RESUMO: O presente artigo versa sobre uma das questões mais controvertida e relevante no CPC de 2015. Trata-se da exata compreensão de não haver vinculação obrigatória de algumas normas inseridas no novo códex, concernente aos denominados precedentes judiciais, compreendidas entre os artigos 927 a 1.040, do CPC/2015, devido à ausência de autorização constitucional. Este artigo tem por intuito apenas mitigar o atual dissenso na doutrina acerca do tema em exame.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual Civil; Jurisprudência; Efeito Vinculante; Inconstitucionalidade; Eficácia Persuasiva; Precedentes Judiciais.
ABSTRACT: This article is about one of the most controversial and relevant issues in the CPC of 2015. Is the exact understanding of not having binding of some norms inserted in the new cpc, concerning the so-called precedents, included between articles 927 to 1.040 of the CPC/2015, due to the absence of constitutional authorization. This article is intended only to mitigate the current dissent in doctrine about the subject under examination.
KEYWORDS: Civil Procedure Law; Jurisprudence; Binding Effect; Unconstitutionality; Persuasive Effectiveness; Judicial Precedents.
O CPC/2015 (Lei n.º 13.105/2015), em vigência desde 18/03/2016, impingiu uma valorização da jurisprudência para fomentar os tribunais a uniformizar, mantendo estável, íntegra e coerente a sua jurisprudência, criando em seguida, uma vinculação que lhe dê mais garantia, mais segurança para a sociedade de conhecer os pontos de vista, os entendimentos que predominam no âmbito dos tribunais.
No entanto, o ordenamento jurídico pátrio adotou o sistema do civil law, em que o precedente judicial interpreta em geral papel de cunho persuasivo (persuasive authority).
A jurisprudência derivada dos tribunais superiores, possui a função de orientar e de nortear a interpretação da lei pelos juízos inferiores, mas não necessariamente obriga que se adote o mesmo entendimento, sob pena de ser renegado ao magistrado o princípio do livre convencimento motivado, não obstante não haver no CPC/2015 dispositivo de exata correspondência com o art. 131, do CPC/73, o que tem levado alguns doutrinadores a sustentar que não mais existe no ordenamento jurídico brasileiro o citado princípio, o que discordamos, data venia.
Por sua vez, o direito jurisprudencial não tem o condão de surtir efeitos vinculantes, tanto que se verifica com frequência os casos em que questões jurídicas semelhantes geram decisões distintas, porque proferidas por diferentes sujeitos ou órgãos judicantes.
Tradicionalmente, nos sistemas de common law, provenientes do direito inglês e norte-americano, em que prevalece o direito casuístico, o precedente judicial assume função diferente daquela que exerce nos sistemas de civil law, provenientes da tradição romano-germânica, em que predomina o direito codificado. Na common law, o precedente judicial tem, em regra, papel vinculante, coercitivo (binding authority); na civil law, pelo contrário, o precedente judicial interpreta em geral papel de cunho persuasivo, de valor moral (persuasive authority).
No direito contemporâneo, é inegável a iteração entre os sistemas de civil law e do common law, abstraídas as peculiaridades de cada um dos sistemas suso mencionados, que não serão objeto do presente artigo.
Contudo, torna-se imperioso se atentar para o papel persuasivo da jurisprudência. Assim, note-se que, nos ordenamentos codificados, é indubitável a constante tendência de os juízes aterem-se aos precedentes na fundamentação da ratio decidendi.
A ratio decidendi de uma decisão judicial é a parte vinculante de um precedente. Todavia, não se trata de uma vinculação em termos de efeitos processuais, como a coisa julgada. Trata-se de uma vinculação argumentativa, do reconhecimento de que um juiz ou tribunal devem prestar contas ao fundamento de um precedente relevante quando for decidir sobre assunto correlato.
Dessarte, o presente artigo propõe-se a analisar de forma sistemática o papel e a influência do precedente judicial no ordenamento jurídico brasileiro, à luz da legislação infraconstitucional vigente, com a finalidade de conferir relevância ao precedente e de uniformizar a jurisprudência, sob a pretensa justificativa de garantir maior isonomia e segurança jurídica aos jurisdicionados.
