RESUMO: A transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, constitui um dos instrumentos despenalizadores trazidos ao ordenamento jurídico brasileiro para solução consensual dos crimes de menor potencial ofensivo. O presente artigo analisa, à luz da legislação penal, da doutrina e da jurisprudência pátrias, as consequências da ausência de norma expressa acerca da interrupção da fluência do prazo prescricional nos casos de descumprimento dos termos do acordo pelo autor do fato.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da transação penal e seus contornos no contexto do modelo consensual de solução de crimes de menor gravidade inaugurado pela Lei 9.099/95. 3. Da natureza jurídica da decisão homologatória da transação penal e da Súmula Vinculante nº 35 do Supremo Tribunal Federal. 4. Da prescrição penal e da taxatividade do rol de suas causas interruptivas. 5. Da inexistência de causa interruptiva da prescrição no caso de aceitação e homologação da proposta de transação penal e de suas consequências para o sistema previsto na Lei 9.099/95. 5. Da prescrição e suas causas interruptivas. 6. Conclusão. 7. Referências.
Palavras-chaves: Transação. Homologação. Natureza. Descumprimento. Prescrição. Interrupção. Extinção. Punibilidade.
1. INTRODUÇÃO
Dentre as medidas despenalizadoras, fundadas no consenso, trazidas ao Direito Processual brasileiro pela Lei 9.099/95, destaca-se a transação penal, instituto por meio do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada.
Na prática forense, contudo, tem-se observado, com frequência, uma lacuna na lei penal que tem posto à prova a eficácia do instituto da transação penal: a ausência de previsão expressa acerca da interrupção do fluxo do prazo prescricional por ocasião da prolação de sentença homologatória da transação penal.
Em tais casos, descumpridos imotivadamente os termos do acordo homologado em juízo, ocorre, segundo a jurisprudência atualmente vinculante do Supremo Tribunal Federal, a retomada do status quo ante, devendo serem os autos remetidos ao Ministério Público para oferecimento de denúncia. Muitas vezes, porém, em vez de receber a denúncia, o julgador decreta a extinção da punibilidade do delito, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, entendendo inexistir, desde a data do fato, causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.
Tal situação vai de encontro às finalidades da transação penal, gerando impunidade, estimulando o descumprimento das penas restritivas de direitos e desprestigiando o espírito do modelo consensual de Justiça criminal.
2. DA TRANSAÇÃO PENAL E SEUS CONTORNOS NO CONTEXTO DO MODELO CONSENSUAL DE SOLUÇÃO DE DELITOS DE PEQUENA GRAVIDADE INAUGURADO PELA LEI 9.099/95
A inflexibilidade do princípio da obrigatoriedade da ação penal, que determina a persecução de todo e qualquer crime, salientou a ineficiência do modelo de persecução penal até então concebido, demonstrada pela ausência de tratamento adequado a ser dispensado aos delitos de pequena e média criminalidade, que deixavam de ser perseguidos e geravam a sobrecarga do sistema criminal para atender a todos os casos.
Por força disso, ganhou espaço a tendência de amenização da indisponibilidade da ação penal, passando-se a permitir, no sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, a disposição da ação penal, nas situações reguladas pela lei, com controle jurisdicional. Passou a vigorar, assim, quanto à ação penal nos crimes de menor potencial ofensivo, o princípio da oportunidade, disponibilidade ou discricionariedade regradas.
A Constituição Federal de 1988 sinalizou a necessidade de adoção do novo modelo:
Art. 98 – A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.
A regulamentação do referido dispositivo sobreveio quase oito anos depois da promulgação da Carta Política, tendo, finalmente, a Lei 9.099/95, concretizado a possibilidade de solução consensual de infrações penais de menor potencial ofensivo. Para Sérgio Sobrane, a referida lei estabeleceu quatro grandes inovações para o Direito Processual Penal pátrio, todas elas consistentes em medidas despenalizadoras, ora dependendo da vontade do infrator e do acusador para que sejam aplicadas (transação penal e suspensão condicional do processo), ora da vontade da vítima (representação nos crimes nos crimes de lesão corporal culposa e lesão leve) ou da vontade do autor do fato e da vítima (composição dos danos civis).
