CRISTIANE DORST MEZZAROBA
(Orientador)[1]
RESUMO: Neste artigo, investiga-se a aplicabilidade e efetividade do instituto da colaboração premiada como mecanismo de combate a corrupção, bem como o confronto com os aspectos éticos e polêmicos que envolvem a temática. Analisa-se, especialmente, conceitos doutrinários e aplicações jurisprudenciais acerca da colaboração premiada, aspectos positivos e negativos apontados pela comunidade acadêmica sobre a utilização do instituto e a evolução do mesmo no decorrer da história. Utiliza-se a abordagem lógico-dedutiva tendo como referencial teórico a doutrina nacional especializada em direito processual penal e direito penal, além dos entendimentos jurisprudenciais pátrios. Os resultados da pesquisa mostram que a utilização do instituto da colaboração premiada como meio de prova revela-se fundamental para desvendar e punir os culpados por crimes de corrupção em quaisquer de suas modalidades, uma vez que muitos dos grupos criminosos só são efetivamente encontrados após os próprios membros dos esquemas criminosos contribuírem para as investigações criminais. Dessa maneira a efetividade das reprimendas do direito penal quanto aos crimes de corrupção, serão mais eficientes pela adequada aplicação da colaboração premiada no trâmite processual penal.
PALAVRAS-CHAVE: Crime organizado; Colaboração Premiada; Ética.
ABSTRACT: In this article, we investigate the applicability and effectiveness of the institute of the collaboration awarded as a mechanism to combat corruption, as well as the confrontation with the ethical and controversial aspects that surround the theme. It analyzes, especially, doctrinal concepts and jurisprudential applications about the awarded collaboration, positive and negative aspects pointed out by the academic community about the use of the institute and the evolution of the same throughout the history. The logic-deductive approach is used, having as theoretical reference the national doctrine specialized in criminal procedural law and criminal law, in addition to the jurisprudential understandings of the country. The research results show that the use of the award-winning collaboration institute as a means of proof is fundamental to uncovering and punishing those guilty of corruption in any of its modalities, since many of the criminal groups are only effectively found after members of criminal schemes contribute to criminal investigations. In this way, the effectiveness of reprimand of criminal law regarding corruption crimes will be more efficient by the proper application of the collaboration awarded in the process of criminal proceedings.
KEYWORDS: Organized crime; Prize Collaboration; ethic.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2 INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA NO BRASIL; 2.1. CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA; 3 ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA COLABORAÇÃO PREMIADA E O CONFLITO COM A ÉTICA; 3.1 PRINCIPAIS APLICAÇÕES E CONCEPÇÕES POLÊMICAS A RESPEITO DA COLABORAÇÃO PREMIADA; 3.1.1 Aplicabilidade e avanços necessários ao instituto da colaboração premiada; 4. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 5. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Na sociedade contemporânea é inegável e imprescindível a necessidade de punição e atenção para as práticas delituosas na seara da corrupção. Os constantes escândalos revelam o quanto a corrupção está enraizada na administração pública e se irradia para todos os lados. Cada vez mais se torna difícil coibir e até mesmo punir tais condutas por se tratar verdadeiramente de organizações criminosas especializadas em maquiar o crime.
A partir dessa premissa, o Estado por meio do processo legislativo, tem cada vez mais procurado elaborar mecanismos de controle e combate a corrupção. Dentre eles está o instituto da colaboração premiada, que na prática tem contribuído para desvendar e punir diversos crimes de corrupção no Brasil, justamente por conceder “prêmio” àquele que contribui na produção de novas provas e auxilia nas investigações.
É de fundamental importância o estudo do instituto da colaboração premiada, suas nuances e procedimentos, e a partir disso, apresentar uma análise crítica de sua contribuição na diminuição da prática de atos de corrupção, e não somente isso, mas também na punição daqueles que se acham imunes ao poder punitivo do Estado.
A pesquisa tem como tema central o Instituto da Colaboração Premiada que vem ganhando destaque em todas as mídias e redes sociais, uma vez que tem sido por meio desse instrumento que diversos crimes de corrupção têm sido desvendados e punidos no Brasil nos últimos tempos.
Assim este estudo pode contribuir para uma análise crítica sobre a real efetividade do instituto da colaboração premiada e sua aplicação nos casos de crimes de corrupção. Passar não somente pelos conceitos do instituto da colaboração premiada, mas também da ideia de corrupção e da efetividade nos procedimentos adotados quando da produção das provas no processo penal.