2 OS PRECEDENTES “QUALIFICADOS” INSTITUÍDOS EQUIVOCADAMENTE PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Assevera-se, inicialmente que, os incisos III, IV e V, do art. 927, o § 3º, do art. 947, o § 2º, do art. 987, e o inciso III, do art. 1.040, todos do NCPC, são inconstitucionais, por ausência de técnica legislativa adequada, como será devidamente abordado no tópico subsequente.
Desta feita, o Superior Tribunal de Justiça adotou postura que, com fundamento equivocado nos incisos III e IV, do art. 927, do CPC/2015, editou a Emenda Regimental n.º 24, em 28/09/2016, incluindo em seu próprio Regimento Interno, os denominados “Precedentes Qualificados”, ex vi do art. 121-A, que preceitua o seguinte:
“Art. 121-A. Os acórdãos proferidos em julgamento de incidente de assunção de competência e de recursos especiais repetitivos bem como os enunciados de súmulas do Superior Tribunal de Justiça constituem, segundo o art. 927 do Código de Processo Civil, precedentes qualificados de estrita observância pelos Juízes e Tribunais”[1].
No mesmo sentido equivocado, o Tribunal Superior do Trabalho também, com base nas premissas instituídas no CPC/2015, aprovou a Instrução Normativa n.º 39/2016, editada pela Resolução n.º 203, de 15/03/2016[2].
Entretanto, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, com requerimento de medida cautelar, no Supremo Tribunal Federal, em 04/05/2016, objetivando a declaração de inconstitucionalidade formal e material da precitada instrução normativa, requerendo o deferimento de medida liminar para o fim de que seja suspensa a eficácia de tal instrução normativa, com efeito ex nunc[3].
A Procuradoria Geral da República apresentou a sua manifestação em 13/09/2016 e o processo se encontra concluso com o Ministro Relator Ricardo Lewandowski, desde o dia 14/09/2016, à espera de julgamento pelo Plenário da Suprema Corte de Justiça.
Com efeito, diante do fato de que a qualquer momento, a aludida ação direta de inconstitucionalidade poderá ser julgada, faz com que seja possível investigar de que maneira a manutenção das posturas do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho poderão influenciar, ainda, mais negativamente a imagem que o Judiciário vem obtendo da sociedade e dos operadores de direito nos últimos tempos.
Por conseguinte, a estratégia será analisar detidamente de que forma a jurisprudência posterior ao julgamento a ser, ainda, realizado pelo Supremo Tribunal Federal será atingida.
Por fim, os impactos que as futuras decisões semelhantes à referida serão recepcionadas pela coletividade a ponto de, gerar uma reação prontamente adversa ao desempenho do Judiciário como um todo.
A realização deste artigo pelo tema ora abordado, justifica-se na busca pelo fortalecimento do Direito Jurisprudencial, com o escopo de atender de forma efetiva os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
Por isso, deve-se levar em conta que, o sistema de precedentes vinculantes adotado pelo CPC/2015, se não for corrigido pelo legislador e pelos tribunais que estão legislando em causa própria, causará consequentemente, um constante enfraquecimento do Poder Judiciário, na medida em que representa a perda da confiança dos jurisdicionados no Estado.
Não obstante haver uma pretensa expectativa pelos operadores do direito em geral, de uniformização e estabilização da jurisprudência, mas verifica-se que, a asserção a ser defendida é que a teoria, ainda, está distante da prática.
Sendo assim, por mais que o CPC/2015 preveja uma tratamento específico de vinculação de precedentes, sem, sequer, haver autorização constitucional para tal desiderato, o destino que as diversas instância jurídicas reservam aos jurisdicionados, ainda, deixa a desejar.
A celeuma em questão ganha um contorno especial ao se incrementar o debate com algumas informações acerca do que pensa o jurisdicionado brasileiro sobre a prestação de serviços proporcionados pelo Poder Judiciário.
A estrutura da aplicação das leis deixa de ser vista como um simples poder público para ser alçado à categoria de uma prestação de serviços de importância capital no fomento à cidadania e participação popular.
Estando em evidência e com o crescimento de importância que teve, diversas políticas públicas foram envidadas com a finalidade de aumentar a eficiência e melhorar a operacionalização das leis no país. Destacando para isso, a Reforma do Judiciário implantada através da Emenda Constitucional n.º 45/2004.
