RESUMO: O presente trabalho tem o propósito de tecer breves noções esclarecedoras acerca do direito de greve, sua relação com institutos jurídicos próximos, bem assim sua aplicação no serviço público diante da ausência de legislação específica.
Palavras-chaves: Greve; Movimento paredista; Greve no serviço público; Locaute.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O direito de greve: 2.1.características; 2.2. Figuras próximas; 2.3.limites ao direito de greve; 3. A deflagração do movimento paredista: 3.1. Requisitos; 3.2 direitos e deveres dos grevistas; 3.3 Competência judicial; 4. Greve no serviço público; 5. Locaute: 5.1. Definição jurídica; 5.2. Efeitos; 6. Conclusão; 7. Referências.
1. Introdução
Em decorrência da alteração do art. 114, §2º, da CF/88[1], promovida pela EC nº 45/2004, além dos requisitos básicos inerentes à instauração de dissídio coletivo perante à Justiça do Trabalho, a Constituição passou a exigir que houvesse o comum acordo entre empregado e empregador como requisito de procedibilidade ao ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica.
A doutrina nacional muito critica tal dispositivo por ter havido um esvaziamento do poder normativo da Justiça do Trabalho e a dificuldade que os empregados terão de conseguir o aval de seus empregadores para ir até a Justiça do Trabalho, quando frustrada a negociação coletiva e a tentativa de arbitragem. De fato, o legislador quis privilegiar o poder de negociação dos agentes envolvidos na relação empregatícia, evitando o máximo possível a interferência do Poder Judiciário.
Já que para conseguir a instauração de dissídio coletivo de natureza econômica faz-se necessária a anuência expressa do empregador, a atuação da Justiça do Trabalho na pacificação da relação empregatícia, por meio do dissídio coletivo, foi significativamente reduzida.
A consequência imediata é a seguinte: frustradas as tentativas de negociação, o único meio hábil para compelir o empregador a negociar, caso este resista à instauração de dissídio coletivo, é a greve. Este, portanto, tornou-se um direito imprescindível da classe trabalhadora, no sentido de assegurar a conquista de direitos pela via negocial.
Se atendidos todas as exigências legais, conforme será especificado ao longo deste trabalho, a greve representa um instrumento legítimo de pressão da classe trabalhadora para a conquista de direitos comuns, viabilizando a igualdade entre trabalhadores, coletivamente considerados, e o empregador.
Ressalte-se, por fim, que a Constituição da República representa um marco na redemocratização do país, por ter inserido em seu bojo inúmeras conquistas e direitos historicamente consagrados à classe trabalhadora.
2. O Direito de greve
2.1. Características
A greve representa, por um lado, um instrumento de pressão e força da classe trabalhadora para conquistar de direitos por ela postulados e, ao mesmo tempo, é uma situação de pacificação no meio econômico e social. Os autores tradicionais também trazem a greve como instrumento de autotutela, legalmente assegurado aos trabalhadores para o exercício direto das próprias razões.
É, portanto, um importante veículo de pressão de que se valem os trabalhadores para tornar efetivo o princípio da equivalência entre os contratantes coletivos.
As principais características atribuídas ao instituto da greve podem ser inferidas do art. 2º da Lei de Greve[2] (Lei nº 7.783/89): o caráter coletivo do movimento, a sustação total ou parcial da atividade laboral, o exercício coercitivo e pacífico dessa prerrogativa e a temporariedade da greve.
Em primeiro lugar, destaque-se o caráter coletivo do movimento. A greve, para ser assim considerada, precisa decorrer de um movimento essencialmente coletivo, não podendo ser exercida por instrumentos de pressão tipicamente individuais. Embora não se exija a adesão de todos os trabalhadores da empresa ou de determinado setor, importa, no entanto, que a decisão da greve tenha partido de assembleia, na qual se tenha deliberado coletivamente sobre a deflagração do movimento paredista.
