RESUMO: Breves considerações são apresentadas sobre os efeitos dos recursos, à luz do Novo Código de Processo Civil, em especial os efeitos substitutivo, devolutivo, suspensivo, expansivo e regressivo, com análise das consequências práticas e jurídicas decorrentes da aplicação de cada uma dessas hipóteses.
Palavras-chaves:. Efeitos dos recursos; Efeito substitutivo; Efeito expansivo; Efeito suspensivo; Efeito devolutivo; Efeito regressivo.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Efeito substitutivo: 2.1. Efeito substitutivo e competência para julgar ação rescisória; 3. Efeito expansivo; 4. Efeito suspensivo; 5. Efeito devolutivo; 6. Efeito regressivo ou efeito de retratação e efeito diferido. 7. Conclusões; 8. Referências.
1. Introdução
O estudo acerca do tema em questão é grande relevância principalmente no que tange ao processamento do recurso no Tribunal ou no juízo de primeiro grau, como é o caso dos embargos de declaração. Em todo o tipo de recurso aduzido pelo Código de Processo Civil é, portanto, imprescindível a análise dos efeitos dos mesmos, no processo e fora dele, assim como as conseqüências inerentes à própria decisão recorrida.
De fato, o recurso impede o efetivo trânsito em julgado da decisão recorrida, prolongando a litispendência e impedindo, deste modo, a formação de uma coisa julgada soberana. O eminente doutrinador, Luiz Guilherme Marinoni, vai mais além e afirma, com propriedade, que enquanto pendente prazo para interposição de recurso, tenha ou não a parte manifestado seu interesse de recorrer, salvo se já houver renunciado a este direito, não pode haver preclusão ou coisa julgada. Já no entendimento de Nelson Nery Jr., os recursos, para os quais a lei não preveja efeito suspensivo, o raciocínio exposto acima não se aplica, visto que a decisão produz efeitos no momento em que é publicada, ensejando, inclusive, uma execução provisória.
Também merece destaque no presente trabalho a discussão doutrinária sobre se estes efeitos dos recursos, tais como impedir o trânsito em julgado e o prolongamento do estado de litispendência, só poderão ocorrer se o mesmo for conhecido pelo Tribunal, ou seja, se estes efeitos supracitados poderão ocorrer em caso de recurso incabível ou intempestivo. Esta é uma discussão essencialmente sobre a natureza jurídica do juízo de admissibilidade dos recursos. Para Barbosa Moreira, somente os recursos admissíveis produzem efeitos, afirmando, também, que a inadmissibilidade do recurso opera efeitos retroativos e, portanto, não impede a formação do trânsito em julgado. Apesar da grandeza dos argumentos, convém suscitar o entendimento de Fredie Didier Jr. e Leonardo Cunha. Para eles, a data do trânsito em julgado é a da última decisão, ainda que esta seja um juízo de inadmissibilidade do recurso. Este entendimento privilegia a segurança jurídica, na medida em que enquanto não invalidado, deve produzir todos os efeitos jurídicos previstos para o caso em questão até o seu desfazimento, sendo o juízo de inadmissibilidade do recurso constitutivo negativo e, assim, com eficácia ex nunc.
Faz-se mister observar que integra o juízo de admissibilidade do recurso a decisão que registra em quais efeitos o recurso interposto deverá ser recebido. Deve, portanto, o juízo se pronunciar de ofício sobre isto, embora este seu pronunciamento poderá ser revogado, caso haja alguma equivocidade, a qual deverá ser corrigida de ofício ou por petição simples da parte, sem que seja necessário interpor novo recurso, de maneira a impedir a celeridade processual.
Questão sobre a qual há ainda muita discussão jurisprudencial diz respeito às ações conexas para as quais a lei estabelece regime recursal diverso. Para Nelson Nery, o recurso eventualmente interposto deve ser recebido em efeitos diferentes quanto aos capítulos que compõem a decisão recorrida. Este entendimento tem se consolidado no STJ, até porque, apesar da conexão, deve ser respeitado o que já fora predisposto quanto ao regime recursal para cada ação isoladamente, principalmente, como grande corolário da segurança jurídica propugnada em nosso sistema processual.
De acordo com a dicção do Art. 1.008. (“O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso”), é possível verificar que este efeito é produzido a partir do conhecimento do mesmo. Deste modo, se for conhecido, ainda que provido ou não, haverá como conseqüência a substituição da decisão recorrida por uma nova. Observa-se, desta maneira, que ainda que o Tribunal reitere ou confirme o pronunciamento da decisão recorrida, ainda assim haverá o efeito substitutivo.