Os principais objetivos perquiridos com a exposição científica deste estudo são apresentar o conceito, natureza jurídica e um breve histórico evolutivo da colaboração premiada no Brasil e, suas modificações e utilização durante a história, bem como elucidar os aspectos positivos e negativos da utilização do instituto e o caráter ético e concepções polêmicas inerentes ao procedimento.
Diante disso o método utilizado foi o lógico-dedutivo, fundamentado em dados da doutrina, artigos jurídicos e científicos, jurisprudência dos tribunais, além de outros documentos disponibilizados através do meio virtual. Assim o objetivo final é a formação de uma premissa lógica sobre a efetividade do instituto da colaboração premiada no combate a corrupção em todas as suas formas.
Em um primeiro momento, será realizada uma abordagem bibliográfica tendo por base principalmente os doutrinadores Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Flávio Nicolitt, David Teixeira de Azevedo para que, partindo dos conceitos teóricos apresentados pela doutrina nacional, com apoio no entendimento jurisprudencial e produção científica acadêmica seja constatada a aplicação e efetividade do instituto da colaboração premiada, como procedimento do direito processual penal.
Além da introdução, considerações finais e referências, este artigo está organizado em três principais seções. Na primeira, denominada instituto da colaboração premiada no Brasil, abordar-se-á o conceito e a natureza jurídica da colaboração premiada. A segunda, intitulada de aspectos positivos e negativos da colaboração premiada e o conflito com a ética, apresenta-se as principais características positivas e negativas do instituto e as implicações éticas de sua utilização. Finalmente, na terceira seção, apresentar-se-á as principais aplicações e concepções polêmicas a respeito da colaboração premiada.
2 INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA NO BRASIL
O instituto da colaboração premiada tem previsão legal em várias normas penais, inclusive no Código Penal Brasileiro, quanto também em legislação esparsa. Há muito que se debater em relação à aplicabilidade, eficiência e até a constitucionalidade do instituto, uma vez que, como pelo contrato social foi concedido ao Estado o poder/dever de punição, de certa maneira premiar um criminoso que entregar o outro comparsa ou o esquema criminoso, com a respectiva redução de sua pena, ou ainda isenção, estaria supostamente incitando a imoralidade e a traição premiada, o que não poderia ser admitido pelo ente detentor de todos os meios para reprimir tais ações. E ainda que supostamente violaria o devido processo legal e a indisponibilidade da jurisdição.
No Brasil o instituto da colaboração premiada, importado do direito estrangeiro, teve sua previsão legal primeiramente na Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que em seu artigo 8º, parágrafo único, prevê que “O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.” (BRASIL, 1990).
Além da previsão legal para os crimes hediondos, a colaboração premiada, encontra guarida no Código Penal no artigo 159, § 4º, que dispõe “Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços” (BRASIL, 1940). Destaque-se que esta previsão foi inserida pela Lei nº 9.269/1996.
A previsão legislativa mais recente foi dada pela Lei nº 12.850/13, que definiu a colaboração premiada como forma de obtenção de provas nos crimes cometidos por organizações criminosas, o que deste ano até o momento, tem colaborado de forma expressiva para a punição e investigações de delitos cometidos por esses grupos de criminosos.
Assim, como se pode notar, existe uma pluralidade de normas que preveem o instituto da colaboração premiada, e devido à ausência de regulamentação genérica no Código Penal ou Processual Penal, cada caso deve ser apreciado de forma específica.
Ressalta-se que hodiernamente o instituto tem colaboração para desmantelar um grande esquema de corrupção no serviço público, são verdadeiras organizações criminosas que se formaram, mas que com ajuda desses colaboradores tem se desfeito e os condenados deverão ser punidos na medida adequada pelas condutas cometidas.
2.1. CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
Em relação aos procedimentos convencionais a colaboração premiada permite a concessão de créditos para aqueles que cometeram algum tipo de crime e estão dispostos a contribuir com a justiça entregando o esquema, grupos criminosos ou até mesmo seus parceiros, como forma de combate ao pacto de silêncio convencionado entre os integrantes dessas organizações delituosas.
A colaboração premiada oferece privilégios como a redução de pena ou até, em casos específicos, o perdão judicial. A Lei nº 12.850/13 utilizou a terminologia “colaboração” premiada em detrimento da popularmente conhecida “delação”, justamente para evitar a vinculação com algo pejorativo. O termo popular “delação” significa a ação de denunciar, revelar (FERREIRA, 2004). Já a palavra premiada se deve ao fato de o legislador conceder prêmios ao delator que colabora com as autoridades.
