RESUMO: Este trabalho de curso visa demonstrar e analisar os pontos mais importantes acerca das correntes de política criminal que discutem a necessidade e eficácia da maior ou menor intervenção do direito penal nos conflitos sociais, sobretudo das que se baseiam em uma política de Direito Penal Máximo, mas principalmente sobre a Teoria do Direito Penal do Inimigo, membro mais agressivo desse seguimento e que está mais em voga na atualidade. O objetivo é averiguar em que medida a implementação dessas medidas é realmente capaz de cumprir o papel a que se propõe, qual seja, o enfrentamento da criminalidade presente na sociedade moderna e a consequente geração de paz social. A questão principal gira em torno da legitimidade das leis que apresentam características da teoria do Direito Penal do Inimigo, demonstrando-se, para tanto, as raízes sistêmicas e filosóficas desta teoria, as causas que influenciam sua adoção como medida de enfrentamento da violência e as consequências que pode trazer para o cenário da segurança pública e da segurança jurídica. Para este trabalho, a metodologia aplicada foi embasada no método dedutivo, com apresentação de entendimentos legais e doutrinários advindo de obras notadamente reconhecidas.
Palavras-chave: Direito Penal Do Inimigo. O discurso do Direito Penal Desigual. Direito Penal máximo. Mimetismo e violência. Inconstitucionalidade.
ABSTRACT:Through literature research, with access to the work of Gunther Jakobs, periodicals and books, this course work aims to demonstrate and analyze the most important points about the current criminal policy that discuss the need and effectiveness of greater or lesser intervention of law criminal in social conflicts, especially those that are based on a policy of criminal Law Max, but mostly on the Theory of the Criminal Law of the Enemy, more aggressive member of the track and that is more in vogue nowadays. The aim is to ascertain to what extent the implementation of these measures is actually able to fulfill the role to which it is proposed, namely, the confrontation of this crime in modern society and the consequent generation of social peace. The main issue revolves around the legitimacy of laws that have features of the theory of the Penal Law of the Enemy, showing up for both, systemic and philosophical roots of this theory, the causes that influence its adoption as a means to combat violence and consequences it may bring to the stage of public safety and legal certainty. For this work, the methodology used was based on the deductive method, presenting legal and doctrinal understandings arising notably recognized works
Key words: Criminal Law The Enemy. Speaking of Criminal Law Desigual. Criminal Law fullest. Mimicry and violence. Unconstitutional.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 PRINCIPAIS DISCURSOS IDEOLÓGICOS DE POLÍTICA CRIMINAL. 1.1 ABOLICIONISMO PENAL. 1.2 DIREITO PENAL MÍNIMO. 1.3 DIREITO PENAL MÁXIMO. 1.3.1 Principais discursos maximalistas. 1.3.1.1 Tolerância zero. 1.3.1.2 Teoria das janelas quebradas (the broken windows theory) . 1.3.1.3 Three strikes and you are out. 1.3.1.4 Direito penal do inimigo. 2 O INIMIGO DO DIREITO: PERSPECTIVA HISTÓRICA. 3 TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO. 3.1 CONCEITO. 3.2 FUNDAMENTOS. 3.2.1 Fundamentos filosóficos. 3.2.2 Fundamentos sistêmicos. 3.3 CARACTERÍSTICAS. 3.3.1 O cidadão e o inimigo como tipos de autor do direito penal. 3.3.2 Duplo sistema de imputação. 4 DIREITO PENAL DO INIMIGO NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA. 4.1 DIREITO PENAL DO INIMIGO NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. 4.1.1 Regime disciplinar diferenciado. 4.1.2 Crimes hediondos. 4.1.3 Lei do abate. 4.2 DIREITO PENAL DO INIMIGO NO CÓDIGO PENAL. 4.2.1 Circunstâncias judiciais desfavoráveis. 4.2.1.1 Antecedentes. 4.2.1.2 Personalidade do agente. 4.2.1.3 Conduta social. 4.2.2 Reincidência como agravante de pena. 5 INAPLICABILIDADE DO DIREITO PENAL DO INIMIGO EM FACE DO MODELO PRINCIPIOLÓGICO LIMITADOR DO PODER PUNITIVO ESTATAL. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
A criminalidade se faz presente de uma maneira mais proeminente no cotidiano da sociedade brasileira. Com isso, a mídia naturalmente despende mais atenção ao problema da criminalidade.
De fato, a criminalidade desperta o interesse da sociedade, e, agora, com mais intensidade devido às facilidades com que são divulgadas as informações por diversos meios de comunicação de massa. Os comunicadores, muitas vezes profissionais que não possuem o conhecimento técnico para tratar do tema, criticam o sistema penal e propõem soluções aos problemas a ele inerentes.
Assim, em se tornando o direito penal midiático, a sensação de insegurança pode aumentar ainda mais e, consequentemente, gerar um clamor social de justiça através da adoção dos apelos veiculados pelos comunicadores de massa, que normalmente pugnam pelo enrijecimento do sistema penal.
Consolida-se na sociedade o entendimento segundo o qual a repressão penal deve ser prioridade para a solução do problema da criminalidade.
Nesse cenário, a sociedade espera que a paz social seja atingida por meio da penalização máxima, vale dizer, aumentar a quantidade de condutas tipificadas pelo direito penal e flexibilizar ou extinguir as garantias penais e processuais penais. E mais, as penas impostas às infrações, segundo essa proposta, só se prestariam à função de prevenção e repressão do crime se aplicadas da maneira mais dura possível.
A motivação para a realização deste estudo partiu, portanto, da notoriedade que as políticas criminais, que pugnam pela máxima utilização do direito penal na prevenção e redução da violência, ganharam nos últimos anos. Assim, o objetivo principal deste trabalho é investigar, com o apoio de renomados penalistas, se essas políticas criminais são realmente eficazes na redução da criminalidade ou, ao contrário, combatem apenas os sintomas dos problemas.
Com o intuito de demonstrar as consequências, nos planos concreto e jurídico, da adoção de medidas de política criminal baseadas na Teoria do Direito Penal do Inimigo, esta monografia pretende responder as seguintes principais perguntas: o endurecimento do sistema penal como um todo, com o consequente aumento de condutas incriminadas, com o recrudescimento das penas e a flexibilização ou extinção das garantias penais e processuais penais, se mostra realmente eficaz ao enfrentamento da violência? Quais as consequências, na prática, da adoção dessas medidas? A questão central é saber: por que há uma inclinação social no sentido de se punir mais e da forma mais rigorosa possível?
Para responder a estas questões, serão apresentados, analisados e discutidos os outros dois principais discursos de política criminal que advogam pela maior ou menor intervenção do direito penal nos conflitos, o Abolicionismo e o Minimalismo Penal, e os principais argumentos que gravitam em torno destes discursos, apontando seus pontos positivos e negativos.
Dentro das várias correntes ideológicas existentes dentro do segmento de Direito Penal Máximo, se analisará de maneira mais pormenorizada a Teoria do Direito Penal do Inimigo, desenvolvida por Gunther Jakobs, pois é a que mais se encontra em voga, ganhando bastante notoriedade no contexto atual em que a violência se faz presente no cotidiano das sociedades modernas de forma mais acentuada.
Assim, espera-se que a comparação das políticas de Direito Penal Máximo com outras ideologias de política criminal (Abolicionismo e Minimalismo) permita demonstrar qual delas se coaduna com o modelo de um Estado materialmente Democrático de Direito e sua consequente principiologia limitadora do poder punitivo estatal, bem como a resposta que cada uma delas apresenta aos anseios sociais.
Em uma perspectiva histórica, será demonstrado que os fundamentos filosóficos e sistêmicos que embasaram as políticas de Direito Penal Máximo, sobretudo a Teoria do Direito Penal do Inimigo, encontram-se presentes em expressões remotas, cujos fundamentos filosóficos e sistêmicos são semelhantes – se não idênticos – a ideia de um inimigo do Estado que merecia um tratamento penal diferenciado.
O ordenamento jurídico brasileiro, seguindo a tendência mundial de máxima penalização, não restou incólume às políticas de Direito Penal Máximo, sendo que várias leis foram elaboradas no afã de dar uma consequência jurídica mais rígida a uma determinada espécie de criminalidade.
Os assuntos que gravitam o direito penal há muito tempo despertam o interesse da sociedade. O crime e a criminalidade sempre foram explorados pela mídia, mas hodiernamente tem sido mais, mormente pela facilidade com que são divulgadas as informações através dos diversos meios de comunicação de massa.
Notícias relacionadas de alguma forma com criminalidade são publicadas à exaustão. O fato criminoso, o agente do fato e as vítimas são temas de pauta de uma boa parte – quando não da totalidade – do espaço dos programas de televisão, jornais, revistas, rádio e conteúdo da internet.
Os comunicadores, profissionais que na maioria das vezes não são os mais habilitados para tratar do tema, chamaram para si a responsabilidade de criticar o sistema penal e, como se não bastasse, propõem soluções aos problemas criminais.
Atualmente, a criminalidade realmente se faz presente de uma maneira mais acentuada e, consequentemente, os meios de comunicação dão destaque aos temas criminais, explorando ao máximo a veiculação de imagens relacionadas ao problema da segurança pública no país.
Dessa forma, a sociedade, amedrontada, tende a concordar com os apelos veiculados pelos comunicadores de massa e passa aderir às teses por eles defendidas, que normalmente pregam a maior criminalização de condutas, o recrudescimento das penas e a extinção de garantias processuais penais.
De fato o discurso penal agrada a sociedade, que deposita suas esperanças em relação à segurança pública prioritariamente no direito penal. Com isso, passa-se a consolidar um entendimento na sociedade segundo o qual o direito penal deveria amparar um amplo espectro de bens jurídicos, pois a repressão penal seria a forma mais eficaz de se enfrentar a criminalidade.
Nessa esteira, o direito penal moderno passa a pugnar por uma penalização máxima, como se os problemas sociais pudessem ser resolvidos por intermédio do direito penal, aplicado da forma mais severa, tanto quanto possível.
Três principais movimentos ideológicos de política criminal discursam acerca da necessidade, em termos quantitativos, da atuação do direito penal nos conflitos sociais: o Abolicionismo, o Direito Penal Máximo e o Direito Penal Mínimo.
Vale antecipar que, dessas correntes ideológicas, o Direito Penal Máximo está mais em voga, pois as políticas criminais atuais tendem a incorporar princípios orientadores dessa corrente dogmática. Contudo, as teses dessa corrente popular devem ser confrontadas com estudos técnicos sobre a efetividade a que se propõe, qual seja, gerar paz social por meio do recrudescimento do sistema penal. É o que este trabalho se propõe a fazer.
Assim, também faz-se necessário uma análise, ainda que em apertada síntese, dos outros principais discursos que se encontram em situação diametralmente opostas ao direito penal máximo – o Abolicionismo e o Direito Penal Mínimo – para que, ao final, possamos optar racionalmente por uma delas.