É fundamental que o recurso, portanto, seja, ao menos, conhecido, posto que a decisão constitutiva negativa fruto da inadmissibilidade do recurso, como visto acima, faz com o recurso interposto deixe de produzir efeitos dentro e fora do processo, posto que há essencialmente uma sanção de invalidação, já que não foram cumpridos requisitos cogentes impostos na legislação processualística brasileira.
Enquanto Marinoni limita-se a afirmar que a decisão do juízo ad quem, qualquer que seja ela, irá substituir a decisão recorrida; Nelson Nery Junior, consagra em sua obra que só irá se operar o efeito substitutivo caso o recurso seja conhecido e julgado pelo mérito, o que ocorre quando for negado provimento ou dado provimento ao mesmo, hipótese de acolhimento do chamado error in judicando. Para este último autor, em caso de provimento de error in procedendo, em que haverá anulação da decisão recorrida, não haverá este efeito substitutivo.
No entanto, no caso de o Tribunal conhecer e dar provimento de um recurso que tenha a finalidade de anular a decisão recorrida, não haverá o efeito substitutivo, porque o acórdão do Tribunal não vai substituir a decisão recorrida, mas vai apenas anular a sentença, no intuito ou não de que seja proferida uma nova. Este é o chamado Efeito Reincidente.
Afora isto que foi dito acima, é de se notar que a substituição pode ser total ou parcial. Esta última ocorre quando a impugnação é parcial, pois dado o princípio dispositivo, ao Tribunal só é dado o poder de julgar nos limites estabelecidos nas razões do recurso, salvo as questões de ordem pública; e ocorre também quando o Tribunal limita-se a reconhecer parcialmente do recurso. Isto porque, como visto acima, o efeito substitutivo somente se opera quando o recurso é, ao menos, conhecido; assim, a parte não impugnada ou que não fora conhecida pelo Tribunal deve permanecer como proferida pelo juízo a quo.
2.1. Efeito substitutivo e competência para julgar ação rescisória
A importância do efeito substitutivo encontra-se, primordialmente, no que concerne à competência para julgamento da ação rescisória, visto que a mesma deve direcionar-se para a rescisão do acórdão proferido por Tribunal, que substituiu sentença recorrida. Assim, verifica-se que o pedido de rescisão de sentença de Tribunal a quo, diante da qual já foi conhecido recurso por Tribunal, este servirá como parâmetro para a ação rescisória, dado o efeito substitutivo. É igualmente importante para a impugnação da decisão por outras vias autônomas, determinando a competência para a apreciação da nova insurgência.
Cumpre relacionar, neste particular, o efeito substitutivo dos recursos com a ação rescisória. Observa-se, de antemão, que esta ação só poderá ser intentada perante Tribunal e que apenas pode ser rescindida por esta ação decisão de mérito; assim, se houver o conhecimento e improvimento do recurso contra sentença processual, com posterior trânsito em julgado, esta não está sujeita à ação rescisória. Deste modo, havendo substituição da decisão de mérito recorrida pela oriunda do juízo ad quem, também deve ser alterada a competência para julgamento da ação rescisória.
De acordo com o art. 1.013, §3º, que será visto posteriormente, é possível a resolução do mérito no próprio Tribunal. Deste modo, o acórdão conterá dois capítulos: o primeiro que irá cassar a sentença e o segundo para resolver o mérito no próprio Tribunal; contra este último capítulo, poderá, sim, ser intentada a ação rescisória, desde que o acórdão transite em julgado. Para o julgamento da rescisória, a competência funcional deverá ser verificada pelo exame do teor da matéria a ser rescindida por esta ação. Se a rescisória tratar de violação aos dispositivos tratados no feito originário e remetidos ao Tribunal Superior por força do efeito substitutivo, a competência funcional para a rescisória será deste Tribunal. Até porque se observa na Constituição que os Tribunais Superiores têm competência para rever seus próprios julgados, com a interposição de ação rescisória.
Por outro lado, deve-se atentar para os casos de recurso parcial, em que não foi dado ao Tribunal Superior conhecimento acerca da matéria que será objeto de ação rescisória. Nestes casos, a ação rescisória não será da competência do Tribunal Superior, posto que os argumentos, questões e fundamentos não chegaram a ser apreciados pelo tribunal superior, não estando sujeitos, portanto, ao efeito substitutivo. Assim, é possível afirmar que o Tribunal Superior só terá competência para julgar a ação rescisória quando este Tribunal analisar o mérito do recurso e quando a matéria contida na rescisória tiver sido posta à cognição deste Tribunal e houver manifestação do mesmo sobre ela.
