RESUMO: O presente estudo busca investigar o reflexo da liberdade de imprensa sobre a garantia da presunção de inocência na instituição do Júri e na formação da convicção dos jurados. Para isso, empregou o método de abordagem dedutivo, métodos de procedimento histórico e tipológico e técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Averiguou a intensa e negativa interferência do pré-julgamento sensacionalista estabelecido pela mídia na formação da convicção dos jurados e o consequente prejuízo à garantia da presunção de inocência no rito do Tribunal do Júri. Verificou a necessidade de ponderação entre as garantias constitucionalmente asseguradas à liberdade de imprensa e à presunção de inocência com a finalidade de que o direito à presunção de inocência não continue a ter sua eficácia furtada pelo exercício desmedido da liberdade de imprensa pelas mídias nacionais.
Palavras-chave: liberdade de imprensa; presunção de inocência; tribunal do júri.
ABSTRACT: This study seeks to investigate the reflection of the freedom of the press on the guarantee of the presumption of innocence in the institution of the Jury and in the formation of the conviction of the jurors. For this, it used the method of deductive approach, methods of historical and typological procedure and techniques of bibliographic and documentary research. It verified the intense and negative interference of the sensationalist pre-judgment established by the media in the formation of the conviction of the jury and the consequent prejudice to the guarantee of the presumption of innocence in the rite of the Jury Court. It verified the need to balance between the guarantees constitutionally ensured freedom of the press and presumption of innocence so that the right to the presumption of innocence does not continue to have its effectiveness stolen by the excessive exercise of freedom of press by the national media.
Keywords: freedom of press; presumption of innocence; jury court.
SUMÁRIO: Introdução; 1. O Princípio da Presunção de Inocência; 1.1 A Presunção de Inocência no rito do Tribunal do Júri; 2. O Direito à Liberdade de Imprensa; 3. O Reflexo da Liberdade de Imprensa sobre a Presunção de Inocência no Tribunal do Júri; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Nos tempos atuais, a discussão acerca de temas como as garantias penais versus liberdade de imprensa ganha tom especial. Isso se deve ao fato de que, com a difusão e popularização das novas mídias, o alcance das informações veiculadas nesses meios maximizou-se em escalas cada vez mais significativas. Com isso, surge uma nova realidade a ser enfrentada pela comunidade jurídica, ganhando relevo o natural e não raro embate entre as diversas garantias fundamentais asseguradas ao ser humano em nossa Carta Maior e a dúvida latente de qual deve sobressair no caso concreto.
Insere-se nessa discussão, com recorte na seara criminalista, o choque entre as garantias individuais do réu, mais especificamente a presunção de inocência, frente o direito à liberdade de imprensa e seus reflexos na instituição do Tribunal do Júri. Nesse sentido, busca-se averiguar qual o real impacto da liberdade de imprensa sobre a garantia da presunção da inocência na instituição do Júri e na formação da convicção dos jurados no julgamento de casos já noticiados pela mídia.
Para isso, como método de abordagem da temática em destaque utilizou-se a dedução, partindo-se do estudo dos direitos em confronto para a análise de seus reflexos sobre uma temática específica, no qual se procedeu de forma histórica e tipológica a partir de técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Nesse contexto, o presente estudo se estruturará primeiramente em uma análise dos direitos fundamentais em choque para então analisar o reflexo da liberdade de imprensa sobre a presunção de inocência no âmbito da formação da convicção dos jurados nas sessões de julgamento em sede de Tribunal do Júri.
1 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
O princípio da presunção de inocência pode ser traduzido na garantia que titulariza o réu de ser tido por inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Assegurado constitucionalmente na dicção do art. 5º:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; [...].[1]
A Carta Maior de 1988 prevê a garantia indistinta a todos de ser considerado inocente pela prática de qualquer infração penal até que se prove o contrário. Isto é, por mais que existam provas no caso em apreço a indicar a culpabilidade do suposto autor do crime, não se pode estabelecer o rótulo de culpado antes de a decisão judicial ser definitivamente proferida de maneira irrecorrível.
