RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de demonstrar a importância da atribuição do poder investigatório ao Ministério Público, uma vez que o propósito da investigação criminal é fornecer elementos suficientes para a propositura de uma ação penal justa e condizente com os princípios aduzidos na Constituição Federal do Brasil, de 1988. Logo, a finalidade do trabalho é demonstrar qual a importância da atribuição do poder investigatório ao Ministério Público para a consecução dos fins do Estado de Direito, pois se trata de um órgão essencial à função jurisdicional estatal. Para se chegar a essa conclusão, o estudo foi estruturado a partir de uma pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial, utilizando-se da abordagem qualitativa, com método dedutivo- hipotético e com objetivo exploratório.
Palavras - chave: Poder Investigatório. Ação Penal. Ministério Público. Estado de Direito. Direito Público.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem o propósito de demonstrar a importância da atribuição do poder investigatório ao Ministério Púbico. O Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado brasileiro e que tem como objetivos a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis. Destarte, o Ministério Público é um defensor da sociedade.
Para a consecução de um dos seus objetivos fundamentais, a Constituição Federal do Brasil de 1988 atribuiu ao Ministério Público a prerrogativa de ser titular privativo da ação penal pública. Assim, nada mais justo que o Ministério Público possua o poder investigatório, pois poderá cumprir fielmente a sua missão institucional. Ademais, destaca-se que a finalidade principal da investigação criminal é evitar acusações infundadas, acusações estas que serão promovidas pelo Parquet.
Muito se tem questionado se o Ministério Público é detentor do poder investigatório, tendo em vista que há uma corrente doutrinária que defende que a investigação criminal é um ato exclusivo da polícia, fato que culminou na apresentação e rejeição da tão questionada PEC 37 (proposta de Emenda à Constituição Federal 37).
O certo é que apesar de não estar expressamente prevista na Constituição, vários são os instrumentos legais que de uma forma implícita atribuem para o Ministério Público a competência para a promoção de investigações criminais.
Diante do exposto, observa-se que a pesquisa terá como problema o seguinte questionamento: qual a importância do poder investigatório do Ministério Público para a consecução dos fins do Estado de Direito?
Para que ocorra uma melhor compreensão do problema apresentado, o trabalho será estruturado para demonstrar como é importante a atuação do Ministério Público na persecução penal. Para tanto, faz-se necessário conceituar Estado de Direito e Ministério Público, identificar a principal atribuição do Ministério Público como titular privativo da ação penal, apresentar a divergência doutrinária no que diz respeito ao poder investigatório do Ministério Público, mostrar a posição jurisprudencial sobre o tema e, por fim, demonstrar a importância do poder investigatório do Ministério Público para a consecução dos fins do Estado de Direito.
A ocorrência de uma persecução penal justa necessita que o poder de investigação criminal não seja concentrado em apenas um órgão, mas em vários, uma vez que o crime cresce numa velocidade muito acelerada, fato que vem assustando a sociedade atual.
Atribuir o poder investigatório ao Ministério Público não significa usurpar a atribuição da polícia como muitos pensam, mas, sim, contribuir para que o Estado brasileiro tenha uma persecução penal mais justa e condizente com os princípios fundamentais aduzidos na Constituição Federal brasileira de 1988, como, por exemplo, o da dignidade da pessoa humana.
Portanto, mostra-se imperiosa a discussão a respeito de se atribuir ou não o poder investigatório para o Ministério Público.
2. ESTADO DE DIREITO E O MINISTÉRIO PÚBLICO
Filho (2011) conceitua o Estado de Direito como aquele em que seus poderes são limitados, ou seja, aquele que deve obediência à Constituição, às leis e às regras jurídicas. É o contrário do Estado Absolutista, em que o rei pode tudo e não sofre limitações. No Estado de Direito, os direitos fundamentais servem como limitações ao poder estatal.
Mendes (2012) destaca que os direitos e as garantias fundamentais não só servem de limites para o Estado de Direito, como também servem de diretrizes para a sua atuação. Por sua vez, Barroso (2012) fala que o Estado de Direito é o que encontra legitimidade e também limites na Constituição e nas leis.
Portando, o Estado de Direito é o que encontra limites na sua atuação, limites estes que são impostos com o objetivo de se garantir o devido respeito aos direitos e às garantias fundamentais das pessoas. Observa-se que aqui entra a importância da atuação do Ministério Público, porque é um órgão vocacionado à defesa do sistema jurídico e legal.
