ANDRÉ DE PAULA VIANA
(Orientador)
RESUMO: O direito à vida abrange muitos direitos, mediados por leis, normas e princípios que unem a dignidade da pessoa humana e tudo o que é considerado essencial para viver bem, esse direito afeta o indivíduo como um todo. Liberdade, no entanto, é o direito de escolher o que fazer sem a interferência de opiniões, dogmas e posições dos outros, é o direito de ir e vir pensar e escolher o que é melhor para o paciente, respeitando seus valores, incluindo neste contexto, a convicção religiosa. Os direitos consagrados na Constituição Federal de 1988 cobrem a dignidade da pessoa humana, a saúde, a liberdade, entre outros, que estão sujeitos a garantir plenamente a vida do paciente. No entanto, há casos em que ocorrem conflitos de direitos fundamentais e, nesses casos, é dever do Estado proteger, quando necessário, os direitos conferidos ao cidadão. Partindo dessa premissa o artigo foi desenvolvido com o objetivo principal de analisar a legalidade ou não da recusa de tratamento. Para fazer isso, discorreu-se sobre a colisão entre direitos fundamentais analisados, traçando paralelo com o direito à vida e à liberdade do paciente. Sendo analisado a visão do aplicador do direito de como este conflito deve ser resolvido e se há responsabilidade médica por ato ordinário ou omissivo.
Palavras-chave: liberdade religiosa, recusa de tratamento, responsabilidade médica.
ABSTRACT: The right to life encompasses many rights, mediated by laws, norms and principles that unite the dignity of the human person and everything that is considered essential to live well, this right affects the individual as a whole. Freedom, however, is the right to choose what to do without the interference of opinions, dogmas and positions of others, it is the right to come and go to think and choose what is best for the patient, respecting their values, including in this context , religious conviction. The rights enshrined in the Federal Constitution of 1988 cover the dignity of the human person, health, freedom, among others, that are subject to fully guarantee the life of the patient. However, there are cases in which conflicts of fundamental rights occur and, in such cases, it is the duty of the State to protect, when necessary, the rights granted to the citizen. Based on this premise the article was developed with the main objective of analyzing the legality or not of refusal of treatment. To do this, we discussed the collision between fundamental rights analyzed, drawing parallels with the right to life and freedom of the patient. Being analyzed the view of the applicator of the right of how this conflict should be solved and if there is medical responsibility by ordinary or omissive act.
Keywords: religious freedom, refusal of treatment, medical responsibility.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. REVISÃO DE LITERATURA. 2.1. Responsabilidade civil do médico. 2.2. Analisando os princípios. 2.2.1 Princípio da informação. 2.2.2. Princípio da autonomia do paciente. 2.2.3 Princípio da beneficência. 2.3. Responsabilidade Civil. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS.
De acordo com a Constituição Brasileira de 1988, a saúde é um direito social fundamental de cada pessoa (artigo 6) e um dever do Estado (artigo 196). No Brasil, o poder constituinte foi fundido com saúde e com a segurança social, proporcionando acesso gratuito e universal, através do sistema público de saúde (SUS) sendo para todos, sem distinção de qualquer natureza.
É correto afirmar, assim, que no Brasil, os indivíduos têm o direito subjetivo de exigir livre acesso à estrutura de saúde pública, e é uma obrigação do Estado provê-la, no entanto em nosso país também se conta com a oferta de saúde privada, veiculada particularmente ou por convênios. O sistema de saúde brasileira e amplo e complexo, porém o que se tem em mente é o bem-estar e o direito da vida assegurada pelas equipes de saúde. Entretanto por incrível que possa parecer existem pessoas que não aceitam tratamento médico, seja por uma escolha pessoal ou com base em princípios religiosos, gerando assim diversas controvérsias.
A recusa do tratamento é um encontro comum na prática clínica. O processo de decidir recusar o tratamento é muitas vezes complexo, necessita-se avaliar inúmeros requisitos para tentar entender esse processo de tomada de decisão e as razões subjacentes para a recusa do tratamento. Muitas dessas razões são frequentemente racionais no contexto em que a decisão é tomada. Os pacientes podem estar tomando a melhor decisão por si mesmos, mesmo que essas decisões não sejam necessariamente as melhores para a maioria das pessoas.