O Abolicionismo Penal, também denominado Política Criminal Verde, fundado no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, advoga pela deslegitimação do direito penal, pois se baseia no fundamento filosófico segundo o qual as instituições estatais devem atender um anseio da humanidade que é buscado a séculos, qual seja, a diminuição do sofrimento das pessoas.
A crueldade do direito penal, a sua seletividade, a incapacidade de cumprir com as funções atribuídas às penas, a característica extremamente estigmatizante, a cifra negra[1], a seleção do que deve ou não ser considerado como infração penal, bem como a possibilidade de os cidadãos resolverem, por meio dos outros ramos do ordenamento jurídico (civil, administrativo etc.), os seus conflitos interindividuais, levaram um grupo de autores a raciocinar a tese abolicionista[2].
Conforme destacado por Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar:
‘‘Partindo da deslegitimação do poder punitivo e de sua incapacidade para resolver conflitos, postula o desaparecimento do sistema penal e sua substituição por modelos de solução de conflitos alternativos, preferentemente informais. Seus mentores partem de diversas bases ideológicas, podendo ser assinalada de modo prevalentemente a fenomenológica, de Louk Hulsman, a marxista, da primeira fase de Thomas Mathiesen, a fenomenológica-histórica, de Nils Cristie e, embora não tenha formalmente integrado o movimento, não parece temerário incluir neste a estruturalista de Michel Focault’’.[3]
Louk Hulsman, um dos expoentes do movimento abolicionista, assevera:
‘‘Não se costuma perder tempo com manifestações de simpatia pela sorte do homem que vai para a prisão, porque se acredita que ele fez por merecer. ‘Este homem cometeu um crime’ – pensamos; ou, em termos mais jurídicos, ‘foi julgado culpado por um fato punível com pena de prisão e, portanto, se faz justiça ao encarcerá-lo’. Bem, mas o que é um crime? O que é um ‘fato punível’? Como diferenciar um fato punível de um fato não punível?
Por que ser homossexual, se drogar ou ser bígamo são fatos puníveis em alguns países e não em outros? Por que condutas que antigamente eram puníveis, como a blasfêmia, a bruxaria, a tentativa de suicídio etc., hoje não são mais? As ciências criminais puseram em evidência a relatividade do conceito de infração, que varia no tempo e no espaço, de tal modo que o que é ‘delituoso’ em um contexto é aceitável em outro. Conforme você tenha nascido em um lugar ao invés de outro, ou em uma determinada época e não em outra, você é passível – ou não – de ser encarado pelo que fez ou pelo que é’’[4].
A concepção de Louk Huslman advoga pela total extinção do sistema penal. Contudo existem correntes mais amenas, e por isso mais sedutoras. Thomas Mathiesen defende apenas a extinção da pena de prisão. Já Nils Cristie, por seu turno, defende a extinção de qualquer espécie de pena capaz de infringir dor ou sofrimento pessoal.
O Abolicionismo Penal, portanto, em síntese, defende a extinção do sistema penal, no todo ou em parte, posto que seus efeitos seriam mais funestos do que benéficos, não podendo ser aplicado sem que se macule a dignidade do ser humano.
Antônio de Padova Marchi Júnior refuta a possibilidade de extinção do sistema penal:
‘‘O Abolicionismo Penal surgiu a partir da percepção de que o sistema penal, que havia significado um enorme avanço da humanidade contra a ignomínia das torturas e contra a pena de morte, cujos rituais macabros encontram-se retratados na insuperável obra de Michel Foucault, perdeu sua legitimidade como instrumento de controle social.
Todavia, o movimento abolicionista, ao denunciar essa perda de legitimidade, não conseguiu propor um método seguro para possibilitar a abolição imediata do sistema penal. Diante de tal impasse, o princípio da intervenção mínima conquistou rapidamente ampla adesão da maioria da doutrina, inclusive de alguns abolicionistas que passaram a enxergar nele um estágio em direção à abolição da pena.
De fato, a opção pela construção de sociedades melhores, mais justas e mais racionais, impõe a reafirmação da necessidade imediata de redução do sistema penal enquanto não se alcança a abolição, de forma a manter as garantias conquistadas em favor do cidadão e, ao mesmo tempo, abrir espaço para a progressiva aplicação de mecanismos não penais de controle, além de privilegiar medidas preventivas de atuação sobre as causas e origens estruturais de conflitos e situações socialmente negativas.’’[5]
O anseio dos abolicionistas, porém, é utópico ao menos para o tempo atual, no qual se vive em sociedades de risco, o que impossibilita abrir mão do sistema penal, pois os demais ramos da ciência jurídica possuem outras especificidades que não dizem respeito à repressão de graves fatos indesejados que atingem os bens jurídicos mais importantes à manutenção do convívio social.
O Direito Penal Mínimo (que também recebe outras denominações, como Minimalismo Penal, Funcionalismo Racional ou Moderado, Abolicionismo Moderado, ou ainda como quer Rogério Greco[6], Direito Penal do Equilíbrio) não admite a extinção do direito penal, mas apenas e tão somente a sua redução, pois ele concretiza uma forma de reação social legítima, na medida em que cumpre a função de proteção dos bens jurídicos mais relevantes para a sociedade.
Segundo essa corrente dogmática, encabeçada principalmente por Luigi Ferrajoli, Eugênio Raul Zaffaroni, Alessandro Baratta, Claus Roxin, o direito penal deve intervir minimamente nas situações conflitantes que surgem na vida em sociedade, ou seja, a atuação do direito penal deve ser fragmentária, na medida em que somente se faz necessária quando a ofensa for dirigida contra bem de grande importância para a manutenção do convívio em sociedade, e subsidiária, quando os demais ramos do direito não se prestarem a solução do conflito.
Para os abolicionistas a pena é vista como um mal necessário, por isso deve-se buscar a redução ao mínimo da solução dos conflitos sociais por meio do direito penal.
Uma das principais características desta corrente é a aplicação de medidas de despenalização, tais como: sanções alternativas ou substitutivas à pena de prisão, reparação do dano; penas restritivas de direito; transação penal; suspensão condicional do processo e suspensão condicional da pena.
Juarez Cirino dos Santos, ao propor, nos moldes de um direito penal mínimo, a redução do sistema de justiça criminal, fala, ainda, em medidas de descriminalização, sendo esta indicada:
‘‘Primeiro, em todas as hipóteses (a) de crimes punidos com detenção, (b) de crimes de ação penal privada, (c) de crimes de ação penal pública condicionada à representação e (d) de crimes de perigo abstrato – sob os seguintes fundamentos: a) violação ao princípio da insignificância, por conteúdo de injusto mínimo, desprezível ou inexistente; b) violação ao princípio da subsidiariedade da intervenção penal, como ultima ratio da política social, excluída no caso de suficiência de meios não penais; c) violação ao princípio da idoneidade da pena, que pressupõe demonstração empírica de efeitos sociais úteis, com a exclusão da punição no caso de efeitos superiores ou iguais de normas jurídicas diferentes; d) violação do primado da vítima, que viabilizaria soluções restitutivas ou indenizatórias em lugar da punição.
Segundo, a descriminalização é indicada nos crimes sem vítima, como o auto-aborto (art. 124, CP), o aborto consentido (125, CP), a posse de drogas e outros crimes da categoria mala quia prohibita, sob os seguintes fundamentos: a) violação de bens jurídicos individuais definíveis como direitos humanos fundamentais; b) violação do princípio da proporcionalidade concreta da pena, porque a punição agrava o problema social, ou produz custos sociais excessivos,objetivo exclusivo do sistema penal.
Terceiro, a descriminalização é indicada nas hipóteses de crimes qualificados pelo resultado, como a lesão corporal qualificada pelo resultado morte (art. 129, § 3, CP), sob o fundamento de violação do princípio da responsabilidade penal subjetiva, como imputação de responsabilidade penal objetiva do velho versari in re illicita do direito canônico, incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Quarto, a descriminalização é indicada nas hipóteses de direito penal simbólico, especialmente em crimes ecológicos e tributários, substituídos por ilícitos administrativos e civil dotados se superior eficácia instrumental e social.’’[7]
O Direito Penal Mínimo se concretiza, assim, através da adoção de vários princípios que servem de orientação legislativa na criação e revogação de tipos penais incriminadores, e, ainda, na interpretação da normas feita pelos aplicadores da lei penal a fim de que se dê a lei sua correta interpretação, nos moldes de um Direito Penal Mínimo, racional e garantista.
Como princípio central dessa corrente de pensamento está o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, somente podendo ser o homem objeto da reprimenda estatal quando praticar fato criminoso que atente de forma materialmente significativa contra os bens jurídicos mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, e desde que os outros ramos do direito - que são menos aflitivos do que o direito penal – não se prestarem a solucionar satisfatoriamente tais conflitos.
Além do princípio Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, outros devem ter observância obrigatória para a efetivação de um Direito Penal Mínimo, limitando, através deles, o poder punitivo estatal. São eles: a) Princípio da Intervenção Mínima; b) Princípio da Lesividade; c) Princípio da Adequação Social; e) Princípio da Insignificância; f) Princípio da Individualização da Pena; g) Princípio da Responsabilidade Pessoal; h) Princípio da Proporcionalidade; i) Princípio da Limitação das Penas; j) Princípio da Culpabilidade; e k) Princípio da Legalidade.
Todos estes princípios orientam o impedimento, em tese, da adoção de políticas criminais que tragam consigo a preponderância do direito penal na solução de conflitos.
O Direito Penal Mínimo é, portanto, antagônico ao Abolicionismo penal e também ao Direito Penal Máximo. Em termos de propugnação quantitativa da atuação do direito penal, coloca-se entre os dois, depois daquele e antes deste, situando-se, portanto, numa posição intermediária e, por isso, virtuosa. Nesse sentido merecem ser transcritas as lições de Paulo de Souza Queiroz:
‘‘Reduzir, pois, tanto quanto seja possível, o marco de intervenção do sistema penal, é uma exigência de racionalidade. Mas é também [...] um imperativo de justiça social. Sim, porque um Estado que se define Democrático de Direito, que declara, como seus fundamentos, a ‘dignidade da pessoa humana’, ‘a cidadania’, ‘os valores sociais o trabalho’, e proclama, como seus objetivos fundamentais, ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’, que promete ‘erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais’, ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e assume, assim declaradamente, missão superior em que lhe agigantam as responsabilidades, não pode, nem deve, pretender lançar sobre seus jurisdicionados, prematuramente, esse sistema institucional de violência seletiva, que é o sistema penal, máxime quando é esse Estado, sabidamente, que por ação e/ou omissão, em grande parte corresponsável pelas gravíssimas disfunções sociais que sob o seu cetro vicejam e pelos dramáticos conflitos que daí derivam’’.[8]
Essa posição parece ser a mais acertada, por conseguir conciliar a proteção de bens jurídicos importantes à manutenção do convívio social com a preservação das garantias penais e processuais penais do agente do fato criminoso, respeitando dessa forma, o a Dignidade da Pessoa Humana bem como o Princípio da Proteção de Bens Jurídicos.