O art. 61 da Lei nº 9.099/95 definiu, assim, que se consideram infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. Por força do art. 109, V, do Código Penal, essas infrações prescrevem no máximo em 4 (quatro) anos.
A transação penal, instituto em relação ao qual se debruça a problemática discutida no presente trabalho, pode ser conceituada, de acordo com Sérgio Turra Sobrane, como “o ato jurídico através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada.”
As concessões referidas pelo autor consistem na renúncia, pelo Estado, ao seu direito de ação, visando a uma solução célere e eficaz para o conflito, e, pelo autor do fato, a alguma garantias inerentes ao devido processo legal, no afã de livrar-se do estigma de um procedimento criminal e do risco de uma condenação. Substituem as partes a incerteza preexistente por uma situação estável, que se define pela proposição e aceitação da pena convencionada.
O instituto está previsto no art. 76 da Lei 9.099/95:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.
§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.
O regramento legal demonstra que o Estado, de antemão, renuncia aos efeitos que normalmente poderiam decorrer da decisão sancionadora, impedindo que o ajuste venha a gerar a responsabilização ex delicto do autor do fato (art. 76, §6º, da Lei 9.099/95), não permitindo, também, a caracterização da reincidência (art. 76, §4º, da Lei 9.099/95).
Observando que a sanção imposta não gera reincidência nem as demais consequências de uma sentença condenatória, Ada Pellegrini Grinover aponta que “a natureza jurídica da aceitação da proposta é de submissão voluntária à sanção penal, mas não significa reconhecimento da culpabilidade penal, nem de responsabilidade civil.”
O instituto, neste particular aspecto, afasta-se do guilty plea norte-americano, no qual a transação, como aponta Damásio E. de Jesus, é condicionada à confissão de culpa.
No que se refere à natureza jurídica, Sobrane é claro ao afirmar que a transação penal é instituto de Direito Processual Penal, uma vez que, por seu intermédio, compõe-se a lide subjacente, bem como de direito material, visto que o ajuste entre as partes, homologado pelo juiz, implica extinção da punibilidade do delito.
3. DA NATUREZA JURÍDICA DA DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DA TRANSAÇÃO PENAL E DA SÚMULA VINCULANTE Nº 35 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Ajustada a transação, a homologação pelo juiz atribui efetividade às concessões mútuas manifestadas pelas partes e sacramenta o efeito despenalizador que inspirou a Lei 9.099/95, produzindo reflexos por todo o sistema judiciário, que deixa de estar obrigado a julgar a lide penal subjacente à prática do fato típico.
Ocorre que, diante da natureza das sanções impostas (pena de multa ou restritiva de direitos), é possível que o autor do fato descumpra os termos do acordo. Tal descumprimento e as consequências que dele podem advir conduzem à necessidade de análise da natureza jurídica da decisão homologatória da transação penal.
Diverge a doutrina sobre a natureza de tal decisão.
Como bem assentado por Sobrane, Júlio Fabbrini Mirabete e Luiz Flávio Gomes definem tal decisão como “condenatória imprópria”, pois “declara a situação do autor do fato, tornando certo o que era incerto, mas cria uma situação jurídica ainda não existente e impõe uma sanção penal ao autor do fato”, sendo essa imposição a característica que a definiria como condenatória. Em razão de não produzir todos os efeitos decorrentes de uma sentença condenatória, como o reconhecimento da culpabilidade e a aptidão para gerar efeitos civis, é que os citados doutrinadores a denominam condenatória imprópria.
César Roberto Bitencourt entende que a decisão tem caráter homologatório e, por isso, opta por definir a decisão proferida na fase preliminar como “sentença declaratória constitutiva”, negando sua natureza condenatória. No mesmo sentido, Ada Pellegrini Grinover afirma que a decisão “não indica o acolhimento nem desacolhimento do pedido do autor (que sequer foi formulado), mas que compõe a controvérsia de acordo com a vontade dos partícipes, constituindo título executivo extrajudicial”, sendo, pois, simplesmente homologatória.