Nas palavras do conhecido e renomado doutrinador Bitencourt (2015, p. 714):
Delação premiada consiste na redução de pena (podendo chegar, em algumas hipóteses, até mesmo a total isenção de pena) para o delinquente que delatar seus comparsas, concedida pelo juiz na sentença final condenatória, desde que sejam satisfeitos os requisitos que a lei estabelece. Trata-se de instituto importado de outros países, independentemente da diversidade de peculiaridades de cada ordenamento jurídico e dos fundamentos políticos que o justificam.
Conforme entendimento jurisprudencial exarado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, a delação premiada é um meio de obtenção de provas, ou seja, é um mapa, um roteiro para as descobertas de novas provas que confirmarão tudo o que foi dito na colaboração, que por si só não pode ser utilizada para a condenação de um acusado. “A condenação não se baseou tão somente em depoimento extraído da delação premiada, amparando-se, outrossim, em elementos coligidos tanto na fase inquisitorial quanto judicial, não havendo falar em nulidade do processo por ofensa ao contraditório e ampla defesa” (STJ, HC 289.853).
Tendo em consideração o conceito exposto percebe-se que o principal objetivo da inclusão da colaboração premiada no sistema processual penal brasileiro foi sem sombras de dúvidas o de permitir a quebra do pacto de silencio das organizações criminosas, como o são os grupos de corruptos do cenário político atual, beneficiando assim aquele que colaborar com a justiça entregando-se com a confissão e apontando os fatos e a própria organização do grupo de criminosos.
Todas as informações e declarações feitas pelo colaborador serão analisadas e devidamente investigadas, posteriormente confirmadas, os benefícios dessa forma podem ser concedidos, reafirmando ainda mais o caráter de produção de provas que a lei em 2013 incluiu expressamente no ordenamento jurídico brasileiro.
A colaboração premiada, prevista em diversos textos normativos e consolidada pela Lei 12.850, em 2013 impõe ao réu colaborador requisitos para que seja validada, e por consequência, este obtenha o(s) benefício(s) que a legislação atribui a sua conduta.
Esses requisitos podem ser extraídos do próprio conceito de colaboração premiada, os quais são muito bem expostos pelo doutrinador Bitencourt (2015, p. 717):
A delação premiada, a despeito da ausência de previsão legal, deve ser voluntária, isto é, produto da livre manifestação pessoal do delator, sem sofrer qualquer tipo de pressão física, moral ou mental, representando, em outras palavras, intenção ou desejo de abandonar o empreendimento criminoso, sendo indiferentes as razões que o levam a essa decisão. Não é necessário que seja espontânea. [...] O móvel, enfim, da decisão do delator – vingança, arrependimento, inveja ou ódio – é irrelevante para efeito de fundamentar a delação premiada, segundo, a ótica de uma sociedade imoral.
Como se observa a colaboração premiada deve ser um ato de livre manifestação pessoal, sem qualquer tipo de pressão moral, mental, física, ou seja, não pode haver qualquer tipo de coação, deve surgir do próprio colaborador a vontade de realizá-la. As razões pelas quais levaram o colaborador a contribuir com a justiça são irrelevantes para a esfera jurídica, tais motivos só poderiam ser considerados em âmbito da moral.
Dessa maneira os requisitos genéricos da colaboração premiada: ato espontâneo, sem coação de qualquer maneira, e que tenha previsão na lei para que seja atribuído o benefício ao colaborador, caso a legislação não preveja o benefício não se pode estender a quaisquer casos a sua aplicação.
A consequência da colaboração precisa, para que seja reconhecida pela Lei 12.850/13, que dela advenha um ou mais dos seguintes resultados do artigo 4º, sendo eles:
Art. 4o [...] I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Em outras palavras esses resultados esperados fazem parte da própria constituição e validade do instituto. Sendo que fundamentalmente importância, que traga algum resultado e seja possível a aplicação da benesse do perdão judicial ou redução da possível pena a ser imposta ao colaborador.
Quanto à natureza jurídica da colaboração premiada, por tudo exposto, depreende-se tratar de meio de prova estabelecido em lei para a investigação eficaz e punição devida aos criminosos que procuram se esconder sob o manto do silêncio dos grupos organizados para práticas escusas.