O Direito Penal Máximo, também denominado Eficienticismo Penal, defende a utilização prioritária do direito penal como instrumento eficaz para o enfrentamento da violência. Busca a máxima efetividade do controle social com a utilização prioritária do direito penal.
Os temas que giram em torno do direito penal despertam o interesse da sociedade. O crime e a criminalidade sempre foram transmitidos pela mídia, mas hodiernamente tem sido mais, principalmente pela facilidade com que são divulgadas as informações pelos meios de comunicação social.
Os meios de comunicação de massa divulgam exaustivamente notícias relacionadas de alguma forma com a seara criminal. O fato criminoso, o agente do fato e as vítimas são temas de pauta de uma boa parte – quando não da totalidade – do espaço dos programas de televisão, rádio e conteúdo da internet.
Os comunicadores, profissionais que na maioria das vezes não são habilitados para tratar do tema, criticam o sistema penal e, como se não bastasse, propõem soluções aos problemas criminológicos.
É inequívoco que, atualmente, a criminalidade realmente se faz presente de uma maneira mais acentuada no cotidiano da sociedade brasileira e, consequentemente, os meios de comunicação passam a dar maior destaque a violência em sua programação, explorando a veiculação de imagens comoventes, por vezes chocantes, que causam revolta e repulsa no meio social: homicídios cruéis, estupro e atendado violento ao pudor, crimes contra incapazes, rebeliões, torturas, corrupções etc.
Dessa forma, a sociedade, amedrontada, tende a concordar com os apelos veiculados pelos comunicadores de massa e passa aderir às teses por eles defendidas, que normalmente pregam a maior criminalização de condutas, o recrudescimento das penas e a extinção de garantias penais e processuais penais.
O discurso penal de fato agrada a sociedade, que deposita suas esperanças em relação à segurança pública prioritariamente no direito penal. Com isso, passa-se a consolidar um entendimento na sociedade segundo o qual o direito penal deveria amparar um amplo espectro de bens jurídicos, pois a repressão penal seria a forma mais eficaz de se enfrentar a criminalidade.
Neste cenário, parcela da classe política acompanha essa direção de anseio pela maior rigidez do sistema penal como forma de agradar seu eleitorado, promovendo debates, por exemplo, relativos à necessidade de se implementar no Brasil as penas de morte e de prisão perpétua, assim como a redução da maioridade penal, como se isso fosse possível. Tais propostas esbarram na impossibilidade da extinção de direitos e garantias individuais, conforme estabelece o artigo 60, § 4º, da Constituição Federal de 1988. E mais: mesmo se surgisse outra ordem constitucional, com a consequente criação de um novo Estado, os direitos humanos conquistados não poderiam ser extirpados, como bem salienta Fábio Conder Comparato quando assevera que:
‘‘Em matéria de direitos humanos, não se admite regressões, por meio de revogação normativa, ainda que efetuadas pos diplomas jurídicos de hierarquia superior àquele em que foram tais direitos anteriormente declarados. Se, por exemplo, a pena de morte é abolida por norma constitucional, o advento de nova Constituição não pode restabelecê-la’’ [9]
Nessa esteira, o direito penal moderno passa a pugnar por uma penalização máxima, como se os problemas sociais pudessem ser resolvidos por intermédio do direito penal, aplicado da forma mais rígida, tanto quanto possível.
Em havendo essa intervenção penal máxima, a função preventiva geral negativa da pena (ou prevenção por intimidação) passa a ser exacerbadamente valorada. A repressão teria o escopo de amedrontar o corpo social, servindo a pena, portanto, como meio de coação psicológica coletiva, intimidando a sociedade a comportar-se em conformidade com o direito, sob ameaça de duras consequências.
Para os adeptos desta corrente doutrinária, as medidas de despenalização estimulariam o cometimento de outros delitos:
‘‘ Uma teoria penal que abomina a detenção a ponto de substituí-la totalmente por multas e trabalho útil, por ‘restrições ao padrão de vida’, não só contém um erro intelectual, pois confunde lei e economia, como também está socialmente errada. Ela sacrifica a sociedade pelo indivíduo. Isso pode soar a alguns como incapaz se sofrer objeções, até mesmo desejável. Mas também significa que tal abordagem sacrifica certas oportunidades de liberdade em nome de ganhos pessoais incertos. Ser gentil com infratores poderá trazer à tona a sociabilidade escondida em alguns deles. Mas será um desestímulo para muitos, que estão longe do palco criminoso, de contribuir para o processo perene de liberdade, que consiste na sustentação e na modelagem das instituições criadas pelos homens’’[10].
Os adeptos do Direito Penal Máximo, portanto, optam por uma regra política que entende que todos os comportamentos desviados, independentemente do grau de importância que se dê a eles, são merecedores do juízo de censura a ser levado a efeito pelo direito penal.
Esse entendimento, por mais que traga um conforto ilusório dado pelo simbolismo da máxima criminalização, não deve prosperar. Primeiro porque a própria sociedade não toleraria a punição de todos os seus comportamentos antissociais, aos quais já está acostumada a praticar cotidianamente. Segundo, porque se a lei penal tem somente efeito simbólico, não afeta a realidade e, por consequência, não intervém satisfativamente na resolução dos conflitos sociais.
O direito penal moderno tende cada vez mais a seguir as orientações de um direito penal máximo, observado com aumento de produção legislativa em matéria penal, vale dizer, um fenômeno quantitativo de leis penais que passa a reprimir cada vez mais condutas, antes tidas como indiferentes penais, recrudescer as penas dos delitos já existentes e diminuir ou - quando não - extinguir as garantias penais e processuais penais.
Esse endurecimento do sistema penal, mais especificamente quanto às leis penais maximalistas, possui algumas características, quais sejam, consagração de um direito penal do risco, a antecipação das barreiras de punição (punindo-se até os atos preparatórios), aumento dos crimes de perigo abstrato ou presumido (quando não se exige lesividade em concreto ao bem jurídico tutelado pela norma penal), identificação prévia dos destinatários da lei penal, criação de tipos vagos e confusos e leis penais em branco, entre outras.
Nesta conjuntura, porém, aumenta o risco de desvios e abuso de poder na aplicação dos critérios de repressão pelo Estado, que pode vitimar inclusive, posteriormente, pessoas que, influenciadas pelo sistema político vigente, defenderam a elaboração de leis mais severas.
A quantidade elevada de leis penais, na verdade, somente culmina o enfraquecimento do o próprio direito penal, que perde seu prestígio e valor, em razão da certeza, quase absoluta, da impunidade. Nesse diapasão, Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, citando H. Packer, afirmam com precisão:
‘‘cada hora de labor da polícia, do Ministério Público, do Tribunal e das autoridades penitenciárias gasta nos domínios marginais do direito criminal, é uma hora retirada à prevenção da criminalidade séria. Inversamente, cada infração trivial ou duvidosa eliminada da lista de infrações criminais representa a libertação de recursos essenciais para uma resposta mais eficaz às prioridades cimeiras do sistema penal’’.[11]
No mesmo sentido, Luiz Luisi assevera que:
‘‘no nosso século têm sido inúmeras as advertências sobre o esvaziamento da força intimadora da pena como consequência da criação excessiva e descriteriosa de delitos. Francesco Carnelutti fala em inflação legislativa, sustentando que seus efeitos são análogos ao da inflação monetária, pois ‘desvalorizam as leis, e no concernente às leis penais aviltam a sua eficácia preventiva geral’[12].
Diante do exposto, percebe-se que vem predominando no direito penal moderno o Direito Penal Máximo, também chamado Movimento Neopunitivista ou Neocriminalizante.
Esse movimento é motivado pela exploração e potencialização da violência social por parte da mídia, o que incentiva um estado de insegurança, de medo e de terror, e, por consequência, cria-se a falsa ideia de ser o direito penal o instrumento mais eficaz ao combate à violência, desde que aplicado da maneira mais severa possível.
Em períodos de clamor público clamor, normalmente após crimes que chocam a sociedade, o legislador procura atender os anseios sociais com uma rápida resposta, e, com isso, muitas vezes criminaliza condutas sem qualquer fundamento criminológico e de política criminal, criando a ilusão de que resolverá o problema por meio da utilização da tutela penal. Com efeito, se a criação da lei penal não afeta a realidade, o direito penal acaba cumprindo apenas uma função simbólica.
O simbolismo do direito penal decorre do papel à que ele é dado pelas políticas de Direito Penal Máximo com a finalidade de contenção social. Em se considerando todo e qualquer tipo de desvio de conduta - mesmo que insignificantes e ainda que não atentem o princípio penal da alteridade - merecedora da intervenção penal, dá-se ao direito penal uma função preventiva geral educadora, na medida em que ele exerceria uma coação psicológica coletiva ao infundir na consciência da sociedade que pequenos desvios de condutas serão sempre merecedores de graves punições repressivas, por isso desproporcionais. O direito penal então serve como o principal meio de educar o corpo social, infundindo nele valores positivos através da função preventiva geral da pena.
Percebe-se, portanto, que Direito Penal Simbólico presta a função mais de atingimento de efeitos políticos imediatos do que a efetiva e real proteção de bens jurídicos, funcionando, nesse sentido, como um Direito Penal Promocional, no sentido em que o Estado se utiliza das leis penais para a consecução de suas finalidades políticas, muitas vezes espúrias no sentido jurídico, moral, ético e até mesmo político.
Nesse movimento de expansão ou hipertrofia do direito penal, utiliza-se a expressão Direito Penal de Emergência para expressar as hipóteses nas quais o Estado utiliza a legislação penal de forma excepcional para limitar ou derrogar garantias penais e processuais penais em busca do controle de uma espécie de criminalidade específica, justamente para se promover politicamente.
Na atualidade, países a exemplo do Canadá utilizam o direito penal como função simbólica e promocional, através de leis penais emergenciais. O Brasil também vem seguindo essa tendência como pode ser observado, por exemplo, com a promulgação das Leis n. 8.072/1990 (crimes hediondos) e 12.850/2013 (organização criminosa).
Em recente publicação, onde o fenômeno da hipertrofia do direito penal é amplamente analisado, Carlos Enrico Paliero fala em crescimento ‘patológico’ da legislação penal:
‘‘Todavia o fenômeno do crescimento desmedido do direito penal também ocorre no mundo anglo-saxão. Hebert Packer, em um livro intitulado The limits os criminal sanction, registra que a partir do século passado houve um enorme alargamento das leis penais pelo fato de ter sido entendido que a criminalização de toda e qualquer conduta indesejável representaria a melhor e mais fácil solução para enfrentar os problemas de uma sociedade complexa e interdependente em contínua expansão. Nos Estados Unidos, Kadish em trabalho a que deu o nome de The crisis of overcriminalization fala do emprego ‘superfluo ou arbitrário da sanção criminal, contendo uma massa de crimes, que em seu quantitativo superam as disposições incriminadoras previstas nos códigos penais. No Canadá – segundo informa Leclerq -, a comissão encarregada da reforma penal, fez, em 1974 um levantamento dos crimes previstos na legislação canadense, tendo chegado ao número assustador de 41.582 tipos de infrações criminais’’[13].