Dessume-se, que a Emenda Constitucional n.º 45/2004, introduziu na Constituição Federal de 1988, o § 2º, do art. 102, atribuindo “efeito vinculante” às decisões colegiadas do Supremo Tribunal Federal, no que diz respeito ao controle concentrado de constitucionalidade das ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade.
O precitado comando da Lei Maior foi incluído também, pelo legislador ordinário do CPC/2015, por força do inciso I, do art. 927.
Do mesmo modo, a Emenda Constitucional n.º 45/2004, inseriu na CF/88, o art. 103-A, que trata das súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal e o legislador infraconstitucional do CPC/2015 a incluiu por efeito do inciso II, do art. 927.
Afinal, o efeito vinculante introduzido no NCPC, nos termos autorizados pela Constituição Federal, se restringiu somente às hipóteses previstas nos incisos I e II, do art. 927, supracitados.
Já em relação ao caráter vinculante atribuído aos incisos III, IV, e V, do art. 927, o § 3º, do art. 947, o § 2º, do art. 987, e o inciso III, do art. 1.040, todos do NCPC, pelo legislador ordinário do CPC/2015, entendemos data maxima venia que, tais dispositivos são inconstitucionais, por falta de técnica legislativa adequada, qual seja, a promulgação de emenda constitucional.
No mesmo sentido, de que há inconstitucionalidade das citadas normas, por falta de técnica legislativa adequada, que é a emenda constitucional e não lei ordinária, inferem-se os posicionamentos abalizados de Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery, Cassio Scarpinella Bueno, Hugo Nigro Mazzilli, Lenio Luiz Streck, Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes, Alexandre Melo Franco Bahia, Flávio Quinaud Pedron, Fernando Fonseca Gajardoni e Pedro Lenza, como serão devidamente descritos abaixo.
Acerca da inconstitucionalidade do rol inserido no art. 927, do NCPC, Nelson Nery Junior fez a seguinte explanação:
“Ao obrigar juízes e tribunais a observarem em suas decisões súmulas simples e acórdãos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o artigo 927 do Novo Código de Processo Civil confere a esses tribunais poderes legislativo e normativo. Porém, por essa novidade ter sido criada via lei ordinária, ela é inconstitucional. (…)
“[De acordo como o novo CPC] a jurisprudência vincula, mas a Constituição e a lei, não. Colocaram no novo código algo que deveria ser determinado por emenda constitucional”, afirmou Nery Jr. na reunião mensal das associadas do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, ocorrida em São Paulo nessa terça-feira (30/6).
Embora diga saber que os magistrados não irão denunciar a irregularidade, o processualista bradou que não se calará diante desse abuso: “As medidas do novo CPC tendentes a dar poderes legislativos aos tribunais são inconstitucionais. Mas nenhum tribunal vai dizer que são. Vendo uma barbaridade dessas, um passa-moleque desses na sociedade brasileira, eu, como jurista, não posso deixar de falar que isso é inconstitucional”.
Outro ponto que padece do mesmo vício é a possibilidade de os tribunais, por meio de seus regimentos internos, legislarem sobre regras processuais, segundo o advogado. Para ele, o Congresso Nacional “não pode permitir” essa transferência indevida de poderes”[4].
Quanto ao último parágrafo do texto supra transcrito, vê-se que, antes mesmo de entrar em vigor o CPC/2015 (18/03/2016), Nelson Nery Junior em 02/07/2015 já havia feito o alerta de que, “padece de vício a possibilidade de os tribunais, por meio de seus regimentos internos, legislarem sobre regras processuais” e foi justamente isso que fez a posteriori o Superior Tribunal de Justiça, através da edição da Emenda Regimental n.º 24, de 28/09/16 e, de forma análoga, o Tribunal Superior do Trabalho, com a aprovação da Instrução Normativa n.º 39/2016, editada pela Resolução n.º 203, de 15/03/2016.
No entanto, observe-se claramente que, os tribunais superiores suso mencionados invadiram área de atuação da legislação processual, de competência privativa da União (art. 22, I, da CF) e violaram as garantias constitucionais da reserva legal (art. 5º, II, da CF) e da independência funcional da magistratura (art. 95, da CF).