É também de destacar as Súmulas 249[1] e 515[2] que fazem alusão à competência do Supremo para analisar a ação rescisória. De acordo com as referidas Súmulas, o STF só deverá julgar ação rescisória de acórdão que julgou a questão federal e, quando esta tiver sido efetivamente suscitada no pedido da rescisória.
Em suma, a competência para apreciação da ação rescisória será sempre de Tribunal. Segundo Marinoni, quando se trate de sentença prolatada por juiz de primeiro grau, o juízo competente para julgamento da rescisória será do tribunal imediata e hierarquicamente superior a este juízo, que poderá ser o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal. Se o julgamento a ser rescindido for de Tribunal, seja por causa de sua competência originária ou recursal, competirá ao próprio Tribunal prolator da sentença julgar a ação rescisória. Deste modo, observa-se que é extremamente importante verificar a competência preliminarmente para que a parte não perca o prazo bienal para a interposição da ação rescisória e também para que não haja sobrecarga indevida aos Tribunais Superiores, prestigiando assim o potencial julgamento de instâncias inferiores e a razoável duração do processo.
Doutrinariamente, divide-se o efeito expansivo em objetivo (interno e externo) e subjetivo. Este efeito significa, basicamente, que a decisão do Tribunal, ao substituir a decisão recorrida, ampliou, de um algum modo, esta decisão; teve, portanto, a decisão do Tribunal uma amplitude maior, sem que seja considerada uma decisão ultra petita. O julgamento do recurso pode ensejar, assim, uma decisão mais abrangente do que aquela objetivada no mérito do recurso. Está relacionado com a interdependência dos atos processuais, em que a seqüência na realização dos mesmos determina a formação de um procedimento.
O efeito expansivo objetivo interno repercute diretamente dentro do processo e atinge vários atos; deste modo, o efeito expansivo se dá relativamente ao mesmo ato impugnado. É exemplo do mesmo, segundo Nelson Nery, a possibilidade de o Tribunal dar provimento à preliminar de litispendência, atingindo todo o ato processual impugnado. Enquanto isso, no efeito expansivo objetivo externo, o disposto no acórdão repercute fora do processo e, não, em ato interno, podendo resultar, por exemplo, na extinção do processo por ilegitimidade da parte, ainda que isto não tenha sido objeto de pedido do recurso pela parte que o interpôs. Autoriza o entendimento de que este ato atingirá outros praticados no mesmo processo, sendo o caso, por exemplo, da execução provisória, em que recurso recebido apenas no efeito devolutivo, sujeita a execução a ser modificada posteriormente pela decisão a ser tomada pelo Tribunal.
Há também o efeito expansivo subjetivo, que ocorre quando a decisão do Tribunal beneficia e prejudica quem recorreu e outros que não fizeram parte do mesmo. Este efeito, na verdade, constitui uma exceção ao princípio da personalidade do recurso, que afirma que a interposição de recuso produz efeitos apenas para o recorrente. Um bom exemplo deste efeito é a formação de litisconsórcio unitário, quando apenas um dos litisconsortes recorre e, o eventual provimento deste, beneficiará o outro litisconsorte, posto que a decisão deverá ser igual para ambos, segundo dicção do artigo 117, CPC. Assim, através da figura do litisconsórcio, o efeito expansivo manifesta-se, pois expandirá a repercussão subjetiva do recurso, beneficiando aquele litisconsorte que não interpôs recurso.
Outro exemplo exposto por Fredie Didier é o caso da interrupção de prazo para a interposição de outros recursos evidenciada após a utilização de embargos de declaração, ainda que feito apenas por uma das partes. Neste caso, a interrupção do prazo beneficiará ambas as partes, não apenas aquela que efetivamente embargou.
Alguns doutrinadores acreditam que o efeito expansivo subjetivo não é propriamente um efeito do recurso, mas tão-somente uma regra de litisconsórcio; enquanto que o efeito expansivo objetivo interno também não seria efeito de recurso, sendo apenas uma lógica do sistema de nulidades, pois a decisão desfeita e os atos dela dependentes seriam atingidos.