Conclui-se, dessa forma, que o discurso de um Direito Penal Máximo confunde-se com estratégia política que tem objetivos diferentes de resolver o problema principal, que são, na verdade, as infrações penais de grande potencial ofensivo que atingem de forma relevante os bens mais importantes e necessários à manutenção do convívio social, pois que se perde tempo, talvez propositadamente, com pequenos desvios, condutas de pouca ou nenhuma relevância.
A atuação do Estado na solução de pequenos desvios, condutas de pouca ou nenhuma relevância, afirma o caráter simbólico do direito penal. Com isso, o Estado perde a oportunidade de enfrentar as questões mais importantes de segurança pública e, principalmente, exercer as suas várias funções alheias ao direito penal, mas que também previnem e reprimem a violência, quiçá até mesmo com mais eficácia.
O caráter simbólico das leis penais faz o direito penal ocupar a posição de educador da sociedade, escondendo o grave e desastroso defeito do Estado, que não consegue cumprir suas funções sociais, principalmente a educadora, mas que seduz a sociedade - por meio de seus agentes políticos, principalmente pelos que exercem cargos eletivos – a depositar nele sua confiança para que se faça resolver os problemas sociais por meio da adoção de políticas penais, deixando, assim, suas próprias mazelas propensas ao esquecimento, pois conforta ilusoriamente a sociedade, fazendo-a acreditar que tais problemas serão efetivamente resolvidos por meio do direito penal, ficando em segundo plano as políticas sociais não penais, mas que também enfrentam o crime, preventivamente.
Normalmente, a criação das leis de Direito Penal Máximo é fortemente influenciada por sentimentos facilmente inflamáveis, o que conduz quase que indubitavelmente à irracionalidade técnica.
O critério de seleção legislativa da criminalização de condutas, que culmina com a maior rigidez do sistema penal, deve ser pautado em um critério racional, tendente a realmente zelar pela paz social independentemente, por exemplo, de clamor passional da sociedade.
A motivação para a criação legislativa também não deve proteger uma classe social em detrimento de outras, de forma a evitar o favorecimento das classes economicamente e politicamente dominantes e a consequente seletividade do direito penal[14].
Registra-se, por fim, que, na medida em que impõem graves limitações às garantias penais e processuais penais, a adoção de políticas públicas baseadas nesta corrente ideológica pode fazer ter espaço um Estado Penal no lugar de um Estado de Direito.
Ainda que este trabalho tenha por objeto específico a análise pormenorizada apenas de um dos ramos da família do Direito Penal Máximo, qual seja, Direito Penal do Inimigo, faz-se necessário conhecer outras teorias que procuram justificar a intervenção máxima do Estado no direito de liberdade dos cidadãos, pois que, na verdade, umas não excluem as ideias orientadoras das outras, mas muito mais têm em comum do que de diferente.
Tolerância Zero foi a denominação de um programa de combate à violência implementado na cidade de Nova York, no começo da década de 90, pelo prefeito Rudolph Giuliani, que consistia, segundo a terminologia de Kelling[15], ‘‘na aplicação inflexível da lei sobre delitos menores tais como embriaguez, a jogatina, e mendicância, os atentados aos costumes, simples ameaças e outros comportamentos antissociais associados à população de sem teto.[16]
Consistia em uma manobra de limpar as ruas do que as políticas de Direito penal Máximo costumam considerar como ‘destroços’ humanos, afligindo apenas a sociedade marginalizada e empobrecida pelo próprio sistema econômico, pois que somente essa se enquadra na seletividade objetiva exigida pelo movimento.
É a aplicação em concreto da Teoria das Janelas Quebradas.
A Teoria das Janelas Quebradas (The Broken Windows Theory) ou, melhor dizendo, The Fixing Broken Windows Theory, é o conteúdo teórico que fora aplicado na prática quando da implementação do movimento de Tolerância zero.
Conforme as lições de Daniel Sperb Rubín:
‘‘Em 1982, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, ambos americanos, publicaram na revista Atlantic Monthly um estudo em que, pela primeira vez, se estabelecia uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade. Naquele estudo, cujo título era The Police and Neiborghood Safety (A Polícia e a Segurança da Comunidade), os autores usaram a imagem de janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar-se numa comunidade, causando a sua decadência e a consequente queda da qualidade de vida. Kelling e Wilson sustentavam que se uma janela de uma fábrica ou de um escritório fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém se importava com isso e que, naquela localidade, não havia autoridade responsável pela manutenção da ordem. Em pouco tempo, algumas pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas ainda intactas. Logo, todas as janelas estariam quebradas. Agora, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém seria responsável por aquele prédio e tampouco pela rua em que se localizava o prédio. Iniciava-se, assim, a decadência da própria rua e daquela comunidade. A esta altura, apenas os desocupados, imprudentes, ou pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter algum negócio ou mesmo morar na rua cuja decadência já era evidente. O passo seguinte seria o abandono daquela localidade pelas pessoas de bem, deixando o bairro à mercê dos desordeiros. Pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais tarde, ao crime. Em razão da imagem das janelas quebradas, o estudo ficou conhecido como broken windows, e veio a lançar os fundamentos da moderna política criminal americana que, em meados da década de noventa, foi implantada com tremendo sucesso em Nova Iorque, sob o nome de "tolerância zero". [17]
Para esta corrente dogmática há um nexo causal entre a não repressão a pequenos desvios de conduta e a desordem. Assim, como a mera desordem levaria à criminalidade, a tolerância com pequenos delitos e contravenções, levam, indubitavelmente, ao cometimento de crimes mais graves.
Tal teoria, por mais sedutora que possa parecer, incorre em erro ao eleger o direito penal para tratar de comportamentos humanos indesejados e socialmente reprováveis que se consubstanciam em pequenos desvios de condutas ou personalidade, modo de viver. Enfim, condutas que poderiam ser reprimidas por outros ramos do direito que não o penal, ramo mais severo das ciências jurídicas por usar da sua força estigmatizante para a privação da liberdade como mal necessário à repressão e prevenção de infrações.
Os ideais dessa corrente doutrinária vilipendiam diretamente o Princípio da Proporcionalidade, e por corolário, o próprio Estado de Direito, pois, conforme o conhecido brocardo, seria como se se ‘‘matasse um mosquito com um tiro de canhão’’.
Em trabalho monográfico sobre o tema Gustavo Osna nos esclarece:
‘‘Por mais que não seja qualquer delito o suficiente para configurar a formatação de um primeiro stike (inobstante estar apta para fazê-la a maioria das infrações), após o registro deste último toda a reincidência do indivíduo, não importando a gravidade do ato lesivo, bastará para dar margem à incidência dos strikes subsequentes. Possui o segundo deles como traço marcante o fato de implicar na duplicação da punição do condenado. Já o terceiro e derradeiro traz consigo a aplicação da pena situada entre o patamar de 25 anos e o limite máximo da prisão perpétua, de modo à atribuir vestes de irrelevância à gravidade da conduta delituosa imputada ao acusado. Instaura-se cadeia gradativa e sucessiva de ausência de razoabilidade de punir’’[18].
A teoria em apreço é adotada em mais de 20 Estados norte-americanos. No Brasil, há de se registrar que, não obstante ser a reincidência uma circunstância valorada em desfavor do acusado quando da fase da aplicação da pena, não há registro de nenhum instituto de desproporcionalidade semelhante.
Este trabalho presta-se a criticar o Direito Penal do Inimigo, vertente mais agressiva da família do Direito Penal Máximo e que atualmente se encontra mais em voga. Por isto, esta teoria é tratada em seção própria, pois que trata do objeto da pesquisa científica ora transcrita.
A ideia de um direito penal desigual, ínsito à Teoria do Direito Penal do Inimigo, apesar de ter ganhado notoriedade com a publicação em 2004 do artigo que se intitula Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo (Burgerstrafrecht und Feindstrafrecht), de autoria de Jakobs, e pela publicação de textos posteriores do mesmo autor, encontra-se em registros históricos como, por exemplo, na sofística grega do século V a.C (que já considerava o delinquente como inimigo), na ateniense teoria penal de Protágoras (baseada no ‘‘Mito de Prometeu’’, onde Zeus haveria determinado que aquele que não fosse capaz de partilhar de pudor e justiça deveria morrer, por ser uma pestilência à sociedade), no sofismo do anônimo de Jâmblico (quando quem não se submetesse à lei era alvo de guerra), em Roma (o Senado poderia declarar inimigo público, tratava-se da figura do hostis iudicatus), na Idade Média na equiparação dos pecadores ao animais feita por Tomás de Aquino (o pecador, ser que não dotava de dignidade, deveria ser extirpado da sociedade)[19].
A dicotomia entre bons e maus, fundada em um conceito de personalidade, portanto, é antiga e permanece até os tempos contemporâneos. Nesta seção, contudo, a análise dos registros históricos cuja ideia de um inimigo do direito penal já se fazia presente compreenderá somente o período da chamada filosofia moderna, a partir, sobretudo, dos contratualistas, a exemplo de Jean-Jacques Rousseau, Johhan Gottlieb Fitche, Thomas Robbes, Immanuel Kant, Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
Rosseau reconhecia alguns inimigos como delinquentes, negando-lhes as condições de pessoas morais ou cidadãos:
‘‘Todo mal feitor que ataca o direito social torna-se por seus atos rebelde e traidor da pátria, cessa de ser membro dela ao violar-lhe as leis e até lhe faz guerra. Então a conservação do Estado é incompatível com a sua, sendo necessário que um dos dois pereça, e quando se faz morrer o culpado, é menos como cidadão do que como inimigo. O processo, o julgamento, são as provas e a declaração que rompeu o tratado social, e, por conseguinte, não é mais membro do Estado. Ora, como ele se reconheceu como tal, ao menos por sua morada, deve ser afastado pelo exílio, como infrator do pacto, ou pela morte, como inimigo público; pois tal inimigo não é uma pessoa moral, é um homem e é direito de guerra matar o vencido.’’[20]
Já Fitche defendia, com o propósito de o Estado preservar seus cidadãos de forma que eles não tivessem seus direitos privados, substituir a pena de exclusão do delinquente e a perda absoluta de seus direitos por outras penas. A exceção à substituição da pena é para o réu de homicídio premeditado, de modo que deve se proceder a exclusão do delinquente. Assim, anula-se o contrato social e o assassino fica absolutamente privado de qualquer direito, bem como o Estado também não tem nenhum dever para com ele, resultando a equiparação do delinquente a uma coisa, a um ‘cabeça de gado’[21].
Se porventura, em Rousseau e em Fichte não se resolveu ou não se expressou de modo claro quem são os inimigos, Hobbes definiu inimigos aqueles que se encontram em estado de natureza, cuja característica principal, usando uma terminologia mais moderna, é a falta de segurança cognitiva.