Veja-se que, o legislador infraconstitucional do CPC/2015 atribuiu equivocadamente força vinculante aos dispositivos legais em comento, com todas as venias. Com isso, tendenciou a dar poderes legiferantes aos tribunais. Comprometendo, assim, a segurança jurídica, a duração razoável dos processos e a efetividade da prestação jurisdicional, a ser asseguradas aos jurisdicionados.
Sobre o tema em questão, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que: “O Poder Judiciário não está autorizado a “legislar” – salvo quando permitido pela Constituição Federal, como no caso das súmulas vinculantes. O rol do art. 927 do CPC/2015, então, seria manifestamente inconstitucional”[5].
No 34º Encontro do Grupo Arruda Alvim de Debates sobre o Novo CPC, realizado em 21/09/16, Nelson Nery Junior foi indagado sobre o assunto em enfoque e respondeu, nos seguintes termos, respectivamente:
“Se os precedentes ou provimentos vinculantes do art. 927 são normas, o juiz do caso atual pode afastar a sua incidência, por considerá-los inconstitucionais?”. Em resposta, o citado jurista aduziu que: “Sim. Pode haver sim, o controle de constitucionalidade. Nós estamos falando de texto e eu sempre defendi a possibilidade de controle difuso pelo juiz de súmula vinculante pelo Supremo, que é equiparado à lei. O Supremo fazendo a súmula vinculante, é como se ele estivesse legislando. A constituição daria tal interpretação para essa situação concreta. Então, se eu sou juiz e estou diante de uma súmula vinculante, eu posso aplicá-la ou não. Se eu entendê-la inconstitucional eu não a aplico (...)”[6].
Nelson Nery Junior em palestra proferida na PGE/RJ, em abril/2017, cujo tema foi "Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos", afirmou que:
“O STF e o STJ não podem proferir decisões vinculantes, sob pena de estarem legislando; o STF e o STJ não editam teses jurídicas, mas sim, julgam os casos concretos que lhe são submetidos; os institutos do incidente de assunção de competência e o IRDR servem apenas para fazer que o tribunal tenha jurisprudência coerente, estável e íntegra. Fazer vinculação e os outros observarem, não é cabível, data venia; pode ser feito o controle de constitucionalidade da norma legislativa. No caso, o CPC/2015; não podem ser aceitos os institutos constantes no novo CPC em matéria de vinculação, que não seja a vinculação das súmulas vinculantes do STF e a eficácia da coisa julgada de mérito das ADIN's; (…)”[7].
“Saber se o CPC de 2015 pode querer que os efeitos das decisões paradigmáticas devam ser acatados pelos órgãos jurisdicionais em geral, criando-se, com isto, verdadeira hierarquia no Judiciário Federal e Estadual, é questão que não pode ser mais evitada.
Sim, porque sou daqueles que entendem que a decisão jurisdicional com caráter vinculante no sistema brasileiro depende de prévia autorização constitucional – tal qual a feita pela EC n. 45/2004 – e, portanto, está fora da esfera de disponibilidade do legislador infraconstitucional.
Ademais, não parece haver nenhuma obviedade ou imanência em negar genericamente o caráter vinculante às decisões jurisdicionais, mesmo àquelas emitidas pelos Tribunais Superiores. Isso porque a tradição do direito brasileiro não é de common law. É analisar criticamente, dentre tantos outros fatores, o real alcance das mais que cinquentenárias Súmulas (não vinculantes) do STF e sua cotidiana aplicação totalmente alheia a uma ou qualquer teoria sobre precedentes, sejam os do common law ou não, para chegar a essa conclusão. Não é diversa a experiência, embora mais recente, das próprias Súmulas vinculantes daquele tribunal e, desde sua instalação, em 1989, das Súmulas do STJ.
(...)
(...) não vejo como deixar de analisar o potencial desses dois dispositivos e dos demais que com eles se relacionam. Até porque, mesmo que descarte, como descarto, o seu efeito vinculante fora dos casos previstos na CF, isto é, para além das decisões proferidas pelo STF no controle concentrado de constitucionalidade (art. 102, § 2º, da CF) e de suas súmulas vinculantes (art. 103-A da CF), não vejo razão para desconsiderar a sua força persuasiva e a necessidade de ser estabelecida verdadeira política pública para implementar maior racionalização nas decisões e na observância das decisões dos Tribunais brasileiros, (...)”[8].