Nesse mesmo sentido leciona o insigne mestre Aury Lopes Jr.:
Pode-se afirmar, com toda ênfase, que o princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes (débil), ou seja, o processo penal como direito protetor dos inocentes (e todos a ele submetidos o são, pois só perdem esse status após a sentença condenatória transitar em julgado), pois esse é o dever que emerge da presunção constitucional de inocência prevista no art. 5o, LVII, da Constituição.[2]
Sua origem remonta ao Direito Romano. Desde então, a preocupação em assegurar uma condição digna ao homem no deslinde de um rito acusatório podia ser verificado. Nos tempos antigos, essa angústia em conferir o direito à presunção de inocência tinha sua expressão “nos escritos de Trajano [...] “É melhor ser considerado ruim do que culpar um inocente.””.[3]
Infelizmente, nos tempos inquisitoriais experimentados ao longo da Idade Média, esta garantia perdeu suas forças, tendo sido resgatada com veemência apenas no século XVIII com chegada da Revolução Francesa e dos ideais iluministas, ocasião em que foi positivada na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, a qual passou a prever que: “art. 9º: Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, caso seja considerado indispensável prendê-lo, todo rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.”.[4]
Afortunadamente, na atualidade a presunção de inocência passou a ser protagonista dentro dos diplomas reguladores nacionais e internacionais, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, pós Segunda Grande Guerra, e a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988.
Após as conquistas históricas de positivação desta garantia e a consequente presença permanente do direito à presunção de inocência nas cartas que regulamentam a vida em sociedade, passou-se a perquirir a sua real aplicabilidade e eficácia quando em confronto com outras garantias fundamentais constitucionalmente asseguradas e que podem acabar por macular a sua esperada carga de eficácia, a exemplo da colisão dos direitos liberdade de imprensa e presunção de inocência ora em análise. Neste estudo investiga-se os possíveis reflexos da liberdade de imprensa quando em confronto com a presunção de inocência no rito do Júri, e, para isso, analisaremos no tópico seguinte como a garantia da presunção de inocência se manifesta no procedimento do Tribunal do Júri.
1.1 A Presunção de Inocência no rito do Tribunal do Júri
O Tribunal do Júri é instituição também assegurada constitucionalmente no vocábulo do art. 5º:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; [...].[5]
O constituinte originário garantiu que os acusados de terem cometido crimes dolosos contra a vida serão julgados por seus pares. Nesse caminhar, a decisão absolutória ou condenatória será conferida através do veredito de cidadãos comuns que comporão a bancada de jurados. Ainda, salientou a importância da plenitude de defesa em sede de Júri, tendo o contraditório e a ampla defesa ganhado relevo especial.
No que tange ao rito da instituição do Júri, o diploma processualista penal disciplina a matéria trazendo notável relevância ao princípio da presunção da inocência em diversas passagens, como será pormenorizadamente exemplificado.
Numa primeira expressão, dispõe o Código de Processo Penal no capítulo atinente ao procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri em seu art. 413, §1º que “A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, [...].”.[6]
Esse dispositivo consagra o que a doutrina costuma chamar de vedação à eloquência acusatória do juiz singular na decisão de pronúncia, instituto que foi explicitado com brilhantismo em julgamento de habeas corpus pelo Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:
A decisão de pronúncia deve ser sucinta, exatamente para evitar que a apreciação exaustiva do “thema decidendum” culmine por influenciar os próprios integrantes do Conselho de Sentença, que são os juízes naturais dos réus acusados e pronunciados por crimes dolosos contra a vida. [...] O juízo de delibação subjacente à decisão de pronúncia impõe limitações jurídicas à atividade processual do órgão judiciário de que emana, pois este não poderá – sob pena de ofender o postulado da igualdade das partes e de usurpar a competência do Tribunal do Júri – analisar, com profundidade, o mérito da causa nem proceder à apreciação crítica e valorativa das provas colhidas ao longo da persecução penal. Inexistência de eloquência acusatória no conteúdo da decisão de pronúncia impugnada, que não antecipou qualquer juízo desfavorável ao paciente, apto a influir, de maneira indevida, sobre o ânimo dos jurados.[7]
Num segundo momento, agora propriamente no procedimento da sessão plenária de julgamento do Júri, a presunção de inocência tem nítida expressão na vedação imposta à acusação, sob pena de nulidade, de durante os debates fazer referências à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que prejudiquem o acusado.[8]
Destarte, percebe-se o nítido cuidado do legislador ordinário em assegurar plena eficácia ao princípio da presunção de inocência dentro da instituição do Tribunal do Júri, o que foi feito através da previsão de diversos dispositivos legais, que, quando violados, podem levar à nulidade do julgamento.