Uma segunda característica é a sustação total ou parcial da atividade laboral. Não obstante a greve seja comumentemente vista como o “cruzar de braços”, é possível que os trabalhadores acordem entre si outro mecanismo de pressão, como seria o caso da operação tartaruga, com a diminuição drástica da produtividade na empresa. Esta sustação, no entanto, tem que ser provisória, senão configurado estará o abandono de emprego, figura que conduz inevitavelmente à rescisão do contrato de trabalho por justa causa.
A greve caracteriza-se também por representar um direito dos trabalhadores, a ser exercido de modo coercitivo e coletivo. É instrumento de pressão legítimo utilizados pela classe trabalhadora na busca de um equilíbrio quando atuam coletivamente. O exercício coletivo e coercitivo, ressalte-se, não autoriza a propagação de atos de violência contra o empregador, o patrimônio da empresa ou contra outros trabalhadores. Assim, em razão da independência das instâncias, os ilícitos cometidos poderão ser eventualmente apurados segundo a legislação trabalhista, civil ou penal, nos termos do art. 15 da Lei nº 7.783/89[3].
Nesse contexto, urge assinalar que a greve, em geral, representa uma causa de suspensão do contrato de trabalho, no qual não há prestação de serviços por parte do empregado e não há, igualmente, o pagamento da remuneração. Deste modo, a pacífica participação no movimento paredista não pode ser levantada pelo empregador como falta grave, daí não poderá ensejar a rescisão do contrato por justa causa, conforme determinação contida na Súmula 356 do STF[4]. E, durante a greve, por se encontrar suspenso o contrato, o empregador também não poderá dispensar o empregado, ainda que pague as verbas rescisórias que seriam devidas.
A greve é instrumento voltado diretamente a pretensões de natureza econômico-profissional ou contratual trabalhista. Assim, poderiam ser postulados o aumento do salário contratual, o aumento dos percentuais dos mais variados adicionais, a concessão de novos direitos, etc.
O Ministro Mauricio Godinho Delgado, no entanto, admite a possibilidade que os movimentos grevistas se dirijam a interesses estranhos aos estritamente contratuais, como seria o caso das greves de solidariedade e as greves políticas. Também assim está de acordo Amauri Mascaro Nascimento, com apoio em jurisprudência da Corte Constitucional italiana.
A greve política, conforme explica Ricardo Resende, seria aquela destinada a pressionar o governo a estimular a normatização de questões de interesse da classe trabalhadora; enquanto isso, a greve de solidariedade seria um mecanismo de apoio o pleito de outra categoria ou grupo a ela ligado no exercício da atividade laboral.
Para o Ministro Mauricio Godinho Delgado, a restrição dos doutrinadores quanto à possibilidade de deflagração das greves de solidariedade e as greves políticas não tem qualquer plausibilidade jurídica, porquanto a Constituição Federal, no caput do art. 9º, determinou expressamente que compete aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade do exercício do direito de greve, assim como a decisão sobre quais serão os interesses que deverão por meio desse instrumento defender.
Não obstante a opinião do Ministro Mauricio Godinho Delgado, o TST, em sede de Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo nº 571212/99, da Relatoria do Ministro Convocado Márcio Ribeiro do Valle, DJ 15/09/2000, julgou que a greve de natureza política é abusiva, por entender que a greve deve estar jungida aos interesses vinculados diretamente ao contrato de trabalho.
Quanto ao critério temporal, somente haverá greve se a sustação das atividades laborais for temporária, senão restará configurado abandono de emprego em massa.
Embora, conforme já dito acima, o período de greve seja tido, em geral, como período de suspensão do contrato de trabalho, é possível que se acorde o pagamento dos períodos não trabalhados com o empregador, caso em que tal período converter-se-á automaticamente em interrupção do contrato de trabalho.
Alerta, todavia, o Ministro Mauricio Godinho Delgado que, caso a greve esteja fundamentada no não cumprimento de cláusulas contratuais relevantes ou regras legais pela empresa, a exemplo da falta de pagamento de salários, horas extras, más condições ambientais, não entrega de EPI’s, aplicar-se-ia a regra genérica civilista da exceção de contrato não cumprido. Deste modo, o período de duração da greve seria mera interrupção do contrato de trabalho, sendo devido o pagamento dos dias não trabalhados.