Deve-se sempre discutir as opções de tratamento e avaliar a capacidade de tomar decisões para alcançar objetivos comuns. O médico em sua posição profissional deve equilibrar as melhores estratégias de tratamento e o melhor interesse dos pacientes.
O problema é de importância capital, porque aborda direitos fundamentais do ser humano. Se apresenta então um conflito entre direitos fundamentais: o direito à vida e acesso a tratamentos médicos para a autonomia de pessoas que através da valorização de interesses permite acesso ao direito à dignidade humana.
Os sistemas legais do mundo são tão diferentes e complexos que é quase impossível explorar as leis de cada país individualmente. Contudo, esses sistemas compartilham problemas legais comuns em certas áreas, como medicina, por exemplo e nesse caso a escolha entre tratar-se ou negar-se a isso.
Não só o Brasil, mas o mundo inteiro está sofrendo com os efeitos de tempos conturbados, onde o direito e a medicina lutam para definir novas regras legais que regem os cuidados de saúde. É exatamente por isso que a bioética e a lei médica tornaram-se tão proeminentes nos últimos anos.
Partindo dessa ideia o artigo discute as razões subjacentes à recusa do tratamento e como pode-se alcançar um objetivo comum com os pacientes, dentro dos parâmetros legais.
Para entender a responsabilidade médica no Brasil, é fundamental entender que a saúde nada mais é do que um direito inserido na ordem social, tendo suma importância para o ordenamento jurídico, portanto é primordial entender que os legisladores visaram assegura-la, como pode ser visto no art. 196 da Constituição Federal (CF) de 1988, in verbis:
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Para o cumprimento do previsto em nossa Carta Magna, exige-se do Estado uma postura totalmente participativa, assegurando assim o direito à saúde (TEIXEIRA, E., 2008, p. 24).
No entanto cabe ressaltar que assim como em outros países no Brasil também se verifica indivíduos que se recusam a receber tratamento médico, principalmente quando se trata de tratamento eletivo, sem a necessidade de emergência, vez que este encontra-se vinculado ao consentimento do paciente frente à conduta do médico.
De acordo com Becker et al., (2016, p. 143),
Porém, o que gera muito debate acerca do assunto é nos casos em que o tratamento é negado pelo paciente ou seu(s) acompanhante(s). Neste grupo encontram-se os adeptos à religião Testemunhas de Jeová, os quais são religiosamente impedidos de receber transfusão sanguínea e são cada vez mais numerosos e presentes na prática médica, mas também os pacientes que, deliberadamente, sem razão convincente para o médico, recusam-se a aceitar a conduta proposta unicamente por exercer seu princípio da autonomia e beneficência, mesmo que psicológica, por acreditarem ter mais riscos para si do que benefícios, incluindo integridade moral, psíquica, física e religiosa.
É indubitável que tais situações geram discordâncias, exigindo muito mais dos profissionais da saúde, inclusive mais empatia e conhecimento ético, para que o médico com sabedoria saiba entender as necessidades de seus pacientes. Salienta-se que para melhor desempenho do seu trabalho compete ao médico estar sempre atualizado com novas tecnologias, bem como, compreensão das alternativas terapêuticas, isso favorece ao paciente mais opções na escolha do seu tratamento, diminuindo as possibilidades de recusa de tratamento (NASCIMENTO, 2017).
O que se sabe sem dúvida alguma é que os médicos têm o dever legal de fornecer um certo padrão de habilidade e cuidado aos pacientes existentes. O dever legal de cuidar é criado quando um médico concorda em tratar um paciente que solicitou seus serviços. Ao determinar o que esse dever exige, os médicos devem considerar se o cuidado que estão prestando é aquele que um “bom médico” forneceria sob tais circunstâncias. Especialistas precisaram exercer um alto grau de habilidade em sua área de especialização (ALVAREZ e FERRER, 2015).