No decorrer da evolução legislativa relacionada ao instituto a Lei nº 8.072/90 em seu artigo 8º previu a possiblidade de redução de pena para o denunciante de bando ou quadrilha, como assim definia a antiga redação do artigo 288 do Código Penal, mas sempre existiu até 2013, um vácuo legislativo na sistemática dessa denúncia. Não se tinha a estrutura e procedimento para essa denunciação, quem teria a legitimidade para a propositura ou fechamento do acordo, e se seria necessário verdadeiramente um resultado efetivo ou não para o recebimento do prêmio.
À época a previsão legal servia basicamente para a redução de pena, a ser utilizada na terceira etapa da dosimetria da pena, do que efetivamente se tornou hoje a colaboração premiada como forma de prova. Na década de noventa, por possuir essa lacuna legislativa, surgiu a necessidade da aplicação diferente do instituto aos grupos organizados adequando cada caso a uma pena ou prêmio diferente.
A própria Lei nº 12.850/2013, trouxe as possibilidades em termos de negociação como benefícios aos colaboradores quais sejam: perdão judicial, que depende da aplicação da pena, seus efeitos e após a exclusão da necessidade de cumprimento da pena; redução de até 2/3 da pena, limite que não admite ser ampliado sob pena de violação ao princípio da taxatividade penal e a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, neste caso não se fala dos limites e de quais formas.
A lei inovadora não autoriza a negociação para além dos limites previstos, não possibilita também qualquer violação ao regramento Penal e nem mesmo subtração de previsão, como por exemplo, forma de progressão de regime.
Na atualidade a colaboração premiada atinge todo aspecto e interesse social, pela grande divulgação dos casos de organizações criminosas na lavagem de dinheiro, extorsão, no meio político. Além das já citadas previsões legais, a colaboração premiada também foi destacada em outras leis do ordenamento jurídico brasileiro.
Como bem se observa a ordem judicial brasileira, em que pese tratar da colaboração premiada esta tem um fundamento dúplice, sendo por um lado um meio para produção de provas (em relação às organizações criminosas), e por outro viés, visa à colaboração na proteção em favor da vida das vítimas do crime de sequestro, não tendo como função a produção de prova do delito, entretanto a libertação da vítima do sequestro.
Em relação especialmente ao crime de extorsão mediante sequestro, os requisitos para o reconhecimento são basicamente as informações prestadas pelo colaborador, uma vez que auxilia na libertação da vítima, não importando de forma alguma os motivos da colaboração, desde que o faça de forma voluntária e espontânea.
Em relação ao quantum a ser reduzido da pena do delinquente delator, deve-se apreciar a dimensão da colaboração prestada e o que dispõe a lei específica, que delineia o máximo e mínimo que pode o Juiz reduzir a pena, sempre tendo em consideração a colaboração em si.
O acordo é dado entre o colaborador com Ministério Público e também o Delegado de Polícia, conforme previsão do §2º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013, sabendo que quanto maior e mais eficiente as informações, maior será o benefício concedido. Situações como a gravidade do caso ou a repercussão também influenciam diretamente nos benefícios, “§ 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração” (BRASIL, 2013).
Para a concessão dos benefícios ao colaborador, seja por acordo realizado pelo Ministério Público e o indiciado, ou mesmo por acordo realizado ainda pelas polícias judiciárias na etapa investigativa, autorizados pelo parquet, em ambas as situações devem ser homologadas pelo juiz competente e sempre na presença do advogado do acusado, e ainda considerando os fatos narrados devem também ter demonstração fática capaz de haver confirmação pelas autoridades envolvidas na produção da prova.
De toda sorte, em qualquer caso torna-se necessário que a colaboração seja eficiente, ou seja, apta a de fato demonstrar o envolvimento e participação dos integrantes na organização criminosa, a sua hierarquia, a recuperação dos produtos do crime ou em caso de vítima a sua efetiva libertação.
3 ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA COLABORAÇÃO PREMIADA E O CONFLITO COM A ÉTICA
Para efeito de análise crítica do instituto da colaboração premiada é preciso analisar seus aspectos positivos e negativos, bem como um possível conflito com a ordem moral e ética. Isso é de grande valia, pois partindo dessa visão pode-se inferir a conclusão em relação à importância da colaboração premiada para o ordenamento jurídico brasileiro.
A colaboração premiada sob o aspecto positivo pode ser enquadrada como uma forma eficiente de produção de prova e na luta contra o silêncio oculto das organizações criminosas, em especial o esquemas de corrupção. O cenário político atual revela o quanto a colaboração premiada tem ajudado a desmascarar esses bandos criminosos.