2.2. Figuras próximas
Existem outras modalidades de condutas coletivas que podem eventualmente estar associadas ao movimento paredista, a exemplo dos piquetes, da operação tartaruga e/ou excesso de zelo e da ocupação do estabelecimento. Nos termos do art. 6º, I, da Lei nº 7.783/89[5], caso exercidos dentro das limitações legais, representam um meio pacífico tendente a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve.
Os piquetes, na verdade, constituem a forma de protesto mais usual no exercício do direito de greve, ao chamar a atenção não apenas do empregador, mais convocando a comunidade para interagir e a anunciando a ela o direito postulado. Não podem, todavia, utilizar violência ou agressão física ou moral, constrangendo direito e garantias de outrem.
A operação tartaruga e/ou excesso de zelo também utilizada, por vezes, como mecanismo de reinvindicação imediata ou ameaça para futuro movimento paredista. Há quem entenda que a greve circunscreve-se apenas aos atos que implicam diretamente na paralisação da atividade laboral. O Ministro Mauricio Godinho Delgado, contudo, admite que não se mostra cabível interpretação restritiva do direito de greve, considerando-se a riqueza da dinâmica social.
No que concerne ao método de ocupação do estabelecimento, urge explicitar que a antiga lei de greve (Lei nº 4.330/64) inadmitia a referida ocupação. Essa restrição, todavia, deixou de constar no atual diploma legislativo, razão pela qual os doutrinadores entendem que é, sim, possível a ocupação do estabelecimento ou lock-in. Advertem, contudo, que a ocupação do estabelecimento deverá ser feita com toda cautela, pois os riscos de se prejudicar o patrimônio da empresa e, assim, converter automaticamente o movimento paredista em abusivo é maior.
Além dessas três figuras retromencionadas, a doutrina menciona outras, a exemplo do boicote. Este, porém, representa uma conduta de convencimento da comunidade para que esta restrinja ou elimine a aquisição de produto de determinada empresa. Esta é uma forma de pressão social que pode ser desenvolvida por grupos próprios, independentemente da relação de trabalho.
Caso seja adotado o boicote no bojo de um movimento paredista, as suas repercussões não surtiram efeito no contrato de trabalho, mas terão repercussão socioeconômica para o empregador.
Ao lado dessas figuras lícitas de pressão da classe trabalhadora, existem condutas ilícitas, as quais não podem ser encetadas pelo movimento paredistas, sob pena de se lhe reconhecer a abusividade. E o movimento abusivo é um “não-greve” sujeitando o empregado à dispensa, por não se tratar de período de suspensão contratual.
Dentro dos exemplos de condutas ilícitas, tem-se a sabotagem. Esta é dirigida intencionalmente à depredação do patrimônio da empresa. Embora a Lei de Greve nada mencione quanto à vedação à sabotagem, esta proibição é presumida em razão de o ordenamento jurídico rejeitar o exercício abusivo de direito direitos, sujeitando os envolvidos à responsabilidade trabalhista, civil ou penal.
2.3. Limites ao direito de greve
Embora a greve seja um direito constitucionalmente assegurado à classe trabalhadora, existem limites que lhe são impostos a fim de se reconhecer a licitude do movimento paredista. Cabe aos empregadores decidir, em assembleia, quais serão os direitos postulados e, conforme ensinamento de Mauricio Godinho, não há limitação às greves de solidariedade e às greves políticas.
A principal limitação, contudo, diz respeito ao dever de lealdade e transparência nas negociações coletivas. Se a relação de emprego é, sobretudo, uma relação de fidúcia, mesmo em momentos de crise, quando se não consegue estabelecer diretrizes mínimas para um acordo entre os entes coletivos, deve permanecer esta confiança mútua.
Diante disso, exige-se que a greve não seja deflagrada no curso do cumprimento de acordo coletivo, convenção coletiva ou sentença normativa, salvo se forem constatadas modificações substanciais a demandar a aplicação da cláusula rebus sic stantibus e, portanto, autorizando o movimento grevista.