Acadêmicos jurídicos sugerem que o dever de cuidar compreende vários deveres catalogados: assistir, diagnosticar, encaminhar, tratar e instruir o paciente. Se um médico violar o dever de cuidado e um paciente sofrer uma lesão como resultado, o médico pode ser considerado culpado de negligência e forçado a pagar ao paciente lesado ou danos monetários a familiares.
Define França (2010, p. 207): “Responsabilidade é o justo e necessário, não só no sentido moral, mas também dentro de um sistema de obrigações e deveres, diante do que é lícito e devido”. França (2010, p. 205) define ainda a responsabilidade, mais especificamente a médica, como: “a obrigação que podem sofrer os médicos em virtude de certas faltas por eles cometidas no exercício de sua profissão.
Juridicamente pode-se afirmar que o instituto da responsabilidade civil se manifesta através do dever que tem o responsável de indenizar o lesado de acordo com os danos que sofreu, frisando que a indenização pode ser a reparação material de tudo o que a pessoa perdeu, ou do que deixou de ganhar ou ainda no desfazimento de algum ato. O conceito da responsabilidade civil é bem simples, seu fundamento primordial é o dever geral de não lesar a outrem (PETROF, 2018).
Na eminência dessa transgressão, a ordem social fica abalada, partindo assim para a seara da responsabilidade jurídica. Há autores que afirmem que essa situação fica ainda mais complexa quando acontece no âmbito hospitalar, principalmente se o paciente em questão esta a se recusar a acatar o tratamento vital oferecido, esteja ele sendo regido por questões religiosas, culturais, econômicas, entre outras, contrariando assim o juramento de Hipócrates efetuado pelos médicos e a todas as normas gerais, éticas ou administrativas (FABRIZ, 2013).
É preciso frisar, destacar e assegurar que todo procedimento médico deve ser previamente comunicado ao paciente ou ao seu responsável antes de ser executado, dando ao paciente o direito de escolha, bem como, também não pode através de sua autoridade limitar a escolha do paciente, para essas premissas, encontra-se previsão legal, nos artigos 46 e 48 do Código de Ética Médica (CEM), in verbis:
Art. 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida.
Art. 48 - Exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar.
Todas essas normas é para garantir que o paciente escolha de acordo com sua vontade, sem interferências, decidindo livremente, sobre suas pessoas e seu bem-estar, sua escolha é pertinente a sua vontade.
Entretanto há que se levar em conta as técnicas da ponderação e proporção, ou seja, o direito acima citado não pode ser absoluto, pois os mesmo em algumas situações especificas, pois causaria uma ofensa direta os direitos primordiais da vida e da saúde e, consequentemente, à dignidade humana, principalmente diante da existência de iminente perigo de morte. A Constituição de 1988 estabeleceu que a dignidade humana é um fundamento da Estado brasileiro (PETROF, 2018).
Outra ressalva importantíssima o profissional médico tem por obrigação realizar procedimentos visando a saúde e o bem-estar do indivíduo, ele atua seguindo o exercício regular do seu direito, é seu dever salvar vidas sob pena de infligir responsabilidade civil e penal. Todavia caso o paciente recuse o tratamento, o médico não pode ser responsabilizado por qualquer dano ocorrido, encontra-se aqui uma das excludentes de responsabilidade civil, pois a culpa fica unicamente vinculada, sendo exclusiva da vítima (CAVALIERI FILHO, 2017).
O que se verifica é que a responsabilidade civil, encaixa-se perfeitamente na responsabilidade dos profissionais da saúde, utilizam como base os mesmos princípios e adicionadas a este tem-se também a obrigação de respeitar os preceitos de seus respectivos códigos de ética e atividade (FRANÇA, 2010).
Até aqui verificou-se que as relações entre profissional médico e paciente existe a predileção de normas éticas e jurídicas previamente estabelecidas e que devem ser priorizadas e pontualmente cumpridas, porém sabe-se que essas devem ser norteadas por alguns princípios, entre eles: da beneficência e não maleficência, o do dever de informação ao paciente, o do sigilo profissional, o do respeito à autonomia e ao consentimento livre e esclarecido (DINIZ, 2012, p. 555).
