ÊNIO WALCÁCER DE OLIVEIRA FILHO[1]
(Orientador)
Resumo: O presente artigo terá como objetivo estudar e conceituar o crime de estupro, bem como o crime de estupro de vulneráveis, correlacionando-os com os desafios encontrados para a produção de provas e as dificuldades probatórias quando da apuração dos fatos. Serão abordados os meios de provas usados para investigar estes crimes, ao mesmo tempo em que será demonstrado os impedimentos existentes para elucidar e solucionar esses fatos tão corriqueiros na sociedade, pois diariamente pessoas se tornam vítimas desse abuso, principalmente crianças e jovens vulneráveis. O estudo apresenta ainda, mesmo que sucintamente, as formas como estes crimes geralmente ocorrem, ou seja, são presenciados apenas pela vítima e pelo agressor, havendo ausência de testemunhas. Desta forma, portanto, processos vão se delongando na justiça, sem a obtenção de resultados realmente contundentes, e mesmo que atinja tais resultados, os magistrados encontram dificuldade na hora de proferir sentenças penais, pois há um desafio na elaboração de teses para condenar o indivíduo.
Palavras-Chave: Crime de estupro; produção probatória; vulneráveis.
Abstract: The purpose of this article is to study and conceptualize the crime of rape as well as the crime of rape of the vulnerable, correlating them with the challenges encountered for the production of evidence and the probationary difficulties in the investigation of the facts. The means of evidence used to investigate these crimes will be addressed, while at the same time demonstrating the existing impediments to elucidating and solving these very common occurrences in society, as daily people become victims of such abuse, especially vulnerable children and young people. The study also presents, even briefly, the ways in which these crimes usually occur, that is, they are witnessed only by the victim and the aggressor, and there are no witnesses. In this way, therefore, prosecutions are progressing in justice, without obtaining really conclusive results, and even if it achieves such results, magistrates find it difficult to pronounce sentences, since there is a challenge in the elaboration of theses to condemn the individual.
Keywords: Rape Crimes; probative production; vulnerable.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITUAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO. 3. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. 4. MEIOS DE PROVAS ADMITIDOS E USADOS NA INVESTIGAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO. 5. O CRIME DE ESTUPRO E SUA PROBLEMÁTICA QUANTO AO SEU SISTEMA PROBATÓRIO. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 7. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O crime de estupro é um problema frequente na sociedade, pois diariamente pessoas se tornam vítimas desse abuso, todavia muitas vezes acabam por ficar impune devido haver uma grande dificuldade na apuração dos fatos e, posteriormente, em conseguir provar a materialização deste crime. Esta dificuldade na apuração do delito em questão se dá por ser um crime que ocorre às escondidas, sem a presença de quaisquer testemunhas, sendo presenciado apenas pela vítima e pelo agressor e ainda, mesmo que haja a realização de exames de corpo de delito, estes ficam prejudicados por seus vestígios desaparecerem rapidamente, havendo assim um grande desafio probatório. É um dos crimes mais bárbaros existentes, visto que consiste em uma violação direta à liberdade sexual.
Sendo assim, o presente artigo tem como tema o crime de estupro, com previsão legal nos artigos 213 e 217-A, ambos do Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 12.015 de 7 de agosto de 2009, e os desafios na produção e concretização de provas para se caracterizar tal crime. Será abordado toda a conceituação destes crimes e os meios de provas admitidos em sua investigação, proporcionando uma reflexão na dificuldade que se há em usar estas provas para elucidação quando da existência de fatos concretos.
Há, portanto, uma grande importância em estudá-lo, pois é um crime que causa muita dor física e emocional na vida de quem sofre-o, causando uma devastação psicológica significativa a ponto de, muitas vezes, tornar o individuo propício a desenvolver até doenças psicológicas e caráter deflagrado.
Deste modo, os motivos para explorar este assunto, que será feito através de revisões bibliográficas e demais artigos, é a consideração que se deve ter com essas ocorrências, já que se encontra no rol dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990), e que o Estado é responsável por zelar pela dignidade e saúde da sociedade, punir através da polícia judicial que investiga o fato delituoso, e do Ministério Público, que exerce o direito à Ação Penal, desta forma passando a haver a necessidade de colher provas, sendo que essa colheita probatória ocorre primeiro sob a direção da autoridade policial – no Inquérito Policial – e, após, sob o princípio do contraditório e da ampla defesa, na Ação Penal.
2. CONCEITUAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO
O crime de estupro caracteriza-se como uma violação física, baseando-se em uma agressão sexual, em que pode envolver tanto a relação sexual como também atos libidinosos contra uma pessoa, sem que esta venha a consentir. Consoante assevera Capez (2012, p. 43) que estuprar, na nova definição legal significa “Constranger significa forçar, compelir, coagir alguém a: (a) ter conjunção carnal; ou (b) a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.”
Com redação dada pela Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009, ao art. 213, do Código Penal Brasileiro, o crime de estupro constitui-se no fato de o agente “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”. (BRASIL, 2009) Sendo assim, este delito é constituído quando há um constrangimento, mediante ameaça ou violência, podendo ser direcionado a qualquer pessoa, para ter atos libidinosos ou conjunção carnal. Este crime é considerado hediondo, mesmo que de forma tentada, segundo a Lei Nº 8.072/1990, art. 1º, V.
Originalmente, o crime de estupro, previsto no artigo 213, do CP, tutelava sobre a liberdade sexual da mulher, ou seja, a característica principal deste delito sempre foi o constrangimento da mulher a manter conjunção carnal sem o seu consentimento. Entretanto, depois de sua alteração pela Lei 12.015/2009, este dispositivo legal passou a abarcar a defesa da liberdade sexual de toda e qualquer pessoa, independentemente de ser do sexo feminino ou masculino, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso. Desta forma, as características que integravam, também, o crime previsto no artigo 214, do CP (revogado pela Lei 12.015/2009), que previa a conduta delitiva de atentado ao pudor, passaram ambas, a constituir o crime de estupro. (CAPEZ, 2015, p. 40-41)
Sendo assim, o estupro abarca qualquer tipo de ato libidinoso e conjunção carnal, que seja direcionado a pessoa, sendo mulher ou homem, que seja ocorrido de forma forçada. O verbo constranger significa compelir, forçar e coagir alguém a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. A conjunção carnal trata-se da penetração do membro viril na vagina, enquanto ato libidinoso abrange diversas formas de realização do ato sexual, ou seja, atos sexuais que sejam direcionados a satisfazer desejos e lascívia, ambos sob o emprego de força física, violência e grave ameaça que seja capaz de impedir a livre liberdade sexual da vítima. Segundo Capez (2015, p. 43):
compreende outras formas de realização do ato sexual, que não a conjunção carnal. São os coitos anormais (por exemplo, a cópula oral e anal), os quais constituíam o crime autônomo de atentado violento ao pudor (CP, antigo art. 214). Pode-se afirmar que ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido. Não se incluem nesse conceito as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere a ato, ou seja, realização física concreta.
O estupro é ainda, um delito material. Na hipótese de conjunção carnal pode ser consumado com a introdução completa ou incompleta do pênis na vagina, podendo ser também reconhecido sua tentativa caso o agente tenha tentado praticar o ato, não conseguindo por circunstâncias alheias a sua vontade, como por exemplo, se a vítima conseguir fugir ou se desvencilhar antes que o agente possa consumar o ato. Já na hipótese de ato libidinoso pode ser consumado com atos diversos da cópula vagínica, quando a vítima pratica em si, no agente ou em terceiros empregando violência ou ameaça, não conseguindo realizar por situações alheias a sua vontade, consistindo assim como crime tentado.
No que concerne à violência ou grave ameaça temos que:
A violência moral é aquela que age no psíquico da vítima e cuja força intimidatória é capaz de anular sua capacidade de querer. A lei faz menção a ameaça grave, isto é, o dano prometido deve ser maior que a própria conjunção carnal ou a prática do ato libidinoso, não tendo a vítima outra alternativa senão ceder à realização do ato sexual. O mal prometido pode ser direto (contra a própria vítima) ou indireto (contra terceiros ligados à vítima); justo (denunciar crimes praticados pela vítima) ou injusto (anunciar que vai matá-la); e deve ser analisado sob o ponto de vista da vítima, ou seja, tendo em conta suas condições físicas e psíquicas; uma senhora de idade, um enfermo ou uma criança são muito mais suscetíveis que uma jovem que possui plena capacidade física e mental. Cada caso exigirá uma análise individual. (CAPEZ, 2015, p. 50)
Não trata-se, portanto, de uma violência qualquer, exige-se um pressuposto dissenso da vítima concomitante à uma violência apta a anular esse dissenso por coação, um dano que seja prometido por meio de violência mais grave do que a prática do ato libidinoso ou a conjunção para a vitima.