As limitações também estão relacionadas aos serviços ou atividades essenciais, especificados no art. 10 da Lei 7.783/89[6]. Em tais atividades, há determinadas peculiaridades, as quais devem ser atendidas para que não se configura a abusividade do movimento paredista. De acordo com a Constituição, não está vedada a greve em serviços ou atividades essenciais. No entanto, devem ser atendidos outros requisitos, principalmente que dizem respeito ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Assim, por estar em jogo não apenas o interesse do empregador na continuidade dos serviços, mas as necessidades básicas da comunidade, exige-se novos condicionamentos. O primeiro deles é que os sindicatos, trabalhadores e empregadores devem se organizar para garantir que, durante a greve, seja viabilizada a prestação de serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, os quais estão relacionados às atividades que, caso não sejam atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, saúde ou segurança da população, conforme art. 11 da Lei nº 7.783/89[7].
Alerta o Ministro Mauricio Godinho Delgado que a jurisprudência tem invalidado movimentos grevistas que não garantem o atendimento às necessidades inadiáveis das comunidades, por se tratar de requisito legal à validade da greve. Nessa hipótese, também se exige que a greve seja comunicada aos empregadores e à comunidade no prazo de 72h antes de sua deflagração. Caso, todavia, não sejam atendidos os requisitos legais, o Poder Público deverá assumir a atividade, considerando-se o interesse público primário da atividade a ser prestada à sociedade.
Outra limitação ao exercício do direito de greve já foi explicitada neste trabalho. Trata-se da vedação à prática de abusos durante o movimento paredista, caso contrário serão responsabilizados pessoalmente os infratores pelos atos abusivos ou violentos praticados.
Nessa esteira, embora o direito de greve seja essencialmente um instrumento coletivo, deve-se respeitar o direito do trabalhador que decida não aderir ao movimento grevista e, portanto, decida continuar no exercício de suas atividades. Claro que as manifestações de persuasão e de convencimento dos demais trabalhadores são legítimas. No entanto, Ricardo Resende entende que o simples fato de impedir que o trabalhador que não tenha aderido à greve adentre aos recintos da empresa para exercer o seu trabalho constitui um ato de violência implícita, por implicar no constrangimento ao direito e garantia fundamental deste trabalhador, ainda que não se tenha empregado qualquer violência física.
O ato de impedir o acesso ao trabalho, por si só, constitui violência (ainda que moral) e constrangimento, r por isso a lei expressamente o repele. O que é permitido ao movimento grevista é tentar convencer ou mesmo aliciar outros trabalhadores a aderir à greve, mas nunca impedi-los efetivamente de trabalhar. (RESENDE, Ricardo. 2011, p. 1031-1032)
3. A deflagração do movimento grevista
3.1. Requisitos
A greve é, sobretudo, um meio colocado legalmente à disposição do empregado para conquistar ou reivindicar os seus direitos perante o empregador. Para ser válida, contudo, deve atender a determinados atos preparatórios, a fim de garantir a razoabilidade do movimento, o direito de greve e o direito de terceiros envolvidos. Os requisitos são, basicamente, a frustração da via negocial, o aviso-prévio, a deliberação em assembleia geral, a garantia da manutenção de atividades mínimas na empresa e a obediência aos limites impostos à greve em atividades essenciais.
Em primeiro lugar, o art. 3º da Lei 7.783/89 exige expressamente que a greve deve ser utilizada apenas quando restar frustrada a negociação ou quando for inviável a via arbitral. A lógica é a seguinte: se a greve tem o escopo de forçar uma negociação entre empregados e empregadores, ela só será válida se a via negocial estiver efetivamente fechada. Este entendimento, inclusive, está exposto na OJ nº 11 da SDC[8].
O segundo requisito diz respeito ao aviso-prévio. O movimento greve, considerando o dever de lealdade e transparência recíprocas, não pode surpreender o empregador com a paralisação das atividades empresariais. A lei, portanto, determina que os empregadores sejam pré-avisados, com antecedência de 48h, quanto à instauração do movimento paredista. Tal lapso temporal, em caso de greve em atividade essencial, deverá ser de 72h de antecedência, considerando-se a importância de tais atividades para toda a comunidade. Nesse último caso, o pré-aviso deverá ser dado aos empregadores e à própria comunidade atingida.