Cassio Scarpinella Bueno acrescenta, ainda, que:
“Não obstante, aquele elemento, de vinculação, parece ser insinuado com o uso de afirmativos imperativos toda vez que a temática da “jurisprudência” vem à tona. Prevê-se, até mesmo – e de forma contundente –, o uso da reclamação para afirmar e reafirmar a “observância” do que for decidido no incidente de resolução de demandas repetitivas e no incidente de assunção de competência (art. 988, IV, na redação da Lei n. 13.256/2016).
É o que basta para confirmar o acerto do que escrevi até agora. Independentemente da necessária discussão sobre haver ou não haver (legítimo) efeito vinculante a todas as decisões referidas nos incisos do art. 927, cabe à doutrina interpretar e sistematizar a disciplina daquelas decisões no próprio CPC de 2015 e, desculpe-me a insistência, prezado leitor, sempre levando em conta o que o modelo constitucional tem a dizer a seu respeito”[9].
Hugo Nigro Mazzilli contextualiza a temática sub examine, nos seguintes termos:
“O CPC voluntariosamente quis mudar o sistema brasileiro. Nossa Constituição já confere ao Supremo Tribunal Federal o poder normativo nas ações declaratórias de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, e nas súmulas vinculantes. O CPC acreditou-se no mesmo nível da Constituição, e acrescentou outras hipóteses… Afirmou que os acórdãos proferidos em incidentes de assunção de competência, em resolução de demandas repetitivas, em recursos extraordinários ou em recursos especiais repetitivos também têm força vinculante abstrata. Repicando a ousadia, afirmou que passam a valer como normas todas as súmulas do STF (não apenas as vinculantes). E mais: não só as súmulas e enunciados do STF e do Superior Tribunal de Justiça, mas também a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais os juízes estejam vinculados. Todas essas decisões criam normas obrigatórias para os casos atuais e até para casos futuros… O juiz só se desobriga de seguir o precedente se demonstrar a distinção do caso ou a superação do entendimento.
(…)
Mesmo nas poucas hipóteses em que o poder legiferante dos tribunais éadmitido pela Constituição, ainda assim é anomalia em nosso sistema, pois quebra o princípio da separação de poderes e impede o funcionamento adequado do sistema de freios e contrapesos.
(...)
(...). Por isso, ressalvadas as hipóteses em que o próprio poder constituinte já outorgou ao STF o excepcional poder de fazer leis materiais dotadas de generalidade e abstração, no mais nem mesmo esta Corte pode criar lei material.
O CPC de 2015 já começa por dar o mau exemplo de quebra do princípio da segurança jurídica, ao concentrar os poderes de fazer a lei e julgar os conflitos decorrentes da aplicação da lei nas mãos do mesmo órgão judicial, que, de resto, ainda é o mesmo que decide sobre a constitucionalidade da mesma lei.
Ora, a necessidade de prevenir o arbítrio é o fundamento último da divisão ou da separação de poderes à guarda da Constituição. Daí porque preponderantemente quem faz a lei não é quem a executa nem julga se essa lei é ou não constitucional, e vice-versa — e temos aí a base das democracias ocidentais. Ainda que se admita que haja antes uma combinação de poderes, a maneira pela qual a Constituição faz a combinação deve ser estritamente observada. Se abandonarmos o sistema em que o STF só pode legislar excepcionalmente— é o que diz a Constituição —, e, por via da lei ordinária, se inaugurarmos um sistema em que o Judiciário poderá legislar por todos seus órgãos colegiados em qualquer matéria quando bem o queira — é o que diz o novo CPC —, violaremos a Constituição.
O sistema constitucional nega ao Poder Judiciário fazer leis fora das hipóteses constitucionais. Mas o CPC de 2015 achou que podia ir além: deu poder legiferante a todos os tribunais”[10].