O criminoso ao confessar o delito cometido, estimulado pelo arrependimento e remorso, estará compreendendo o aspecto negativo do ato praticado, passando a receber o castigo a que ele esteja sujeito e fica insatisfeito consigo mesmo pela violação da lei, estando disposto a não mais cometê-los, ou pode ainda querer o coautor eleger o instituto visando um alivio interior (GUIDI, 2006).
Um ponto muito criticado pela doutrina, fazendo ressalvas do instituto da colaboração premiada, reside em algum dos deveres do réu colaborador que contraria a Constituição, como por exemplo, o disposto no parágrafo 14 do artigo 4 da Lei 12.850/2013. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade. Esta disposição normativa é frontalmente incompatível com o direito constitucional do réu em permanecer em silêncio, e de não produzir provas contra si mesmo.
Bitencourt (2014) é totalmente contra essa disposição legal, pois defende tratar-se de um texto absolutamente inconstitucional, pois entende que o dispositivo legislativo é claramente inconstitucional enquanto obriga (ou condiciona, o que dá no mesmo) o réu a abrir mão de um direito seu consagrado não apenas na Constituição, como em todos os pactos internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário.
Para o mesmo doutrinador Bitencourt (2014) o instituto da delação premiada em geral é como uma tortura psicológica, porquanto defende que o réu não tem, em hipótese alguma, obrigação de produzir prova contra si. Do contrário, por meio de uma coação psicológica, abdicar-se-á do seu direito fundamental de não produzir prova em seu desfavor, pois estão em jogo benefícios legais muito atrativos para o possível colaborador.
Porém, como defende a doutrina moderna e majoritária, não existe direitos absolutos em nosso ordenamento jurídico, devendo, entretanto, prevalecer alguns sobre outros, com base em cada caso concreto. É tanto, que nem mesmo o direito a vida, maior dos bens jurídicos tutelados em nosso arcabouço jurídico, é direito absoluto, pois, em casos excepcionais, a nossa Constituição Federal, excepcionalmente, admite a pena de morte, no caso de guerra declarada, conforme reza o seu art. 5º, XLVII.
Assim, em uma interpretação mais sistemática, esse mesmo § 14, do art. 4º, das Leis das Organizações Criminosas, pode ser compreendido como uma escolha pelo não exercício do direito ao silêncio em contraponto de ser considerada uma renúncia, literalmente forçada. Esse é o entendimento exposto por LIMA (2014, p.371/372), que complementa defendendo que a colaboração premiada da lei 12.850/13 "é plenamente compatível com o princípio do 'Nemo Tenetur se Detegere'”, que se traduz como o “direito de não produzir prova contra si mesmo”. É tanto que, a própria lei, no § 10, do mesmo art. 4º, ao permitir a possibilidade de retratação da proposta de acordo pelas partes, veda a utilização das provas incriminadoras produzidas pelo réu colaborador em seu desfavor.
Um outro aspecto negativo, como todo e qualquer instituto jurídico, pode encontrar guarida nas fragilidades que a produção de qualquer prova está sujeita, inclusive a excessos de informações falsas, ou até mesmo o excesso de poder conferida ao juiz quando da apreciação da prova produzida pela colaboração, bem como a concessão das benesses aos colaboradores. É necessário que os agentes envolvidos na colaboração estejam atentos para o não cometimento de excessos e muito menos falhas.
A lei instituída em 2013 no combate às organizações criminosas trouxe regras necessárias para o instituto da colaboração premiada, entretanto trouxe também novas benesses, que ultrapassam o limite do aceitável, isso sim é um ponto negativo a ser destacado. No artigo 4º, § 4º, o diploma legal estabelece que poderá o Ministério Público, deixar de oferecer a denúncia se o colaborador: “Não for o líder da organização criminosa ou for o primeiro a prestar efetiva colaboração”. Em que pese à norma jurídica, tal previsão contraria claramente o princípio indisponibilidade da ação penal, sendo este conforme Nucci (2009, p. 161) entendido como a não “discricionariedade do Ministério Público à sua propositura, mas sim, a postura condicionada para tanto, e uma vez proposta a ação não lhe cabe mais a desistência sobre o procedimento” e o da indeclinabilidade da jurisdição, que é nas palavras de Carreira Alvim (2009, p. 68) o princípio pelo qual o juiz “não pode declinar do seu mister, deixando de atender a quem deduza em juízo uma pretensão, pedindo proteção para ela. Nem mesmo a lacuna ou a obscuridade da lei exime o juiz de proferir decisão”.