É dever absoluto do médico transmitir ao paciente e aos seus familiares todas as informações referentes a sua situação médica e quais são as suas opções de tratamento, direito este assegurado pelo art. 34 do Código de Ética Médica, onde diz ser vedado ao médico: “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar danos, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”.
Nesse direito vislumbra-se a importância da comunicação e o direito de o paciente escolher sobre a necessidade de determinadas condutas ou intervenções e sobre seus riscos e consequências do mesmo. Portanto, o dever de informar é imperativo como requisito prévio para o consentimento do paciente, chamado consentimento prévio (FRANÇA, 2010, p. 209).
Intimamente correlacionado com o principio acima citado, para a melhor decisão do paciente tem que ser assegurado informações clara, simples e fácil, de maneira que o paciente possa entendê-la, englobando também o entendimento acerca do diagnóstico, prognóstico, terapia, duração, consequências, passos pós-tratamento, cuidados especiais necessários, previsão de alta, consequências de uma não aceitação do tratamento, os possíveis riscos, vantagens e desvantagens envolvidas no tratamento (DINIZ, 2012, p. 579).
De forma mais sucinta, CORRÊA (2010, p. 99) diz que: “O princípio da autonomia determina o respeito pela decisão livre do paciente, resguardando, assim, sua dignidade e seu direito de autodeterminação”.
É possível perceber a incidência deste princípio no Código de Ética Médica, em seu capítulo I – Princípios Fundamentais, no inciso XXI, onde diz: “No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas”.
Tal princípio decorre de uma mudança histórica da medicina, que perdeu sua ligação com o sagrado e passou a ser encarada como ciência. Este fato gerou uma compreensão do paciente como centro autônomo da decisão, tendo o direito de, inclusive recusar a tratamentos, desde que não se encontre em risco de vida. Portanto, deve haver agora uma relação de igualdade entre paciente e médico, deixando de lado a ideia de “paternalismo clínico” (TEIXEIRA, A., 2010, p. 245-247). Após a realização deste documento, muitos outros surgiram neste mesmo sentido, com o intuito de garantir a autonomia do paciente, sendo um deles o Código de Ética Médica. Em seu capítulo IV – Direitos Humanos, garante:
É vedado ao médico:
Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
Art. 28. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente em qualquer instituição na qual esteja recolhido, independentemente da própria vontade.
No mesmo diploma legal, no capítulo V – Relação com Pacientes e Familiares, em seu art. 31: “É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”.
Há que se observar também o princípio da beneficência, sendo que, do latim bonum facere (fazer o bem), tal princípio indica a obrigatoriedade do médico de promover primeiramente o bem do paciente, sendo que há confiança envolvida neste processo (SANTOS, 1998, p. 42-43 apud FABRIZ, 2003).
Há disposição legal expressa no Código de Ética Médica nesse sentido no capítulo:
I – Princípios Fundamentais, onde diz, nos seguintes incisos:
II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional”.
V - Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.
VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
Nos trechos legais supracitados fica possível perceber a preocupação do legislador em destacar a importância do princípio da beneficência, sendo que, em todas as situações, o médico deve zelar pelos seus pacientes. Alega França (2010, p. 176) que: “O Código de Ética Médica elegeu o princípio da beneficência como hierarquia coerente acima do princípio da autonomia”.
CORRÊA (2010, p. 99) define o princípio da beneficência como sendo: “O dever de fazer o bem e evitar o mal para o paciente, de acordo com os parâmetros dos conhecimentos da medicina e de seu julgamento profissional”. A autora ainda define tal princípio como sendo a ponderação entre benefícios e riscos inerentes a um procedimento médico, buscando sempre maximizar os benefícios e reduzir os riscos ao paciente.