Maria Rita Monroe Danielle assim esclarece o conceito de inimigo para Hobbes:
‘‘O bem supremo do homem, para Hobbes, é a sua própria existência, que está em permanente perigo e não é assegurada pelo estado de natureza. Isto, pois, segundo Hobbes, a natureza criou os homens tão iguais nas faculdades do corpo e do espírito” que todos têm direito a tudo, inclusive ao corpo alheio. Daí a necessidade de se elaborar uma ordem na terra capaz de, ao menos, permitir a existência de todos, pois falta no estado de natureza um poder supremo que limite a liberdade dos homens’’.[22]
Em se tratando de função da pena, Kant alegava, em seu Retribucionismo Moral, que a reprimenda estatal teria o objetivo simplesmente de realização de justiça. A pena não teria deste modo, utilidade alguma, nem para a sociedade, nem para o delinquente. A razão de ser o réu castigado estava no fato do mesmo ter infringido a lei vigente. Kant negava toda e qualquer função preventiva da pena[23].
Já o Retribucionismo Jurídico, de Hegel, pode ser resumido em uma frase: ‘‘a pena é a negação da negação do direito’’. Para esta teoria absoluta, a prática do crime significaria a negação do direito por parte do delinquente; a pena seria a negação do crime. Com efeito, em se negando o crime (que é a negação do direito) com a aplicação da pena, estaria-se a negando a negação do direito representada pelo delito, o que culminaria por afirmar o direito. O direito seria, então, a materialização da vontade racional, e sua aplicação reafirmaria a vontade racional sobre a vontade irracional, indesejada.
Para Hegel aplica-se a pena para que haja restabelecimento, ou, nos termos da sua teoria, para que haja a reafirmação da ordem jurídica que tenha sido negada pela prática delituosa, não sendo a pena, portanto, um mal que se deve aplicar só porque antes houve outro mal, porque seria - como afirma o próprio Hegel - ‘‘irracional querer um prejuízo simplesmente porque já existia um prejuízo anterior’’.
O Direito Penal do Inimigo muito se assemelha à ideia heleliana na medida em que reconhece no direito penal a função primordial de proteção da norma, e não de proteção aos bens jurídicos tutelados pela norma.
O que propôs Jakobs, com o seu Direito Penal do Inimigo, alinha-se também, ao projeto de Estranhos à comunidade, formulado pelo penalista Edmund Mezger durante a Alemanha Nazista. Com a assunção de Hitler ao poder, o Partido Nacional-Socialista tratou imediatamente, de começar a reorganizar, conforme seus critérios, o Estado alemão, culminando, em 1944, com a edição do Projeto Nacional Socialista sobre o tratamento dos estranhos à comunidade.
O mencionado projeto, considerado um dos mais terríveis da história do direito penal, propunha, dentre outras coisas: a) a castração dos homossexuais; b) a prisão por tempo indeterminado dos considerados antissociais, ou seja, pessoas que se comportavam de maneira antissocial, a exemplo dos vadios, prostitutas, alcoólatras, praticantes de pequenas infrações penais etc., sem que houvesse necessidade de que tivessem praticado qualquer delito; c) a esterilização, a fim de evitar a propagação dos considerados antissociais e inúteis para a sociedade[24].
Tal projeto indicava determinadas pessoas como perigosas, a exemplo do que ocorreria com os delinquentes habituais, e sobre eles recaia ‘‘tratamento’’ desigual: quando eram considerados curáveis, aplicavam-lhes medidas de internação por tempo indeterminado, inclusive nos campos de concentração; ou, quando fossem considerados incuráveis, eram condenadas à morte ou utilizadas como carne de canhão no front de batalha durante a Segunda Guerra Mundial[25].
Muñoz Conde assevera que essa maneira desigual de tratar as pessoas, aplicando o direito penal do fato para uns e o direito penal do autor para outros:
‘‘deu lugar também ao desenvolvimento durante o nacional socialismo de medidas praticamente voltadas ao extermínio dos marginais sociais (prostitutas, mendigos, vadios, delinquentes habituais), aos que eufemisticamente se chamou ‘estranhos à comunidade’, com medidas esterilizadoras, internações por tempos indeterminados em campos de concentração etc. Já então se falava também de um ‘Direito Penal para Inimigos’, para o qual não cabiam nem garantias, nem nenhuma outra forma de limitação dos excessos do poder estatal’’.[26]
Com o estudo da Teoria do Direito Penal do Inimigo, que será feita de maneira pormenorizada em seção própria, poderá se notar sem qualquer dificuldade a semelhança entre o que propôs Jakobs ao desconsiderar o inimigo como cidadão, e Mezger com o seu projeto de estranhos à comunidade.
Das teorias que utilizam o critério de Direito Penal Máximo, a Teoria do Direito Penal do Inimigo é a que está mais em voga. Não por outro motivo ela constitui o principal objeto de pesquisa dessa pesquisa.
O Direito Penal do Inimigo é uma moderna corrente de repressão máxima do direito penal, porém não menos agressiva do que as outras, com as quais, aliás, mantém relações de identidade de fundamentos, tais quais a “Teoria das Janelas Quebras”, “Movimento Tolerância Zero” e a “Three Strikes And You Are Out”.
A Teoria do Direito Penal do Inimigo foi desenvolvida pelo alemão Gunther Jakobs, professor de direito penal e filosofia do direito na Universidade de Bonn, que utilizou esse conceito pela primeira vez em 1985, passando a discuti-lo com mais afinco em 2004, estimulado pelos ataques às torres gêmeas em Nova Iorque, quando, então, publicou uma obra sobre o tema denominada “Direito penal do cidadão e Direito penal do inimigo” (Burgerstrafrecht und Feindstrafrecht).
Em 11 de setembro de 2001 o mundo assistiu a investida terrorista contra os Estados Unidos, consistente no ataque às torres gêmeas do World Trade Center, uma edificação que representava a estabilidade, soberania econômica e capitalista do Estado atacado, que era, até então, considerado impenetrável.
A Teoria do Direito Penal do Inimigo, também denominada Terceira Velocidade do Direito Penal, é, em suma, um direito aplicado a determinadas classes de criminosos, considerados inimigos do Estado. São indivíduos, segundo esta teoria, incorrigíveis, criminosos por convicção, abrangendo criminosos, tais como os terroristas, torturadores, membros de organizações criminosas, corruptos etc.
Para Jakobs, inimigos são aqueles que se apartam do direito, provavelmente de modo permanente. Em outras palavras, são aqueles que não apresentam indicativo mínimo que irão respeitar o direito, ou, nos termos da teoria, não oferecem mínimas garantias cognitivas de que se comportarão de acordo com a expectativa normativa. Demonstram, ao contrário, que irão romper a expectativa que deles se espera, desrespeitando o contrato social.
Existe, portanto, uma guerra contínua entre o Estado, mais forte, e o indivíduo considerado seu inimigo, que quebrou a expectativa de respeito ao contrato social. E, em havendo guerra, o vencedor dita as regras ao vencido. Considera-se vencedor aquele que conseguir a inocuização do outro[27].
Jakobs ainda propõe, com sua teoria, funções para o Direito Penal, e sua teoria funcionalista é denominada Estratégica, Normativista, Sistêmica ou Radical, por ter a premissa básica de que o Direito Penal é instrumento que se destina a garantir eficácia da norma, e não a proteção de bens jurídicos, como prelecionam os funcionalistas moderados, como, por exemplo, Roxin.
Para Jakobs, quando o direito penal intervém, o bem jurídico tutelado já fora agredido, não tendo que se falar, portanto, em proteção aos bens jurídicos tutelados, mas sim em proteção do sistema normativo, em uma manobra de restabelecimento da ordem jurídica que fora rompida quando da ocasião da prática do crime.
Aqui a pena deve ser entendida como maneira de demonstrar que a estabilidade normativa da sociedade não se alterou ou como garantia de que a estabilidade normativa não será alterada por aquele indivíduo que não apresente garantias cognitivas mínimas de que se comportar de acordo com as expectativas normativas. Para Jakobs, portanto, o bem jurídico tutelado pelo direito penal nada mais é do que a própria norma penal e não o bem jurídico ofendido.
Assim, no sentido literal da palavra, Jakobs pode ser considerado como um penalista por acreditar na pena criminal como um método eficaz de luta contra a criminalidade. Ele nega, contudo, a prevenção especial positiva como método eficaz de ressocialização do condenado criminal. Por isso, Jakobs desenvolveu sua tese em torno de uma prevenção geral positiva da pena. Prevenção geral na medida em que a pena produziria seus efeitos almejados sob todos os cidadãos, e positiva porque a pena teria um efeito simbólico de tranquilizar os cidadãos que o direito vigente deverá ser obedecido, ou seja, as expectativas normativas deverão ser respeitadas, sob pena de reprimenda.
O Direito Penal do Inimigo é dividido, por Jakobs, em duas faces opostas. De um lado, o criminoso é tratado pelo Estado como pessoa, tendo direito a todas as garantias processuais e penais; de outro, o indivíduo é tido como “não pessoa”, e sim como fonte de perigo para a própria sobrevivência da sociedade, pois que entra em guerra com o Estado, devendo, portanto, ser punido preventivamente e sem as garantias penais e processuais penais que são oferecidas ao dito cidadão comum.
Sob este aspecto, a teoria do direito penal do inimigo é, na verdade, a aplicação de um ‘‘não direito’’, posto que nega as garantias de um Estado Democrático de Direito a determinados agentes criminosos, aqueles considerados inimigos.
Em resumo, Jakobs fundamenta tal tratamento desigual sob três argumentos: a) O Estado tem direito a procurar segurança em face dos indivíduos; b) Os cidadãos têm direito que o Estado tome medidas adequadas e eficazes para preservar sua segurança diante da criminalidade; e c) é melhor inocuizar o inimigo do que permitir que ele coloque em risco a permanência existencial do próprio Estado[28].
A Teoria do Direito Penal do Inimigo possui tanto fundamentos filosóficos como sistêmicos.
Gunter Jakobs tem na Teoria do Contrato Social o grande fundamento filosófico para a sua doutrina. Filósofos como Rosseau, Kant, Fitche e Hobbes, embora jamais tenham utilizado a expressão ‘‘direito penal do inimigo’’, defendiam a existência do Estado com base num contrato social que prevê, em caso de descumprimento, penalidade de exclusão dos benefícios oferecidos pelo Estado.
Para estes teóricos, a desconformidade do cidadão frente ao Estado atacaria o direito social como um todo, em guerra, portanto, contra o próprio ente estatal, e, por isso, deveria deixar de ser considerado um membro dele, não gozando das mesmas garantias oferecidas aos indivíduos que não infringem a lei.
