CRISTIANE DORST MEZZAROBA[1]
(Orientadora)
RESUMO: O estudo tem por objetivo analisar a eficácia do Instituto da Colaboração Premiada como meio de prevenir e proteger a sociedade da ação das organizações criminosas. Foi utilizada a metodologia bibliográfica e documental para a realização da pesquisa, constatando-se que, se vive em meio a constante globalização e juntamente com ela, vestindo-se de tecnologias avançadas, está a criminalidade se adequando ao momento e à territorialidade que ocupam. O Instituto oferece ao poder judiciário uma forma privilegiada e mais célere de obter informações, do que os mecanismos de investigações existentes na atualidade, em troca disso concede ao colaborador benefícios legais que vão desde a redução da pena até o perdão judicial, caso ele tenha colaborado de forma voluntária e eficaz. No estudo se verificou que a colaboração premiada face ao crime organizado tem como o intuito desmantelar as organizações criminosas, tendo em vista que normalmente as pessoas que são presas não tem poder algum de mando, e o encarceramento dessas pessoas não afetaria em nada o fim da organização criminosa. O Direito Penal então, buscando tornar efetivo o combate ao crime, criou o instituto da colaboração premiada nos crimes que envolvem organizações criminosas.
Palavras-chave: Colaboração premiada. Organização criminosa. Lei n° 12.850/2013
ABSTRACT: The study of this paper is to analyze the effectiveness of the Institute for Awarded Action as a means of preventing and protecting society from criminal organizations. The bibliographical and documentary methodology was used to carry out the research, stating that if one lives in the midst of constant globalization and together with it, using advanced technologies, crime is adequate to the moment and the territoriality they occupy. The Institute offers the judiciary a privileged and faster way of obtaining information, than the existing investigative mechanisms, in exchange of this gives the collaborator legal benefits ranging from reducing the sentence to judicial forgiveness, should he have collaborated voluntarily and effectively. The study found that the award-winning collaboration in the face of organized crime is intended to dismantle criminal organizations, since normally prisoners do not have any command power, and their incarceration would not affect the end of the crime. organization. The Criminal Law, therefore, seeking to make effective the fight against crime, created the institute of collaboration awarded in crimes involving criminal organizations.
Keywords: Award-winning collaboration. Criminal organization. Law nr. 12.850 / 2013.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA. 2.1. Legislação italiana. 2.2 Legislação Americana. 2.3. Outras legislações. 2.4 Brasil. 3. COLABORAÇÃO PREMIADA FRENTE AO CRIME ORGANIZADO. 3.1. Características básicas das organizações criminosas. 3.2. Uma análise da colaboração premiada na Lei de Combate ao Crime Organizado. 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1INTRODUÇÃO
O intuito da colaboração premiada é auxiliar no combate das organizações criminosas, porque na etapa de inquérito criminal o colaborador, além de revelar seus delitos para as autoridades, impede a prática de outras violações, como também ajuda de maneira concreta a polícia e o Ministério Público nas ações relacionadas às provas contra os demais coparticipantes, permitindo suas prisões.
Nesse contexto, o presente estudo tem por objetivo analisar a eficácia do Instituto da Colaboração Premiada como meio de prevenir e proteger a sociedade da ação das organizações criminosas. Sua problemática consiste na seguinte indagação: Qual é a eficácia do instituo da colaboração premiada face ao combate do crime organizado?
Para tanto, foi empregada a metodologia bibliográfica e documental para a realização da pesquisa, constatando-se que, se vive em meio a constante globalização e juntamente com ela, vestindo-se de tecnologias avançadas, está a criminalidade se adequando ao momento e à territorialidade que ocupam.
A Lei n. 12.529/2011 que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, foi uma das mais proeminentes na previsão da colaboração premiada, sendo que anunciou a prevenção e repressão de infrações contra a economia. Em seu artigo 86, prevê que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica poderá celebrar acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas, que sejam autoras de infrações à ordem econômica, desde que contribuam efetivamente com as buscas e processos administrativos.
O entrosamento de que a colaboração premiada envolve a autoridade jurisdicional, por se prender em ajustes entre o Ministério Público e o réu. Com efeito, os ajustes firmados não permitem deixar de lado a ação na aplicação da pena, já que compete ao juiz não somente a palavra final, mas também a primeira, ou seja, mesmo tendo sido feito o acordo, é ao juiz que incumbirá decidir quanto à colaboração, se necessita ou não ser premiada com a diminuição da pena, em benefício das ocasionais benesses do instituto.
São várias as controvérsias que envolvem o tema, uma delas é que o Estado, por intermédio dos seus gestores, não deveria medir esforços para criar meios de resolução de crimes mais efetivos e menos engessados do que os atualmente existentes no ordenamento jurídico, ao invés de estimular criminosos a cometer atos imorais e antiéticos para a resolução de um crime, com promessa de benefícios, até mesmo o perdão pelo crime praticado.
Nesse diapasão, cabe ao Estado resolver as controvérsias criminosas que ocorrem na sociedade, não o contrário, não é o criminoso que tem que dar a solução adequada para o crime, este deve exercer a sua posição de réu e ser acusado e punido pelo crime praticado.
O presente estudo foi dividido em duas partes. Na primeira parte constou a análise histórica do instituto, com enfoque no direito comparado. Após, analisou se o instituto da colaboração premiada frente ao crime organizado.
2 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA
É de difícil definição a data exata do início da utilização da colaboração premiada como forma de concessão de benefícios aos colaboradores da justiça. Porém, encontra-se seus primeiros resquícios em meados dos anos 70, quando o instituto se viu utilizado como uma ferramenta de ajuda em relação aos crimes de terrorismo e tortura, sendo esta última muito mais valorizada.
Conforme descreve Mossin (2016), no direito estrangeiro pode-se afirmar que o surgimento do instituto da Colaboração Premiada ocorreu na Itália em meados da década de 70, com a necessidade de criação de mecanismos capazes de combater o terrorismo e a extorsão mediante sequestro, mas só ganhou notoriedade com uma operação que objetivava acabar com criminosos que constituíam a “Máfia”, a chamada “Operação Mãos Limpas”. Nessas operações as pessoas as quais realizavam as delações eram conhecidas por pentiti.