O médico deve fazer tudo que lhe é possível a fim de salvar o paciente, conforme o que segue:
Cabe ao médico “o dever de fornecer ampla informação quanto ao diagnóstico e ao prognóstico”, além do “emprego de todas as técnicas disponíveis para a recuperação do paciente, aprovados pela comunidade científica e legalmente permitidas”, uma vez que o foco é “a tutela do melhor interesse do enfermo em favor de sua dignidade e integridade física e psíquica” (TEPEDINO, 2006, p. 90 apud TEIXEIRA, A., 2010).
A relação de responsabilidade estabelecida entre o médico e o paciente é na maioria dos casos delineada na modalidade contratual e se não for não cumprida o devedor responde além das perdas e danos, por juros e atualização monetária segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos, e ainda pelos honorários do advogado é a leitura do artigo 389 e seguintes do Código Civil.
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.
Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.
Importante observar que a culpa do profissional da saúde equivale à culpa dos profissionais liberais (por integrarem essa categoria), elencada no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[...] § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa á sabemos que o profissional de saúde não pode ser responsabilizado por dano ocorrido em seu paciente se, no curso de sua atuação profissional, ocorrer em uma das excludentes da responsabilidade civil, que consequente e obviamente, também se aplicam à responsabilidade médica, a saber: caso fortuito e força maior, culpa exclusiva da vítima (paciente), fato de terceiros e fato das coisas.
Mesmo sendo contratual não se presume devendo der comprovada essa afirmação da lei é unânime também na doutrina e na jurisprudência.
A imposição de responsabilidade deve ser examinada sob dois pontos de vista principais: (1) a responsabilidade dos profissionais de saúde, decorrente da prestação de serviços de forma direta e pessoal; e (2) a responsabilidade dos prestadores de cuidados de saúde institucionais.
Do ponto de vista de responsabilidade do médico, a obrigação é fornecer cuidados atentos e empregar seus conhecimentos da melhor maneira possível para melhorar o estado de saúde de um paciente, sem estar vinculado a qualquer promessa de cura ou obtenção de um determinado resultado (exceto para médicos que especializar-se em cirurgia estética). Esta obrigação geral relacionada à prestação de serviços médicos, portanto, é uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultados. Portanto, para que um médico seja responsabilizado por danos a um paciente, a falha deve ser comprovada (negligência, imprudência ou imperícia) ou seja, o padrão geral de responsabilidade baseada em culpa se aplica. No entanto, a doutrina jurídica aconselha para uma interpretação cautelosa destes conceitos, uma vez que também é importante avaliar as condições em que o médico está fornecendo cuidados médicos. Por exemplo, no sistema público de saúde, muitas vezes o profissional é confrontado com falta de equipamentos, estrutura e pessoal de apoio adequados, entre outras condições adversas, que possam prejudicar a prestação do serviço, para que os serviços realizados pelo médico sejam avaliados em luz dessas circunstâncias.
Hospitais, laboratórios, clínicas e outros prestadores de serviços de saúde (inclusive aqueles operados pelo estado direta ou indiretamente) estão sujeitos a normas de responsabilidade objetiva (artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e artigo 927, parágrafo único, do Código Civil), que desconsidera a existência de falha. No entanto, quando se trata de responsabilidade devido às ações dos membros do pessoal de um hospital, sua culpa deve ser comprovada, o que significa que o hospital será responsabilizado, responsabilidade estrita, com base no artigo 932 do Código Civil, se seus funcionários ou agentes agiram com culpa. Neste cenário, uma vez que o paciente pode ser qualificado como consumidor de acordo com o CDC, os profissionais de saúde (por exemplo, médicos e o hospital) serão solidariamente responsáveis pelos danos. No entanto, o prestador de cuidados de saúde correspondente recorre contra os responsáveis pelos danos, e pode ter sucesso se for capaz de provar que o dano foi causado por tal profissional agindo com culpa (PRETEL, 2018).
De uma perspectiva processual, há dois destaques importantes. Em primeiro lugar, o ónus da prova em relação à culpa do médico pode ser mudado pelo tribunal assim, o consumidor (paciente), considerado tecnicamente vulnerável, não precisa apresentar essa evidência. Se isso acontecer, o médico terá que demonstrar sua conduta regular e legal, e que ele ou ela tenha agido com todo o cuidado devido, não constituindo uma prática negligente ou imprudente. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade baseada em culpa do médico não impede a reversão do ônus da prova.