Pode-se dizer que, de um modo geral, este prazo de aviso-prévio serve como momento de reflexão para que o empregador avalie a possibilidade de chegar a um entendimento com a classe empregada, sem sofrer as drásticas consequências inerentes à greve.
O terceiro requisito a ser tratado é a necessidade de prévia deliberação em assembleia geral. Assim, para que seja lícito o movimento grevista, este deverá ser precedido por deliberação em assembleia geral, especialmente convocada para este fim. Afinal, a greve representa o interesse da classe trabalhadora, e não apenas da entidade sindical que a representa. O quórum de aprovação está definido no estatuto da entidade sindical, assim como as demais formalidades ínsitas à convocação. Neste espaço, os trabalhadores definirão os direitos a serem pleiteados e os demais mecanismos inerentes à paralisação coletiva.
Em quarto lugar, o art. 9º da Lei de Greve[9] exige que haja garantia da manutenção de atividades mínimas na empresa, pois, em determinados casos, a paralisação total das atividades empresariais poderá ocasionar prejuízos irreparáveis ao empregador, podendo até inviabilizar a continuidade do empreendimento. Caso, todavia, não se chegue a um acordo quanto à manutenção da atividade, autoriza-se que o empregador contrate trabalhadores temporário ou contratados por prazo determinado para exercer essas atividades de caráter emergencial.
Por último, embora os limites à greve em atividades essenciais já tenham sido explicitados, insta salientar que, em decorrência do interesse público inerente a tais atividades, é preciso assegurar a prestação de serviços mínimos à comunidade. Por se tratar de restrição ao direito de greve, trazendo maiores ônus à classe trabalhadora, a doutrina aduz que a lista de atividades essenciais constitui um rol taxativo. Sobre a matéria, a SDC editou a OJ nº 38[10].
3.2. Direitos e deveres dos grevistas
Para o exercício do movimento paredista, os grevistas poderão persuadir e aliciar os demais integrantes da classe trabalhadora, desde que não usem de violência ou agressão física ou moral contra eles, respeitando à liberdade individual de aderir ou não à greve.
Têm, portanto, os grevistas o direito à utilização de meios pacíficos de persuasão, de arrecadas fundos por meios lícitos, de divulgar livremente o movimento à comunidade e, por fim, por se tratar de período de suspensão do contrato de trabalho, os empregados grevistas estarão protegido contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Os deveres dos grevistas, por outro lado, estão intimamente relacionados com os direitos da classe empregadora e às limitações imposta pela ordem jurídica ao movimento paredistas, as quais já foram examinadas neste trabalho.
3.3. Competência judicial
Em algumas hipóteses, o exercício do direito de greve pode ensejar situações abusivas que reclamam a intervenção do Poder Judiciário. A competência, no caso, é da Justiça do Trabalho, em razão de a ação envolver diretamente o exercício do direito de greve, conforme art. 114, II, da CF/88.
O STF, por meio da Súmula Vinculante nº 23, inclusive, indicou que as ações possessórias decorrentes do exercício do direito de greve, ou seja, quando houver ameaça de invasão das propriedades da empresa pelos grevistas ou quando estas já tiverem se consumado, também está na seara da competência da Justiça do Trabalho.
Em razão da alteração promovida pela EC nº 45/04, o dissídio coletivo de trabalho apenas poderá ser instaurado pelo Ministério Público do Trabalho caso se trate de greve em atividade ou serviço essencial.