O efeito suspensivo impede, efetivamente, que a decisão produza os seus efeitos ao suspender a eficácia da mesma, até que haja o seu trânsito em julgado. Apesar disto, existem casos determinados pela legislação processual, em que a decisão determinada pelo órgão judicante deverá ser imediatamente efetivada, sob o risco de tornar o provimento inócuo.
A questão principal sobre este efeito diz respeito ao momento a partir do qual ele se produz. Pela incoerência que seria a incidência de uma execução provisória de decisão que poderá ser recorrida em seu efeito suspensivo, consagrou-se na doutrina brasileira que diante de decisão para qual a legislação possibilite a interposição de recurso com efeito suspensivo, este se iniciará com a própria prolação da decisão e, não, com a interposição do recurso e nem a partir do momento em que o juiz conhece do mesmo. Resulta, deste modo, a suspensão da decisão da simples recorribilidade do ato. Só com o escoamento do prazo para a interposição do recurso ou a partir do momento em que a parte aceitar a decisão ou renunciar ao direito de recorrer é que se pode pensar em execução definitiva da decisão.
De acordo com as lições de Nelson Nery, só é possível atribuir-se suspensividade à decisão, antes de haver recurso contra a mesma, quando esta decisão puder ser alvo de recurso e se para este recurso estiver previsto o regime da suspensividade, pois caso contrário, não haveria motivos justificáveis para se obstar a produção imediata de efeitos e a eficácia da decisão, o que representaria um atentado contra a própria efetividade do processo e sua respectiva “razoável duração”. Deste modo, como dito, a eficácia da decisão fica sob condição suspensiva, ou seja, só será produzida caso não haja a interposição de eventual recurso recebido em seu efeito suspensivo.
Cabe observar também os casos em que há impugnação parcial. Nestes, apenas a parte impugnada será recebida no efeito suspensivo, devendo as demais partes, não impugnadas, serem passíveis de execução provisória. Também merecem os casos em que, não obstante a suspensividade do procedimento por causa do recurso, faz-se necessária determinada atitude do juiz para a conservação da coisa, assim como podem as partes ajuizar ação cautelar para garantir a efetividade do processo.
A hipoteca judiciária, efeito secundário da sentença, é um meio hábil para assegurar futura execução de sentença condenatória. Através dela, é gravado bem imóvel de propriedade da parte condenada em prol do vencedor para que a sentença seja eficaz. Deste modo, ainda que haja recurso com efeito suspensivo, o vencedor da demanda poderá utilizá-la contra o vencido na demanda.
Vale ressaltar que alguns doutrinadores, a exemplo de Barbosa Moreira, não concordam com a atribuição terminológica de “efeito suspensivo” a este fenômeno, pois passaria a ideia de que algo já estava em execução quando foi devidamente suspenso pelo recurso, o que não ocorre, de fato. Deste modo, sugerem, inclusive, a expressão “efeito obstativo” ou “efeito impeditivo”, porque o que acontece com a interposição de certos recursos é que obstam ou impedem a produção de efeitos.
A partir do que foi dito, é possível compreender o porquê da concessão de tutela antecipada em sentença. Concedida a tutela antecipada, está pode produzir de imediato seus efeitos, não ficando suspensa a satisfação da mesma pela simples recorribilidade do ato (sentença). Neste caso, afasta-se o efeito suspensivo quanto à concessão da tutela.
Merece consideração neste presente trabalho a comparação feita por Luiz Guilherme Marinoni, em sua obra, acerca do efeito suspensivo. Para o eminente doutrinador, há, na utilização deste recurso, um verdadeiro dilema entre segurança e tempestividade. A primeira está refletida no fato de a interposição do recurso impedir que a decisão impugnada produza já seus efeitos na pendência de decisão que poderá modificá-la. Não admitido o efeito suspensivo, no entanto, privilegia-se a tempestividade, pois a suspensão da eficácia da decisão pode fazer com que o tempo prolongado prejudique a parte que tem razão.
Na minha opinião, o segundo critério estaria de acordo com a razoável duração do processo e há certa imprecisão terminológica quando ao uso do termo “tempestividade”, posto que todos os recursos poderiam ser interpostos tempestivamente e, ainda assim, ferir o cânone constitucional da razoável duração do processo e a necessidade da rápida resolução dos litígios. De qualquer modo, devem ser observados no caso concreto os critérios elencados pelo CPC sobre a concessão das tutelas de urgência, para que não haja o risco de a “intempestividade”, prejudicar a satisfação da tutela pretendida em juízo e inviabilizar o resultado final do litígio.