Na Itália, quando o agente se arrepender, depois da prática de algum crime, sendo este em concurso com organizações criminosas, e se empenhar para diminuir as consequências desse crime, confessando-o ou impedindo o cometimento de crimes conexos, terá o benefício de diminuição especial de um terço da pena que for fixada na sentença condenatória, ou da substituição da pena de prisão perpétua pela reclusão de 15 a 21 anos. (Guidi, 2006, apud PARANAGUÁ, 2014, p. 3)
No sistema jurídico italiano eram três os tipos de delatores: o arrependido, ao abandonar a organização criminosa passa a cooperar com o judiciário com as informações sobre as atividades que desenvolviam e impediu a realização dos crimes para os quais a organização se formou.
O que leva a questionar como um instituto como a colaboração premiada, foi ter seus efeitos sobre uma organização que repudia a mera ideia de colaboração? O interessante é que o instituto não foi considerado de sucesso na Itália, pelo fato de ter sido usado diversas vezes, mas sim, pelo fato de que, na primeira vez que foi utilizado, surtiu um enorme efeito na sociedade (SILVA, 2014).
O caso de maior sucesso da colaboração premiada, face à máfia, foi o caso conhecido como “Operação mãos limpas” (Mani Pulite), que foi uma enorme investigação judicial, com o escopo de esclarecer crimes relacionados à corrupção. Ao todo, a Operação Mãos Limpas foi responsável pela investigação de 6.059 pessoas, dentre elas, 872 empresários, 1.978 administradores e 438 parlamentares.
A grande operação teve início quando o desertor da KGB (polícia secreta da extinta União Soviética), Vladimir Bukovski, trouxe documentos que comprovavam o envolvimento e o financiamento de grande parte da administração pública italiana pela KGB. Tal operação trouxe à tona uma Itália até então desconhecida pelos seus cidadãos, uma Itália banhada em corrupção. Além dos documentos apresentados por Vladimir Bukovski, a operação também contou com o apoio de Tomasso Buscetta, um ex-mafioso e primeiro da classe, a quebrar o tão renomado voto de silêncio da máfia. A máfia, sabendo da operação, tentou por um fim à operação, tentando calar todas as testemunhas, realizou inúmeros assassinatos, sendo os mais conhecidos como os dos juízes que participavam do caso, Paolo Borsellino e Giovanni Falcone (NUCCI, 2014).
A operação foi responsável pelo fim da primeira república italiana e ocasionou o desaparecimento de inúmeros partidos políticos, muitos dos integrantes dos esquemas cometeram suicídio no decorrer da investigação à medida que os crimes por eles cometidos eram descobertos.
Nessa época a colaboração premiada era vista através de três figuras: “Arrependido”, “Dissociado”. Quando se trata do regime do “arrependido”, o acusado, antes da sentença condenatória, retira-se da organização criminosa sem oferecer nenhum meio de resistência, ajudando na dissolução desta.
Para se caracterizar a colaboração, não basta apenas o abandono, é necessário também que o acusado ofereça todas as informações a que tem acesso, referente à ordem hierárquica interna da organização criminosa, lembrando que o benefício advindo da colaboração é condicionado à validade das informações prestadas (SILVA, 2014).
Se estas não forem utilizadas para beneficiar a investigação criminal, descaracterizado está a colaboração. Quando se ressalta o segundo regime da colaboração, previsto no ordenamento italiano, o do “dissociado”, se fala naquele sujeito que, antes da sentença condenatória, coopera com as autoridades responsáveis pela investigação, com o intuito de reduzir ou impedir as consequências da prática do crime cometido pela organização ou até ajuda no impedimento da realização de crimes conexos aos por ele praticados (MARQUES, 2014).
O terceiro e último tipo de regime é o conhecido como “colaborador”. Nele estão presentes todos os requisitos dos regimes supracitados, além de ter a efetiva colaboração do delator para aquisição de prova que, por si só, individualiza os participantes da organização criminosa, possibilitando dessa forma, o ingresso destes processos e nas investigações, ou ainda, fornece elementos de prova que consigam comprovar de maneira exata os fatos criminosos.
Os resultados, na Itália, não podiam ter sido melhores, tendo em vista todas as prisões realizadas com a utilização da colaboração premiada, reduzindo as atividades da máfia à quase zero, tanto que, até hoje, se olha para a legislação italiana, em busca de um modelo perfeito da colaboração premiada.
Quando se inicia os estudos históricos da colaboração premiada no direito americano, percebe-se que este está inserido no instituto americano denominado pleabargaining, princípio esse que inexiste na legislação pátria.
Tal princípio confere ao persecutor do Ministério Público Americano total discricionariedade para a realização do seu trabalho, isto é, não existe fiscalização nenhuma perante a denúncia realizada, sendo possível e muito comum, acordos realizados entre o procurador e o acusado, visando uma condenação razoável, dependendo da ajuda fornecida pelo réu.
Esse poder de negociar é praticamente ilimitado, podendo a pena ser elevada ou diminuída a critério do procurador. Porém, tal instituto esbarra apenas na absolvição do réu, o que, neste caso, é competência apenas do magistrado.
Claro se torna que a colaboração premiada inserida no leabargaining, no direito americano é amplamente utilizada até os dias atuais, em que estranho se torna um caso onde não houve prévio acordo entre promotor e réu. Nesses casos, cabe ao magistrado apenas a homologação do acordo, não podendo haver oposição, sendo tal poder de barganha é totalmente lícito ao procurador (PRADO, 2013).
Percebe-se a diferença gritante entre os regimes jurídicos adotados pelo direito americano face ao direito brasileiro. No ordenamento jurídico pátrio, tem-se adotado o princípio da legalidade estrita da administração pública, logo, havendo determinado crime, não pode o Ministério Público abster-se de oferecer denúncia, ou optar por realizá-la em momento mais oportuno.