O Ministério Público é definido com uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do estado e que tem como objetivos principais a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Mendes (2012) entende que a Constituição de 1988 passou para o Ministério Público uma gama muito grande de poderes, pois é um órgão que defende os interesses sociais e políticos mais relevantes da sociedade.
2.1 Ministério Público e a Investigação Penal
Um dos poderes mais relevantes do Ministério Público é o poder de dar início à persecução penal. Essa prerrogativa é conferida pelo inc. I do art. 129 da Constituição Federal: “Art. 129, I. São funções institucionais do Ministério Público: promover privativamente a ação penal pública” (www.planalto.gov.br).
A ação penal pública é iniciada por uma peça denominada de denúncia. Para Capez (2012) a denúncia é uma peça que inaugura a ação penal, consistente em uma exposição escrita de fatos supostamente criminosos atribuídos a um possível autor e que, por isso, merecem uma sanção penal. Filho (2011) destaca que essa denúncia é ato exclusivo do Ministério Público.
Para a propositura da ação penal, o Ministério Público necessita de indícios de autoria e de materialidade do fato, requisitos que muitas vezes são adquiridos através da investigação criminal. Assim, a investigação criminal é de suma importância para a consecução de um dos principais fins institucionais do Ministério Público.
Apesar da importância para a ação penal, a doutrina não é unânime em atribuir o poder de investigação ao Ministério Público.
2.2 Corrente contrária ao poder investigatório do Ministério Público
O poder investigatório do Parquet é questionado por parcela da doutrina. Alega-se que a investigação realizada pelo Ministério Público atenta contra o sistema acusatório e que é uma atividade exclusiva da polícia judiciária, pois não há previsão legal que atribua tal poder ao Ministério Público.
Bitencourt (2013) entende que o poder investigatório é exclusivo da polícia judiciária, sendo ilegítimo e inconstitucional o desempenho de tal atividade pelos membros do Ministério Público. Para o doutrinador, o que o Ministério Público tem é atribuição para acompanhar a investigação criminal, fato que não pode ser confundido com o poder de realizá-la.
Grinover (2004), citada por Bitencourt (2013) afirma que não tem dúvida sobre a não aquisição do poder investigatório por parte do Ministério Público, já que a Constituição Federal do Brasil atribui essa função para a Polícia Federal e para as Polícias Civis dos Estados.
Esse era o posicionamento antigo do egrégio Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES. INQUÉRITO. REQUISIÇÃO DE INVESTIGAÇÕES. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. C.F., art. 129, VIII; art. 144, §§ 1º e 4º. I. - Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior. II. - R.E. não conhecido. STF, RE 205473 / AL, Recurso Extraordinário nº 205473 / 1998 (grifo nosso) (www.stf.jus.br).
Essa corrente entende que o Ministério Público tem poder de requisitar diligências e investigações criminais, mas não o de presidi-las, por não haver previsão constitucional e legal. Assim, a atividade investigatória seria exclusiva da polícia judiciária.
2.3 Corrente favorável à atribuição do poder investigatório ao Ministério Público
A parte da doutrina que defende a atribuição do poder investigatório ao Ministério Público diz que a investigação realizada pelo Ministério Público não atenta contra o sistema acusatório e que essa atividade não é exclusiva da polícia judiciária. Afirma ainda que a atribuição desse poder ao Parquet é essencial e vital para a consecução dos fins do Estado de Direito.
O poder investigatório do Estado não é atribuição exclusiva da polícia judiciária. Ademais, pela teoria dos poderes implícitos, quando a Constituição Federal confere a um órgão uma função institucional, automaticamente transfere os meios necessários para o seu fiel cumprimento. Assim, fornecer o poder investigatório ao Ministério Público, nada mais é do que fornecer um meio eficaz para que o parquet possa realizar sua principal função institucional.
Mello (s.d.), citado por Lenza (2012, p. 196), afirma que:
[...] a teoria dos poderes implícitos decorre de doutrina que, tendo como precedente o célebre caso McCULLOCH v. MARYLAND (1819), da Suprema Corte dos Estados Unidos, estabelece: ... a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos.
