RESUMO: A equiparação salarial é um instituto representativo dos direitos humanos e do Princípio da Não Discriminação. As normas infraconstitucionais brasileiras, bem como a jurisprudência consolidada nos tribunais superiores, traziam requisitos razoáveis e proporcionais para viabilizar o tratamento igualitário. No entanto, após a vigência da Lei 13467/2017, profundas mudanças foram efetuadas, colocando em risco a efetividade do supramencionado princípio.
PALAVRAS-CHAVE: Equiparação Salarial. Princípios Constitucionais. Isonomia. Não Discriminação.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Desenvolvimento 3. Conclusão 4. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
Antes de adentrarmos no tema “equiparação salarial”, necessário tecer alguns comentários sobre os Princípios da Não Discriminação e da Isonomia.
Embora haja doutrina que entenda que ambos sejam sinônimos, prevalece o entendimento de que há significativa diferença.
Princípio da Não Discriminação é a vedação de tratamento diferenciado à pessoa em razão de fator injusto e desqualificante. Possui característica de proteção, denegatória de conduta censurável.
Já o Princípio da Isonomia é mais amplo. Busca equalizar o tratamento jurídico a pessoas em situações equivalentes ou com relevante ponto de contato.
No plano internacional, podemos citar exemplos de previsão desses princípios nas Convenções 100, 111 e 117 da OIT, na Declaração de Filadelfia e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
As Constituições do Mexico de 1917 e de Weimar de 1919 foram as pioneiras em constitucionalizar os referidos princípios. No Brasil, a partir da Constituição de 1934, passaram a ter status constitucional. No entanto, sem dúvidas, a Constituição de 1988 foi o principal marco garantidor, trazendo, em diversos artigos, expressa previsão de vedação à discriminação.
2. Desenvolvimento
Neste diapasão, a CLT também trouxe normas vedando a prática discriminatória.
Um dos pilares é o Art. 461, que trata da equiparação salarial. A equiparação salarial representa a aplicação dos direitos humanos fundamentais nas relações privadas. É a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Ou, para alguns, eficácia diagonal, em razão da hipossuficiência do trabalhador. Busca garantir idêntico salário a trabalhadores nas mesmas condições previstas na lei.
Podemos citar como requisitos à equiparação salarial: idêntica função, idêntico empregador, idêntica produtividade, idêntica localidade e concomitância na prestação de serviços.
- Antes da vigência da Lei 13467/2017
(i) Por idêntica função, entende-se que o trabalhador deve exercer as mesmas funções do chamado paradigma ou espelho. Função é o feixe atividades. Ou seja, não basta que o trabalhador execute uma ou mais atividades idênticas para fazer jus ao pleito equiparatório. Deve ser considerado toda a gama de atividades exercidas;
(ii) Idêntico empregador significa que, em regra, trabalhador e paradigma devem laborar para o mesmo empregador. Há exceções nos casos de terceirização ilícita (Súmula 331 do C.TST, OJ 383 da SDI-I do C.TST e Art. 12, “a” da Lei 6019/74);
(iii) Por idêntica localidade, entende-se que os empregados devem laborar na mesma localidade. A Súmula 6 do C.TST dispõe que “mesma localidade” significa município ou região metropolitana, em razão da semelhança das condições econômico-sociais;
(iv) Para fazer jus ao tratamento equiparatório, trabalhador e paradigma devem possuir a mesma produtividade;
(v) Por fim, a concomitância de prestação de serviços significa que o trabalhador deve ter trabalhado na mesma época. No entanto, não pode haver diferença de dois ou mais anos nas suas respectivas funções.
Cabe ressaltar que não há falar em equiparação salarial, ainda que preenchidos os requisitos, quando a empresa possuir quadro de carreira organizado prevendo progressões com observância a antiguidade e merecimento, nos termos da Súmula 6 do C.TST ou nos casos de trabalhadores readaptados pelo INSS para laborar em nova função.
Ocorre que a Lei 13467/2017 trouxe profundas mudanças no instituto, restringindo os requisitos e dificultando a configuração da equiparação salarial. Vejamos:
Art. 461 - Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.
§ 1o Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos.
§ 2o Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público.
§ 3o No caso do § 2o deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional.
§ 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.
§ 5o A equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria.
§ 6o No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Verifica-se, de plano, que o requisito “localidade” sofreu forte restrição, na medida em que passou de região metropolitana para “estabelecimento”. Ou seja, será possível que dois empregados que laborem para o mesmo empregador, porém, em estabelecimentos distintos, recebam salários diferentes, mesmo que os estabelecimentos estejam na mesma rua. Ora, uma flagrante discriminação desarrazoada, na medida em que as condições sócio econômicas são as mesmas, não havendo justificativa jurídica para a discriminação.
Quanto à diferença de tempo de serviço, mais uma vez, houve retrocesso. Assim, inviabiliza o pleito equiparatório a diferença de dois ou mais anos no exercício das funções e a diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador seja superior a quatro anos. Portanto, um empregado recém-admitido para uma determinada função não fará jus à equiparação, ainda que o paradigma tenha sido transferido para a mesma função um dia antes, pelo simples fato de estar na empresa há mais de quatro anos, mesmo que suas atividades anteriores tenham sido completamente diferentes.
Ora, a justificativa para o salário diferenciado, entre empregados que possuam uma diferença de dois ou mais anos na função, era que havia uma presunção de que o mais antigo possuísse mais experiência que o mais novo. Não faz sentido tratar de forma discriminatória dois empregados com a mesma experiência na função, apenas pelo fato de um deles estar há mais tempo na empresa, mesmo que exercendo funções totalmente estranhas.
Outra restrição foi a desnecessidade de homologação do quadro de carreira no Ministério do Trabalho. Tal exigência já era criticada pela doutrina, por se tratar de uma violação à livre iniciativa. No entanto, possibilitar que haja apenas promoções por merecimento, dando azo a tratamento injusto dentro da empresa.
A restrição trazida pelo §5º inviabiliza a equiparação em cadeia, na contramão da Súmula 6, VI do C.TST.
Por fim, talvez a única modificação positiva ao trabalhador seja a inserção do §6º, embora seja evidente que o valor se mostra reduzido em casos de grandes empresas, o que, por óbvio, não irá conseguir coibir um tratamento discriminatório.
3. Conclusão
Como fundamentado, a equiparação salarial é um instituto representativo dos direitos humanos. Assim, as restrições trazidas pela Lei 13467/2017 implicam em verdadeiro retrocesso social, devendo o intérprete buscar mecanismos de interpretação que não sejam os meramente literais, com vistas a dar efetividade aos direitos fundamentais, sob pena de flagrante violação ao Princípio da Não Discriminação.
Verificamos que diversas modificações ferem toda a sistemática da equiparação salarial, trazendo novos requisitos desarrazoados, com o claro intuito de dificultar um eventual pleito equiparatório.
Não há dúvidas de que o ordenamento jurídico pátrio deve estar inserido em toda a ordem mundial que veda a discriminação injusta. Assim, imprescindível que a interpretação passe por uma adequação da norma infraconstitucional com os princípios constitucionais e normas internacionais.
4. Referências Bibliográficas
DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves, . A Reforma Trabalhista no Brasil com os comentários à Lei 13467/2017, RT, 2017.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Ed.LTr. 12ªed., 2013
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Gama Filho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Rafael Pazos. Equiparação salarial: Histórico, princípios e modificações trazidas pela Lei 13.467/2017 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 maio 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51712/equiparacao-salarial-historico-principios-e-modificacoes-trazidas-pela-lei-13-467-2017. Acesso em: 23 dez 2024.
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