Cabe também uma observação de que especificamente o fato de os embargos de declaração interromperem o prazo para a interposição de outros recursos, é chamado de Efeito interruptivo, embora os embargos de declaração também são recebidos no efeito suspensivo. Este efeito suspensivo, como visto acima, constitui regra que beneficia ambas as partes, expressando o efeito expansivo subjetivo do recurso.
Quanto ao recurso de agravo, verifica-se que a sua interposição não obsta o prosseguimento do processo; no entanto, por exceção, o relator pode conceder efeito suspensivo ao agravo de instrumento, nos termos do art. 1.019,I, CPC.
Nelson Nery, em sua obra, afirma com propriedade que as regras atinentes aos efeitos em que deve ser recebido o recurso são de ordem pública e as partes não podem sobre elas dispor. Sendo assim, a imprescindibilidade do requerimento da parte para a atribuição de efeito suspensivo deve ficar restrita a hipótese de agravo de instrumento supracitada e também ao que está determinado no artigo 1.012, CPC, no que tange ao recurso de apelação.
Por último, merece destaque a utilização de um remédio constitucional – o mandado de segurança – para se obter efeito suspensivo, quando, apesar da previsão deste efeito para o recurso interposto, o juízo, por abuso de poder, não o tenha concedido, ferindo, assim, direito líquido e certo do impetrante deste recurso. Ao impetrar o mandado de segurança, a parte pleiteará que a sustação dos efeitos do ato impugnado. Caso o ato não tenha ferido direito líquido e certo, será possível a utilização de uma tutela cautelar, desde que também sejam preenchidos os seus respectivos requisitos, como o fumus boni juris e o periculum in mora.
Antes de proceder a uma explanação acerca deste efeito, é possível reconhecer duas modalidades de efeito devolutivo. A primeira é o efeito devolutivo de argumentação livre, em que o recorrente está livre para argumentar o que quiser, respeitado os limites da causa de pedir, como é o caso da apelação. A segunda modalidade é o efeito devolutivo de argumentação vinculada, em que só é possível alegar aquilo que a lei permite, ou seja, um argumento específico é exigido. É exemplo disto, os Embargos de Declaração, em que o recorrente deve demonstrar, em suas razões de recurso, a obscuridade, omissão ou contradição existente na decisão recorrida.
Outra divisão elaborada pela doutrina separa o efeito em diferido e imediato. O primeiro expressa a ideia de que o efeito não se produzirá desde logo, mas será retardado para momento futuro, à exemplo do agravo retido. Deste modo, apesar de evitar a preclusão, o conhecimento da matéria envolvida no recurso não é devolvido ao Tribunal de imediato, pois se espera uma reiteração do pedido em momento posterior. Já o efeito devolutivo imediato opera-se em recursos que não sejam retidos e, tão logo interpostos, seu conhecimento é devolvido ao Tribunal, para que seja apreciado.
Após estas considerações preliminares sobre as modalidades do efeito devolutivo, é possível perceber, pelo que foi dito, que através dele será devolvido ao conhecimento do Tribunal matéria impugnada via recurso. O sentindo de “devolver” a matéria ao Tribunal possui uma razão histórica, que remonta aos tempos, em que inexistia a tradicional tripartição de poder e, ao Imperador, governante ou rei, era dado o poder de sempre rever as decisões dos juízes, posto que esta era função delegada a estes últimos. Caso houvesse inconformismo entre as partes sobre a decisão tomada por estes juízes, o poder de reapreciar, então, era devolvido ao Imperador, rei ou governante.
Há uma discussão muito pertinente feita na doutrina, até mesmo por esta razão histórica do efeito devolutivo, se o recurso, para que tenha o efeito devolutivo, deverá sempre ser remetido a órgão hierarquicamente superior. Para parte da doutrina, os embargos de declaração, por exemplo, não teriam efeito devolutivo, posto que não seriam dirigidos a órgão hierarquicamente superior, mas ao próprio órgão que já havia julgado, com o fito de esclarecer determinada questão.
Não obstante o entendimento desta corrente minoritária, da qual Luiz Guilherme Marinoni e Barbosa Moreira fazem parte, prevalece a concepção de que todos os recursos, até mesmo os Embargos de Declaração, apresentam efeito devolutivo. Isto porque o efeito devolutivo deve ser compreendido como efeito de transferência da matéria para outro órgão ou para o mesmo com o objetivo de renovar determinada apreciação. Acredito que esta concepção é coerente em relação ao entendimento moderno acerca do próprio efeito devolutivo e os postulados decorrentes do mesmo, não havendo motivo plausível para serem excluídos os Embargos de Declaração, perspectiva que seria completamente restritiva e inadequada. Este é também o entendimento de Nelson Nery, para quem o efeito devolutivo é comum e existe em todos os recursos do sistema processual civil brasileiro.