Em relação à inconstitucionalidade dos incisos III, IV e V, do art. 927, do NCPC, se faz imprescindível apontar abaixo, o entendimento de Lenio Luiz Streck:
“(…)
E eis os meus enunciados para evitar a fabricação de enunciados despistadores:
(…)
• O inciso III do artigo 927 é inconstitucional, devendo, em controle difuso ou concentrado, ser expungido do ordenamento;
• Somente podem ser vinculantes as súmulas vinculantes editadas segundo a EC 45, com quorum de oito ministros e obedecidos os requisitos legais para a emissão do provimento; portanto, é inconstitucional o inciso IV do artigo 927;
• O inciso V do artigo 927, que diz ser vinculante a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados, deve sofrer uma verfassugnskonforme Auslegung (interpretação conforme a Constituição), ou seja, somente é constitucional se a orientação do plenário ou órgão especial não se confrontar com orientação tomada pelo Supremo Tribunal Federal;
(…)”[11].
Humberto Theodoro Júnior e demais autores assentam a seguinte e pertinente indagação:
“A partir do art. 927, ter-se-á que qualquer Súmula do STF e do STJ, mesmo que não vinculante “deverá ser observada” pelos órgãos judiciários inferiores, ao lado daquilo que já possuía força vinculante – as Súmulas Vinculantes – e decisões em sede de RE/REsp repetitivos. (…) Qual a diferença entre uma Súmula ‘comum’ do STF ou do STJ de um lado e uma Súmula vinculante de outro? Se todas, afinal, vincularão, então por que diferenciar? Será que a única diferença é quanto à possibilidade de Reclamação (art. 988)? A questão que fica é: pode-se aumentar a competência de Tribunal a não ser via emenda à Constituição?”[12].
Fernando Fonseca Gajardoni assevera que:
“Não que não haja na Lei 13.105/2015 espaço interpretativo para negar aplicabilidade de uma série de seus dispositivos. De fato, é bastante duvidosa a constitucionalidade de disposição infraconstitucional que torne vinculantes precedentes dos Tribunais Superiores e dos Tribunais de 2º grau, sem que haja comando expresso na Carta Constitucional (cf. Art. 927 do NCPC)”[13].
Pedro Lenza manifesta o seu entendimento no seguinte sentido:
“Em nosso entender, essas regras de vinculação não poderiam ter sido introduzidas por legislação infraconstitucional, mas, necessariamente, por emenda constitucional a prever outras hipóteses de decisões com efeito vinculante, além daquelas já previstas na Constituição”[14].
Vê-se, que renomados juristas já manifestaram seu entendimento acerca da insconstitucionalidade dos dispositivos legais supramencionados. Em nosso humilde entender, não há margem de dúvida quanto a este assunto, data venia, haja vista que, sequer, está se discutindo o acerto ou desacerto de matéria atinente à direito processual civil, mas sim, em relação ao processo legislativo adequado, que diz respeito à direito de índole exclusivamente constitucional.
Conclui-se, portanto, que as normas legais em referência deveriam ter sido inseridas no ordenamento jurídico pátrio através da promulgação de Emenda Constitucional e não por meio de publicação de Lei Ordinária, que não se aplica para tal desiderato.
4 A EFICÁCIA PERSUASIVA DOS PRECEDENTES DO CPC/2015
No tocante à eficácia persuasiva dos precedentes, transcreve-se abaixo, a doutrina do jurista italiano Michele Taruffo, vejamos:
"nos ordenamentos de civil law, o grau de força que vem atribuído ao precedente é, provavelmente, menor do que aquele atribuído ao precedente do common law, mas nada exclui que existam precedentes tão influentes e persuasivos a ponto de serem impostos aos juízes sucessivos. (…). Em uma situação deste gênero, pode-se atribuir certa eficácia persuasiva à jurisprudência, quando esta não é autocontraditória e quando é possível individuar "sequência de precedentes" bastante uniformes. (…)"[15].
Acerca da não vinculação dos precedentes, o mesmo autor italiano assevera também que:
“mesmo na common law, não seria apropriado dizer que o precedente é vinculante, no sentido de dele derivar uma obrigação do juiz de se ater ao precedente. Mesmo nos sistemas inglês e norte-americano há recursos de argumentação que permitem a não utilização do precedente, mediante superação do entendimento ali consignado (overruling) ou criação de uma ressalva à sua aplicação, a partir de peculiaridades do caso a ser julgado (distinguishing)”[16].