A discussão doutrinária repercutiu na prática forense, dando ensejo ao surgimento de duas correntes. A primeira delas entende que a decisão homologatória da transação penal faz coisa julgada formal e material e, portanto, não autoriza que o MP ofereça denúncia contra o autor do fato em caso de descumprimento das condições do acordo. Para os que defendem essa tese, como a transação teria natureza de aplicação de pena antecipada (art. 76 da Lei nº 9.099/95), não seria possível o retorno ao status quo ante, devendo a cobrança da pena de multa ser realizada por meio da competente ação de execução fiscal. A título exemplificativo, confira-se o seguinte julgado do STJ:
CRIMINAL. RHC. NULIDADE. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO E HOMOLOGADO EM TRANSAÇÃO PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. COISA JULGADA MATERIAL E FORMAL. EXECUÇÃO DA MULTA PELAS VIAS PRÓPRIAS. RECURSO PROVIDO. A sentença homologatória da transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal, obstando a instauração de ação penal contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado. No caso de descumprimento da pena de multa, conjuga-se o art. 85 da Lei nº 9.099/95 e o 51 do CP, com a nova redação dada pela Lei nº 9.286/96, com a inscrição da pena não paga em dívida ativa da União para ser executada. Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal.
Ocorre que adoção dessa corrente geraria, na prática, ofensa ao princípio da isonomia, pois haveria formação de coisa julgada formal e material tanto em favor dos que cumpriram à risca as condições impostas no acordo como em prol daqueles que acabaram por desrespeitar os termos do ajuste. Surgiu, assim, uma segunda corrente, para a qual, diante do descumprimento das condições elencadas no termo de conciliação, revelar-se-ia imperiosa a retomada da situação anterior, franqueando-se ao Ministério Público a possibilidade de oferecimento da ação penal. Confira-se, no ponto, o precedente abaixo:
MEDIDAS DESPENALIZADORAS. TRANSAÇÃO PENAL ACEITA E HOMOLOGADA, MAS DESCUMPRIDA. DECISÃO QUE ANULOU O FEITO A PARTIR DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA E DETERMINOU O SEU ARQUIVAMENTO. POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO. Descumprida a transação penal, deve o processo retornar ao status quo ante, possibilitando-se ao órgão acusador prosseguir na persecução penal. A decisão é adequada na medida em que evita dar solução idêntica a situações distintas, a exemplo de quem cumpre e de quem descumpre o acordo, o que implicaria em grave injustiça e ainda fomentaria o sentimento de impunidade. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
A questão, assim, acabou chegando ao STF, que, com eficácia erga omnes, pôs fim à controvérsia ao editar a Súmula Vinculante nº 35, cuja redação determina que:
A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial.
4. DA PRESCRIÇÃO PENAL E DA TAXATIVIDADE DO ROL DE SUAS CAUSAS INTERRUPTIVAS
A prescrição encontra-se diretamente relacionada aos princípios da segurança jurídica e da pacificação social. Nesse ponto, Flávio Tartuce leciona que “o titular do direito deve exercê-lo dentro de um determinado prazo, pois o direito não socorre aqueles que dormem”.
Na seara penal, a prescrição possui natureza de causa extintiva da punibilidade, na forma do art. 107, IV, do Código Penal, e significa a perda da pretensão punitiva ou da pretensão executória em face da inércia do Estado durante determinado intervalo de tempo legalmente previsto. Segundo Cleber Masson, um dos fundamentos[1] da prescrição é a luta contra a ineficiência do Estado, assim por ele detalhada:
“Os órgãos estatais responsáveis pela apuração, processo e julgamento de infrações penais devem atuar com zelo e celeridade, em obediência à eficiência dos entes públicos, estatuída pelo art. 37, caput, da Constituição Federal como princípio vetor da Administração Pública. Serve, portanto, como castigo em caso de não ser alcançada uma meta pelo Estado, qual seja, aplicar a sanção penal dentro dos prazos legalmente previstos.”