Passa-se, agora, à análise do direito à liberdade de imprensa para, posteriormente, poder-se analisar o impacto da informação veiculada na mídia em matéria de inquéritos policiais e ações penais em curso e sua influência nos julgamentos das sessões plenárias do Tribunal do Júri, mais especificamente no que tange à formação da convicção dos jurados e o pré-julgamento estabelecido pela cobertura midiática.
2 O DIREITO À LIBERDADE DE IMPRENSA
Outro direito constitucionalmente assegurado e definido como direito fundamental, que merece especial proteção do Estado, é a liberdade de expressão ou liberdade de pensamento, a qual pode ser traduzida no direito de expressar-se ou no direito de emitirem-se opiniões, sendo amplamente reconhecido que essa liberdade constitui um dos direitos fundamentais mais preciosos e corresponde a uma das mais antigas exigências humanas.[9]
Suas primeiras aparições enquanto direito assegurado constitucionalmente remontam a tempos longínquos, pois é certo que “desde o advento do constitucionalismo, a maior parte das constituições dos países democráticos assegura a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa”.[10]
A Carta Maior assegura essa garantia fundamental em diversas passagens, a ver: dispõe o art. 5º, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil que “é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato”.[11] Ainda, no mesmo artigo passa a prever em seu inciso IX que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.[12]
Não menos importante é a previsão do art. 220 do mesmo diploma maior ao estatuir que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”.[13] Esse último dispositivo constitucional consagra a liberdade de imprensa, que está diretamente associada à liberdade de expressão.
Feitas essas considerações, “resta bem claro, da leitura de tais dispositivos, que a proteção constitucional à liberdade de imprensa existe no intuito de impedir que o Estado cerceie ou dificulte a circulação e o acesso às informações [...].”.[14]
Não obstante, nesse contexto surge o importante e necessário questionamento do qual pode se extrair a seguinte pergunta: até que ponto a imprensa está autorizada a veicular informações de inquéritos policiais ou mesmo ações penais ainda em curso com a divulgação da suposta autoria do crime frente ao direito da presunção de inocência do réu até o trânsito em julgado da decisão penal condenatória?
Essa questão já foi amplamente debatida nos tribunais pátrios superiores e hoje encontra a seguinte resposta: as mídias, no exercício da sua liberdade de imprensa, estão autorizadas a veicular informações nos meios de comunicação e publicar matérias jornalísticas que contenham informações sobre situações ainda em fase investigativa desde que com fulcro em informações estritamente fidedignas.
De toda sorte, resta ainda dúvida acerca da legitimidade da influência que o exercício da liberdade de imprensa, muitas vezes fora dos parâmetros autorizados, pode imprimir na formação da convicção do Conselho de Sentença, tendo em vista que os jurados já vêm à sessão de julgamento com uma bagagem de informações recebidas pelos veículos midiáticos.
Essa discussão ganha relevo na medida em que se tem conhecimento de que as matérias jornalísticas e criminais que são veiculadas nas mídias nacionais ganham importante carga sensacionalista e estabelecem pré-julgamentos velados, uma vez que “o jornalista define qual o ângulo será privilegiado na notícia”[15], com maior impacto ainda quando diante da gravidade existente nos crimes que são submetidos a julgamento pelo rito do Tribunal do Júri. Nesse sentido,
A atuação da mídia é questionável [...], pois, [...] a maneira sensacionalista como ataca o suspeito, em rede nacional, o apontando como culpado, ultrapassa o campo da presunção. Dessa forma, a mídia considera culpado até que se prove o contrário, desrespeitando o princípio constitucional da presunção de inocência.[16]
Passa-se, portanto, no capítulo seguinte, à análise desta importante questão, estudo central do presente trabalho.