Deste modo, é importantíssimo o efeito devolutivo do recurso, principalmente, para que seja dada a oportunidade de reexaminar questão já discutida e, só através deste efeito, o Tribunal se torna competente para o reexame da matéria impugnada. Sem este recurso, a intromissão do Tribunal em questão decidida pelo juízo a quo seria completamente descabida e, acima de tudo, uma violação ao princípio do juiz natural.
De acordo com o artigo 1.013, CPC (“A apelação devolverá ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada”), o efeito devolutivo é determinado pelo recorrente, posto que este é quem delimita o que efetivamente será “devolvido” ao conhecimento do Tribunal. O caput do art. 515 trata, portanto, da extensão do efeito devolutivo. É possível fazer uma relação entre a extensão do efeito devolutivo e o princípio dispositivo, pois ao Tribunal só é dado o conhecimento das matérias que foram alvo de impugnação, sob pena de julgamento extra, citra ou ultra petita. Boa definição da extensão do efeito devolutivo encontra-se no famoso brocardo “tantum devolutum quantum appellatum”. Deste modo, o objeto da devolutividade é o mérito do recurso interposto pela parte ou, melhor, a extensão da cognição do Tribunal é delimitada exatamente pela extensão da impugnação.
Enquanto isso, os §1º e 2º trata especificamente da profundidade do efeito devolutivo, posto que com a impugnação de determinada matéria pelo recurso, o Tribunal deverá utilizar todo o material contido nos autos, como provas, petições, argumentos, para a elucidação do recurso, ainda que não haja referência sobre isto na decisão impugnada. Deste modo, todas as questões suscitadas e discutidas no processo poderão ser analisadas pelo Tribunal. É, portanto, uma referência sobre o material que será utilizado pelo Tribunal e é definida em lei, não fica sob disposição do recorrente a delimitação deste efeito para a cognição do Tribunal. Em suma, quanto aos fundamentos do pedido, que fora determinado pela parte recorrente, o Tribunal está livre para examinar todos, ainda que não tenham sido referidos nas razões do recurso.
Ainda sobre a profundidade do efeito devolutivo, observa-se que esta não se limita apenas às questões resolvidas na decisão recorrida, mas também deve abranger as que deveriam ter sido objeto de análise. Com isto, as questões de ordem pública, que podem ser examinadas de ofício, podem ser vistas pelo Tribunal, ainda que a parte recorrente não tenha feito menção sobre isto em seu recurso. As questões, que mesmo não sendo de ordem pública e foram suscitas, embora não tenha havido nenhum pronunciamento sobre as mesmas no juízo a quo, poderá o Tribunal examiná-las, como é o caso das questões acessórias, incidentais e outras presentes no fundamento do recurso.
Vale ressaltar que o efeito devolutivo pressupõe ato de impugnação pela parte recorrente; sendo assim, não há efeito devolutivo no reexame necessário, em que é transferido a órgão hierarquicamente superior o reexame da matéria que teve decisão desfavorável à Fazenda Pública. Por isto, é extremamente necessário que haja uma impugnação especificada pela parte, a fim de delimitar a matéria a ser devolvida ao Tribunal, para que este proceda à análise de tudo que ocorreu no processo, para fundamentar de maneira coerente seus fundamentos, ainda que a parte não haja indicado.
Merece comentário, em separado, neste presente trabalho a questão debatida pela doutrina à época do CPC/1973 sobre se o juiz de 1º grau, extinguir o processo com resolução do mérito, baseado na prescrição ou decadência, e houver uma apelação, o Tribunal poderá, afastando estas preliminares, julgar demais questões de mérito relacionadas ao processo?
Sobre a vigência do CPC anterior, alguns doutrinadores chegaram a afirmar que caso o Tribunal julgue outras questões de mérito, não analisadas pelo juízo a quo, estaria suprimindo a instância e, deste modo, deveria voltar para o juiz apreciar a questão. A segunda corrente, ao fundamentar sua tese na profundidade do efeito devolutivo, entendia que o Tribunal pode, sim, analisar outros elementos de mérito, eventualmente não verificados pelo juiz. O STJ, no entanto, acolheu um posicionamento intermediário, ao afirmar que afastada a prescrição e a decadência, o Tribunal pode examinar outros elementos de mérito e julgar a causa, desde que a causa esteja madura para o julgamento. Esta Teoria da Causa Madura diz respeito sobre a desnecessidade de nova produção de provas ou diligências para o esclarecimento das questões controvertidas.
