RESUMO: A crise no sistema prisional demonstra a necessidade de alterações legislativas e adoção de novas posturas por parte do sistema de justiça, da política criminal e da política de segurança pública para combater o superencarceramento. São necessárias medidas racionais para a distinção entre usuários e traficantes, tendo em vista que o tráfico de drogas lidera o ranking de crimes cometidos pelas pessoas presas. O presente artigo pretende tecer considerações críticas e evidenciar à comunidade jurídica a importância de serem traçados novos rumos e eixos de atuação, notadamente em relação às agências executivas de controle.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Drogas e superencarceramento; 3. Propostas legislativas para o enfrentamento do superencarceramento relacionado à Lei de Drogas; 4. Considerações voltadas às agências executivas de controle; 4.1. Critérios utilizados pela atual lei de drogas brasileira para distinguir usuário de traficante; 4.2. Presunção de inocência, ônus da prova, direito penal do inimigo e teoria do etiquetamento; 5. Considerações Finais; 6. Referências.
1.Introdução
Nos últimos anos, o descontrole estatal sobre o sistema prisional foi evidenciado. Diversas medidas provisórias (em casos ainda não submetidas à jurisdição da Corte IDH) e medidas cautelares foram adotadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e pela Comissão de Direitos Humanos (CIDH), respectivamente. Podem ser citados, como exemplos, os seguintes casos que tramitaram perante a Corte IDH e CIDH: Caso da Penitenciária de Urso Branco (Porto Velho/RO); Caso das pessoas privadas de liberdade na Penitenciária Dr. Sebastião Martins Silveira (Araraquara/São Paulo); Caso do Complexo de Pedrinhas (São Luís/MA); e Caso do Presídio Central de Porto Alegre/RS.
A crise desencadeada no sistema penitenciário foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347 MC/DF, em 2015. Nesse sentido, o STF reconheceu expressamente a existência, no sistema penitenciário brasileiro, do “Estado de Coisas Inconstitucional”, expressão originária da Corte Constitucional da Colômbia, em 1997.
Não obstante o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional, o ano de 2017 foi marcado por rebeliões e massacres nos sistemas penitenciários. No início de 2018, ocorreram novas mortes em conflitos entre facções criminosas ou perseguições policiais, nos Estados de Goiás e Ceará.
Em ação coordenada pela Presidência do Conselho Nacional de Justiça e Tribunais de Justiça dos Estados e Distrito Federal, foi elaborado o Projeto Choque de Justiça, como resposta imediata do Poder Judiciário às mortes ocorridas no sistema prisional em janeiro de 2017 (CNJ, 2017, p. 26). Os dados obtidos revelaram um total de 654.372 presos no Brasil, dentre os quais 221.054 estão presos provisoriamente.
No Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), produzido pelo Departamento Penitenciário Nacional (2014, p. 6), constatou-se que o perfil das pessoas presas é majoritariamente composto de homens negros, jovens, de baixa escolaridade e de baixa renda.
De acordo com dados do Projeto Choque de Justiça, o crime de tráfico de drogas representa 29% dos processos que envolvem réus presos, ocupando o primeiro lugar no ranking (CNJ, 2017, p. 26). Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (2014, p. 23), desde a entrada em vigor da Lei 11.343, em 2006, a população carcerária brasileira teve um aumento de 206.495 presos.
O retrato das prisões traz desafios ao sistema de justiça penal, à política criminal e à política de segurança pública. Faz-se necessário a junção de esforços entre os operadores jurídicos e os três Poderes da República, em todos os níveis da Federação, para a busca conjunta de eixos de atuação, como forma de solucionar o problema da crise no sistema prisional.