Jean-Jacques Rousseau, em sua obra O contrato social, afirma que o indivíduo, ao declarar guerra contra o Estado, torna-se traidor da pátria, portanto, deixa de ser membro do Estado, vez que rompeu o tratado social:
‘‘Todo mal feitor que ataca o direito social torna-se por seus atos rebelde e traidor da pátria, cessa de ser membro dela ao violar-lhe as leis e até lhe faz guerra. Então a conservação do Estado é incompatível com a sua, sendo necessário que um dos dois pereça, e quando se faz morrer o culpado, é menos como cidadão do que como inimigo. O processo, o julgamento, são as provas e a declaração que rompeu o tratado social, e, por conseguinte, não é mais membro do Estado. Ora, como ele se reconheceu como tal, ao menos por sua morada, deve ser afastado pelo exílio, como infrator do pacto, ou pela morte, como inimigo público; pois tal inimigo não é uma pessoa moral, é um homem e é direito de guerra matar o vencido.’’[29]
Fitche entendia que o indivíduo, ao abandonar o contrato cidadão, perde todos os direitos de cidadão e passa a um estado de ausência total de direitos, mas limita essa ausência de direitos ao que praticar o homicídio premeditado[30].
Kant, por sua vez, admitia reações hostis contra seres humanos que de modo persistente se recusassem a participar da vida comunitária legal, pois não poderia, segundo o filósofo, ser considerado cidadão o indivíduo que ameaça outrem constantemente. O Retribucionismo Jurídico de Kant não reconhecia qualquer função preventiva da pena, que se prestava ao papel de apenas punir o criminoso simplesmente por ter ele infringido a lei vigente.
Já para Hobbes, o delinquente devia ser mantido em seu estado de cidadão, a não ser que cometa delitos de ‘‘alta traição’’, os quais representariam uma negação absoluta à submissão estatal. Nesses casos o indivíduo não deveria ser tratado como súdito, mas sim como inimigo.
A Teoria do Direito Penal do Inimigo, conforme ensina Antônia Elúcia Alencar:
‘‘partindo de uma ideia contratualista, identifica-se com mais afinco em Hobbes. Para Hobbes, o inimigo é aquele que rompe com a sociedade civil e volta a viver em estado de natureza, isto é, homens de estado de natureza são todos iguais. O estado de natureza, como menciona Hobbes, ‘‘é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida’’. Porém, o estado natural dos homens é o estado de guerra, desta guerra de todos contra todos. Na guerra não há lei e onde não há lei não há injustiça, ou seja, não há justo nem injusto, nem bem nem mal’’[31].
Como bem sintetiza Juarez Cirino dos Santos:
‘‘os criminosos seriam inimigos da sociedade, conforme Rosseau – ou feras, segundo Fichte -, contra os quais se aplicaria um jus belli pela violação do consenso (Leibniz), o pressuposto natural do contrato social’’[32].
Jakobs, contudo, não classifica como inimigo todo e qualquer criminoso, se aproximando, nesse sentido, das ideias mais moderadas de Kant e Hobbes, que fazem distinção entre criminosos e inimigos, permitindo classificar os criminosos em autores de fatos normais (que serão punidos como cidadãos) e autores de fatos de alta traição (que serão punidos como inimigos).
Os sistemas funcionalistas destacaram-se sob duas orientações: a) o funcionalismo estrutural de Parsons, que no âmbito do direito penal identifica-se como o Funcionalismo Teleológico, Valorativo, Moderado, o qual tem como seu maior expoente Claus Roxin, que defende ser a primórdia função do sistema penal a proteção dos bens jurídicos mais importantes para a manutenção do convívio em sociedade; e b) o funcionalismo sistêmico de Luhmann, que no âmbito do direito penal deu origem ao Funcionalismo Estratégico, Normativista, Radical, Sistêmico, o qual tem como maior expoente Gunther Jakobs e pugna ser a função do direito penal a proteção da norma, do sistema normativo vigente, e não a proteção de bens jurídicos, alegando que estes já teriam sidos atacados quando do cometimento da infração penal e da respectiva reação imposta pelo direito penal.
O fenômeno das expectativas normativas, da sociologia de Luhmann inspira a teoria de Jakobs na medida em que o autor a utiliza para definir o instituto da pena. A pena serviria, destarte, como garantia da estabilização das expectativas normativas, sendo admissível como medida de segurança, vale dizer, poderia ser aplicada como antecipação de tutela para que se evite o cometimento de delitos por aqueles indivíduos considerados de alta periculosidade, aqueles que não apresentam garantias cognitivas mínimas de comportamento conforme as expectativas normativas que dele se espera, mantendo-se, com a aplicação de prisão preventiva, a estabilidade normativa.
Assumida a classificação de criminosos entre cidadãos e inimigos, Jakobs atribui natureza descritiva ao conceito de inimigo - que designaria uma realidade ontológica do ser social, identificada por diagnósticos de personalidade e objeto de prognósticos de criminalidade futura, mais ou menos lastreados, portanto, na corrente criminológica que pugna pelo determinismo como fator da criminalidade -, propondo a distinção entre cidadãos e inimigos e os tratando de maneira desigual, vale dizer, o critério de imputação é um quando aplicado ao cidadão, e outro quando aplicado ao dito inimigo. Nisto reside a desigualdade formal do discurso do direito penal do inimigo.
De acordo com Jakobs, o cidadão é autor de crimes normais, que preserva uma atitude de fidelidade jurídica intrínseca, uma base subjetiva real capaz de manter as expectativas normativas da comunidade, conservando a qualidade de pessoa portadora de direitos, porque não desafia o sistema social. Seria por exemplo, de acordo com Jakobs, fato do cidadão, matar alguém para antecipar herança, pois que esse tipo de lesão é transitória da validade da norma e indicaria ser o autor do crime capaz de orientação normativa, no sentido de pessoa calculável, cuja intrínseca fidelidade ao direito justificaria as expectativas normativas da comunidade[33].
O inimigo, por sua vez, é autor de crimes de alta traição, que assume uma atitude de insubordinação jurídica intrínseca, uma base subjetiva real capaz de produzir um estado de guerra contra a sociedade, com a permanente frustração das expectativas normativas da comunidade, perdendo o agente do fato a qualidade de pessoa portadora de direitos, porque desafia o sistema social. Jakobs exemplifica como fatos do inimigo: ações de terrorismo político, que consistiriam em lesões duradouras da validade da norma e indicariam ser o autor incapaz de orientação normativa, no sentido de ser um indivíduo insuscetível de cálculo, cuja intrínseca infidelidade jurídica excluiria as expectativas normativas da comunidade[34].
Ao tratar o inimigo como um diferenciado tipo de autor de fatos puníveis, a proposta do Direito Penal do Inimigo introduz também, como consequência lógica, um duplo sistema de imputação penal e processual penal.
O sistema penal seria constituído por um direito penal da culpabilidade pelo fato passado para os autores definidos como cidadãos. A pena, para o cidadão, seria, portanto, uma reação contra fática dotada de significado simbólico de afirmação da validade da norma, como contradição ao fato passado do crime, cuja natureza de negação da validade da norma a pena pretende reprimir.
O sistema processual penal para o cidadão seria aquele orientado, por exemplo, pelo princípio acusatório, com todas as garantias constitucionais do devido processo legal (ampla defesa, contraditório, presunção de não culpabilidade etc.). Assim, há para o cidadão a adoção de um sistema penal e processual penal inteiramente baseado em um direito penal do fato[35].
Por outro lado, o sistema penal aplicado aos inimigos seria baseado em um direito penal preventivo, onde uma medida de segurança é aplicada pelo perigo de fato futuro. A pena, para o inimigo, seria uma medida dotada do efeito físico da custódia de segurança, servindo como um obstáculo antecipado ao fato futuro, cuja natureza de negação de validade da norma a pena pretende prevenir.
O sistema processual penal aplicado ao inimigo seria ausente das garantias constitucionais, por exemplo, do devido processo legal, com investigações ou inquéritos secretos, vigilâncias sigilosas, interceptação telefônica sem necessidade de autorização judicial, prisões temporárias independentemente da necessidade das mesmas, proibição de contato com advogado etc[36]. Nota-se que é adotado, aqui, um direito penal do autor, baseado na obscura noção de personalidade criminosa, a qual é adotada nas teorias deterministas.
Nas palavras do próprio Jakobs:
‘‘o Direito Penal conhece dois polos ou tendências de suas regulações. Por um lado, o trato com o cidadão, em que se espera até que este exteriorize seu fato para reagir, com o fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade, e por outro, o trato com o inimigo, que é interceptado prontamente em seu estágio prévio e que se combate por sua perigosidade’’.[37]
Ainda segundo o autor:
‘‘um indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em um estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. É que o estado natural é um estado de ausência de norma, quer dizer, a liberdade excessiva tanto como luta excessiva. Quem ganha a guerra determina o que é norma, e quem perde há de submeter-se à essa determinação’’.[38]
Reside a desigualdade do discurso do Direito Penal do Inimigo nessa distinção feita entre os tipos de autor, vale dizer, entre os cidadãos e os inimigos, e pelo tratamento penal e processual penal também diferenciados que a eles é dado.
Em um Estado Democrático de Direito, a representação popular é legitimada através do mandato parlamentar. O processo legislativo, então, permite que os representantes do povo adequem a norma à realidade.
Depois de algum acontecimento criminoso de grande notoriedade midiática, a sociedade passa a se preocupar mais com o problema da criminalidade e, por isso, reivindica cada vez mais políticas públicas de segurança, principalmente do Poder Legislativo.
Ocorre que os poderes políticos (Executivo e Legislativo), notadamente o Poder Legislativo, por exercerem o poder em nome do povo são, por esse motivo, exacerbadamente influenciados por valores e sentimentos prevalecentes na sociedade brasileira, e, por isso, têm atendido aos clamores sociais sob o argumento de adequação do ordenamento jurídico à realidade social, quando buscam, na verdade, se autopromover com a elaboração de leis que satisfaçam a opinião pública majoritária.
Os Poderes Políticos invocam por vezes o princípio majoritário como fulcro de sua atuação. Por terem sidos eleitos pelo povo, logo, pela maioria, entendem por bem atender aos apelos sociais majoritários, para justamente não se opor as ideologias políticas e sociais das maiorias que os elegeram, o que acaba por culminar em uma situação de elaboração de leis acionada por sentimentos altamente inflamáveis, tais como a emoção e a paixão.
A extorsão mediante sequestro, por exemplo, passou a ser considerado crime hediondo no País após o sequestro de um famoso empresário brasileiro; e a inclusão do homicídio qualificado no rol de crimes hediondos se deu após o assassinato de uma atriz de televisão[39].
Grosso modo, o Legislativo e o Executivo canalizariam, por meio de eleições periódicas, a opinião pública cotidiana, tão oscilante quanto impulsiva. Só que opinião apaixonada, pela sua instabilidade, recomenda reflexão.
O cidadão opina com a paixão ao passo que ao jurista incumbe fazer prevalecer a razão jurídica. Ou seja, anseio social deve sim ser atendido pelos poderes públicos, mas não exatamente da maneira como quer a sociedade, pois esta, sobretudo em momentos de alta animosidade, não é dotada de conhecimento técnico para optar pelo melhor modelo de programa político para se atingir determinado desiderato que, aqui, é a solução do problema da criminalidade urbana.