No mesmo sentido da não vinculação das decisões judiciais, Rubens Limongi França afirma que:
“A não vinculação das decisões é tradição herdada do direito romano, a qual se justifica por quatro razões: em primeiro lugar, em suas decisões, o magistrado não aplica o direito segundo fórmula matemática pura e simples, mas atende a circunstâncias fáticas de ordem moral, social, psicológica e política que diferem das circunstâncias do caso seguinte; em segundo lugar, deve prevalecer a multissecular, trabalhada e complexa doutrina da coisa julgada, cujos princípios resguardam os direitos de terceiros que não integram a lide; em terceiro lugar, conhece-se a sobrecarga de serviços atribuída aos juízes e tribunais, sendo que decisões pouco meditadas estão longe de constituir expressão inatacável do direito; por último, por excesso de trabalho e por vezes por comodismo, magistrados e advogados tendem a se basear em máximas judiciárias sem avaliar seu respectivo valor intrínseco, gerando um círculo vicioso que contribui para o aviltamento da própria jurisprudência”[17].
Quanto ao assunto em voga, José Carlos Barbosa Moreira reconhece o seguinte:
“a jurisprudência nunca perdeu por completo o valor de guia para os julgamentos. Ainda onde se repeliu, em teoria, a vinculação dos juízes aos precedentes, estes continuaram na prática a funcionar como pontos de referência, sobretudo quando emanados dos mais altos órgãos da Justiça”[18].
Resta patente que, o legislador infraconstitucional impingiu uma relevante potencialização atribuída à jurisprudência no novo Código, ao prever um sentido bastante técnico desses vetores principiológicos, a partir de uma concepção de dignidade da pessoa humana, considerando para tanto, os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, como prevê expressamente o § 4.º, do art. 927, do NCPC.
Todavia, diante de uma profunda análise das doutrinas abalizadas supra transcritas, é de bom alvitre concluir que, os incisos III, IV e V, do art. 927, do CPC/2015 são inconstitucionais, bem como o § 3º, do art. 947, do NCPC, porque, por regra, a decisão colegiada "vinculará" os juízes e órgãos fracionários do respectivo tribunal em decisões futuras, cabendo reclamação, no caso de descumprimento (art. 988, IV, do NCPC).
Com efeito, resta manifesto caso de poder normativo inconstitucionalmente atribuído aos tribunais, por força de lei ordinária.
O mesmo ocorre também, nos incidentes de resoluções de demandas repetitivas. É de se observar que, do julgamento e fixação de “tese” em IRDR, cabe recurso especial ou extraordinário. Uma vez que o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Ttribunal Federal decidam o recurso, é a sua decisão que vale como “tese” e com força vinculativa (art. 987, § 2º, do NCPC).
Depreende-se que, a interpretação do tribunal, aplicada aos processos pendentes e suspensos, configura nada mais do que um caso de competência funcional. A sua aplicação aos casos futuros que versem idêntica questão de direito (art. 985, II, do NCPC), constitui também, inequívoca hipótese de poder normativo inconstitucionalmente conferido aos tribunais por meio de lei ordinária.
E, ainda, caberá reclamação para garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência (art. 988, IV, do NCPC).
Por fim, o julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos (art. 1.040, III, do NCPC), que reforça a adoção equivocada, data venia, de um sistema “vinculativo de precedentes”, que não se coaduna com o sistema do civil law adotado pelo ordenamento jurídico pátrio.
Registre-se que, é axiomática a evolução do Direito Jurisprudencial inserido no bojo do CPC/2015. Contudo, há o mesmo de ser aplicado conforme as premissas estabelecias na Carta Magna, de forma bem contextualizada, sob pena num futuro próximo, ser suscitado o controle difuso de inconstitucionalidade dos dispositivos em referência, na forma estatuída pelos arts. 948 e ss., do NCPC.
Inobstante o entendimento firmado por juristas de relevo no País, os quais respeitamos, mas em nosso humilde entender, a opção legislativa adotada (lei ordinária) para fins de atribuir efeitos vinculantes aos dispositivos legais supra apontados é equivocada, ou seja, somente por força de emenda constitucional é que se poderá conferir tal efeito vinculante às alusivas normas.
Destarte, para fins de cessar a mantença da incerteza, como vem ocorrendo constantemente com a doutrina, desde antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015, forçosa se faz proceder com uma correção, via alteração legislativa, eis que os limites semânticos do NCPC induzirão a manutenção do atual quadro de dúvidas e problemas para os jurisdicionados e operadores do direito.