2. Drogas e superencarceramento
O superencarceramento não é a solução para o enfrentamento da crise penitenciária, constituindo-se, em verdade, em uma de suas causas. O alto índice de presos por crimes relacionados a drogas (29%) revela a necessidade de alterações estruturais na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) e no procedimento adotado pelas agências executivas de controle do sistema de justiça penal, da política criminal e da política de segurança pública. Segundo IBCCRIM et al (2017, p. 16):
Tamanha repressão não está direcionada a grandes traficantes e operadores do sistema financeiro. Na verdade, pesquisas demonstram que o preso por tráfico de drogas no Brasil é em sua enorme maioria jovem, com ensino fundamental incompleto, foi flagrado desarmado e com pouca quantidade de droga. Ou seja, estamos encarcerando pessoas com alto grau de vulnerabilidade, que, se envolvidos em atividade criminosa, encontram-se certamente às margens da hierarquia do tráfico de drogas, e que serão imediatamente substituídos após a prisão. Assim, o direcionamento da repressão sobre esse perfil não só não ameaça o poderio de organizações criminosas, mas, ao contrário, reforça sua capacidade de mobilização e recrutamento.
Destarte, direcionar a repressão àqueles flagrados com pouca quantidade de drogas, por possuírem baixa renda e baixa escolaridade, agrava a crise penitenciária, por contribuir com o superencarceramento, mas não reduz o poderio de organizações criminosas voltadas para o tráfico de drogas.
3. Propostas legislativas para o enfrentamento do superencarceramento relacionado à Lei de Drogas
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM, a Pastoral Carcerária Nacional - CNBB, a Associação Juízes para a Democracia - AJD, o Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação - CEDD/UnB elaboraram 16 propostas legislativas que buscam impactar a dinâmica sistêmica do encarceramento em massa no país. A Proposta nº 4 é voltada à Lei nº 11.343/2006, para evitar “o encarceramento de pessoas que, por sua condição pessoal ou pela baixa gravidade do fato cometido, serão melhor tratadas pelos sistemas alternativos à prisão” (IBCCRIM et al, 2017, p. 16).
Entre as propostas, pretende-se a alteração do caput, do artigo 33, da Lei de Drogas, para que se comprove a finalidade comercial da conduta, a fim de que seja possível a imputação do crime de tráfico de drogas, com a revogação do §3º para limitar a criminalização às ações com finalidade lucrativa. Desse modo, o tipo penal exigiria o dolo específico de realizar o comércio de drogas, cabendo ao titular da ação penal o ônus de provar tal finalidade.
Ademais, propõe-se alteração do §4º, do artigo 33, para que o comando de substituição das penas privativas de liberdade por medidas restritivas de direitos se torne obrigatório, nos casos de réus primários, de bons antecedentes e sem relação com organizações criminosas. Isso porque, é “justamente o perfil dos que enchem os cárceres desnecessariamente e servem de recrutamento para as facções” (IBCCRIM et al, 2017, p.17).
Ainda, entre as medidas constantes da Proposta nº 4 (IBCCRIM et al, 2017, p. 17):
[...] o presente projeto revoga os artigos 28, 29 e 30, que atualmente tratam das penas aplicáveis ao usuário de drogas. De início, saliente-se que a legislação atual não prevê pena de prisão nesses casos, mas as condutas seguem definidas como crimes e, com isso, causam diversos efeitos penais que reforçam o encarceramento, como a perda da primariedade e a impossibilidade de fazer jus a benefícios penais no futuro.
Tal alteração é relevante, tendo em vista que a sobreposição de verbos previstos tanto no § 2º do artigo 28 quanto no artigo 33 conduz a equívocos judiciais, porquanto usuários de drogas são considerados traficantes. Tal é sua importância que o Supremo Tribunal Federal irá se debruçar sobre o tema, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 635.659/SP, referente à inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas.
4. Considerações voltadas às agências executivas de controle
4.1. Critérios utilizados pela atual lei de drogas brasileira para distinguir usuário de traficante
Necessário se faz que as agências executivas de controle passem a analisar os casos concretos referentes ao crime de tráfico de drogas sob uma nova ótica. Isso porque há possibilidade de discriminação indireta na aplicação do artigo 28, §2º, da Lei nº 11.343/2006.