3 O REFLEXO DA LIBERDADE DE IMPRENSA SOBRE A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO TRIBUNAL DO JÚRI
Feitas as devidas análises da essência dos direitos fundamentais em colisão, passa-se ao estudo do reflexo imprimido pela liberdade de imprensa (liberdade à informação jornalística) sobre a presunção de inocência do réu que será julgado pelos juízes naturais do rito do Júri, mais especificamente no que diz respeito à interferência na formação da convicção dos jurados.
Por oportuno, resta consignar que jurados serão aqueles escolhidos entre cidadãos comuns, dispondo o Código de Processo Penal que: “O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade.”.[17] Ainda, em clara tentativa de evitar o pré-julgamento dos jurados a compor o Conselho de Sentença, determina o diploma processualista penal que o jurado que manifestar prévia disposição a condenar ou absolver o acusado não poderá servir a essa função naquele julgamento.[18]
Ou seja, a lei processual penal determina uma série de restrições legais àquele que irá exercer a função de jurado justamente na tentativa de evitar um pré-julgamento por parte de quem irá condenar ou absolver o cidadão que ocupa o banco dos réus, a fim de se alcançar escopo da imparcialidade e da livre convicção de cada jurado, para que assim exista um julgamento justo e livre e se atenda o pressuposto da plenitude de defesa disposto na Carta Magna de 1988.
O desígnio na instituição do Tribunal do Júri é justamente que cada jurado que passa a compor o Conselho de Sentença julgue de forma livre e desimpedida aquele que ocupa o assento dos réus, a partir de seus valores e principalmente com a convicção formada a partir das teses trazidas pela acusação e defesa em sede de debates, para que assim se alcance a mais límpida justiça.
Ocorre que, uma vez ocorrida a ampla difusão das mídias na atualidade e, por conseguinte, o descomunal alcance das informações que nelas são veiculadas, aquele que exerce a função de jurado e passa a compor o Conselho de Sentença certa e inevitavelmente faz parte do grande público alvo da imprensa nacional. Particularmente preocupante, neste ponto, a publicidade prévia pelos meios de comunicação do fato criminoso e seu desenvolvimento processual perante o Tribunal do Júri.[19]
“Isso porque, o julgamento é feito por juízes leigos e a impressão que a mídia transmite do crime e do criminoso produz maior efeito neles do que as reais provas trazidas pelas partes na instrução e julgamento no plenário.”.[20] Além de que, é de conhecimento de todos o fato de que
o jurado é mais suscetível à opinião pública e à comoção que se criou em torno do caso em julgamento, do que os juízes togados e, por se sentirem pressionados pela campanha publicitária, correm o risco de se afastarem do dever da imparcialidade, acabando por julgar de acordo com o que foi transmitido na mídia.[21]
Nesse sentido, a imprensa, através do seu direito à veiculação da informação jornalística, tem por praxe fazer a cobertura de situações crime, principalmente quando afetas a crimes da competência do Júri Popular. Não obstante, tristemente, na grande maioria das vezes a imprensa não exerce o seu direito à liberdade de informação jornalística nos limites em que lhe é conferida, isto é, com base em infromações estritamente fidedignas, mas sim, acaba por veicular matérias calcadas em meras especulações e suspeitas. Ou seja, a fidedignidade reclamada pelo Superior Tribunal de Justiça não é atendida.
