de efetivação dos direitos materiais, como consequência do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e do acesso à justiça, não se pode olvidar que o que o ordenamento processual, embora autônomo e com características próprias, aproxima-se e relaciona-se com o ordenamento material. O processo, como já dito anteriormente, é o meio de dinamização desse direito material estático, que assim o permanece até que se realize pelo caminho estabelecido pela norma processual. Há, pois, uma relação dialética do direito material e do direito processual que se configura de acordo com a natureza dos direitos discutidos e do conflito desses direitos.
Como assevera Hermes Zaneti Júnior (2005), essa relação entre e direito material e direito processual sempre existiu, no sentido de que o processo é meio de efetivação das finalidades contidas no direito material. No entanto, essa ligação foi desprivilegiada em momentos anteriores sob a égide do positivismo jurídico, que se apegava aos procedimentos formais de forma exagerada, muitas vezes inviabilizando a própria aplicação do direto material, por retirar-lhe o valor dentro do processo, conforme já ressaltamos. Por essa razão, talvez por uma tentativa de evidenciar e ressaltar a importância desse diálogo entre os planos processual e material do ordenamento jurídico, é que a doutrina processualista atual pretendeu ratificá-la, como forma de melhor alcançar a realização dos direitos fundamentais.
Essa relação ganha mais força com a expansão da teoria neoprocessual, onde há ênfase na aplicação de um processo constitucional em sentido amplo, ou seja, não restrito à jurisdição constitucional em si, com as ações com constitucionais específicas, mas como um direito processual “constitucionalizado”, interpretado e aplicado à luz da unidade jurídica e axiológica preestabelecida na Constituição, com fins de manter a coesão e coerência do ordenamento. (ZANETI JÚNIOR, 2005).
Nesse modelo processual constitucional, o direito processual não está alheio à natureza dos direitos materiais e conflitos que se colocam em análise, devendo estar adaptado a eles. Tal preceito se aplica tanto em um momento pré-conflito, na norma abstrata, devendo o legislador atentar para a natureza das relações jurídicas e dos direitos que pretende disciplinar no âmbito do processo, como também no momento de existência do caso concreto, do conflito estabelecido, agindo o Judiciário, quando da operacionalização e condução do processo, ter em vista tais naturezas jurídicas ali estabelecidas e encontrar o meio mais condizente com a efetividade dos direitos materiais demandados. Aduz a doutrina processualista:
Destarte, nesse momento privilegiado de democratização do Direito, entra em cena a personagem sonora de nosso texto: o processo, que é o caminho para a realização com Justiça do direito material resistido, controverso: o direito insatisfeito automaticamente. O processo é o instrumento com o qual fazemos a escrita, pelo Poder estatal (Poder Judiciário), da nova ordem jurídica, pacificando o conflito e entregando a cada um o que é seu mediante um procedimento e um contraditório.
[...] o processo devolve (sempre) algo diverso do direito material afirmado pelo autor, na inicial, algo que por sua vez é diverso mesmo da norma expressa no direito material positivado. Diverso está aí como elemento de substituição, mesmo que idêntica à previsão legal: a norma do caso concreto passou pela certificação [...] do Poder judiciário. Pode-se dizer, nesse sentido, que entre processo e direito material ocorre uma relação circular, o processo serve ao direito material, mas para que lhe sirva é necessário que seja servido por ele. (ZANETI JÚNIOR, 2005, p. 283).
Dessa forma, a relação entre os dois planos se dá de forma complementar e interdependente, sempre construindo uma norma para o caso concreto, a partir da formulação de um direito, incerto e problemático, que se constrói da interatividade entre os planos na dinâmica processual. Portando, o processo precisa ser adequado ao direito material e deve levar em consideração a natureza do caso, do conflito concreto para que se possa, ao final, estabelecer qual direito ou norma concreta que deverá prevalecer. Essas são conclusões que se retiram dos princípios da instrumentalidade e da adequação e do método concretista na análise processual, que se destacam no interior da doutrina neoprocessual.