O órgão não tem essa prerrogativa devido ao princípio da estrita legalidade. Frisa-se que não é esse o regime jurídico adotado pelo direito americano no qual cabe ao membro do Ministério Público, analisar a oportunidade e a conveniência do momento e meio da propositura da denúncia, entendida como poder discricionário.
No direito brasileiro, o poder da administração pública, quando se trata de Ministério Público, é vinculado, não cabendo ao membro do órgão analisar a oportunidade muito menos a conveniência dos atos.
O direito brasileiro adota o poder vinculado pois, em se tratando de direito penal, também conhecido como a última rátio do direito brasileiro, trata de direitos indisponíveis na relação jurídica material, logo não cabe discricionariedade em direitos indisponíveis.
Apesar de tal princípio ter sofrido uma mitigação, com a instituição da transação penal, previsto no artigo 76 da lei 9.099/95, este ainda não deixou de existir, muito menos perdeu sua força, o que ocorreu foi uma divisão nos crimes previstos no Código Penal, encaixando-os cada qual em uma faixa de gravidade. Todos os crimes cuja pena máxima não exceda dois anos ficaram conhecidos como crimes de menor potencial lesivo, estes por sua vez, se encaixam na descrição do artigo da lei 9.099/95, cabendo então a transação (SILVA, 2014).
O Código Penal, anteriormente ao advento da lei supracitada, só tratava de direitos indisponíveis, porém atualmente esse ordenamento é dividido, abarcando os direitos indisponíveis e também os disponíveis, estes últimos passíveis de transação penal se atendidos os requisitos do artigo 76 da lei dos Juizados Especiais.
Pode-se realizar uma analogia, apenas para fins didáticos, entre a transação penal brasileira e o pleabargaining, previsto no direito americano. Em ambos está previsto o poder do Ministério Público em negociar a pena a ser aplicada ao acusado, se este realizar algum tipo de colaboração com a investigação criminal.
A previsão no direito brasileiro é muito mais restrita, valendo apenas nos casos expressamente previstos na lei, e atendendo a todos os requisitos necessários. Já no direito americano, o pleabargaining tem efeitos para todos os casos, sem restrições.
Cabe também esclarecer que a discricionariedade prevista no ordenamento jurídico brasileiro, quando se trata da transação penal, não é uma discricionariedade absoluta como é a encontrada no direito americano. A legislação dá o nome de discricionariedade regulada ou regrada, logo, o Ministério Público pode negociar a pena do réu, nos limites estabelecidos na própria lei, não podendo extrapolá-los.
A colaboração premiada também é encontrada em várias outras legislações mundo afora, como na legislação espanhola onde é conhecida por “delinquente arrependido”. Na Espanha a colaboração é mais voltada para os crimes contra o terrorismo, apesar de ainda se aplicar para os outros tipos penais.
O interessante é a previsão da colaboração premiada preventiva e a repressiva, sendo a primeira realizada antes do cometimento do ato, e a segunda após. Lembrando também que o resultado prático da colaboração deve existir para que o benefício seja concedido, não bastando apenas delatar os comparsas (MEDRONI, 2014).
No Direito Alemão, há o Kronzeugenregelung, que em uma tradução literal, pode-se entender como “clemência”. Percebe-se algumas diferenciações desse instituto para os demais, tendo em vista que a pena aplicada neste caso pode ser discricionariamente reduzida pelo juiz, sendo irrelevante que a colaboração seja efetiva no impedimento do crime.
Percebe-se que o Direito Alemão premia o simples ato de arrependimento do criminoso que por livre e espontânea vontade, realiza a colaboração. Caso as informações prestadas pelo delator sejam suficientes para impedir o crime, este é absolvido por completo, não lhe restando nenhuma outra pena.
No Direito Colombiano também se tem a previsão da colaboração, com as seguintes peculiaridades: a colaboração não precisa vir acompanhada necessariamente com a confissão, logo, a simples indicação de quem praticou o crime, a simples indicação de seu comparsa já é suficiente para caracterizar o instituto da colaboração premiada, cabendo ao Estado provar a culpa do delator em juízo.
A colaboração nesse caso deve vir com provas inequívocas do que o delator está falando, além deste ter vários benefícios previstos no Código Penal Colombiano.
No Direito Chileno, Português e Argentino também é possível encontrar institutos que tratam da colaboração premiada (MEDRONI, 2014).
Após esta breve análise da evolução histórica da colaboração premiada em todas as partes do mundo, mister se torna a iniciar o estudo histórico no país, tendo em vista os reflexos das legislações estrangeiras na formação da colaboração premiada, que hoje pode ser considerada como um instituto formado e autônomo.
No Direito brasileiro a origem da colaboração premiada leva para as Ordenações Filipinas, que teve sua vigência de 1603 até o ano de 1830, quando o Código Criminal entrou em vigor. As Ordenações Filipinas previam a colaboração premiada com o título de “Como se perdoará os malfeitores, que derem outros a prisão”. Com isso percebe-se que a colaboração nessa época tratava do total perdão do indivíduo que criminalizasse o outro, não estabelecendo nenhum requisito como vistos nos direitos anteriores como, por exemplo, o resultado prático da colaboração (PRADO, 2013).
Constata-se que, conforme acordo com Paranaguá (2014), que ainda no período de vigência do Código Filipino ocorreu um incidente que marcou a história do Brasil conhecido como a Inconfidência Mineira, onde o Coronel Joaquim Silvério dos Reis obteve o perdão da Coroa portuguesa sobre todas as suas dívidas em troca de informações sobre os seus colegas que à época foram acusados de traição contra a pessoa do Rei configurando assim o crime de lesa-majestade. Colaboração essa que resultou no enforcamento de Joaquim José da Silva Xavier por se tratar do líder do movimento. Sua cabeça foi pendurada em um poste da cidade que hoje é a atual Ouro Preto, para inibir eventuais manifestações contra o governo.
Consegue-se visualizar a utilização do instituto da colaboração premiada quando se olha para o movimento histórico da Inconfidência Mineira, quando o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, um dos inconfidentes, delatou seus comparsas com o fim de obter vantagens da Fazenda Real, sendo nesse caso o perdão de todas as suas dívidas.