Com isso, poderá ser colocado em risco o interesse social, a segurança jurídica e a isonomia, gerando, assim, um verdadeiro “caos” no ordenamento jurídico vigente e isso não se harmoniza com os efetivos interesses almejados pelos jurisdicionados, já sobejamente incrédulos com o aparato do judiciário brasileiro.
REFERÊNCIAS
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TST. Instrução Normativa n.º 39/2016, editada pela Resolução n.º 203, de 15/03/2016. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/discover?rpp=15&filter_1=Instrução+Normativa+-+IN&filtertype_1=especieato&filter_relational_operator_1=equals&filter_2=Brasil.+Tribunal+Superior+do+Trabalho.
[1] STJ. Emenda Regimental n.º 24, de 28/09/2016. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/105283.
[2] TST. Instrução Normativa n.º 39/2016, editada pela Resolução n.º 203, de 15/03/2016. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/discover?rpp=15&filter_1=Instrução+Normativa+-+IN&filtertype_1=especieato&filter_relational_operator_1=equals&filter_2=Brasil.+Tribunal+Superior+do+Trabalho.
[3] STF. ADIN 5.516-DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Conclusos ao relator em 14/09/2016. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4977107.
[4] NERY JUNIOR, Nelson. Nery Jr. critica norma do novo CPC que obriga juiz a observar jurisprudência. Conjur, em 02/07/2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-jul-02/nery-jr-critica-norma-obriga-juiz-observar-jurisprudencia.
[5] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1837.
[6] NERY JUNIOR, Nelson. 34º Encontro do Grupo Arruda Alvim de Debates sobre o Novo CPC. Em 21/09/2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kEY_sxt7elE&t=5655s.
[7] NERY JUNIOR, Nelson. Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos. Congresso Processo Civil e Fazenda Pública. PGE-RJ. 27 e 28 de abril de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iIBesJgz0u0&t=2454s.
[8] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: volume único. – 4. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 693-695.
[9] BUENO, Cassio Scarpinella. Ibidem.
[10] MAZZILLI, Hugo Nigro. Novo CPC viola Constituição ao dar poderes legislativos a tribunais. Conjur, em 03/10/2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-out-03/hugo-mazzilli-poder-tribunais-legislarem-viola-constituicao.
[11] STRECK, Lenio Luiz. A febre dos enunciados e a constitucionalidade do ofurô! Onde está o furo?. Conjur, em 10/09/2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-set-10/senso-incomum-febre-enunciados-ncpc-inconstitucionalidade-ofuro#sdfootnote3sym.
[12] THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização – 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 358-359.
[13] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. JOTA, em 20/07/2015. O novo CPC não é o que queremos que ele seja. Disponível em: < http://jota.info/o-novo-cpc-naoeo-que-queremos-que-ele-seja>.
[14] LENZA, Pedro. Reclamação constitucional: inconstitucionalidades no Novo CPC/2015. Conjur, em 13/03/2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-13/pedro-lenza-inconstitucionalidades-reclamacao-cpc>.
[15] TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Trad. Chiara de Teffé. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 3, n. 2, jul.-dez./2014. p. 8. Disponível em: http://civilistica.com/precedente-e-jurisprudencia/.
[16] TARUFFO, Michele. Precedente e Jurisprudência. Revista de Processo. vol. 199. São Paulo: Ed. RT, set. 2011, p. 139 e ss.
[17] LIMONGI FRANÇA, Rubens. Jurisprudência – Seu caráter de forma de expressão de Direito. Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol. 30, pp. 284/285.
[18] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, jurisprudência e precedente: uma escalada e seus riscos. Temas de direito processual. Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 300.
Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e Advogado militante nas áreas cível e empresarial.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Rodrigo Silva. A eficácia persuasiva dos precedentes do CPC/2015 e a inconstitucionalidade de algumas normas com caráter vinculante as no novo Código Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jul 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52072/a-eficacia-persuasiva-dos-precedentes-do-cpc-2015-e-a-inconstitucionalidade-de-algumas-normas-com-carater-vinculante-as-no-novo-codigo. Acesso em: 23 dez 2024.
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