Este crime trata-se, portanto, de um delito comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa e sendo realizado por vários atos, tendo como elemento subjetivo o dolo, já que esta tipificação não prevê modalidade culposa.
Importante ressaltar ainda que, nem todo ato libidinoso pode afigurar-se como tipificado no crime em comento, deve-se observar sempre a proporcionalidade para que não se impute em excesso uma conduta de menor relevância penal, como, por exemplo, um beijo “roubado” de forma lasciva, ou mesmo o “passar as mãos” em uma pessoa vestida em um local público, sem maiores gravames, neste sentido Bitencourt (2015, p. 859) defende que:
A diferença entre o desvalor e a gravidade entre o sexo anal e oral e os demais atos libidinosos é incomensurável. Se naqueles a gravidade da sanção cominada (mínimo de seis anos de reclusão) é razoável, o mesmo não ocorre com os demais, que, confrontados com a gravidade da sanção referida, beiram as raias da insignificância. Nesses casos, quando ocorre em lugar público ou acessível ao público, deve desclassificar-se para a contravenção do art. 61 (LCP) ou deve declarar-se sua inconstitucionalidade, por violar os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da lesividade do bem jurídico
Como frisamos, o desvalor das condutas mínimas, ainda que possam se afigurar coo atos libidinosos, não se afiguram proporcionais quando subsumidas ao disposto no art. 213 CP, devendo-se, nestes casos, serem desclassificadas para o art. 61 da Lei de Contravenções Penais.
3. ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Igualmente, há ainda, advindo da Lei 12.015/2009, o crime de estupro de vulnerável, conforme disposto no Capítulo II do Código Penal, no artigo 217-A, que prevê o estupro cometido contra pessoa vulnerável, como menor de 14 (quatorze) anos, pessoas doentes, ou ainda que de alguma forma tenha a impossibilidade de consentir com o ato. De acordo com Capez (2015, p. 75), “o estupro cometido contra pessoa sem capacidade ou condições de consentir, com violência ficta, deixou de integrar o art. 213 do CP, para configurar crime autônomo, previsto no art. 217-A, sob a nomenclatura “estupro de vulnerável”“. Trata-se, portanto, de:
Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 2º (Vetado.) § 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4º Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (BRASIL, 2009)
Ressalta-se que, vulnerável é qualquer pessoa em situação de fragilidade ou perigo. Sendo assim, a lei não se refere à capacidade para consentir ou à maturidade sexual da vítima, mas o fato de se encontrar em situação de fraqueza moral, social, cultural, fisiológica, biológica etc. Uma jovem menor, sexualmente experimentada e envolvida com prostituição, mesmo que prematuramente envolvida e precocemente amadurecida, não se afirma que seja incapaz de ter consciência do ato, porém é considerada vulnerável dada a sua condição de menor sujeita à exploração sexual (CAPEZ, 2015, p. 76).
Desta forma, portanto, vulneráveis são os menores de 18 (dezoito) anos, mesmo que tenha maturidade prematura, havendo assim uma necessidade de proteção estatal.
Capez (2015, p. 76) afirma que:
Incluem-se no rol de vulnerabilidade casos de doença mental, embriaguez, hipnose, enfermidade, idade avançada, pouca ou nenhuma mobilidade de membros, perda momentânea de consciência, deficiência intelectual, má formação cultural, miserabilidade social, sujeição a situação de guarda, tutela ou curatela, temor reverencial, enfim, qualquer caso de evidente fragilidade.
Esta modalidade delitiva é classificada como crime comum, onde o sujeito passivo é o indivíduo menor de 14 anos ou ainda aquele que apresentar enfermidade ou algum tipo de deficiência, não havendo o discernimento para a prática do ato; e como sujeito ativo, por se tratar de crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa, sendo o elemento subjetivo o dolo, haja vista ser constituído pela vontade de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com pessoa nas condições previstas no caput ou § 1º do artigo.
4. MEIOS DE PROVAS ADMITIDOS E USADOS NA INVESTIGAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO
O tema da prova é uma das mais importantes fases do processo na medida em que se verificam a veracidade das pretensões das partes, sendo que é fundamental para a obtenção de uma verdade mais aproximada possível da realidade e consequentemente para a prolação de uma decisão mais justa. Desta forma, as provas mais usadas na investigação dos crimes de estupro são as provas testemunhais e o exame de corpo de delito, tendo em vista que este crime tecnicamente deixa vestígios e a outra forma de buscar um melhor esclarecimento acerca dos fatos é por meio dos depoimentos orais das testemunhas e da vítima.