4. Greve no serviço público
Inicialmente, convém trazer à baila as considerações feitas pelo Ministro Mauricio Godinho Delgado:
No campo das relações estritamente públicas, em que o Estado age com as qualidades e poderes distintivos de imperium, há uma tendência geral das ordens jurídicas, mesmo efetivamente democráticas, de não realizarem a pura e simples importação dos princípios e regras que regem o instituto paredista no âmbito da sociedade civil. (DELGADO, Mauricio Godinho. 2018, p. 1708)
A Constituição de 1988, de modo bastante inovador, contudo, assegurou, em seu art. 37, VII, aos servidores públicos civis o direito de greve e à livre associação sindical. Durante a década de 90, contudo, o STF entendia que se tratava de norma de eficácia limitada, dependente de legislação ulterior, uma vez que o direito apenas poderia ser exercido “nos termos e limites definidos em lei complementar”. Este entendimento restou consagrado na ADIN nº 339/RJ e no MI nº 439/GO.
No entanto, o STF não está imune aos fatos sociais. Mesmo com estes julgamentos, foram deflagradas várias greves no setor público, sem que o Poder Legislativo, desde então, regulamentasse o exercício do direito de greve.
Em outubro de 2007, o STF decidiu, reviu seu entendimento anterior, ao afirmar que a norma insculpida no art. 37, VIII, tratar-se-ia de norma de eficácia contida. Assim, os servidores teriam direito à greve e este direito poderia ser exercido desde logo, apenas sofrendo restrições por futura lei a ser editada.
Para suprir o vácuo legislativo, o STF entendeu que seriam aplicáveis as limitações consignadas na Lei de Greve do setor privado, até que seja editada a lei específica de greve para o setor público.
Por fim, aos militares, considerando-se a exigência de hierarquia e o perigo social em razão do manejo de armamentos bélicos, ainda resta vedada a deflagração de greve, segundo a Constituição de 1988.
5. Locaute
5.1. Definição jurídica
Trata-se do fechamento provisório da fábrica ou do estabelecimento empresarial, determinado pelo empregador, com o objetivo de frustrar o movimento grevista.
Esta figura está proibida pela própria CLT, por implicar em ampliação do desequilíbrio dos entes coletivos e frustrar o direito de greve dos trabalhadores.
5.2. Efeitos jurídicos
Existem duas ordens de efeitos jurídicos caso seja deflagrada pelo empregador a greve.
Em primeiro lugar, o tempo de paralisação das atividades será considerado, para todos os efeitos, como interrupção contratual, sendo devidos os salários do período.
Em segundo lugar, por ter desrespeitado a lei e um direito fundamental do empregado (direito de greve), o empregador terá cometido falta grave, a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho.
6. Conclusão
Por todo o exposto até então, não resta dúvida de que o direito de greve é fundamental aos trabalhadores como mecanismos de pressionar o empregador por novas condições de trabalho e para o cumprimento de acordos, negociações coletivas ou sentenças normativas.
Este instrumento, embora lícito, deverá obedecer a determinados limites, sob pena de se reconhecer a sua abusividade e retirar-lhe a legitimidade. Como visto, em razão da exigência do comum acordo com a instauração de dissídio coletivo, a greve tornou-se um instrumento necessário à reinvindicações obreiras.
Quanto ao serviço público, tornou-se cada vez mais comum o exercício do direito de greve, agora amparado por brilhante decisão do STF, a reconhecer a importância do direito fundamental dos servidores públicos e a inércia do Poder Legislativo em cumprir o mandamento constitucional.
7. Referências
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2010.
DEGALDO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho esquematizado. São Paulo: Método, 2011.
[1] § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
[2] Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.
[3] Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.
Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.
[4] A simples adesão à greve não constitui falta grave.
[5] Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:
I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;
II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.
§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.
§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.
§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.
[6] Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.
[7] Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
[8] É abusiva a greve levada a efeito sem que as partes hajam tentado, direta e pacificamente, solucionar o conflito que lhe constitui o objeto.
[9] Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.
Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo.
[10] É abusiva a greve que se realiza em setores que a lei define como sendo essenciais à comunidade, se não é assegurado o atendimento básico das necessidades inadiáveis dos usuários do serviço, na forma prevista na Lei nº 7.783/89.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho pela ESMATRA 6. Servidora Pública Federal - TRT da 6ª Região<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSIMIRO, Andrezza Albuquerque Pontes de Aquino. O direito de greve no sistema jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51807/o-direito-de-greve-no-sistema-juridico-brasileiro. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
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Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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