Em segundo lugar, se um paciente entrar com uma ação judicial exclusivamente contra o hospital por causa de uma suposta falta cometida por um membro do pessoal, ele não poderá chamar esse membro para o processo, mesmo que este seja o culpado pelo caso ou ocorrência do dano. Esse entendimento surge de uma disposição do CDC que proíbe possíveis co-réus de serem chamados para o processo, de modo que o paciente possa ser mais facilmente compensado, evitando uma discussão de culpa, como a responsabilidade do hospital é rigorosa.
É desnecessário dizer que é muito inadequado dispensar os pacientes que recusam o tratamento sem uma avaliação mais aprofundada dos problemas subjacentes. O extremo do paternalismo médico (os médicos que tratam assumem o papel de tomador exclusivo de decisão) ou a autonomia absoluta do paciente (em que os pacientes recebem poder absoluto na tomada de decisões) são ambos inapropriados. Um equilíbrio deve existir entre esses dois modelos para permitir a negociação e a tomada de decisões compartilhadas, particularmente quando o benefício do tratamento é menos claro. Mesmo nos países em desenvolvimento, onde os pacientes podem esperar um tipo de assistência médica mais paternalista, tem-se o dever de convencê-los a aceitar o plano de tratamento depois de considerar os melhores interesses dos pacientes.
No caso de recusa do tratamento, deve-se sempre tentar avaliar a capacidade do paciente em tomar tal decisão e descobrir as razões da recusa do tratamento. Não importa tanto a decisão deles, mas sim como a decisão é tomada. Só por isso pode-se ter certeza de uma melhor compreensão de por que eles se comportam de tal maneira e não assumem que eles não confiam nos médicos ou no tratamento. Também precisa-se garantir que as informações corretas lhes sejam dadas sobre o que pode-se ser oferecido, numa linguagem que seja simples o suficiente para eles entenderem.
Deve-se contra checar o que eles entenderam, pois eles frequentemente interpretam mal o que é dito durante situações difíceis de tomada de decisão. A menos que se passe por esses processos, não se pode afirmar que o paciente exerce autonomia na tomada de decisões, porque o pré-requisito para isso é que eles devem estar bem informados sobre os benefícios e danos das opções de tratamento. Em suma, deve-se, sempre, agir no melhor interesse do paciente e manter as portas abertas para nossos pacientes, caso precisem desenvolver maiores cuidados.
Às vezes, é rápido julgar os pacientes como irracionais quando eles agem contra o plano de tratamento. Não se deve fazer essa suposição a menos que se tenha avaliado como eles chegaram a essa decisão e sua capacidade de tomar decisões acertadas. Fazer a suposição de que eles são competentes ou incompetentes na tomada de decisões não lhes trará justiça.
Se assumir que eles são competentes, está se arriscando aqueles que podem ser incompetentes e diminuir o papel social em fornecer proteção para eles. Tem-se a obrigação de proteger os pacientes de possíveis danos causados por não concordar com o tratamento. Por outro lado, se defini-los como incompetentes, está se agindo contra o melhor interesse dos pacientes que podem ser competentes na tomada de decisões. Uma maneira de descobrir se eles são competentes o suficiente na tomada de decisões é comunicando-se com eles e avaliando o processo de tomada de decisão. Precisa-se descobrir se eles compreendem plenamente os benefícios e malefícios do tratamento e como esses fatos se aplicam à sua situação. Eles são capazes de raciocinar logicamente levando em consideração suas vidas sociais e crenças culturais? Eles são capazes de expressar uma escolha e considerar os prós e contras de outras alternativas? Se os pacientes forem capazes de demonstrar um processo de tomada de decisão bom, lógico e racional, há boas razões para levar as opiniões dos pacientes a sério e reconsiderar as estratégias de tratamento para equilibrar as necessidades dos pacientes com os objetivos de tratamento. Por outro lado, se o processo de tomada de decisão for ilógico, tem-se a responsabilidade de avaliar o risco envolvido se os desejos dos pacientes forem seguidos (PRETEL, 2018).