Percebe-se então que a colaboração premiada, nessa época, não era atrelada a nenhum tipo específico de crime, tendo seus efeitos erga omnes, sendo todo o crime passível de colaboração, devido à falta de regulamentação que existia na época.
Como prova desse efeito erga omnes pode-se comparar a colaboração citada que trata de crimes tributários: A colaboração premiada também foi usada no Golpe Militar de 1964, com o fim de descobrir quem eram as pessoas que se posicionavam contra o regime militar e puni-las. Lembrando que naquela época as pessoas que não concordavam com o regime jurídico totalitário eram conhecidas como criminosos pelos militares (MEDRONI, 2014).
Após as Ordenações Filipinas, onde houve a primeira previsão da colaboração premiada no direito brasileiro, não mais se falou no instituto por quase 400 anos. A primeira lei de fato a prever a colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro foi a Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, a lei que regulamentou a prática de crimes hediondos, no artigo 7º, incluiu o parágrafo 4º no artigo 159 do Código Penal Brasileiro, com a redação posteriormente alterada pela lei 9.269/1996, que assim dizia: ‘‘Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços’’.
A própria lei 8.072/1990 consagrou em seu texto a previsão da colaboração premiada no parágrafo único do Artigo 8º, que assim está previsto:
Artigo 8º - Será de 3 (três) a 6 (seis) anos de reclusão a pena previsto no Artigo 288 do Código penal, quando se tratar de crime hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.
Percebe-se que com o advento das leis que previam a colaboração premiada, ocorreu uma mitigação do seu campo de atuação antes possível para qualquer tipo de crime.
Devido ao princípio da legalidade que prevê, no direito penal, que não existe crime sem lei anterior que o defina, se torna mister destacar que a colaboração só poderá ser utilizada nos crimes que expressamente previstos no código, permitam a aplicação do instituto, não cabendo mais a sua aplicação para todos os tipos penais previstos.
A Lei n° 12.850, de 2 de agosto de 2013, em seu artigo 1°, parágrafo 1° define organização criminosa como associação de 4 (quatro) ou mais pessoas ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter vantagem, mediante a prática de rimes cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Conforme assenta Mossin (2016) para que se configure o tipo de organização criminosa é necessário que se constate a permanência, a estabilidade do grupo e o grau hierárquico existente entre seus determinados componentes, ou seja, cargos de níveis superiores e inferiores, sustentando ainda a probabilidade quando fosse o caso de uma espécie de promoção de cargo entre os integrantes do grupo; além do mais é imprescindível que haja uma chefia.
Segundo o autor:
De outro lado, a “divisão de tarefas” é uma característica fundamental da citada organização. Isso significa que os componentes do grupo criminoso realizam diversos trabalhos, sempre objetivando os fins ilícitos arrolados pelo legislador. A divisão em questão se caracteriza mesmo que seja “informalmente”’ estabelecida. Não há necessidade, portanto, desta repartição estar revista de regras ou normas instituídas e, menos ainda, documentada. (MOSSIN, 2016, p. 131).
Trata-se de uma das características das organizações a divisão de tarefas entre os integrantes do grupo, de forma com que venham a desempenhar suas atribuições de maneira subordinada hierarquicamente recebendo ondem de uma chefia, sendo que também possuem a possibilidade de haver ascensão entre os integrantes do grupo.
De acordo com Mendroni (2014) através da análise estrutural dos elementos do tipo encontraremos as características que são requisitos para a criminalidade organizada, conforme demonstrado nas linhas que se seguem.
De acordo dom o autor, quanto ao requisito de 4 ou mais pessoas, afirma-se que seria inviável a possibilidade de 3 pessoas serem suficientes para se organizarem ordenada e estruturalmente para a prática de delitos, dividindo tarefas e com o fim de retirar quaisquer vantagens, direta ou indiretamente.
Lembrando que, a associação é de 4 ou mais pessoas contando com eventual membro menor ou o que possa estar participando do grupo por ter sido coagido, sendo este passível de ser absolvido se se integrou ao grupo de maneira irresistível.
Além do mais, “há necessidade de um animus associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido de formação de um vínculo associativo de fato, uma verdadeira societas sceleris [...] (GRECO FILHO, 2014, p. 21).
Já o requisito ‘‘Estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas – ainda que informalmente’’, possui a seguinte peculiaridade: Segundo Greco Filho (2014) mesmo que seja de maneira informal a estrutura ordenada se justifica pela divisão de tarefas, que possuem de fato uma divisão hierárquica, sendo que em cada ramo de atividade exercida pela organização possa ser um setor diferente, mas sempre existindo níveis de subordinação.
Ainda, no que tange ao requisito ‘‘com o objetivo de obter direta ou indiretamente – vantagem de qualquer natureza’’, para Mendroni (2014) esses objetivos atingem tanto as atividades exercidas, como as pessoas que a integram diretamente, sendo os componentes da organização criminosa, como indiretamente como os contratados, parceiros, simpatizantes etc. No sentido de obter vantagens de qualquer natureza podemos englobar dinheiro, poder, influências, se o caso clientes, preferência entre outras.
Ainda, no que se refere ao requisito ‘‘Mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 anos’’, frisa-se que esses crimes podem ser visados, propiciados ou facilitados pela organização como pena máxima superior a 4 anos.
Diante dessa característica peculiar do tipo, observa-se que alguns crimes passíveis de serem praticados por essas organização ficaram excluídos pelo requisito adotado pelo legislador, sendo assim não poderá ser o delito imputado a qualquer infração penal.
Quanto ao caráter transnacional, destaca-se que a última característica das organizações traz em sua essência a desnecessidade de constatação de todos os elementos do tipo.
Observa-se que, os crimes de caráter transnacional são aqueles que não respeitam as fronteiras dos países e possuem características semelhantes nos ordenamentos desses países, quando ocorre-los observar-se-á os tratados e convenções internacionais que dispõe sobre organizações criminosas, não sendo aplicado o que reza a lei brasileira, sendo o delito solucionado através dos acordos assim firmados pelo países e independentemente da quantidade de pena aplicada aos crimes (MARQUES, 2014).