O §3º do art. 515, CPC/1973, estendia este mesmo efeito (Teoria da Causa Madura) em relação às sentenças terminativas. Nestes casos, se o Tribunal afastar o motivo determinante para a prolação de sentença sem resolução do mérito, pode julgar desde logo, se a matéria for apenas de direito ou não exigir mais produção de provas. Nos casos concretos, a “maturidade” da causa deve ser aferida com muita cautela, principalmente para que não dê margem à alegação de cerceamento de defesa para aquele que sofra a sucumbência com a decisão do Tribunal. Esta medida adotada pelo CPC anterior, que confirma a possibilidade de o Tribunal conhecer “originariamente” da causa representou um grande avanço, no que tange à economia processual e a rápida resolução da lide, sem acarretar prejuízos para o contraditório e a ampla defesa.
A teoria da causa madura, é importante salientar, foi um dos pontos de grande alteração com o advento do CPC/2015, eis que foi deveras ampliada.
Com efeito, o §3º do art. 1.013 ampliou o leque de situações em que o Tribunal pode julgar o mérito, desde logo, sem necessitar retornar os autos para apreciação do Juiz de primeiro grau.
São três as novas hipóteses (incisos II, III e IV) em relação ao digesto processual anterior: II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
No ponto, merece destaque as lições de Daniel Assumpção Neves quando defende sua aplicação a outras espécies recursais, por ser o tema de teoria geral dos recursos e não restrito à apelação:
"Conforme se nota da expressa previsão do art. 1.013, § 3.º, I, do Novo CPC, a norma diz respeito à apelação, sabidamente uma das espécies recursais. Ocorre, entretanto, que parcela considerável da doutrina entende ser a regra pertencente à teoria geral dos recursos. Dessa forma, defende-se a aplicação da regra em todo e qualquer recurso, em especial no agravo de instrumento (...)" (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1.680)
Ademais, o §4º do mesmo artigo veio a positivar o entendimento do STJ sobre a aplicação da teoria da causa madura para os casos em que afastado o reconhecimento da prescrição ou decadência pelo Tribunal.
Alguns autores, como é o caso de Nelson Nery, chamam a profundidade do efeito devolutivo de Efeito translativo, embora sejam essencialmente a mesma coisa. Segundo o autor supracitado, este fenômeno ocorre toda vez que o Tribunal apreciar questão fora dos limites impostos pelo recurso. Bom exemplo disto, são as questões de ordem pública, porque devem ser apreciadas pelo Tribunal, ainda que nada sobre elas seja dito nas razões do recurso da parte que o interpôs, sem que seja uma decisão extra ou ultra petita.
Outros autores afirmam, no entanto, que este efeito – o translativo – não pode ser compreendido isoladamente, dependendo, sobremaneira, do efeito devolutivo para que o Tribunal possa conhecer das questões, pois se não existir a “devolutividade” via recurso, haverá usurpação de funções e supressão de instâncias, o que não é permitido em nosso ordenamento jurídico. De acordo com as lições de Fredie Didier, deve-se sempre observar que o efeito devolutivo limita e condiciona o efeito translativo.
Por último, vale ressaltar o entendimento de Nelson Nery Jr. e Marinoni sobre o efeito translativo. Para eles, este efeito seria uma exceção ao princípio do dispositivo, na medida em que as questões de ordem pública devem ser verificadas de ofício, ainda que a parte não tenha se manifestado sobre a mesma em suas razões de recurso. Deste modo, o efeito translativo não se confundiria com o efeito devolutivo em sentido estrito. Para Marinoni, o efeito translativo opera-se ainda que não haja expressa manifestação de vontade do recorrente.
Enquanto isto, para os que negam autonomia a este efeito, como é o caso de Barbosa Moreira, ressalvam o fato de a matéria apreciada de ofício está inclusa no efeito devolutivo. É aceito majoritariamente que a aferição destas questões de ordem pública é condicionada pela extensão do efeito devolutivo. Deste modo, pode-se dizer que em casos de recurso parcial, os vícios contidos na parte não impugnada só poderão ser corrigidos por ação rescisória, posto que o reconhecimento destas questões de ordem pública está limitado ao pedido do recorrente.