Pode-se querer ceder se o risco para a saúde for mínimo. No entanto, se o dano potencial é substancial, então precisa-se encontrar algum outro meio de persuadir os pacientes a seguir as sugestões de tratamento. Estes podem envolver dar aos pacientes algum tempo para assimilar as informações, aconselhamento ou até mesmo obter ajuda de alguém que os pacientes mais confiam. Essas tarefas não são fáceis, a menos que se tenha o interesse genuíno de agir em benefício do paciente.
No Brasil, a autonomia do paciente é dividida basicamente no estudo do paciente capaz de decidir moral e legalmente do paciente incapaz ou relativamente incapaz. O primeiro caso é governado como uma situação paradigmática no exercício da autonomia do indivíduo frente às pressões social, defendendo que o sujeito deve estar pleno no exercício de suas decisões. No segundo caso, a mesma regra, mas apenas aplicável quando não há risco de morte iminente, associada ao estado do paciente dependente ou incapaz. Nestas duas situações, diante do risco de morte, o médico seria autorizado a realizar todos aqueles procedimentos para salvar a vida do paciente, respeito pelo princípio da Beneficência. O argumento apresentado é que a vida é um direito legal superior, tomando a realização do ato médico como prima facie que é acima da autonomia do paciente. De uma leitura do princípio da autonomia, percebe a necessidade de um maior estudo vinculado especialmente ao consentimento ou rejeição de tratamentos com ênfase particular em menores danos ou outros pacientes considerados incapazes ou relativamente capazes. A autonomia surge como um direito derivado do princípio da dignidade adotado pela Constituição Brasileira do ano de 1988, que protege a liberdade humana tanto do ponto de vista físico e psicológico.
O paciente que não aceita o tratamento proposto baseia-se no direito de livre arbítrio e nos princípios da dignidade e liberdade de consciência religiosa, pois de acordo com os artigos 15 do CC e 5° da CF, tem este o direito de recusar determinado tratamento médico que lhe sane enfermidade ou até lhe salve a vida.
Logo, não haveria como falar em dignidade quando os valores morais e religiosos de uma pessoa são desrespeitados e assim não há dignidade se uma pessoa não tiver a liberdade de cultivar os valores que julgar importantes, como a dignidade e a liberdade religiosa.
Hélio Antônio Magno (2015, p.90), entende que em todo e qualquer caso o médico deverá respeitar a autonomia do paciente, tendo este o direito de recusar ou aceitar qualquer tratamento médico. Por outro prisma, Carlos Alberto Bittar (2016, p.78), salienta que se o ato médico não necessita de urgência, nenhum profissional poderá coagir o paciente a receber qualquer tipo de intervenção, sob pena de responsabilidade civil.
Pacientes que vão contra o aconselhamento médico não devem ser vistos como pacientes não cooperativos. Os profissionais de saúde devem se esforçar para entender os problemas subjacentes que levam à recusa do tratamento. As causas incluem problemas com a tomada de decisão (incapacidade de tomar decisões racionais) e razões genuínas para aceitar o conselho médico. Muitos conflitos podem ser evitados se esses fatores subjacentes forem explorados. Uma tentativa concertada de procurar um terreno comum é mais provável de resultar em um compromisso aceitável entre o médico e o paciente.
A recusa do paciente de submeter-se a qualquer tipo de procedimento médico, independentemente da iminência de risco de vida, encontra guarida nos princípios da liberdade religiosa, da autonomia da vontade e autodeterminação, na dignidade humana e até mesmo no princípio da legalidade. Esta recusa deve ser respeitada de forma absoluta, se ausente a iminência de perigo de vida para o paciente.
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Bacharelanda do Curso de Ciências Sociais e Jurídicas da Universidade Camilo Castelo Branco Campus VII - Fernandópolis-SP.<br>
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