RESUMO: A inserção do capítulo II-A na CLT, efetuada pela Lei 13.467/2017, regulamentou o instituto do teletrabalho. Com pontos positivos para empregado e empregador, tal modalidade possibilita redução de custos para o empregador e economia de tempo para o empregado, que não despenderá tempo no deslocamento casa-trabalho-casa. No entanto, embora seus benefícios sejam claros, necessária uma leitura mais aprofundada, com vistas a não permitir que seja mais uma forma de retirada de direitos do trabalhador. O presente trabalho tem como escopo fazer uma análise histórica, trazendo as modificações recentemente aprovadas, com uma análise crítica e fundamentada.
PALAVRAS-CHAVE: Teletrabalho. Coworking. Jornada de Trabalho. Meio Ambiente Laboral.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Desenvolvimento 3. Conclusão.
1. Introdução
Como todo processo dinâmico, as relações de trabalho sofreram profundas modificações ao longo da história. Desde as corporações de ofício, surgidas na Idade Média com o intuito de regulamentar o processo produtivo artesanal das cidades, passando pelo desenvolvimento industrial dos séculos XVIII e XIX, até os dias de hoje, trabalhadores e patrões se adequaram e readequaram a diferentes configurações de sistemas e modelos.
Tomando como base a Revolução Industrial, destacavam-se à época as grandes empresas, em porte econômico e tamanho físico, para as quais se deslocavam trabalhadores de todas as partes para ali laborarem, levando consigo suas famílias e formando os grandes centros industriais.
A classe operária, portanto, migrava para as cidades formando núcleos urbanos que apresentaram, desde sua origem, um crescimento populacional desordenado. A falta de planejamento gerou no Brasil, notadamente nos grandes centros, uma forte especulação imobiliária, tornando os imóveis próximos às fábricas muito caros, levando a grande massa operária para as periferias.
A sobredita especulação, de início, afetou principalmente os trabalhadores, que tiveram que se instalar em locais distantes e, na maior parte das vezes, mal servidos de transporte público.
Nesse sentido, segundo pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro – FIRJAN [1] na cidade do Rio de Janeiro, o trabalhador perde, em média, duas horas e vinte e um minutos por dia no trajeto de ida e volta ao seu trabalho.
Além do prejuízo financeiro - na avaliação dos pesquisadores, só no Rio, o dano à economia foi estimado em R$ 19 bilhões – tal situação diminui, sobremaneira, a qualidade de vida do indivíduo que passa cada vez menos tempo com sua família e em atividades de lazer.
2. Desenvolvimento
Diante de tal cenário, a Lei 12551/2011 alterou o Art. 6º da CLT, que passou a assim prever:
Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
A recente reforma trabalhista (Lei 13467/2017) introduziu o Capítulo II-A na Consolidação das Leis do Trabalho, o legislador alterando a regulamentação e trazendo novos contornos a este instituto.
Desta forma, o estabelecimento de relações de trabalho remotas, impulsionadas pelo desenvolvimento da tecnologia da informação surge como uma possibilidade, agora normatizada, de se reduzir custos e, ao mesmo tempo, garantir, em tese, uma melhor qualidade de vida ao trabalhador. Assim ficou estabelecido:
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
Urge ressaltar que a própria norma afirma que o trabalho pode vir a ser realizado nas dependências do empregador, desde que tal situação ocorra de maneira eventual. Ademais, diferencia o teletrabalho do trabalhador externo, aquele que não possui um local de trabalho fixo.
Ressalte-se, ainda, que a nova redação da CLT prevê regras para o contrato de trabalho nesta modalidade, que deve ser escrito, assim como a possibilidade de alteração do regime presencial para o teletrabalho, que neste caso exige acordo mútuo, bem como a alteração do teletrabalho para o presencial, por iniciativa do empregador, observando-se o período mínimo de quinze dias para transição.
Evidentemente, por não estar sujeito a controle de jornada, não faz o teletrabalhador jus às horas extraordinárias. Tal situação, em alguns casos, pode levar o trabalhador a laborar por horas a fio, muitas vezes mais do que trabalharia dentro do ambiente de trabalho, sendo cobrado unicamente por metas estabelecidas pelo empregador, independentemente da carga horária necessária para atingi-las. Uma dúvida que daí exsurge é a seguinte: e se houver possibilidade de controle de jornada, mediante uso de login e senha, por exemplo, haveria direitos às horas extras? A lei não traz esta resposta.