A titularidade da ação penal pública é do Ministério Público, o qual deve obediência aos princípios da indivisibilidade e da obrigatoriedade. O primeiro consiste na ideia de que deve o parquet oferecer denúncia contra todos os acusados da conduta delituosa, não podendo ser oferecida somente contra um ou outro dos acusados. Já o segundo vige no sentido de que, preenchidos os requisitos para a propositura da ação penal o Ministério Público é obrigado a oferecê-la, como afirmado anteriormente.
Diante disso percebe-se que a referida norma que possibilita o não oferecimento da denúncia atenta contra os dois princípios expostos. Nota-se que não seria necessário este benefício, já que a própria lei possibilita os benefícios como redução de pena, conversão em restritiva de direitos ou até mesmo o perdão judicial.
Sendo assim, como se observa o instituto possui pontos positivos e negativos, e que sua aplicação ao caso concreto é que determinará sua constitucionalidade. A alguma disposições da lei que regulamentou a colaboração premiada que precisam evoluir e ser aplicada de maneira coerente e sistemática dentro do ordenamento jurídico nacional.
Por outro lado, o campo da Ética e da moral também se relaciona com o instituto da colaboração premiada uma vez que forja o caráter de credibilidade do Estado em querer amenizar a punição de um criminoso, que por mais que colabore com as investigações, também se envolve ou está diretamente ligado ao delito a ser punido.
Nas lições de Pacelli (2014, p. 804) "ética, em sentido mais comum, é ciência da moral, de fundo eminentemente axiológico, fundando, desde a Grécia do período clássico, na ideia do bem e do justo".
E ainda bem assevera Mattos (2009, p. 20) que a “ética é a parte que filosofia encarregada de refletir sobre a moral, sobre questões acerca da vida no universo, do ser humano, de seu destino, instituindo valores que orientam pessoas e sociedades”.
Nesse ponto encontra-se talvez a discussão mais polêmica sobre este assunto, vez que há amplo debate doutrinário. Como dito anteriormente, diversos doutrinadores debatem acerca da conduta de delatar com a intenção de receber um prêmio, se isto estaria ou não de acordo com os conceitos éticos. Para alguns a utilização do instituto estimula a amoralidade, podendo levar à ordem jurídica a própria corrupção.
O que se pode considerar como minimamente ético no que se refere a alguma conduta? Isso depende de que ângulo se observe o comportamento humano, uma vez que a cultura e até mesmo as diversas normas jurídicas permissivas se coadunam para estabelecer o que seja ético ou antiético dentro da sociedade.
O doutrinador Bitencourt (2014) é bem claro, quando afirma que não se pode admitir a premiação de um criminoso que, para obter determinada vantagem, uma vez por ter dedurado seu parceiro. Bitencourt (2014, p. 2) complementa sua crítica ao instituto, mostrando não merecer confiança e nem respaldo, quando defende que:
Ainda que seja possível afirmar ser mais positivo moralmente estar ao lado da apuração do delito do que de seu acobertamento, é, no mínimo arriscado apostar em que tais informações, que são oriundas de uma traição, não possam ser elas mesmas traiçoeiras em seu conteúdo. Certamente aquele que é capaz de trair, delatar ou dedurar um companheiro movido exclusivamente pela ânsia de obter alguma vantagem pessoal, não terá escrúpulos em igualmente mentir, inventar, tergiversar e manipular as informações que oferece para merecer o que deseja. Com essa postura antiética, não se pode esperar que o delator adote, de sua parte, um comportamento ético e limite-se a falar a verdade às autoridades repressoras; logicamente, o beneficiário da delação dirá qualquer coisa que interesse às autoridades na tentativa de beneficiar-se. Essa circunstância retira eventual idoneidade que sua delação possa ter, se é que alguma delação pode ser considerada idônea em algum lugar.
Em contraponto, os defensores do instituto comungam não existir qualquer violação aos valores éticos ou morais, eis que em se tratando de confessos criminosos, sua vida é repleta de delinquência, não havendo qualquer elemento ético. Nesse sentido, Lima (2014, p.731) defende:
Não haver qualquer violação à ética, nem tampouco à moral. Apesar de tratar de uma modalidade de traição institucionalizada, trata-se de instrumento de capital importância no combate à criminalidade, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso (omertà), além de beneficiar o acusado colaborador. De mais a mais, falar-se em ética de criminosos é algo extremamente contraditório, sobretudo se considerarmos que tais grupos, à margem da sociedade, não só têm valores próprios, como também desenvolvem suas próprias leis.