Insta-se mencionar que mesmo tendo caráter transnacional esses crimes em regra, não serão julgados pela justiça federal, há casos como o crime de lavagem de dinheiro que mesmo sendo transnacional será de competência da justiça estadual.
Segundo Lima (2014) conforme mencionado diversas vezes ao longo deste estudo, o Instituto da Colaboração Premiada já era aplicado no ordenamento brasileiro desde a década de 90, mas até pouco tempo não se encontrava em nenhuma legislação a regulamentação de forma precisa dessa importante técnica de investigação, o que só veio a ocorrer com o advento da Lei n° 12.850/2013 tratando do combate às organizações criminosas.
Nesse contexto, Lima ressalta que:
Daí a importância da nova Lei das Organizações Criminosas: sem descuidar da proteção dos direitos e garantias fundamentais do colaborador - a título de exemplo, seu art. 4°, §15, demanda a presença de defensor em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, constando do art. 5° inúmeros direitos do colaborador -, a Lei nº 12.850/ 13 passa a conferir mais eficácia à medida sob comento, seja por regulamentar expressamente a celebração do acordo de Colaboração Premiada, dispondo sobre a legitimidade para a proposta, conteúdo do acordo e necessária homologação judicial, seja por prever expressamente que nenhuma sentença condenatória poderá ser proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador. (LIMA, 2014, p.737).
É importante que seja abordado que, somente com a edição da Lei n° 12.850/2013 houve a regulamentação da forma em que deverão ocorrer as negociações entre o delator e o Ministério Público, que mediante colaboração voluntária e eficaz, para só então posteriormente ocorrer sua homologação pelo juiz, feito isso o agente obterá o prêmio legal de acordo com a discricionariedade do juiz em arbitrá-lo.
A Lei n° 12.850/2013 faz menção primeiramente em seu artigo 3° à Colaboração Premiada como meio de obtenção de prova podemos auferir o que dispõe no artigo,
Art. 3° Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção de prova:
I – Colaboração Premiada; constata-se que o instrumento será utilizado como meio de obtenção de prova, podendo ser tanto na fase investigatória quanto na fase processual.
Quanto às medidas de combate ao crime organizado, Mendroni explana que:
As medidas de combate ao crime organizado, em qualquer País, devem ser fortes, enérgicas, na exata medida da sua necessidade, na medida da prevenção e da repressão requeridas pela própria sociedade na recuperação da ordem pública, nem mais, nem menor, já que as organizações criminosas são realidades existentes e infiltradas em vários setores da vida cotidiana, com alto potencial destrutivo e desestabilizador, não havendo mais espaço para aqueles discursos, no mais das vezes demagógicos, realçados, derivados e trazidos a reboque das expressões de “estigmatização do investigado/acusado”, “garantismo” ou “aplicação de direito penal mínimo” etc. Devem ser decorrentes de uma específica criação legislativa derivada de firme vontade política no sentido de promover eficiente defesa nacional. (MENDRONI, 2014, p. 21)
O Estado tem que fazer valer o seu poder, criando mecanismos capazes de intimidar essas organizações ao mesmo tempo que protegem seus cidadãos, criando lei específicas, mecanismos de investigação eficazes e saber aplica-los aos casos concretos, não se deixando adormecer diante da evolução da criminalidade.
Certifica-se que, na mesma lei no artigo 4° foi regulamentado todo o procedimento para a aplicação da Colaboração Premiada, o qual analisaremos na íntegra a seguir:
Art. 4. O Juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados.
Basicamente o caput do artigo menciona quais os prêmios o agente poderá obter ao aceitar o acordo de colaboração, dando total discricionariedade ao Juiz ao aplica-los conforme entenda ser conveniente e traz o requisito que a colaboração deverá ser efetiva e voluntariamente “voluntariamente significa que procede espontaneamente, derivado da vontade própria, e efetivo provém da qualidade do que tem efeito, real, verdadeiro, positivo, permanente”. (MENDRONI, 2014, p. 31)
Ainda, destaca-se outro entendimento, agora do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul:
APELAÇÃO - PENAL - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - ELEMENTO SUBJETIVO DEMONSTRADO - ABOLITIO CRIMINIS - INOCORRÊNCIA - ARMA DESMUNICIADA - CRIME DE PERIGO ABSTRATO - PENA-BASE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - EXASPERAÇÃO DEVIDA - ARREPENDIMENTO POSTERIOR - INAPLICABILIDADE - COLABORAÇÃO PREMIADA - AUSÊNCIA DE EFETIVA COLABORAÇÃO - NÃO PROVIMENTO. À concessão da colaboração premiada mister demonstrar efetiva colaboração para o desmantelamento de organização criminosa, de modo que a mera confissão posterior à prisão de parte dos envolvidos, bem como a anterior ciência da identidade do corréu pela autoridade policial não autoriza a concessão da benesse. Apelações defensivas às quais se nega provimento com base no acervo probatório e correta aplicação da lei. (MATO GROSSO DO SUL. Tribunal de Justiça. APL: 00126892220078120002 MS 0012689-22.2007.8.12.0002, Relator: Des. Carlos Eduardo Contar).
Para que se obtenha a benesse da colaboração é imprescindível que se demonstre a eficácia das afirmações prestadas, as quais serão analisadas pelo julgador, como se pode perceber diante os mais recentes julgados.
Ao final do artigo o legislador mencionou a expressão “um ou mais”, “deixando bem claro que para a concessão da benesse legal não há necessidade da aquisição de todos os resultados previstos no dispositivo; é dispensada sua cumulatividade, o que se revela justo e racional”. (MOSSIN, 2016, p. 163)
Essa é portanto, a primeira fase da colaboração, onde serão feitas negociações entre o agente, sempre acompanhado de seu defensor/advogado e o membro do Ministério Público, No acordo conterá o informe da colaboração e os possíveis resultados; a proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; a declaração de aceite do colaborador e seu defensor; as assinaturas de todos eles os quais fazem parte do acordo; as especificações de medidas de proteção para o colaborador e sua família se for o caso.