No entanto, dispõe o Enunciado 71 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA):
SÄO DEVIDAS HORAS EXTRAS EM REGIME DE TELETRABALHO, ASSEGURADO EM QUALQUER CASO O DIREITO AO REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 62, III E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT CONFORME O ART. 7º, XIII E XV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O ARTIGO 7º, "E", "G" E "H" PROTOCOLO ADICIONAL À CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS EM MATÉRIA DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS ("PROTOCOLO DE SAN SALVADOR"), PROMULGADO PELO DECRETO 3.321, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1999, E A RECOMENDAÇÃO 116 DA OIT.
Assim, verificado o efetivo controle de jornada, faz jus o trabalhador à sua limitação.
Outrossim, ainda existem outras questões a serem respondidas, como por exemplo a utilização de equipamentos e dispositivos necessários à execução dos trabalhos objeto da relação de emprego. O art. 75-D estabelece que tais utilidades devem ser objeto de avenças específicas relativas à responsabilidade pela aquisição, fornecimento, uso e manutenção, sendo vedada a sua integração à remuneração do empregado. Ocorre que tais necessidades podem vir a onerar o trabalhador pelo uso de energia elétrica, pacote de internet, por exemplo, e tal regulamentação não é trazida pela lei, mas sim deverá constar apenas do contrato de trabalho.
Salientam MAURICIO GODINHO DELGADO e GABRIELA NEVES DELGADO (2017, p.139) que “o fato é que a CLT segue a diretriz geral de que os custos e encargos relativos ao contrato empregatício e à prestação de serviços nele contratada cabem ao empregador, ao invés de ao empregado. Isso é o que deflui do próprio conceito de empregador explicitado pela ordem jurídica. De fato, o art. 2º, caput, da CLT, enfatiza ser empregador "a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviço" (grifos acrescidos). Nesse quadro, a regra do art. 75-D da CLT tem de ser interpretada em harmonia com a regra do art. 2º, caput, da mesma CLT, colocando sob ônus do empregador esses custos inerentes ao teletrabalho”
O teletrabalho demonstra, por seu turno, que as inovações tecnológicas nas relações de trabalho se por um lado podem trazer benefícios para os dois polos da relação empregatícia, por outro lado, ainda depende de muita análise e discussão. Fato é, no entanto, que introduz uma nova forma dinâmica laboral na sociedade.
Nesse mesmo passo, de forma ainda mais arrojada, apresenta-se o chamado “coworking”. A ideia é aproximar empresas e pessoas em um ambiente colaborativo e compartilhado. Nesses espaços, se juntam profissionais autônomos ou até mesmo setores empresariais que se utilizam de um mesmo ambiente e estrutura para desenvolvimento de seus negócios, implicando em menos burocracia e menos custos.
O “coworking” e o teletrabalho se solidificam, portanto, em um panorama no qual as crises econômicas e a especulação imobiliária, já citada, deixam de impactar apenas os trabalhadores e começam a causar desconforto para as empresas, que visam enxugar seus gastos através de medidas mais contemporâneas e originais.
3. Conclusão
Não se pode olvidar, no entanto, todo o ideal principiológico que permeia o Direito Trabalhista, não se afastando, assim, da razoabilidade e da proteção ao trabalhador, sob pena de o avanço se transvestir em um verdadeiro retrocesso.
A interpretação dessas novas regras não podem redundar em mera retirada de direitos, devendo ser realizada sempre uma filtragem constitucional, com vistas a evitar resultados absurdos. Tudo sempre à luz do Princípio da Primazia da Realidade.
4. Referências Bibliográficas
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/09/11/trajeto-casa-trabalho-leva-ao-menos-duas-horas-em-oito-capitais-diz-firjan.htm acessado em 19.04.2018
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves, . A Reforma Trabalhista no Brasil com os comentários à Lei 13467/2017, RT, 2017, p. 139
Publicada em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/09/11/trajeto-casa-trabalho-leva-ao-menos-duas-horas-em-oito-capitais-diz-firjan.htm
[1]Publicada em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/09/11/trajeto-casa-trabalho-leva-ao-menos-duas-horas-em-oito-capitais-diz-firjan.htm
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Gama Filho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Rafael Pazos. Teletrabalho, coworking e as novas dinâmicas laborais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2018, 08:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51571/teletrabalho-coworking-e-as-novas-dinamicas-laborais. Acesso em: 23 dez 2024.
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