Isso resulta em uma situação na qual o cidadão que chega até o banco de jurado já terá recebido uma carga de prévias informações acerca do caso em apreço, muitas vezes não fidedignas e lastreadas por um intenso tom sensacionalista, o que, por óbvio, irá impedir a formação de uma livre e desimpedida convicção em sede de julgamento, e isso porque “a divulgação de determinada notícia veiculada com um teor sensacionalista tende a influenciar de forma manipulada o telespectador sobre o tema em pauta.”.[22] Nos dizeres de José Armando da Costa Júnior,
Possuidora do direito à liberdade de imprensa, a mídia ultrapassa seus limites quando deixa de cumprir a sua função de informar e passa a criar informações levianas, formadoras de opiniões. Essas informações falsas geram no consciente do jurado uma realidade distorcida do que de fato aconteceu, criando uma imagem negativa do acusado.[23]
Ocorre que é inaceitável que “os jurados já estejam com a opinião formada antes mesmo de conhecer detalhadamente o processo”.[24] Essa situação, que vem ocorrendo, de forma clara fere o direito à presunção de inocência. O jurado, que teria por dever julgar a partir da construção de sua livre convicção (através das exposições da defesa e acusação) inevitavelmente o fará também – se não somente - em razão das exposições sensacionalistas da imprensa, pois já inconscientemente imbuído de um pré-julgamento estabelecido por ela. Assim, veja-se que não há espaço à presunção de inocência. “Isso porque não se pode garantir o princípio da presunção de inocência ao réu ao mesmo tempo em que a mídia de forma obstinada divulga negativamente o fato.”.[25]
Ainda, veja-se, a veiculação de informação mesmo quando fidedigna é carregada por um tom sensacionalista que, inevitavelmente, estabelece um julgamento antecipado daquele que é o suposto autor do delito, o que acaba por também prejudicar o livre exercício da plenitude de defesa e a presunção de inocência que deveria imperar até o final dos julgamentos criminais. E isso se deve ao fato de que os jurados
já chegam ao julgamento com a opinião formada e a pressão popular e as excessivas reportagens em favor de uma condenação são razões suficientes para impedir que os jurados decidam de forma livre sobre o veredicto.[26]
Destarte, diante da percepção da realidade que se impõe pela mídia de uma verdadeira formação prévia de opinião e de real interferência na livre convicção dos jurados,
a violação ao princípio da presunção da inocência pela influência exercida pela mídia também se mostra de fácil observação, na medida em que as acusações levianas feitas pelos órgãos da imprensa fazem com que o réu já inicie o seu julgamento condenado pelo clamor social.[27]
Assim sendo, a liberdade de imprensa conferida às mídias no Brasil acaba por, na grande maioria das vezes, ser exercida de maneira que ultrapassa as limitadoras da fidedignidade impostas ao seu exercício e, assim, põe em cheque o elogiável esforço do legislador em conferir a mais tranquila imparcialidade ao Conselho de Sentença.
CONCLUSÃO
Não restam dúvidas de que a Constituição Cidadã estabeleceu diversas garantias fundamentais à pessoa, dentre as quais a presunção de inocência, a qual garante que ninguém será considerado culpado senão em razão do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, bem como a liberdade de expressão e de imprensa, que vêm a garantir, respectivamnte, a livre manifestação de pensamento, bem como assegurar que a criação, a expressão e a informação não sofrerão qualquer espécie de restrição.
A Magna Carta de 1988 estabeleceu ainda a garantia da instituição do Tribunal do Júri e os princípios que devem regular o seu funcionamento, sendo a plenitude de defesa e a soberania dos vereditos dois de seus princípios norteadores. O diploma processualista penal ainda impôs uma série de vedações àqueles que comporão o Conselho de Sentença, dentre os quais está a impossibilidade de exercer a função de jurado aquele que manifestar prévia disposição a condenar ou absolver o acusado.
Ora, diante destas premissas resta cristalino que todas são garantias invioláveis e que devem ser concomitantemente asseguradas ao cidadão, no sentido de que nenhuma poderá se sobrepor furtando a eficácia de outra. Não obstante, a partir do exposto pôde-se perceber que o contrário vem ocorrendo. O pré-julgamento estabelecido pela mídia acaba por furtar a eficácia da vedação ao exercício da função de jurado daquele que manifesta prévia disposição a condenar ou absolver o acusado, e, consequentemente, macula a plenitude de defesa do réu, bem como a presunção da sua inocência.