Segundo GOMES (2001, p. 24), a discriminação indireta, ou teoria do impacto desproporcional, se dá de forma mais sutil, mediante a adoção de critério aparentemente neutro (não intencional), seja pelo setor público ou privado, ocasionando impacto negativo/desproporcional em relação a determinado segmento vulnerável, violando o princípio da igualdade e demais direitos humanos.
O Supremo Tribunal Federal empregou o raciocínio da Teoria do Impacto Desproporcional no julgamento da ADIn 1946-5/DF, que tratou do salário-maternidade, e, recentemente, na ADPF 291, em que foi declarada a inconstitucionalidade do crime militar de pederastia (artigo 235, CPM).
Assim também entendeu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em sentença de 23 de junho de 2005, no Caso Yatama vs. Nicarágua, reconhecendo a violação de direitos humanos previstos na Carta de São José da Costa Rica, mediante a aplicação da teoria do impacto desproporcional.
O artigo 28, §2º, da Lei nº 11.343/2006 estabelece que, para determinar se a droga é destinada a consumo pessoal, “o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente".
Conquanto aparentemente neutros, os critérios elencados pela Lei nº 11.343/2006 ocasionam uma espécie de discriminação indireta, tendo em vista que as agências executivas de controle partem do pressuposto de que pessoas de baixa renda não possuem condições financeiras para arcar com os custos do consumo de drogas. Com efeito, concluem que somente resta a tais pessoas a prática de tráfico de drogas, como forma de sustentar o próprio vício.
Desse modo, na grande maioria dos casos, diante de certa discricionariedade das agências de controle, pessoas de baixa renda, baixa escolaridade e negras seriam consideradas traficantes, enquanto pessoas da alta sociedade, abastadas, seriam consideradas usuários.
4.2. Presunção de inocência, ônus da prova, direito penal do inimigo e teoria do etiquetamento
Insta recordar que a Constituição de 1988 assegura a garantia da presunção de inocência, em seu artigo 5º, inciso LIII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Segundo RAMOS (2016, p. 689):
A presunção da inocência consiste no direito de só ser considerado culpado de determinado delito após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, também denominada presunção de não culpabilidade. Há duas aplicações típicas da presunção de inocência no processo penal brasileiro: (i) no processo de conhecimento e (ii) na execução da pena criminal definitiva.
No Direito Internacional dos Direitos Humanos, a presunção de inocência possui larga previsão, podendo-se citar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional francesa, em 1798:
9º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
Posteriormente, sob os auspícios da ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada e proclamada pela 183ª Assembleia da Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, garantiu, explicitamente, a presunção de inocência:
XI.1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
Da mesma forma, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a 16 de dezembro de 1966, em seu artigo 14.1, primeira parte, estabelece que:
Artigo 14.2 Qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida.
Em âmbito regional, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em San José da Costa Rica, em 22 de dezembro de 1969, igualmente assegura o direito ao juiz imparcial, no artigo 8.1:
Artigo 8.1 Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.
Ressalte-se que o Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos integra o ordenamento jurídico nacional, tendo sido promulgado internamente por meio do Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992, o que também ocorreu com a Convenção Americana de Direitos Humanos, cuja promulgação se deu por meio do Decreto no 678, de 6 de novembro de 1992.
Como se sabe, a presunção de inocência assegura a qualquer indivíduo seu status de inocente até que essa presunção seja afastada mediante prova plena que lhe impute o cometimento de um delito.
O princípio da presunção de inocência está intimamente relacionado ao ônus da prova no processo penal. Com efeito, apenas e tão somente ao Ministério Público incumbe provar a presença de todos os elementos necessários para o acolhimento da pretensão punitiva (BADARÓ, 2003, p. 283-286).