As causas interruptivas da prescrição encontram-se descritas no art. 117 do CP, cuja redação é a seguinte:
Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - pela pronúncia; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - pela decisão confirmatória da pronúncia; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; (Redação dada pela Lei nº 11.596, de 2007).
V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena; (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
VI - pela reincidência. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
As causas interruptivas da prescrição fazem com que o prazo, a partir delas, seja novamente reiniciado, ou seja, após cada causa interruptiva da prescrição deve ser procedida nova contagem do prazo, desprezando-se, para esse fim, o tempo anterior ao marco interruptivo. Não se confundem com as causas suspensivas, que permitem a soma do tempo anterior ao fato que deu causa à suspensão da prescrição, com o tempo posterior.
O entendimento doutrinário sobre o referido dispositivo é de que as causas interruptivas da prescrição nele previstas, por serem prejudiciais ao réu, foram descritas pelo legislador de forma exaustiva. Nesse sentido, Cleber Masson é claro ao afirmar que “em se tratando de matéria prejudicial ao réu, por dificultar a ocorrência da extinção da punibilidade, a enumeração das causas suspensivas e interruptivas é taxativa, não comportando aplicação analógica”
5. DA INEXISTÊNCIA DE CAUSA INTERRUPTIVA DA PRESCRIÇÃO NO CASO DE ACEITAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DA PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL E DE SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O SISTEMA PREVISTO NA LEI 9.099/95
Em razão da taxatividade do rol de causas interruptivas da fluência do prazo prescricional, nos termos demonstrados no tópico precedente, conclui-se que, não se encontrando a sentença homologatória da transação penal prevista nos incisos do art. 117 do Código Penal, não tem a decisão o condão de interromper a fluência do prazo prescricional.
A ausência de previsão legal de marco interruptivo da fluência do prazo prescricional em casos de aceitação e consequente homologação de transação penal tem conduzido a inúmeros casos em que o autor do fato aceita a proposta de transação penal, descumpre de forma injustificada o compromisso e, por fim, é beneficiado pela decretação de extinção da punibilidade pela prescrição, situação que fica evidenciada à vista do prazo máximo de prescrição da pretensão punitiva dos crimes de menor potencial ofensivo, estabelecido em 4 (quatro) anos, na forma do art. 109, V, do Código Penal. A situação ora descrita pode ser bem compreendida pela leitura do precedente a seguir reproduzido:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRANSAÇÃO (ART. 76 DA LEI Nº 9.099/95). SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. CAUSA INTERRUPTIVA DO PRAZO PRESCRICIONAL. INOCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO IN ABSTRATO. CONFIGURAÇÃO. 1. Recurso em sentido estrito interposto contra decisão que não reconheceu a ocorrência da prescrição, por entender que a sentença homologatória de transação penal constituiria causa interruptiva do lapso prescricional. 2. Ao recorrente foi atribuída a prática do crime previsto no art. 289, parágrafo 2º, do Código Penal (moeda falsa), cuja pena é punida com detenção, de 06 meses a 02 anos, tendo o Ministério Público oferecido proposta de transação penal, nos termos do art. 76, parágrafo 2º, da Lei nº 9.099/95, a qual foi aceita e homologada. 3. "A homologação da transação penal prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial" (Súmula Vinculante nº 35/STF). 4. Os marcos interruptivos da prescrição estão elencados no art. 117 do Código Penal, dentre os quais não se insere a sentença homologatória de transação penal. 5. Hipótese em que, levando em conta que a peça acusatória não restou recebida, haja vista a prolação de decisão homologatória da transação penal e, sendo certo que tal decisum (o qual não produz coisa julgada material) não constitui causa de interrupção da prescrição, o único marco temporal a ser considerado para fins de fluência do prazo prescricional é a data do fato, à luz do dispositivo no art. 117 do CP e do teor da SV nº 35/STF. 6. Nesse contexto, tendo em vista que o máximo da pena abstrata prevista para o delito imputado ao recorrente é de 02 anos e, levando em consideração que o lapso prescricional começou a fluir em 26/02/11 (data do fato), operou-se a prescrição em 26/02/15, a teor do art. 109, V, CP. 7. Recurso em sentido estrito provido.