No sentido da instrumentalidade e da adequação, leciona Fredie Didier Júnior (2016, p. 41) que “ao processo cabe a realização dos projetos do direito material, em uma relação de complementaridade que se assemelha àquela que se estabelece entre o engenheiro e o arquiteto.”
Dessarte, a separação entre direito material e direito processual enquanto formas autônomas não podem gerar o inteiro isolamento do processo e mantê-lo alheio ao direito substancial que se pretende tutelar, havendo um elo entre ambas as dimensões. Ressalta ainda o aspecto da adequação para que se possa melhor aliar o processo à natureza do direito e dos casos concretos, podendo ser feita no momento legislativo, cabendo ao legislador prever meios procedimentais adequados para a efetivação da tutela do direito material. Tal adaptação também deve ser feita no momento processual, “[...] permitindo ao juiz, no caso concreto, adaptar o procedimento de modo a melhor afeiçoá-lo às peculiaridades da causa.” (DIDIER JÚNIOR, 2008, p. 51).
No mesmo sentido, Cássio Scarpinella Bueno (2010), ao defender a superação da ótica puramente individualista do processo, sob a perspectiva do direito processual público e coletivo, e a ideia da relativização do binômio direito material e processual, ressalta que este é um instrumento cuja finalidade está condicionada à efetivação daquele, devendo ser ajustado aos conflitos de interesses que se colocam no plano material. Afirma o autor (2010, p. 28) que:
Quando o direito material público é posto em juízo, portanto, põe-se a toda prova a premissa da instrumentalidade do processo na medida em que estreita a separação entre o direito material e o processual, relativizando, assim, o binômio direito-processo, unindo-os para um fim comum, a apaziguação social.
Portanto, há, sob essa orientação, uma vinculação da eficácia do processo e da efetividade dos direitos tutelados a essa superação da separação rígida e formal entre os planos material e processual do Direito, o que faz concluir que a natureza desses direitos e dos conflitos traz uma necessária influência na forma como essa tutela será exercida no âmbito jurisdicional.
Deverá o juiz avaliar o caso concreto e estabelecer os melhor meio para que se possa produzir o fim almejado, sempre sob o parâmetro do modelo processual constitucional na efetividade dos direitos fundamentais. A busca pelos meios adequados para a tutela jurisdicional efetiva nada mais é do que a concretização dessa necessária interação entre substância e forma, entre meio e fim, que dialogam e resultam na criação, através dos métodos de interpretação, de um pronunciamento sobre o direito ou norma a ser posta para cada caso concreto.
Assevera Luís Guilherme Marinoni (2006, p. 2-3). que a tutela jurisdicional efetiva não pode ser interpretada apenas como dever imposto ao legislador de criar uma estrutura processual adequada à tutela dos direitos de acordo com suas características e natureza, mas “[...] considerando as várias necessidades de direito substancial, dá ao juiz o poder-dever de encontrar a técnica processual idônea à proteção (ou à tutela) do direito material.”
Insta salientar, pois, que essa conformação das técnicas processuais também se mostra necessária no momento processual, conforme supracitado, tendo em vista a impossibilidade de o legislador, abstratamente, prever todas as peculiaridades e necessidades de todos os casos concretos na formulação dessa estrutura processual. Essa é atividade que também cabe ao Estado-juiz, no exercício de sua função jurisdicional e do seu poder-dever de prestação da tutela efetiva frente aos conflitos que a ele se mostram, por meio de métodos da interpretação e da argumentação, com fins de criar regulamentação resolutiva para a situação específica, levando em consideração todos os direitos postos em conflito, ou seja, tanto o direito do demandante da tutela como o do demandando.
Dessa forma, a norma não é entendida apenas como conteúdo descrito na lei, mas é o resultado obtido a partir da interpretação do conteúdo normativo realizado a partir dessa relação interdependente do direito material e processual no decorrer do exercício da tutela jurisdicional. O que se obtém, ao final desse processo, é uma norma concreta que irá regular o caso específico que traz o conflito, salientando outra característica inerente ao Direito pós-positivista, que é o método concretista. Portanto, é norma concreta criada a partir do caso particular e a ele ligada. (CAMBI, 2009).