Nesse sentido, MIRZA (2010, p. 542) defende que:
A acusação (Ministério Público ou querelante) deverá provar, cabalmente, os fatos deduzidos na denúncia (queixa), com todas as suas circunstâncias relevantes (artigo 41 do Código de Processo Penal). Ou seja, o(s) fato(s) constitutivo(s) de seu direito. Ao réu cabe, tão somente, opor-se à pretensão do acusador, ou seja, o ônus da prova é todo da acusação. Vale mencionar que a dúvida quantos aos fatos constitutivos leva, inexoravelmente, à absolvição. A rigor, o réu não alega fato algum, apenas opõe-se à pretensão ministerial ou àquela do querelante. Isto porque é presumidamente inocente e a dúvida o socorre, sendo a absolvição medida que se impõe.
Cabe à defesa, unicamente, se opor à pretensão punitiva e, ao titular da ação penal, a comprovação de que o fato configura tráfico de drogas.
Ademais, importa ressaltar que, na maioria dos casos, a condenação pelo tráfico é fundamentada em alegações unilaterais, notadamente de testemunhas policiais que efetivaram a prisão em flagrante do acusado.
Desse modo, a condenação pelo crime de tráfico de drogas, sem a necessária comprovação de que o acusado exerce, de fato, o comércio de drogas, viola o princípio da presunção de inocência, fere o sistema acusatório e o regramento relacionado ao ônus da prova. Assim, a condenação, nestes casos, gera verdadeira concretização de um direito penal do inimigo e não um direito penal do fato, consentâneo com o Estado Democrático de Direito.
Quanto ao Direito Penal do Inimigo, preciso o ensinamento de LIMA JUNIOR (2016, p. 211):
Gunther Jakobs, criador do funcionalismo sistêmico, idealizou o direito penal do inimigo que busca resguardar a norma, o sistema jurídico, ou para ser mais claro, o direito positivado. Nesse particular, o inimigo é o criminoso que se afugenta de forma permanente do direito sem o oferecimento de garantias cognitivas de que permanecerá fiel à norma, afastando-se do estado da cidadania, motivo pelo qual não poderia participar dos direitos e garantias advindas do conceito de pessoa.
O inimigo não é sujeito processual e, por consequência, não poderá contar com os mesmos direitos e garantias processuais a todos conferidas. Desse modo, não está sujeito a procedimento legal, mas sim, fadado a procedimento de guerra, pois quem não oferece segurança cognitiva de um comportamento pessoal, além de não deter o direito de ser tratado como pessoa, estará a mercê do Estado – que não poderá tratá-lo como tal, sob pena de vulnerar a coletividade.”
Ainda, ZAFFARONI (2007, p. 18) ensina que:
[...] a essência do tratamento diferenciado que se atribui ao inimigo consiste em que o Direito lhe nega sua condição de pessoa. Ele só é considerado sob o aspecto de ente perigoso ou daninho. Por mais que a ideia seja matizada, quando se propõe estabelecer a distinção entre cidadãos (pessoa) e inimigos (não pessoa) faz-se referência a seres humanos que são privados a certos Direitos individuais, motivo pelo qual deixaram de ser considerados pessoas [...].
É possível estabelecer uma relação entre o direito penal do inimigo, no caso de se equiparar a conduta do usuário de drogas com a do traficante, com a Teoria do Etiquetamento ou labelling aproach. Referida teoria possui raízes nos Estados Unidos, nos anos 60.
Em relação à Teoria do Etiquetamento, BARATTA (2002, p. 1) esclarece que:
A criminologia ao longo dos séculos tenta estudar a criminalidade não como um dado ontológico pré-constituído, mas como realidade social construída pelo sistema de justiça criminal através de definições e da reação social, o criminoso então não seria um indivíduo ontologicamente diferente, mas um status social atribuído a certos sujeitos selecionados pelo sistema penal e pela sociedade que classifica a conduta de tal indivíduo como se devesse ser assistida por esse sistema. Os conceitos desse paradigma marcam a linguagem da criminologia contemporânea: o comportamento criminoso como comportamento rotulado como criminoso.