Segundo Filho (2014) a segunda fase será a de homologação pelo juiz, ele não poderá ter participado das negociações e deverá decidir se homologa ou não o acordo segundo critérios de regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo ouvir o colaborador na presença de seu defensor para formular seu convencimento.
A homologação “tem por finalidade somente a de qualificar o investigado como colaborador, ensejando as medidas relativas a essa situação [...]. Tanto que não faz coisa julgada que as partes podem retratar-se[...]. (GRECO FILHO, 2014, p. 41).
Por fim, a terceira fase do procedimento da Colaboração Premiada, a qual é explicitada por Filho:
A fase da sentença em que seu mérito será apreciado aplicando-se, ou não, o benefício e sua graduação, inclusive porque a concessão de eventual benefício depende do comportamento do colaborador após o acordo e sua homologação, como se frustrar os efeitos recusando-se a depor ou por qualquer outra forma inviabilizar a utilidade de sua colaboração. A proposta de aplicação do perdão judicial poderá ser apresentada pela autoridade policial com audiência do Ministério Público ou pelo Ministério Público antes da sentença, considerando a relevância da colaboração prestada, ainda que não tenha sido aventada por ocasião do acordo inicial. (GRECO FILHO, 2014, p. 41).
Tem-se por fim, que é na sentença onde o juiz arbitrará qual o benefício legal a ser aplicado, levando em consideração o comportamento do colaborador, ademais, antes da sentença poderá a autoridade policial ou o Ministério Público propor o perdão judicial, considerando a importância da colaboração, mesmo que o perdão judicial não tenha sido objeto no termo do acordo de colaboração.
Feito algumas considerações sobre o caput do artigo (artigo 4°) e exposta as fases do processo da Colaboração Premiada passares então a analisar os demais dispositivos de forma ordenada. No que se refere a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas, segundo leciona Mendroni (2014) o dispositivo não exige que sejam identificados todos os coautores ou participes da organização, até seria inviável tal exigência, pois em organizações criminosas de grande porte, muitas vezes nem o agente tem conhecimento de todos os integrantes da organização.
Ressalta-se que “entregar um chefe ou um líder da organização obviamente deve gerar mais mérito como moeda de troca do que entregar um executor de tarefas de menor importância. (MENDRONI, 2014, p. 33-34). O Promotor de Justiça é quem definirá o grau da colaboração do agente.
Em relação à revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa, conforme Mossin (2016) o colaborador também fará jus ao prêmio legal, se ele contar como é formada a organização criminosa, o modo com que são divididas as atividades dentro do grupo, bem como o cargo de chefia, pois a divisão de tarefas significa agir de forma organizada e hierárquica.
Como outro requisito para a concessão do benefício, a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades das organizações criminosas é uma medida preventiva e protetiva, com o objetivo de impedir que o grupo criminoso cometa mais delitos, diminuindo os prejuízos para a sociedade e para as vítimas dessas organizações. A esse respeito, é salutar a lição de Mossin:
Sem o menor traço de dúvida, constatando-se a existência da organização criminosa, não basta unicamente para apurar e punir os eventos típicos praticados pelos seus membros componentes, mas também, traçar metas para coibir outros avanços de cunho delituoso, o que poderá ser conseguido com a colaboração do delator, posto que ele conhece o funcionamento da associação e também o modo de agir de seus comparsas a até planos que já foram elaborados para futuras incursões criminosas, que poderão ser interrompidos. (MOSSIN, 2016, p. 166).
O legislador previu no inciso terceiro também a possibilidade do agente obter o benefício se acaso por meio da sua colaboração as autoridades competentes puderem impedir que mais delitos ocorram em decorrência da ação da organização criminosa.
No que tange à recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pelas organizações, o legislador fez uso da conjunção alternativa “ou”, isso quer dizer que não implica necessariamente na obtenção dos dois resultados, bastando apenas um deles, quando a natureza do fato assim permitir.
Segundo Mossin (2016) por “produto do crime” entende-se que são os bens materiais advindos da prática do delito. Já “proveito do crime”, constitui qualquer bem ou valor conseguido com recurso vindo da prática delituosa.
A intenção do legislador com esse dispositivo é tentar sanar dentro do possível os prejuízos sofridos pela vítima, que poderá ser pessoa física ou jurídica, diante a ação delituosa do grupo.
No que se refere à localização de eventual vítima com sua integridade física preservada, o legislador faz menção a integridade física da vítima, isso quer dizer que, a vítima deverá estar sem ferimentos, lesões, mutilações, ou seja a vítima deve ser encontrada sem nenhuma alteração no seu corpo.
Esse dispositivo tem aplicação mais evidente nos crimes de sequestro e cárcere privado, mais comumente praticados por associações, mas não obstante o possa ser praticado pelas organizações criminosas.
De acordo com o parágrafo primeiro, ‘‘Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração’’.
Existem outros fatores além da voluntariedade e eficácia, que influenciam na concessão do benefício, conforme menciona Mendroni (2014) esses fatores podem ser subjetivos e objetivos, por subjetivo temos a personalidade do colaborador, esse deve mostrar-se verdadeiramente arrependido favorecendo a intuição de que não voltará a reincidir. Os fatores de natureza objetiva são: a natureza do fato delituoso, é o conteúdo do crime em si; as suas circunstâncias, tem relação com a forma com que foi praticado; a gravidade do fato, tem relação com a punição tipificada para cada delito e a repercussão social, está ligado ao clamor público e a conotação dada pela mídia.
De acordo com o artigo 4°, § 2° da Lei n° 12.850/2013:
Art. 24 - § 2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
De acordo com Mossin (2016) é requisito para a provocação jurisdicional a relevância da colaboração prestada, sendo que, não faz-se necessário que o pedido de concessão do perdão judicial esteja inserido no acordo de colaboração, posto que, a qualquer momento a autoridade policial ou o Ministério público poderá requerer ou representar o pedido, desde que já se tenha sido verificado o teor das informações prestadas pelo colaborador e sua eficácia. Uma vez que, seria interessante o agente externar sua vontade logo na fase de investigação, pois depois de instaurado o processo, haveria pouco tempo hábil para a proposta e necessária checagem por parte do Ministério Público.