Ainda com essas considerações existem os que defendem haver uma contrariedade com valores éticos e morais. Para Marques (2014), porém, seria nada mais que apenas um retorno à ética e moral exigidos pela sociedade, ou seja, primeiramente o criminoso rompe com os valores éticos da sociedade, isto é, o conhecido Pacto Social preconizado por Rosseau. Posteriormente, ao se valer da colaboração, o delinquente rompe com a ética do mundo delitivo, que não deve ser traduzido como um ato aético, mas sim, como um retorno para o Pacto Social, restituindo, assim, a moral e a própria justiça social.
Por outro lado depreende-se uma ideia que ao conceder prêmios para aqueles que cometem crimes estar-se-ia a difundir uma cultura de um Direito cheio de antivalores, onde os fins acabam que por justificar os meios. Corre-se o sério risco disso acontecer, a sociedade está totalmente desacreditada da prestação jurisdicional efetiva para aqueles cometedores de crimes.
Em sentido contrário ao anteriormente descrito, Azevedo (1999), posiciona-se no sentido de que “o agente que se dispõe a colaborar com as investigações assume uma diferenciada postura ética de marcado respeito aos valores sociais imperantes, pondo-se debaixo da constelação axiológica que ilumina o ordenamento jurídico e o meio social”.
Silva (1999, p. 85) defende que, acerca da moralidade do instituto, este apresente dupla vantagem: “permite ao Estado quebrar licitamente a lei do silêncio que envolve as organizações criminosas, assim como colaborar para o espontâneo arrependimento de investigado ou acusado”.
E ainda corrobora esse entendimento Nicolitt (2016, p. 398) ao afirmar que no “mundo do crime não se pode falar em ética ou valores morais. No caso da Delação, estar-se-ia agindo no combate ao crime e a favor do Estado de Direito e, como a lei prevê essa prática, não há razão para estranheza”.
Apesar das diversas controvérsias apontadas acerca da ética, a doutrina mais moderna, e, atualmente, majoritária, entende que a questão ética não configura impedimento para a aplicação do instituto, pois, diante da ineficiência do Estado, não haveria outro instrumento senão o instituto da colaboração premiada, capaz de auxiliá-lo no combate ao crime organizado.
Ora, deduz-se que, não obstante os posicionamentos a favor e também contrários, resta assente que a colaboração premiada contém em sua essência elevado propósito e muitos pontos positivos, inclusive que se sobressaem em relação aos negativos, pois se trata de oportunidade concedida ao colaborador de assumir sua culpa e contribuir com a justiça no combate à as organizações criminosas, especialmente as de corrupção.
3.1 PRINCIPAIS APLICAÇÕES E CONCEPÇÕES POLÊMICAS A RESPEITO DA COLABORAÇÃO PREMIADA
As principais aplicações do instituto da colaboração premiada estão relacionadas com a produção de provas, seja no âmbito das investigações da polícia judiciária, como também já na fase judicial. O Ministério Público, como detentor de interesse social e jurídico, e titular da ação penal pública incondicionada é o legítimo para fazer os acordos e homologar posteriormente em juízo as informações prestadas pelo colaborador.
Como abordado anteriormente os casos de aplicação da conhecida “delação premiada” estão bem delineadas nas leis específicas de cada crime para o qual se admite a sua aplicação. Deve, entretanto, o magistrado quando existir organização criminosa envolvida no delito conceder os prêmios de maneira rigorosa e obedecer os requisitos estabelecidos na Lei 12.850/2013, que regulamentou parcialmente a produção de provas nesses casos através da colaboração premiada no ordenamento jurídico pátrio.
Caso haja o descumprimento por parte do juiz condutor do processo penal ao qual houve a utilização da delação premiada, corre-se o risco de ferir gravemente não somente a moralidade e a ética do Poder Público jurisdicional, mas o próprio dever estatal da devida persecução e punição penal adequada.
A polêmica maior que envolve o instituto está no fato de que ele, hodiernamente, tem servido de trampolim para o deslinde de esquemas milionários de corrupção, que envolve os agentes políticos das mais altas casas públicas do Estado Democrático de Direito.
O atual cenário político nacional revela o quanto é necessária uma mudança radical na busca pela efetividade da prestação jurisdicional e punição adequada para aquelas condutas delituosas decorrentes das grandes organizações criminosas da corrupção que se formaram no Brasil.