O contexto fático descrito no precedente é bastante comum nos crimes de competência dos Juizados Especiais, cuja pena máxima limita-se a 2 (dois) anos, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.
Nesse contexto, e ante o entendimento cristalizado pela Suprema Corte na Súmula Vinculante nº 35 (segundo o qual a homologação da transação penal prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95 não faz coisa julgada material, não constituindo decisão condenatória), a aceitação da proposta de transação penal pelo autor do fato e sua consequente homologação não produzem qualquer efeito sobre o curso do prazo prescricional.
Como é cediço, o prazo prescricional penal inicia-se com a consumação do crime (art. 111, I, do Código Penal). À luz do entendimento do STF ora exposto, que sepultou os anteriores precedentes judiciais que davam pela natureza condenatória de sentença homologatória da decisão e à míngua de outro marco interruptivo, continuará fluindo normalmente, mesmo o autor tendo aceitado a transação. Enquanto se aguarda que ele cumpra as obrigações assumidas na transação, permanecerá correndo regularmente. Mesmo que ele descumpra as condições, o prazo continuará se esvaindo.
Na esteira das vinculantes conclusões do Excelso Pretório na citada súmula, descumprindo o autor do fato o acordo, retoma-se a situação anterior, com a remessa dos autos ao Parquet para a instauração de inquérito policial ou o oferecimento de denúncia, cujo recebimento finalmente interromperá o fluir do prazo prescricional, consoante previsto no art. 117, I, do Código Penal.
Assim, considerando que o prazo máximo de prescrição dos crimes que tramitam nos juizados é de 4 (quatro) anos, o prazo prescricional terá se esvaído, não raras vezes, antes do oferecimento da denúncia superveniente.
Como se vê, a ausência de previsão legal de marco interruptivo da fluência do prazo prescricional em casos de aceitação e consequente homologação de transação penal tem conduzido a casos em que acabam sendo colocadas em xeque as finalidades da transação penal, gerando impunidade, estimulando o descumprimento das penas restritivas de direitos e desprestigiando o espírito do modelo consensual de Justiça criminal.
A lacuna normativa em enfoque pode deixar à mercê da vontade do infrator cumprir ou não o que pactuou em juízo, desacreditando a eficácia da medida consensual para solução do conflito, bem como ofendendo o princípio da eficiência, uma vez que a máquina estatal é movimentada, com os custos a ela inerentes, para que, ao final, obtenha-se o mesmo resultado que teria advindo da inércia do Estado no exercício do jus puniendi.
Assim, premente se faz a adoção de providências por parte do Congresso Nacional, a fim de suprir a lacuna legislativa anteriormente apontada, acrescentando ao art. 117 do CP um inciso em que preveja a decisão homologatória da transação penal como forma de interrupção da prescrição.
6. CONCLUSÃO
A aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei 9.099/95, é medida despenalizadora que visa à solução das controvérsias penais em infrações de pequeno potencial ofensivo, que são aquelas a que a lei atribui pena máxima de 2 (dois) anos. Por meio da transação, aplica-se, de forma consensual, uma pena alternativa ao autor do fato, que evita o estigma do processo e o risco de uma condenação. A aceitação da imposição imediata da pena não corresponde a qualquer reconhecimento de culpabilidade, não gera reincidência nem antecedentes criminais. É instituto, bem se vê, benéfico ao autor da infração penal.
Perfectibilizada a transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95) ofertada pelo Ministério Público, com a aceitação do acordo pelo autor do fato, o Parquet não pode mais exercer a ação penal. Adstrito que está ao acordo proposto, deve aguardar seu cumprimento ou eventual descumprimento injustificado. Nesse último caso, considerando o entendimento sumarizado na Súmula Vinculante 35, possibilita-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial, uma vez que, para a Corte Suprema, a homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei nº 9.099/1995 não faz coisa julgada material.