SHECAIRA (2008, p. 291) aduz o seguinte:
É, portanto, a partir do labelling que a pergunta feita pelos criminólogos passa a mudar. Não mais se indaga o porquê de o criminoso cometer os crimes. A pergunta passa a ser: por que é que algumas pessoas são tratadas como criminosas, quais as consequências desse tratamento e qual a fonte de sua legitimidade?
Dessa forma, os expoentes da teoria do etiquetamento não se debruçam sobre os motivos que levam as pessoas ao cometimento de crimes, mas sim de que forma o controle social sobre tais condutas gera efeitos no aumento da criminalidade.
A rotulação de indivíduos como traficantes é realizada pelas agências de controle, tanto na fase legislativa, quanto na fase de aplicação da lei penal. Estabelece-se quais pessoas devem ser perseguidas (em sua maioria, jovens negros, de baixa renda e baixa escolaridade) e procede-se à rotulação de tais indivíduos como desviantes e criminosos, etiquetando-os como traficantes de drogas.
Nesse sentido, agrega-se tal status social, o qual contribuirá para que referidos indivíduos voltem a praticar crimes ou para que continuem sendo alvos dos processos de rotulação (BARATTA, 2011, p. 110). Ademais, cumpre ressaltar que, segundo BARATTA (2011, p. 110), entre o grupo detentor do poder de rotulação e o grupo alvo dos processos de rotulação há diferenças de estratificação e antagonismos sociais.
Destarte, é mister que as agências de controle passem a adotar uma postura crítica e racional, a fim de que se evitem procedimentos preconceituosos, violadores do princípio da presunção de inocência, ante a ausência de comprovação do efetivo tráfico de drogas. Nesse sentido, em muitos casos, a condenação se pauta em presunções, as quais possuem resquícios de direito penal do inimigo e são consequência da rotulação realizada pelas agências executivas de controle.
5. Considerações finais
Conclui-se que a crise do sistema prisional brasileiro demanda um novo olhar por parte dos operadores jurídicos e dos Poderes da República. O número exacerbado de pessoas presas demonstra que o superencarceramento e o recrudescimento do direito penal não são a solução, mas a causa do Estado de Coisas Inconstitucional, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal.
O número de presos por tráfico de drogas lidera o ranking dos principais crimes cometidos pelos que se encontram no cárcere. Faz-se mister a adoção de medidas legislativas que verdadeiramente diferenciem usuário de traficante, bem como que estabeleçam ser obrigatória a aplicação do §4º, do artigo 33, da Lei 11.343/2006 nos casos ali previstos.
As agências executivas de controle devem analisar os fatos destituídas de preconceito ou pré-compreensões, com o cuidado devido, para que não se criminalize a pobreza. Do contrário, estaremos diante de discriminações indiretas, direito penal do inimigo e/ou rotulação de status social.
6. Referências
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório de Gestão 1 ano. Brasília: CNJ, 2017. Disponível em: . Acesso em: 25/03/2018.
DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Levantamento nacional de informações penitenciárias. Brasília: DEPEN, 2014. Disponível em: . Acesso em: 25/03/2018.
GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade: o direito como instrumento de transformação social: a experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
IBCCRIM; CNBB; AJD; CEDD/UNB. Caderno de propostas legislativas: 16 medidas contra o encarceramento em massa. 2017. Disponível em: . Acesso em: 25/03/2018.
LIMA JUNIOR, José César Naves. Manual de Criminologia. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016)
MIRZA, Flávio. Processo justo: o ônus da prova à luz dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo. In: Revista Eletrônica de Direito Processual, Volume V. Disponível em: . Acesso em: 25/03/2018.
RAMOSA, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. O inimigo no direito penal. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
Defensora Pública Federal. Especialista em Direito Penal e Criminologia. Foi advogada, com atuação na área criminal. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, Raquel Giovanini de. Crise no sistema prisional, superencarceramento e tráfico de drogas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 mar 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51491/crise-no-sistema-prisional-superencarceramento-e-trafico-de-drogas. Acesso em: 23 dez 2024.
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