Ainda existem muitas críticas doutrinárias em relação à aplicabilidade do instituto da colaboração premiada, já na sistemática da Lei nº 12.850/13, em seus artigos 4º a 7º, mais especialmente, por dar uma grande margem de discricionariedade com a qual está sendo aplicada a ferramenta de investigação. Contudo, é preciso destacar o caráter eficiente apontado por Gomes (2017, p. 208):
Ajustes no sistema são necessários [...], mas temos que estar atentos para distinguir críticas construtivas das que são lançadas em nome da impunidade das elites delinquentes que governam ou dominam a nação. Enquanto as delações facilitarem a colheita de provas de um crime organizado, não há que se falar em “manobra para simplesmente reduzir a pena”. O prêmio só existe na medida em que as antigas instituições falidas da Justiça nunca conseguiam.
É uma tendência mundial a busca constante por ferramentas mais adequadas e eficientes no combate aos grandes delitos, é difícil compreender como certas pessoas conseguem se colocar contra instrumentos tão importantes que permitem ao Estado Juiz localizar provas concretas de crimes que ferem gravemente os preceitos de uma sociedade, e prejudicam a todos e principalmente os mais necessitados.
Diante disso, a colaboração premiada utilizada para elucidar crimes mais complexos, sofisticados e camuflados, precisa ser compreendida como uma peça fundamental à disposição do Estado, uma vez que a criminalidade utiliza-se, para a prática de seus delitos, aquilo que existe de mais moderno há sua disposição, além de um forte capital em dinheiro e as diversas facilidades propiciadas pelos paraísos fiscais para ocultação do produto do crime.
Sem sombras de dúvidas é necessário avançar no que se refere à correta aplicação e condução da produção das provas por meio da colaboração premiada, mas é preciso reconhecer que esse instrumento jurídico, apesar de todas as ressalvas quanto a eticidade da sua aplicação, deve ser sempre utilizado para a obtenção de provas, busca constante pela eficiência penal e a adequada prestação jurisdicional penal.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto e a título de considerações finais, percebe-se que a inserção do instituto da colaboração premiada no sistema de provas do processo penal brasileiro contribui expressivamente para dificultar o pacto de silêncio das organizações criminosas, e aplicar efetivamente as punições pelos prejuízos causados a toda a coletividade.
Partindo dessa premissa, esse meio de produção de prova precisa ser bem aplicado para bem cumprir a sua função principal, que é justamente desvendar o envolvimento e participação dos integrantes da organização criminosa, a sua hierarquia e estrutura, a possível recuperação dos produtos do delito ou em caso de vítima a sua efetiva libertação.
Apesar da existência de posicionamentos divergentes e contrários acerca do instituto, resta afirmar que a colaboração premiada possui em sua essência final o propósito louvável de proteção de toda a coletividade com a inibição de práticas corruptas e criminosas e se impõe sobre os aspectos negativos, pois é justamente por meio dela que o colaborador recebe o incentivo para desmascarar os verdadeiros usurpadores dos bens e direitos públicos.
A polêmica sobre a eticidade do procedimento que envolve a colaboração premiada existirá de uma maneira ou de outra, pois por um lado é mecanismo na luta contra a corrupção, por outro um incentivo legal para a traição. Assim, a própria dogmática penal precisou se atualizar para permitir a efetiva punição de crimes ocultos das organizações criminosas entregues por colaboradores “traidores”.
Diante disso, a colaboração efetiva e eficaz no combate a corrupção precisa ser premiada como forma de conservar e proteger toda a sociedade, e uma maneira de mostrar que os cidadãos precisam evoluir moral e socialmente para aceitar a suposta “traição” para coibição a prática de crimes de corrupção que tanto assola a pátria brasileira.
Indiscutível, portando, que a colaboração premiada deve ocorrer de uma forma bem criteriosa e analisada em cada caso em particular, para dessa forma evitar arbitrariedades e abusos em sua aplicação.
O Poder Judiciário tem a missão árdua de promover a correta aplicação do instituto da colaboração premiada, uma vez que os operadores do direito são os mais responsáveis pelas mudanças sociais através interpretação das normas e leis, razão pela qual para a devida punição dos diversos criminosos envolvidos em delitos de corrução serve de parâmetro para melhoria dos mecanismos inibidores e punitivos das práticas delituosas de corrupção em quaisquer de suas modalidades.
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[1] Cristiane Dorst Mezzaroba. Professora Mestre do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Palmas/TO. [email protected].
Bacharelando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Nilton José Pereira de. Colaboração premiada como mecanismo no combate ao crime organizado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51816/colaboracao-premiada-como-mecanismo-no-combate-ao-crime-organizado. Acesso em: 23 dez 2024.
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