O instituto da prescrição existe para eliminar a persecução em caso de procedimento moroso ou ineficiente. Essa inércia, entretanto, não se caracteriza quando o Ministério Público atua de forma eficiente e, conferindo tratamento jurídico adequado ao caso, oferece proposta de transação penal ao autor do fato. Assim, se, durante o prazo da transação penal, não pode o Ministério Público exercer a ação penal, não poderia, igualmente, correr a prescrição em tal interregno.
As infrações penais de menor potencial ofensivo prescrevem no prazo de 4 anos, o qual se revela consideravelmente curto, sobretudo diante da realidade abarrotada das Varas Criminais do país. Nesse contexto, a praxe forense tem revelado diversos casos em que, quando o magistrado verifica o descumprimento da transação, revoga o benefício e determina a remessa dos autos ao Ministério Público, o prazo prescricional do crime investigado já se consumou ou encontra-se muito próximo de se perfectibilizar. Esse vazio legislativo abre brecha, ainda, para situações em que o autor do fato aceita a proposta de transação penal para, posterior e intencionalmente, descumprir de forma injustificada o compromisso e apenas aguardar o transcurso do prazo prescricional.
Assim, a ausência de previsão legal de marco interruptivo da fluência do prazo prescricional em casos de aceitação e consequente homologação de transação penal tem conduzido a inúmeros casos em que acabam sendo colocadas em xeque as finalidades da transação penal, gerando impunidade, estimulando o descumprimento das penas restritivas de direitos e desprestigiando o espírito do modelo consensual de Justiça criminal.
A lacuna normativa em enfoque pode deixar à mercê da vontade do infrator cumprir ou não o que pactuou em juízo, desacreditando a eficácia da medida consensual para solução do conflito, bem como ofendendo o princípio da eficiência, uma vez que a máquina estatal é movimentada, com os custos a ela inerentes, para que, ao final, obtenha-se o mesmo resultado que teria advindo da inércia do Estado no exercício do jus puniendi.
Presente esse panorama, revela-se necessária a adoção de providências por parte do Congresso Nacional, a fim de suprir a lacuna legislativa anteriormente apontada, acrescentando ao art. 117 do CP um inciso em que preveja a decisão homologatória da transação penal como forma de interrupção da prescrição.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 28, abr. 2018.
BRASIL. Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 28, abr. 2018.
BRASIL. Decreto-lei nº 2.849, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 27, abr. 2018.
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SOBRANE, Sérgio Turra. Obra citada, p. 75.
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance e GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26-9-1995. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 141.
JESUS, Damásio E. Lei dos juizados especiais criminais anotada: atualizada de acordo com a Lei 10.259/2001. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 69.
SOBRANE, Sérgio Turra. Obra citada, p. 97.
SOBRANE, Sérgio Turra. Obra citada, p. 104.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais e alternativas à pena de prisão. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 107.
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance e GOMES, Luiz Flávio. Obra citada, p. 145.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante nº 35. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=35.NUME.%20E%20S.FLSV.&base=baseSumulasVinculantes. Acesso em 26, abr 2018.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. 2. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 258.
MASSON, Cleber. Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2010, p. 857.
MASSON, Cleber. Obra citada, p. 877.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Recurso em Sentido Estrito nº 00015513720154058302, Terceira Turma, Rel: Paulo Machado Cordeiro, DJe 13/04/2016.
[1] De acordo com o referido autor, os outros dois fundamentos são a segurança jurídica ao responsável pela infração penal e a impertinência da sanção penal.
Universidade Federal do Ceará. Pós-graduanda em Direito Administrativo. Analista do Ministério Público Federal.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Dayana de Moura. O descumprimento da transação penal homologada em juízo e a problemática da prescrição para eficácia do modelo consensual de solução de delitos de menor potencial ofensivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51626/o-descumprimento-da-transacao-penal-homologada-em-juizo-e-a-problematica-da-prescricao-para-eficacia-do-modelo-consensual-de-solucao-de-delitos-de-menor-potencial-ofensivo. Acesso em: 22 dez 2024.
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