Portanto, como aduz Cambi, citando Eduardo Carlos Bianca Bittar (2005, p. 432 apud CAMBI, 2009, p.114):
[...] o direito pós-moderno combate a negação de direitos por critérios meramente formais, privilegiando o conteúdo em detrimento do apego excessivo à forma. Critica métodos de coerção e restrição de acesso a direitos, baseado no império do rito, do procedimento, do acesso condicionado pela burocracia, que fazem com que o direito seja acessível tão somente àqueles que sobrevivem às armadilhas e artimanhas criadas pelo sistema jurídico.
Em sintonia com essas premissas, o Anteprojeto do novo Código de Processo Civil trouxe inovações que se aproximam desse modelo processual constitucional. Dá-se, no Anteprojeto, importância para a necessidade de trazer uma interpretação mais sistemática das normas processuais, coadunando-as à Constituição e adaptando-as de forma que se possa ter um processo condizente com a realidade social. Em sua exposição de motivos, o Anteprojeto (BRASIL, online) traz seus principais objetivos:
Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão. (grifos do autor)
Dessa forma, resta evidenciada a relação dialética que se estabelece entre as dimensões material e processual do direito, face ao arcabouço teórico que vigora em razão do constitucionalismo contemporâneo, o qual implica diretamente em um modelo processual que garanta a máxima efetividade da aplicação do direito material, notadamente no que tange aos direitos fundamentais.
4 – Considerações finais
O modelo constitucional que está presente no cenário jurídico brasileiro, ao qual se atribui a denominação de Neoconstitucionalismo, traz repercussões diretas sobre as estruturas , assim como de outros ramos, do direito processual, resultando no em uma doutrina que se pretende nova e que se fixa nas bases de uma teoria que defende a efetividade máxima dos direitos fundamentais, denominando-se de “neoprocessualismo”.
Não se pode deixar aqui de fazer menção á vagueza que certos conceitos podem demonstrar. Assim como o Neoconstitucionalismo brasileiro, corrente teórica surgida a partir da Constituição de 1988, possa ser uma doutrina em ainda em desenvolvimento, cujas bases estejam sendo fixadas, mas que ainda não apresenta uma clareza epistemológica, o neoprocessualismo também guarda uma ideia difusa, que se pretende nova, mas não se evidencia consolidada e aclarada,
A fixação do termo “neo” para dar contornos de novidade e de renovação do paradigma teórico do direito processual está muito menos ligado a uma teorização retilínea, consolidada e coerente do direito processual, que a uma postura metodológica e pedagógica para identificar as adaptações e reformulações, que já há muito se identificava no ordenamento pátrio, a esse novo (neo) constitucionalismo brasileiro.
Sem se pretender aprofundar esse debate, é necessário ter consciente que a superação do paradigma clássico e a consolidação de novas bases teóricas para o direito processual vinculado ao constitucionalismo contemporâneo se encontram em desenvolvimento, mostrando-se como um modelo ainda volátil.
Portanto, há um grande desafio a ser encarado pela doutrina e pela atuação dos juristas, de modo a trilhar e fixar bases teóricas claras e fortalecidas sobre os diversos institutos e normas do direito processual, de forma que se possa construir um ordenamento ainda mais coeso e coerente.
5 - Bibliografia
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[1] Necessário se fazer uma distinção, não muito importante, mas necessária e esclarecedora, entre Direito Processual (com iniciais maiúsculas) quando se fizer referência à ciência e ao ramo específico do Direito, e direito processual (iniciais minúsculas), sendo este relativo ao direito positivo, às normas processuais.
Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SELEDON DANTAS DE OLIVEIRA JúNIOR, . Pós-positivismo, o neoconstitucionalismo brasileiro e seus efeitos no processo civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 mar 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51466/pos-positivismo-o-neoconstitucionalismo-brasileiro-e-seus-efeitos-no-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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