Por conseguinte, acredito que o entendimento de Barbosa Moreira é mais coerente com a sistemática processual, visto que só poderá haver manifestação pelo juízo ad quem, de matéria que foi submetida à sua cognição. É inegável que este efeito está limitado pelo efeito devolutivo, posto que, para que o Tribunal possa ter acesso às questões de ordem pública, a matéria deve ao menor ter sido transferida para o outro órgão, para que seja objeto de reapreciação.
6. EFEITO REGRESSIVO OU EFEITO DE RETRATAÇÃO E EFEITO DIFERIDO
Este efeito é uma decorrência do efeito devolutivo, no entanto tem a peculiaridade de tratar apenas da “devolutividade” para o próprio órgão a quo, como é o caso do agravo de instrumento, da apelação contra sentença que indefere a petição inicial e a apelação propostas em causas reguladas pelo ECA. Como o próprio nome diz, através destes recursos supracitados, o órgão a quo poderá fazer um juízo de retratação sobre decisão já tomada.
Enquanto isso, o efeito diferido ocorre quando para a apreciação de um recurso for necessário o recebimento de outro. A eficácia do recurso fica diferida no tempo, ou seja, não será produzida de imediato, mas posteriormente quando houver momento oportuno para a interposição de outro recurso, que será fundamental para o julgamento do primeiro. Isto ocorre, por exemplo, com a interposição de apelação adesiva, cuja eficácia depende do conhecimento da apelação; assim como é da própria essência dos recursos adesivos.
Em relação ao agravo retido e a apelação, em que a doutrina majoritariamente aceita que deve haver uma reiteração deste com a interposição da apelação, caso ainda permaneça o interesse da parte em modificar a decisão; Nelson Nery Júnior entende que, ainda que a parte não interponha uma apelação contra a sentença, o recurso de agravo retido deve ser julgado, principalmente se a parte que o interpôs, ao final, sucumbir.
Há um setor da doutrina, na qual se inclui Ada Grinover, que entende que efeito regressivo e efeito diferido são semelhantes, pois a devolução do exame ao Tribunal encontra-se diferido no tempo, já que somente ocorrerá se o juízo a quo não se retratar diante de recurso interposto pela parte. Acredito que razão assiste a ela, posto que com o juízo de retratação negativo do juízo a quo, o ad quem, poderá analisar o mérito do recurso, desde que condicionado a interposição de novo recurso.
7. Conclusões
Extrai-se, assim, que conhecer os efeitos recursais é de vital importância em nosso sistema processual para que as partes possam exercer um controle sobre o pronunciamento dos juízes e, ainda que indiretamente, sobre a própria atividade estatal.
Em síntese, o efeito suspensivo visa impedir a eficácia imediata das decisões, o efeito devolutivo que delimita a matéria a ser analisada pelo tribunal, o translativo que possibilita, independentemente de provocação, a análise de matérias de ordem pública, o efeito expansivo possibilita que a decisão ultrapasse os limites da matéria impugnada e o efeito substitutivo que tem o condão de apontar qual a competência para análise da ação rescisória, por definir em que momento ocorreu a formação da coisa julgada material.
8. Referências
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. São Paulo: RT.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2013
DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: Editora JusPODIVM, v.3, 15ª edição revista, ampliada e atualizada, 2018.
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. V.3 São Paulo: Malheiros, 2009
MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO, D. O Novo Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004,
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC comentado. Salvador: Juspodivm, 2016
[1] STF Súmula nº 249 - 16/12/1969 - Competência para Julgamento da Ação Rescisória - Questão Federal Controvertida Já Apreciada pelo STF
É competente o Supremo Tribunal Federal para a ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida.
[2] STF Súmula nº 515 - 03/12/1969 - Competência para a Ação Rescisória - Questão Federal Apreciada no Recurso Extraordinário ou no Agravo de Instrumento Diversa da Suscitada
A competência para a ação rescisória não é do Supremo Tribunal Federal, quando a questão federal, apreciada no recurso extraordinário ou no agravo de instrumento, seja diversa da que foi suscitada no pedido rescisório.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho pela ESMATRA 6. Servidora Pública Federal - TRT da 6ª Região<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSIMIRO, Andrezza Albuquerque Pontes de Aquino. Efeitos dos recursos no novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51859/efeitos-dos-recursos-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 22 dez 2024.
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