O artigo 4° , § 3° da Lei n° 12.850/2013, por seu turno:
Art. 4, § 3o O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.
Esse dispositivo faz menção ao prazo para o oferecimento da denúncia ou o processo, somente relativos ao colaborador, onde poderá ser suspenso por 6 meses, uma vez prorrogado por mais 6 meses, de forma a viabilizar a aplicação do Instituto e os meios para a produção probatória. Após constatadas as informações necessárias, “nada impede que sejam instaurados outros procedimentos criminais, tantos quantos necessários, em face de fatos e agentes da organização criminosa”. (MENDRONI, 2014, p. 40).
Ainda, de acordo com o artigo 4°, §4° da Lei n° 12.850/2013: ‘‘Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: I- não for o líder da organização criminosa; II- for o primeiro a prestar efetiva colaboração [...]’’.
Neste caso Mendroni (2014) assenta que, o Promotor de Justiça, poderá conceder imunidade ao colaborador, pelos fatos por ele relatado, deixando de oferecer denúncia em seu nome, mas nada impede que ele o denuncie por fatos diversos daqueles relatados por ele.
Isso poderá ocorrer se o delator não for o líder da organização criminosa, isso implica que não teria sentido o líder se beneficiar dos prêmios legais ao delatar os seus comandados.
Esse é portanto, o motivo principal da exigência do legislador em dar o benefício somente para o primeiro a prestar colaboração, pois o instituto não poderá ser visto como forma de impunidade aos criminosos, sendo ainda uma forma de coação psicológica entre eles, pois gerará desconfiança entre seus integrantes, que poderão querer se beneficiar com a colaboração, desestruturando assim o grupo.
O artigo 4, § 5° da Lei n° 12.850/2013 estabelece que: ‘‘Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos”.
Conforme Mendroni (2014), o momento mais propício para as autoridades receberem a colaboração, seria antes do oferecimento da denúncia, onde seria possível constatar sua real eficácia e viabilizar o benefício concebido ao agente. Depois de instaurado o procedimento penal, se tornaria mais difícil principalmente pela falta de tempo. Após a sentença então, ainda mais. Todavia, “considerando que as organizações criminosas são um verdadeiro complexo de pessoas [...], mesmo após a sentença, já durante o seu cumprimento, ainda será possível o oferecimento da colaboração” (MENDRONI, 2014, p. 43).
O benefício aplicado ao colaborador após a sentença consiste na redução de pena até a metade ou progressão de regime, os requisitos mencionados no texto dizem respeito ao tempo de cumprimento da pena para efeitos de progressão de regime.
O artigo 4, § 6° da Lei n° 12.850/2013 preceitua:
Art. 24, § 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
Como dito anteriormente o Juiz não participará das negociações dos acordos de colaboração, presando este dispositivo pela imparcialidade do Juiz, ficando a cargo deste somente a homologação do acordo ficando a cargo dele analisar somente seus aspectos formais.
O artigo 4, § 7° da Lei n° 12.850/2013 estabelece que:
Art. 4°, § 7o Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.
O acordo à aplicação do Princípio da Oportunidade ou do consenso, conforme o momento processual em que ocorrer. Deverá ser documentado, formalizado, contendo as declarações do colaborador – (prudentemente também assinado pelo seu Advogado do ato), e cópia da investigação.
Ainda, será remetido ao Juiz que não poderá rejeitar, emendar ou anular. O Juiz ficará vinculado ao conteúdo do acordo apresentado pelas partes, fiscalizando tão somente a sua formalidade – regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo, para tanto, ouvir, sigilosamente o colaborador na presença de seu defensor (MENDRONI, 2014, p. 45).
O juiz após receber o acordo de Colaboração Premiada, somente poderá analisar seus aspectos formais, além disso, poderá ouvir o agente na presença de seu defensor para somente após formular seu livre convencimento sobre o termo.
De acordo com o art. 4°, § 8o da supracitada lei: ‘‘O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto’’.
É facultado ao juiz a homologação da proposta, podendo recusá-la se não atender aos requisitos formais, ademais poderá o juiz readequar o acordo ao caso concreto que, se não tiver nenhuma retificação de conteúdo poderá ser homologado sem nova manifestação das partes. Acaso o juiz modifique o seu conteúdo, ou seja, o tipo de benefício a ser concedido, deverá ser novamente encaminhado as partes para que seja expressamente ratificado.
Já o parágrafo9o do art. 4° da já citada lei: ‘‘Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações’’.
Em uma incessante busca pela verdade real poderá o Juiz requerer a oitiva do colaborador, depois de homologado o acordo, sempre que entender necessário.
Mendroni ressalta que: “O Juiz precisa certificar-se especialmente da espontaneidade do colaborador e a melhor forma é estando diretamente à sua frente, podendo então aferir da sua voluntariedade” (MENDRONI, 2014, p. 46).
Por sua vez, o § 10o do art. 4° da mencionada lei estabelece que: ‘‘As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor’’.
Para Mossin (2016), tanto o colaborador quando o Ministério Público poderão retratar-se do termo de colaboração, tornando o ato totalmente sem efeitos. O legislador cuidou em ressalvar que, as provas autoincriminatórias não poderão ser utilizadas unicamente em desfavor do delator, isso significa que, outras provas somadas com estas produzidas por ele, tanto podem como devem formar contexto probatório contra o ex-colaborador.
De acordo com o art. 4° §11 da lei em comento, a sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia.
Como destacado anteriormente, para efeitos de homologação o Juiz deverá levar em conta apenas os requisitos formais do documento, posteriormente na sentença é que ele verificará de acordo com a eficácia da colaboração se ele irá conceder o prêmio legal ou não.