A lei prevê, no artigo 158, do Código de Processo Penal, que nos casos em que “a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado” (art. 158, CPP). Ou seja, nas hipóteses onde o crime deixar rastros, este deve ser investigado através de prova pericial, mais precisamente por meio do exame de corpo de delito, pois segundo este artigo, não deverá ser suprida pela confissão do acusado. Esta é uma regra excepcionada pelo princípio da verdade real, tratando-se de adoção excepcional do sistema da prova legal, pois o julgador não pode buscar a verdade por nenhum outro meio de prova. Isso quer dizer que quando a perícia for possibilitada de ser realizada, e esta não ocorrer, ocasiona nulidade de qualquer outro meio de prova produzida (CPP, art. 564, III, b), consequentemente, a absolvição do incursado, de acordo com o artigo 386, VIII, do CPP.
Deste modo, a prova pericial é uma prova técnica, realizada por um profissional perito oficial ou nomeado, sendo estes servidores públicos e concursados, os quais possuem saber científico e técnico para realizar o laudo do exame, como assim prevê o Código de Processo Penal em seu artigo 159.
Prevê o artigo 159, o seguinte:
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.
§ 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.
§ 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.
§ 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.
§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:
I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar;
II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.
§ 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.
§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico. (BRASIL, 1942)
Dentre as provas periciais a mais importante é o exame de corpo de delito, que é, segundo Lopes (2015, p. 431), “o exame técnico da coisa ou pessoa que constitui a própria materialidade do crime (portanto, somente necessário nos crimes que deixam vestígios, ou seja, os crimes materiais)”. Deste modo, o corpo de delito é constituído pelos vestígios deixados pelo crime, sendo que este se refere tanto à materialidade do fato principal, quanto as eventuais qualificadoras.
Lopes (2015, p. 432) destaca ainda que, “a confissão do acusado não é suficiente para comprovação da materialidade do delito, sendo indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto, sob pena de nulidade do processo (art. 564, III, “b”, do CPP)”.
Outro meio de prova usado é a prova testemunhal, pois é a partir desta que as partes argumentam e contam os fatos ocorridos. Nesse contexto, a admitida prova testemunhal “é um meio de prova através do qual quem teve percepção sensorial sobre um fato criminoso imputado ao acusado depõe em juízo, principalmente sobre o que viu, ouviu, ou percebeu através do paladar, tato ou olfato” (NICOLITT, 2016).
Pondera Pacelli (2016, p. 414) que:
Todo depoimento é uma manifestação de conhecimento, maior ou menor, acerca de um determinado fato. No curso do processo penal, a reprodução desse conhecimento irá confrontar-se com diversas situações da realidade que, consciente ou inconscientemente, poderão afetar a sua fidelidade, isto é, a correspondência entre o que se julga ter presenciado e o que se afirma ter presenciado.
Ressalta-se ainda que, segundo Pacelli (2016, p. 415):
[...] Muitas vezes prolongamento das investigações criminais e do próprio curso da ação penal impedirá uma atuação mais eficaz da memória do depoimento, com o que a sua convicção da realidade dos fatos apurados já não será tão segura.
Por fim, no plano do consciente e do inconsciente individual, a gravidade dos fatos, as circunstâncias do crime, bem como diversos outros fatores ligados à pessoa do acusado ou da vítima e à própria formação moral, cultural e intelectual do depoente poderão também influir no espírito e, assim, no discernimento da testemunha.
Desta forma, devido a grande quantidade de tempo em que a instrução processual percorre, muitas vezes se passando anos nesta mesma fase instrutória judicial, ocorrendo inclusive várias audiências de instrução para que possa-se colher as provas testemunhais das partes envolvidas, após o fato ter ocorrido para poder ser concluído a sua fase instrutória processual e consequentemente o seu julgamento, isto acaba por prejudicar os depoimentos da vítima, e testemunhas caso haja estas.
5. O CRIME DE ESTUPRO E SUA PROBLEMÁTICA QUANTO AO SEU SISTEMA PROBATÓRIO
O crime de estupro e o estupro de vulnerável correspondem em um grave tipo de crime que por muitas vezes não deixam vestígios, durante sua tentativa, ou mesmo havendo sua consumação, os vestígios desaparecem rapidamente em decorrência do tempo, dessa forma torna-se extremamente difícil à colheita de provas com a vítima que sofreu o abuso sexual.