Em relação à exclusividade, preceitua o parágrafo único do art. 4 do Código de Processo Penal:
Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função (grifo nosso) (www.planalto.gov.br).
Capez (2012) aduz que o art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal, mostra de forma clara que o poder investigatório não é exclusividade da polícia judiciária. Se não é exclusividade da polícia judiciária, como falar que não poder ser atribuído a outro órgão?
De maneira acertada, Filho (2011) defende a atribuição do poder investigatório criminal ao Ministério Público, pois a interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988 leva a essa conclusão. Assevera ainda que a investigação criminal não pode ser feudalizada nas mãos de um único órgão.
O Supremo Tribunal Federal atualmente vem defendendo essa corrente, aduzindo, em repercussão geral, que o Ministério Público, por autoridade própria, pode promover investigações de natureza penal, mas desde que se observem alguns parâmetros, como:
a) Respeitar os direitos e garantias fundamentais;
b) Os atos da investigação devem ser documentados e praticados por membros do parquet;
c) Respeito às hipóteses de reserva de jurisdição (ex: interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário etc);
d) Respeito às garantias profissionais dos advogados;
e) Duração razoável do prazo da investigação;
f) Garantia de que os atos de investigação conduzidos pelo MP sejam controlados pelo Poder Judiciário.
A tese fixada na repercussão geral foi a seguinte:
O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigação de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoas sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os advogados (Lei 8.906/1994, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XII, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle judicial dos atos, necessariamente documentados (Enunciado 14 da Súmula Vinculante), praticados pelos membros dessa instituição) (STF. Plenário, RE59727/MG, rel. orig. Min. Cezar Peluso, red/ p o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/5/2015 – repercussão geral – inf.785).
Com a argumentação supracitada, observa-se que a atribuição do poder investigatório para o Ministério Público encontra amparo no pensamento de parte da doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fato que corrobora com os fins do Estado de Direito.
3. CONCLUSÃO
O objetivo do presente trabalho é o de demonstrar a importância da atribuição do poder investigatório ao Ministério Público para a consecução dos fins de um Estado de Direito.
O Estado de Direito é aquele que deve obediência à Constituição Federal e às Leis, ou seja, é aquele que encontra limites na sua atuação. Os limites ao Estado de Direito são impostos com o objetivo de se garantir o devido respeito aos direitos e às garantias fundamentais. Aqui entra a importância da atuação do Ministério Público, tendo em vista que se trata de é um órgão vocacionado à defesa do sistema jurídico e legal.
Uma das mais importantes ferramentas que o Ministério Público tem para proteger o sistema jurídico é a ação penal. Para que se possa ter uma persecução penal justa é necessário que o poder de investigação criminal não seja concentrado em apenas um órgão. Atribuir o poder investigatório ao Ministério Público não significa usurpar a atribuição da polícia judiciária como muitos pensam, mas, sim, contribuir para que o Estado brasileiro tenha uma persecução penal mais justa e condizente com os princípios fundamentais constitucionais defendidos pelo nosso Estado.
4. REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2012.
BITENCOURT, Cézar Roberto. Participação de policial em crimes relativos a organização criminosa. 2013. Disponível em: . Acesso/impressão do documento em: 12 jan. 2014.
BRASIL. Código de Processo Penal: promulgada em 3 de outubro de 1941. Disponível em <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm >. Acessado em 23/04/2018.
______. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acessado em 23/04/2018.
______. Supremo Tribunal Federal. Plenário, RE59727/MG, rel. orig. Min. Cezar Peluso, red/ p o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/5/2015 – repercussão geral – inf.785 Disponível em:< http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo785.htm>. Acesso em: 23/4/2018.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2012.
FILHO, João Trindade Cavalcante. Roteiro de Direito Constitucional. 4ª ed. Brasília: Gran Cursos, 2011.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.
Bacharel em Direito - Faculdade de Ciências Sociais e Tecnológicas - FACITEC. Especialista em Direito Público (Pós-Graduação Lato Sensu) - Faculdade Projeção. Ex-Técnico Judiciário/TST, ex- Analista do MPU - Apoio Jurídico / Direito; ex-Analista Judiciário - Área Judiciária, atualmente Advogado da União<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, Marcos Vinicius Martins. O poder investigatório do Ministério Público no Estado de Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51967/o-poder-investigatorio-do-ministerio-publico-no-estado-de-direito. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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