O juiz ao homologar o acordo não significa que ele concederá o benefício legal, para que isso aconteça é necessário constar da formalidade da sentença, sendo que este pelo simples fato de ter homologado o acordo não está vinculado à concessão da benesse legal.
Já § 12o do art. 4° da já citada lei: ‘‘Ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial’’.
Isso significa dizer que após o colaborador receber o prêmio legal, tanto na fase investigatória quanto na processual, poderá ser ele posteriormente, ouvido como testemunha em eventual instrução criminal, por não possuir mais nenhum vínculo com o processo crime, o qual responde seus parceiros de delito. Por outro lado se ele ainda não estiver recebido o benefício não poderá ele ser ouvido na qualidade de testemunha.
Quanto ao § 13o do art. 4° da já citada lei, preceitua que: ‘‘Sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações’’.
O legislador procurou assegurar a maior fidelidade das informações obtidas pelo colaborador, com essas diversas formas de tecnologia, “torna-se possível auferir a segurança do relato através do comportamento do colaborador, e, com a segurança maior possibilidade de confiabilidade no seu teor e da sua fidelidade” (MENDRONI, 2014, p. 48).
Por sua vez, o § 14o do art. 4° da mencionada lei estabelece que: ‘‘Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade’’.
Sabe-se que o direito ao silêncio é assegurado pela Constituição Federal, não podendo o agente renuncia-lo, por se tratar de direito indisponível, ele poderá optar por não valer-se desse direito, desprezando o direito de permanecer calado, “a abdicação em questão, obrigatoriamente, deverá ser feita diante o advogado do delator, que por exigência de cunho normativo, deverá acompanha-lo em todas as fases em que a colaboração premiada se desenvolve [...]” (MOSSIN, 2016, p. 207).
Ainda, o § 15o do art. 4° da lei em comento preceitua que: ‘‘Em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor’’.
Para Mendroni (2016) essa exigência é de cunho constitucional e assegura principalmente o Princípio da Ampla Defesa, é também uma das formas de garantia de que a Colaboração Premiada seja feita da forma mais correta possível no que diz respeito às suas formalidades de cunho normativo.
Por fim, o § 16o do art. 4° da mencionada lei estabelece que: ‘‘Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador’’.
De acordo com a inteligência de Mendroni (2014) as informações obtidas a título de colaboração não são suficientes para ensejar a uma condenação, nem do próprio colaborador e nem daqueles por ele delatados, essas informações servem de complemento ao conjunto probatório, sendo necessária a constatação de evidências e provas capazes de assegurar o que foi delatado.
Contudo pode-se concluir que, o Instituto da Colaboração Premiada foi um meio que o Estado encontrou, para obter informações privilegiadas em um menor lapso de tempo, e com a maior possibilidade de elucidação dos fatos ilícitos, para que haja uma rápida punição aos agentes que violam suas leis, e como forma de vetar que aconteçam novos crimes no caso das organizações criminosas com seu consequente desmembramento.
4 CONCLUSÃO
O Direito Penal, ao proteger o bem jurídico, se fundamenta essencialmente no seu princípio da legalidade que se subdivide na positivação criminal e na anterioridade da lei penal. Tendo isso em mente sabe-se que não existe crime sem lei anterior que o defina, então para o crime, ou mais, para as disposições do Código Penal valerem, elas devem estar constituídas de maneira codificada e serem anteriores ao fato.
A colaboração premiada não foge a esta regra. Ela deve estar expressamente prevista no tipo que institui o crime em questão para que surta os seus efeitos. Efeitos estes também previstos no tipo penal, sendo cada um com sua especialidade, não se atrelando o legislador à uma regra geral de aplicação.
Com base na pesquisa realizada observou-se que o Instituto da Colaboração Premiada não constitui um elemento novo em nosso ordenamento jurídico mais que já fora utilizado desde a década de 90 em diversas legislações esparsas que, por disporem sobre o instituto de maneira obscura e lacunosa, tornara sua aplicação difícil e duvidosa (COSTA, 2013).
Nesse meio termo gerou-se inúmeras controvérsias acerca da Colaboração Premiada, pois para alguns doutrinadores tratava-se de meio antiético e imoral de obtenção de provas tanto em meio aos homens de bem, como em meio aos criminosos. Há que se falar também que feria o princípio da proporcionalidade da pena, o que não se pode tomar como base como restou aclarado no decorrer do trabalho.
O que deve ser ponderado é que houve um significativo avanço na legislação com o advento da Lei n° 12.850/2013, na qual se encontra a definição de organização criminosa, ora dispersa em todas as legislações que tiveram como intuito conceitua-las, dificultando assim a caracterização das organizações criminosas e o seu consequente desmembramento, deixando a sociedade à mercê desse tipo de criminalidade.
Por sua vez a mesma Lei n° 12.850/2013, trouxe em seu bojo a devida regulamentação para a utilização do instituto da Colaboração Premiada como meio de obtenção de prova capaz de auxiliar as autoridades judiciais, diante da inércia do nosso aparato investigatório, contribuindo assim para o avanço da persecução penal.
A Colaboração Premiada é um meio de obter um conhecimento privilegiado através do delator, que deverá prestar colaboração voluntária e eficaz, se mostrando arrependido da prática dos ilícitos para que, possa obter alguns dos prêmios legais, que poderá ser desde a redução da pena até o perdão judicial, auxiliando e muito as autoridades judiciais na elucidação dos crimes.
Vale ressaltar a discricionariedade do juiz ao homologar o acordo de Colaboração Premiada, pois ele não fará parte das negociações, ficando estas a critério somente do Ministério Público, do colaborador e seu defensor ou advogado, o juiz fará jus somente aos requisitos legais para que haja a homologação do acordo, não ficando ele vinculado a conceder a benesse legal na sentença, sendo neste momento observada a eficácia da colaboração.
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[1] Orientadora com título de mestrado. Professora e coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo. TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Morgana Nunes Tavares. A importância da colaboração premiada como mecanismo de combate ao crime organizado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51926/a-importancia-da-colaboracao-premiada-como-mecanismo-de-combate-ao-crime-organizado. Acesso em: 23 dez 2024.
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