Infelizmente, o pré-julgamento e o sensacionalismo veiculados através das mídias sociais retiram do cidadão a capacidade de deliberar de forma livre e de formar seu convencimento desimpedido quando na função de jurado, e isso se deve a um resultado involuntário gerado pelo irregular exercício do direito à liberdade de imprensa, que faz com que as garantias da presunção de inocência do acusado e sua plenitude de defesa restem prejudicadas. Ou seja, constatou-se um reflexo extremamente negativo que vem sendo gerado pelo irregular exercício da liberdade de imprensa sobre a garantia da presunção de inocência na instituição do Júri e na formação da convicção dos jurados.
Nesse sentido, faz-se mister uma análise e reflexão acerca do necessário sopesamento que deve ser estabelecido entre as garantias da liberdade de imprensa e da presunção de inocência, principalmente dentro da realidade do Tribunal do Júri, com a finalidade de que o direito à presunção de inocência não continue a ter sua eficácia furtada pelo exercício desmedido da liberdade de imprensa pelas mídias nacionais.
REFERÊNCIAS
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[1]BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017.
[2] LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 35.
[3] VIANNA, Felipe Augusto Fonseca. Presunção de Inocência e Liberdade de Imprensa: A Cobertura Midiática e sua Influência no Tribunal do Júri. Estudo em Homenagem ao Professor Nasser Abrahim Nasser Netto. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 19 maio 2015. Disponivel em: . Acesso em: 16 set. 2017.
[4] DECLARAÇÃO de direitos do homem e do cidadão - 1789. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017.
[5]BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017.
[6] BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que rechaça a nulidade por excesso de linguagem de sentença de pronúncia. HC 113091. Superior Tribunal de Justiça e Décio José Barroso Nunes. Relator: Ministro Celso de Mello. 12 de novembro de 2013. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017.
[8] BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017.
[9]SARLET, Ingo Wolfgang; MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 495.
[10] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 2034.
[11] BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017.
[12] Ibidem.
[13] Ibidem.
[14] VIANNA, op. cit.
[15]BUDÓ, Marília Denardin. Mídia e crime: a contribuição do jornalismo para a legitimação do sistema penal. UNIrevista, Florianópolis, n. 3, jul. 2006. p. 8.
[16] FERREIRA, Michelle Kalil. O Princípio da Presunção de Inocência e a exploração Midiática. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, n. 9, jul./dez. 2007. p. 66.
[17] BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017.
[18] Ibidem.
[19] CAMPOS, Marco Antonio Magalhães de. A influência da mídia no Processo Penal. 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro) - Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2012. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2012/trabalhos_12012/marcoantoniocampos.pdf>. Acesso em: 16 set. 2017. p. 12.
[20] CAMPOS, op. cit. p. 12.
[21] Ibidem.
[22] ANDRADE, Fábio Martins de. Mídia e Poder Judiciário: A Influência dos órgãos da mídia no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 251.
[23] COSTA JÚNIOR, José Armando da. O Tribunal do Júri e a efetivação de seus princípios constitucionais. 2007. 107 f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) - Programa de Pós Graduação do Centro de Ciências Jurídicas, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017.
[24] SOUSA, Iane Andrade. A influência da mídia no tribunal do júri: A influência da mídia no tribunal do júri frente à presunção de inocência e à dignidade da pessoa humana. 2015. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Graduação em Direito) - Universidade Tiradentes – UNIT, Aracajú, 2015. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017. p. 1.
[25] COSTA JÚNIOR, op. cit. p. 92.
[26] Ibidem. p. 90.
[27] CAMPOS, op. cit. p. 12.
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Foi estagiária de Direito junto à Advocacia-Geral da União (AGU). Pesquisadora junto ao grupo de pesquisa CNPq Centro de Culturas Jurídicas Comparadas, Internacionalização do Direito e Sistemas de Justiça (CCULTIS), vinculado aos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pesquisadora junto ao grupo de pesquisa A Refundação da Jurisdição e a Multidimensionalidade da Sustentabilidade, vinculado aos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Membro integrante do Núcleo de Direito Previdenciário (NEDIPREV), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALLA, Camila Fenalti. Presunção de inocência versus liberdade de imprensa e seus reflexos na instituição do Júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 maio 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51611/presuncao-de-inocencia-versus-liberdade-de-imprensa-e-seus-reflexos-na-instituicao-do-juri. Acesso em: 23 dez 2024.
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