Sendo assim, a prova desses crimes é produzida essencialmente com o exame de corpo de delito, e na hipótese de tentativa, em que não chega a haver a conjunção carnal, dificilmente restam elementos a serem periciados junto à ofendida, e, mesmo havendo consumação, os resquícios podem ter desaparecido com o tempo, ou podem nem sequer ter ocorrido como na hipótese de mansa submissão após o emprego de grave ameaça, ou ainda quando não há ejaculação do agente, só para citar alguns exemplos. (CAPEZ, 2015). É indiscutível portanto, que nem sempre é possível comprovar a materialidade do crime realmente através deste exame, visto que os rastros somem rapidamente e, principalmente, em casos em que a vítima sofre apenas atos libidinosos.
Já decidiu o STF que:
o fato de os laudos de conjunção carnal e de espermatozoide resultarem negativos não invalida a prova do estupro, dado que é irrelevante se a cópula vagínica foi completa ou não, e se houve ejaculação. Existência de outras provas. Precedentes do STF. (STF, HC 74.246-SP, 2ª Turma, Rel.Min. Carlos Velloso, DJU, 13-12-1996, p. 50165.)
Outra questão, para além do ato libidinoso ou da conjunção carnal a ser analisada quando do cometimento do crime de estupro é a presença de vestígios de utilização de violência no ato, neste sentido o Superior Tribunal de Justiça se manifestou nos seguintes termos:
Habeas corpus. Processual Penal. Estupro. Sentença condenatória: alegação de insuficiência de provas para a condenação. Palavra da vítima: valor probante. Conquanto tenha o laudo pericial registrado apenas a ocorrência de conjunção carnal, não fazendo alusão à ocorrência de violência, não está o juiz obrigado a acatá-lo e absolver o réu, desde que outros elementos de convicção, especialmente a palavra da vítima — de crucial importância nesse tipo de delito — corroborada por harmônica prova testemunhal conduzem o magistrado a um seguro juízo de condenação. Ademais, a via do h. c. não se mostra idônea para se pretender a absolvição do réu por insuficiência de provas. (STJ, HC 10.852-PR, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 21-10-1999, DJ, 22-11-1999, p. 173)
O que verifica-se neste julgado é a relevância da palavra da vítima para a comprovação do ato de violência, que não necessariamente deve ser física, muitas vezes ocorrendo como coação moral que se torna irresistível à vítima, quando o seu depoimento é corroborado por outros meios de prova, a palavra da vítima tem essencial relevância como meio apto à condenação.
Atualmente, ainda como meio de produção de prova essencial, temos a genética forense, a possibilidade de se colher material genético que ligue à autoria do fato, não somente no caso do esperma, mas também fios de cabelo, resíduos de pele do autor nas unhas da vítima que tentou defender-se da injusta agressão, saliva, manchas de sangue, etc. A comparação do material que consiga ser recolhido de imediato quando do atendimento da vítima é essencial como elemento de prova apto a configuração da autoria delitiva. Contudo, em face do princípio da não auto incriminação, o suspeito não tem a obrigação de fornecer elementos de seu próprio corpo para a comparação genética, sendo que, neste caso de recusa, esta mesmo pode servir de elemento de convicção que seja apto a ensejar uma condenação do réu, invertendo-se, neste caso, o ônus probatório e gerando, como convicção uma presunção de autoria do acusado, que poderá afastar essa presunção fornecendo material genético (fio de cabelo, saliva, sangue) para comprovar a sua inocência. (CAPEZ, 2012, p 68)
De outra banda, para se comprovar a materialidade do crime de estupro através da prova testemunhal também não é fácil, pois geralmente o fato não é presenciado por testemunhas, sendo efetuado na clandestinidade, em locais desabitados, ermos e de acesso precário, ou até mesmo no próprio seio do ambiente familiar, com a presença apenas do autor do crime e sua respectiva vítima, sendo a vítima interpelada sempre de surpresa, com chances de defesa quase nulas, restando desta forma apenas a palavra desta. Entretanto, apesar da contundência de seu depoimento, ela pode se tornar contaminada devido ao transcurso de tempo, pois muitas vezes esses casos são descobertos momentos depois e pode gerar esquecimento, em razão do trauma psicológico ocorrido à vítima, restando exclusão de fatos ocorridos quando da consumação do fato, restando assim seu depoimento prejudicado. Portanto, nesses delitos sexuais, especialmente, o depoimento da vítima e das possíveis demais testemunhas pode se tornar prejudicado.
Nestes termos, verifica-se que a palavra da vítima, nestes crimes, tem especial relevo, exatamente pela dificuldade probatória que circundam essa espécie de crime, e pelas características de que são cometidos, via de regra, em locais ermos, afastado da vista de testemunhas, impossibilitando a formação do conjunto probatório robusto, nestes termos:
Nos delitos contra os costumes, a palavra da ofendida avulta em importância [...] Nessas condições, é muito evidente que suas declarações, apontando o autor do crime que lhe vitimou, assumem caráter extraordinário, frente às demais provas. Não seria razoável e nem é comum que a pessoa com essas qualidades viesse a juízo cometer perjúrio, acusando um inocente de lhe haver constrangido à conjunção carnal ou a ato libidinoso outro qualquer. Por isso, sua palavra, enquanto não desacreditada por outros meios de prova, digamos, vale como bom elemento de convicção. (ROCHA, 1999, p. 355)
Entendemos, para o bojo do sistema probatório, que não se pode imputar ao modo de vida levado pela vítima qualquer relação com o crime sendo que, em todos os casos a palavra da vítima, independentemente de seu histórico ou vida sexual, adquirirá extrema relevância, ainda que não seja permitido o uso exclusivo desta, descolada dos outros elementos probatórios, para a configuração do crime.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os crimes de estupro ocorrem sobremaneira no meio da sociedade e desta forma é necessária a comprovação destes, através dos meios de provas admitidos no ordenamento jurídico pátrio, para que magistrados e julgadores possam proferir decisões e sentenças justas ao caso concreto.
Destarte, o caminho para elucidação dos fatos concretos acontece pelos meios de provas existentes, os quais são, de forma geral, o meio pelo qual se materializa a instrução do processo. Sendo assim, há inúmeros desafios e dificuldades encontradas durante este caminho, as quais se devem pelos únicos e possíveis meios de provas existentes, meios estes que acabam sendo insuficientes para conseguir provar a materialização do fato. O primeiro seria pela questão de que como não se é revelado no momento do ato à consumação do crime, o exame de corpo de delito resta prejudicado, visto que não há possibilidade de se descobrir lesões ou sinais de vestígios de abuso sexual, tampouco materiais genéticos do agressor.
Desta forma, para se caracterizar este crime, não é obrigatório haver a conjunção carnal, tornando-se difícil e quase impossível o exame pericial possibilitar a comprovação de tal ato. Há então a prova testemunhal, que não obstante, também é escassa e não oferece a comprovação necessária.
De outro modo, por ser um crime consumado sem testemunhas, resta apenas o depoimento da vítima, desta forma trata-se uma batalha entre a materialidade e a contundência de tais provas, pois sempre devem ser levados em consideração os princípios previstos no ordenamento jurídico como o do in dubio pro reu, da presunção da inocência e da ampla defesa pelo julgador na hora de concluir um entendimento para proferir sentença condenatória.
Ainda há o fato de que este crime quando materializado, na maioria das vezes só é descoberto momentos ou até meses e anos depois, fazendo com que os únicos meios de provas cabíveis que indiciaram a prática de tal ato, como o exame de corpo de delito, não encontre vestígios nem lesões, restando inconclusivo para exames que poderiam identificar a autoria, sobrando apenas a palavra e depoimento da vítima que, muitas vezes, se torna prejudicada pelo fato de se sentir constrangida ao narrar o fato.
Conclui-se, portanto, que os crimes de estupro, apesar de serem bastante corriqueiro no meio social, possuem inúmeros desafios para se produzir e concretizar as provas durante o cursar do processo, visto as particularidades de cada meio de prova, conforme já explicitado neste artigo, ficando o julgador muitas vezes de mãos atadas quando da formação de seu convencimento para decidir e julgar um processo.
REFERÊNCIAS
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[1] Ênio Walcácer de Oliveira Filho. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Especialista em Ciências Criminais e Direito Administrativo pela UFT. Professor da Sociedade de Ensino Serra do Carmo, na cadeira de Processo Penal e professor convidado de Direito Penal I e II na UFT. Membro do Conselho Editorial da Revista Vertentes do Direito – UFT. Associado do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito e Delegado da Polícia Civil do Tocantins.
Bacharelanda do curso de Direito pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Lídia Lustosa de. Crimes de estupro: os desafios para produção e concretização de provas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51901/crimes-de-estupro-os-desafios-para-producao-e-concretizacao-de-provas. Acesso em: 23 dez 2024.
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