Pressupõe-se que os agentes políticos incumbidos da função de legislar são dotados de maior conhecimento técnico do que os que não ocupam tal posto, e sabem, portanto, que as leis, sobretudo as penais, devem estar em harmonia com os princípios constitucionais limitadores do poder punitivo de um Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, pode-se concluir que o Legislativo, de maneira indevida, porém pensada, vem elaborando leis sem seguir o modelo garantista de direito penal que se coaduna com o Estado de Direito.
Índices momentâneos de popularidade, contudo, não devem pautar a atuação legislativa. Afinal, a força do Estado serve também para que resista aos deslizes voluntariosos nos quais a opinião pública cotidiana, às vezes, incorre.
Com fulcro na vontade dominante, o povo celebra um contrato social para delegar que o poder por ele inicialmente titularizado seja exercido por um ente soberano, qual seja, o Estado.
Assim, os direitos fundamentais são de observância obrigatória até mesmo pelas autoridades públicas, pois estas apenas exercem o poder em nome do povo, que é o verdadeiro titular dele. E mais: devem prevalecer até mesmo se o próprio povo, normalmente influenciado por paixão ou emoção, pugnar, em algum momento, pela flexibilização ou extinção desses direitos fundamentais.
Toda e qualquer manifestação de poder deve, portanto, respeitar os direitos e garantias fundamentais, sobretudo a manifestação repressiva, pois impõe consideráveis limites a alguns direitos fundamentais, a exemplo da liberdade ambulatória.
Com efeito, a necessidade de assegurar-se, em nosso sistema jurídico, proteção dos direitos fundamentais qualifica-se, na verdade, como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito.
A função contramajoritária exercida pelos poderes públicos não é uma afronta à democracia majoritária, pelo contrário, é um instrumento destinado a conferir a efetiva proteção aos intangíveis direitos fundamentais, isto é, consubstancia-se em afirmação de que o Brasil adotou uma política fidedigna de um Estado Democrático de Direito, que protege a todo custo os direitos fundamentais.
Um país que respeita a sua Constituição rígida não pode submetê-la às interpretações apaixonadas e momentâneas, sob pena de mutilá-la ao sabor do perigoso populismo jurídico.
O Estado é guardião dos direitos fundamentais contemplados na Constituição, ainda que contra os avanços da maioria, por isso que nessa luta entre o Constitucionalismo de Direito e o Constitucionalismo Popular, o Estado deve ser necessariamente contramajoritário. Deve, contudo, atender o clamor social, mas de maneira técnica, racional, e por isso eficaz, pois pressupõe-se que os juristas sabem optar pelo melhor e mais adequado meio de atingimento de um objetivo, a exemplo do enfrentamento da criminalidade.
Diante de tudo isso, ainda que a tese encontre pensamentos refratários, pode-se sustentar com razoável tranquilidade a legitimação democrática – que nem por isso representa qualquer seguro contra mazelas – do papel contramajoritário exercido pelos poderes públicos, mais especificamente pelos poderes políticos.
Em não sendo efetivado a função contramajoritária por parte dos poderes políticos, pode ocorrer de o próprio cidadão, talvez o mesmo que clamou pelo recrudescimento das leis penais, ser - com a elaboração de leis de políticas de Direito Penal Máximo – considerado inimigo do Estado, posto que as características generalidade e abstratividade da lei penal dão a ela caráter erga omnes, sendo aplicada, portanto, de forma impessoal, a todos que eventualmente praticarem uma infração penal. Ou seja, em última análise, não obstante as leis ‘‘inimiguistas’’ previamente taxarem, em tese, um determinado tipo de autor como seu destinatário, na prática, toda e qualquer pessoa que praticar um determinado fato criminoso pode vir a ser considerado inimigo do Estado e ter um tratamento desigual, mais severo, pois a adoção dessas políticas típicas de Estados totalitários aumenta o risco de abuso de poder na aplicação da repressão penal.
Devido ao crescimento do movimento que propugna por um Direito Penal Máximo e ao não exercício da função contramajoritária dos poderes políticos, a legislação penal brasileira não restou incólume e também sofreu influências desse movimento, restando impregnada de características dessa corrente ideológica, inclusive de marcantes características do Direito Penal do Inimigo. Portanto, vários são os exemplos de flexibilização do modelo principiológico constitucional limitador do poder punitivo estatal. Esses exemplos podem ser encontrados tanto na legislação penal extravagante, como no Código Penal
As ideias da Teoria do Direito Penal do Inimigo se espraiam por boa parcela do ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo das leis penais especiais, posto que suas caraterísticas exige quase que inevitavelmente a criação de uma lei específica para dar tratamento diferenciado a uma determinada qualidade de criminoso. Senão vejamos as principais leis que apresentam características dessa teoria.
O cenário pelo qual o Brasil se encontrava à época da criação da Lei n°10.792/2003 - que alterou a Lei n°7.210/1984 (Lei de Execução Penal brasileira - LEP) - era preocupante, uma vez que cidades como Rio de Janeiro e São Paulo encontravam-se absolutamente dominadas por organizações criminosas conhecidas como Comando Vermelho - CV, e Amigo dos Amigos – ADA, no Rio de Janeiro, e Primeiro Comando da Capital – PCC, em São Paulo, cujos mentores intelectuais eram detentos, que apesar de encarcerados, detinham total conhecimento dos fatos externos e ainda possuíam pessoas de confiança que executavam os crimes por eles ordenados[40].
A Lei n. 10.792/2003, chamada lei do Regime Disciplinar Diferenciado - RDD, foi bastante debatida em virtude de suas características marcantes e severas, sendo aplicável a determinados detentos suspeitos de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas.
Tal lei produziu uma reação doutrinária contrária em razão das importantes violações a garantias fundamentais, em especial à humanidade da execução da pena e o Princípio da Igualdade, pois se pune o delinquente não pelo fato praticado - regra de um ordenamento jurídico garantista e do direito penal do fato, tal como é o brasileiro -, mas pela periculosidade do autor, característica marcante do Direito Penal do Inimigo[41].
A redação do artigo 52 da L EP, depois das modificações, estabelece o isolamento celular do apenado que comete delito doloso, falta grave, por até um ano, com possibilidade de repetição por um prazo igual a um sexto do prazo estabelecido inicialmente. Além disso, impõe-se restrições quanto à possibilidade de receber visitas. É o que diz o artigo 52 da Lei, in verbis:
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV - o preso terá direito à saída da ceia por 2 horas diárias para banho de sol[42].
A lei que instituiu o RDD, como outras tantas leis no Brasil, também foi editada no afã de satisfazer a opinião pública e como resposta imediata a violência.
O professor Rômulo de Andrade Moreira afirma que o RDD é inconstitucional:
Cotejando-se, portanto, o texto legal e a Constituição Federal, concluímos com absoluta tranquilidade ser tais dispositivos flagrantemente inconstitucionais, pois no Brasil não poderão ser instituídas penas cruéis (art. 50, XLVII. "e", CF/88), assegurando-se aos presos (sem qualquer distinção, frise-se) o respeito à integridade física e moral (art. 5°, XLIX) e garantindo-se, ainda, que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5°, III). Será que manter um homem solitariamente em uma cela durante 360 ou 720 dias, ou mesmo por até um sexto da pena (não esqueçamos que temos crimes com pena máxima de até 30 anos), coaduna-se com aqueles dispositivos constitucionais? Ora, se o nosso atual sistema carcerário, absolutamente degradante tal como hoje está concebido, já não permite a ressocialização do condenado, imagine-se o submetendo a estas condições. É a consagração, por lei, do regime da total e inexorável desesperança. Como afirma José Antônio Paganelia Boschi, “a potestade punitiva encontra limites na aspiração ética do Direito (...), inclusive quanto ao processo destinado à imposição, quantificação e posterior execução das penas”.[43].
Analisando as colocações feitas por Moreira, percebe-se que o RDD ignora os preceitos constitucionais norteadores de um Estado Democrático de Direito, como é o Brasil, máxime no que tange aos princípios garantistas limitadores do poder punitivo estatal, e, ao revés, se aproxima – no que não se iguala – das leis cujas políticas criminais orientadora foram baseadas em um Direito Penal do Inimigo.
Há um principio geral de racionalidade que deriva da Constituição que exige certa vinculação equitativa entre o delito e sua consequência jurídica. Este princípio vincula-se intimamente também com o principio de humanidade, que se deduz da proscrição da pena de morte, perpétua, de banimento, trabalhos forçados e de penas cruéis e degradantes (art. 5°, XLVII CF[44]). O antônimo de "pena cruel" é justamente a "pena racional" (e não a pena ‘‘branda’’, é claro, pois esta não seria equitativa).
Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes[45] argumenta que ‘‘ninguém contesta que o Estado deve intervir, com firmeza, para evitar danos para o patrimônio e vida das pessoas. Mas dentro do Estado de Direito até mesmo o direito tem limites’’.
A proibição da imposição de penas cruéis está prevista também no artigo 5°, §2°, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos[46], que estabelece que ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Por todo o exposto, não resta duvida de que o RDD submete o preso a tratamento cruel, desumano e até mesmo torturante, uma vez que o retira quase que na totalidade de todos os tipos de convívio social, além de colocá-lo numa profunda solidão, restando-lhe, tão somente, o pensamento interno, individualizado, o que distancia ainda mais a pena de seu caráter ressocializador.
Evidente fica, então, que a previsão do RDD é uma expressão do Direito Penal do Inimigo na legislação penal brasileira, não observando os princípios constitucionais limitadores do poder punitivo estatal, sendo, portanto, inconstitucional, pois o Direito Penal do Inimigo não encontra guarida no sistema jurídico, pois são inadmissíveis normas contrárias às conquistas históricas dos direitos fundamentais, que não podem, aliás – como foi dito na primeira seção – sequer serem suprimidas até mesmo pelo advento de uma nova ordem constitucional.
Nesse sentido, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI, de número 4162[47], pretendendo que seja declarada a inconstitucionalidade do RDD por afrontar a dignidade da pessoa humana, a vedação da tortura, de penas cruéis e de tratamento degradante, o devido processo legal, ampla defesa, contraditório e as determinações constitucionais de cumprimento de pena.
A Lei dos Crimes Hediondos, Lei 8.072/1990, foi introduzida no ordenamento jurídico em decorrência de um expresso mandado constitucional de criminalização, mais precisamente artigo 50, XLII, conforme abaixo:
‘‘A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem’’[48].
O Constituinte considerou a tortura, o tráfico de drogas e o terrorismo como uma espécie de crime hediondo, aqueles profundamente repugnante e, portanto, merecedores de uma reação punitiva mais severa, qual seja, a inafiançabilidade e a insuscetibilidade de graça ou anistia.
Coube então ao legislador ordinário, dois anos após a entrada em vigor da Constituição, a elaboração da Lei dos Crimes Hediondos com o principal intuito de taxar os demais delitos que seriam considerados hediondos. Atualmente, ainda em vigor, a Lei dos Crimes Hediondos traz o rol desses crimes nos seguintes termos:
Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de 1994) (Vide Lei nº 7.210, de 1984)
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);
IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1o, 2o e 3o);
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o);
VII-A (VETADO)
VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).
VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).
Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado.[49]
Em busca de cumprir a determinação constitucional, a referida lei, em sua redação original, tratava com exacerbado rigor aqueles que haviam praticado crime hediondo, não lhes sendo permitido qualquer tipo de beneficio, conforme se lê:
Art. 2° Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança e liberdade provisória.
Além dessas restrições, ainda era estabelecida a obrigatoriedade do cumprimento da pena em regime integralmente fechado e o prazo diferenciado da prisão temporária, trinta dias prorrogável por mais trinta.
Diante de tamanha severidade, iniciaram-se diversas e acentuadas críticas a Lei dos Crimes Hediondos, principalmente no tocante a sua constitucionalidade, uma vez que esta feriria diversos princípios constitucionais, como o da Individualização da Pena, Ressocialização do Condenado, Dignidade da Pessoa Humana, dentre outros.
No entanto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal foi pacífico durante quinze anos, no sentido de não haver qualquer tipo de inconstitucionalidade, pois de acordo com a Corte, os diferentes deveriam ser tratados de maneira diferente. Assim, aos que cometiam crimes hediondos era legítima a pena diferenciada, aplicada com maior rigor e severidade em virtude da natureza do crime.
O Estado, atendendo ao clamor público ao publicar a Lei dos Crimes Hediondos tinha como escopo demonstrar que dispunha de um poder que inibiria a violência, esquecendo que as raízes da violência estão no próprio sistema estatal que promove de maneira brutal a desigualdade social e econômica, o que desencadeia um processo de fomentação e perpetuação da violência.
As causas da criminalidade em grande parte estão relacionadas a questões políticas, sociais e econômicas. Portanto, a adoção de leis severas, em verdade, enfrentam os efeitos da criminalidade e não suas causas.
Ademais, a opção por políticas de segurança pública de um Direito Penal Máximo elege o direito penal como prima ratio na resolução dos problemas sociais, o que não é próprio dos Estados Democrático de Direito, pois estes visam o enfrentamento da criminalidade por outros meios que não o repressivo, tais como, por exemplo, a educação, distribuição de renda e políticas sociais.
Nesse diapasão, o legislador, no intuito de demonstrar para seus eleitores que está enfrentando a criminalidade, enxergou no direito penal um instrumento eficaz na prevenção e repressão imediata do crime. Ocorre que tal providência, na prática, mostra-se ineficiente. Nesse sentido afirma Ivan Luiz Marques da Silva:
‘‘Por razões ‘inexplicáveis, as leis penais exclusivamente repressivas não surtem efeito. Esse direito penal que deveria ser efetivo no combate à criminalidade tornou-se simbólico. As leis passaram a ser feitas para apaziguar a sociedade em momento de revolta, mas sem consequências práticas e sem redução da criminalidade. Esse direito penal mostrou-se incompetente e ineficiente para os fins desejados pelo Legislativo e por boa parcela da sociedade (...)’’.[50].
O problema da segurança pública não será solucionado com a elaboração de leis que propõem o recrudescimento do sistema penal. Enfrenta-se a criminalidade com a efetiva intervenção do Estado, não como repressor, mas com políticas públicas sociais. Como bem ressalta Alberto Silva Franco:
‘‘(...) a Lei de Crimes Hediondos cumpriu exatamente o papel que lhe foi reservado pelos meios de comunicação social, controlados pelos seguimentos econômicos e políticos hegemônicos, ou seja, o de dar à população a falsa ideia de que reencontraria a almejada segurança por meio de uma lei extremamente repressiva’’[51].
Inequívoco é, portanto, que a Lei de Crimes Hediondos é consequência de um movimento que clama por um Direito Penal Máximo. Surgiu, sobretudo, pela influência que os canais de mídia social exercem na consciência coletiva. É, então, derivada de anseios passionais, estes atendidos por interesses políticos das classes hegemônicas.
Sua marcante caraterística de medida de política criminal de um Direito Penal Máximo está no tratamento desigual que dá aos agentes que cometem determinadas infrações penais, por ela definidas como hediondas. Portanto, não há sacrifício em concluir que a desigualdade formal estabelecida pela Lei de Crimes Hediondos é caractere de um Direito Penal do Inimigo, pois se escolhe um ‘bode expiatório’ (no caso, os agentes ativos dos crimes tidos como hediondos) ao qual a reprovabilidade da conduta será diferenciada, desigual, mais severa, por expressa disposição legal de uma lei que consagra formalmente o indesejado princípio da desigualdade penal.
Posto que o grau de reprovabilidade da conduta já é mensurado quando da elaboração do preceito secundário da norma penal incriminadora, a criação de uma lei específica, a exemplo da Lei dos Crimes Hediondos, para dar maior grau de reprovabilidade a uma conduta é a evidente consagração do Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico brasileiro.
Registra-se, contudo, que as críticas que desde sempre foram despojadas a esta opção legislativa somente agora estão surtindo efeito. Senão, pode-se observar as alterações sofridas no artigo 2º da Lei de Crimes Hediondas através da Lei no 11.464 de 2007.
Antes da alteração proposta pela Lei n. 11.464 de 2007, o artigo 2º da Lei de Crimes Hediondos assim dispunha:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança e liberdade provisória.
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.
§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.
§ 3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
E depois da Lei n. 11.464 de 2007, o artigo 2º assim ficou:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
II – fiança;
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado;
§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente;
§ 3o Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade;
§ 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade[52].
A novattio legis in mellius: revogou a impossibilidade de concessão de liberdade provisória; passou a estabelecer o regime inicialmente fechado, e não mais o integralmente fechado; a progressão de regime dar-se-á, agora, após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente; e a prisão temporária somente poderá ser prorrogada em caso de extrema e comprovada necessidade.
A Lei 9.614/1998, chamada ‘‘Lei do Abate’’, possibilita a derrubada de aeronaves consideradas hostis dentro do Estado brasileiro.
A Lei do Abate introduziu, na prática, a execução penal extrajudicial, permitindo a condenação e a execução sumária sem o devido processo legal, pela simples suspeita do tráfico de drogas. Trata-se, portando, de possibilidade de execução de pena de morte em tempos de paz.
A Lei é flagrantemente inconstitucional, pois afronta direitos fundamentais constantes da Constituição Federal, máxime o direito à vida, ao devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
Não fosse bastante o fato de a lei em comento estar eivada do vício da inconstitucionalidade, sua existência coloca em perigo a vida de pessoas que por ela não se quis abranger quando da delimitação da esfera de proteção da norma – vale dizer, pessoas que não se encontram em situação de traficância -, pois, por exemplo, em caso de eventual falha ou falta de comunicação da aeronave suspeita que não esteja transportando droga para com os pilotos da Força Aérea Brasileira – FAB autorizaria, em tese, o abatimento da aeronave.
Nesse contexto, pode ser considerada como mais uma interferência do Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico brasileiro.
O Código Penal também apresenta institutos que contêm algumas características marcantes das teorias de Direito Penal Máximo, sobretudo das que são elegidas por Jakobs para a criação da Teoria do Direito Penal do Inimigo.
A aplicação da pena deve levar em consideração as circunstâncias judiciais, que deverão ser obrigatoriamente analisadas pelo julgador quando da fixação da pena-base
Os antecedentes é, de acordo com o artigo 59, do Código Penal, uma dessas circunstâncias judiciais:
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicadas dentre as cominadas;
II a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial do cumprimento de pena
IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por outra espécie de pena, se cabível[53].
Os antecedentes dizem respeito ao histórico criminal do agente, o que não tem relação com o fato criminoso propriamente dito, pelo qual está respondendo o processado, mas sim ao agente do fato. É, portanto, um instituto que ofende o chamado direito penal do fato.
Os maus antecedentes é, na maioria das vezes, a prova do fracasso do Estado na efetivação da função reeducadora da pena, e, portanto, diante de uma ótica constitucional garantista limitadora do poder punitivo estatal, não deveria ter sido elencada como circunstância judicial desfavorável, justamente por ser instituto que consagra o indesejado e perigoso direito penal do autor.
Os antecedentes não devem prosperar nem mesmo sob o argumento de materialização do princípio constitucional da Individualização das Penas, pois este, levado em consideração na fase de aplicação da pena, orienta, em sua correta interpretação, que as penas aplicadas aos agentes que agem em concurso de pessoas devem ser individualizadas conforme a participação de cada um no fato criminoso pelo qual estejam sendo processados.
A aplicação da pena-base também deve levar em consideração, de acordo com o artigo 59 Código Penal, a circunstância judicial da personalidade do agente:
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicadas dentre as cominadas;
II a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial do cumprimento de pena
IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por outra espécie de pena, se cabível[54].
Personalidade não é um conceito jurídico, mas do âmbito de outras ciências – da psicologia, da psiquiatria, antropologia -, e deve ser entendida como um complexo de características individuais próprias, adquiridas, que determinam ou influenciam o comportamento do sujeito[55].
Não se espera do juiz capacidade técnica necessária para a aferição da personalidade do agente, incapaz de ser avaliada sem uma análise detida e apropriada de toda a vida do réu, desde a infância. Somente os profissionais de saúde (psicólogos, psiquiatras, terapeutas etc.) é que, talvez, teriam condições de avaliar a personalidade de alguém.
Dessa forma, os maus antecedentes não deveriam ser considerados como circunstâncias judiciais desfavoráveis, não só pelo fato de não ser o juiz tecnicamente capaz de aferir precisamente a personalidade do agente, mas também pelo fato dessa circunstância dizer respeito ao agente do fato, e não ao fato criminoso, ofendendo, por consequência, o direito penal do fato, e consagrando o direito penal do autor.
A valoração negativa da personalidade do agente como circunstância judicial quando da fase de aplicação da pena contraria o Princípio da Intervenção Mínima e o Princípio da Ofensividade (ou Lesividade), em seus dois aspectos, quais sejam, Exterioridade e Alteridade
De acordo com os princípios orientadores do Direito Penal Mínimo, o direito penal não deveria levar em consideração, quando da desvalorização das condutas humanas socialmente indesejadas, aspectos que dizem respeito à atitude interna das pessoas, o que não exceda o próprio âmbito delas, suas condições e seus estados existenciais e suas condutas desviadas que não afetam qualquer bem jurídico, vale dizer, seu modo de vida, sua conduta social, atendendo-se, assim, ao brocardo nulla lex poenalis sine injuria.
O caput do artigo 59 do Código Penal também elenca a conduta social como circunstância judicial desfavorável, vinculando o julgador a levá-la em consideração quando da fixação da pena base[56].
Por conduta social quer a lei traduzir o comportamento do agente perante a sociedade, verificar o seu relacionamento com seus pares. Procura-se descobrir o seu temperamento, se calmo ou agressivo, se possui algum vício, a exemplo de jogos ou bebidas, enfim, tenta-se saber como é o seu comportamento social, e se influenciou ou não no cometimento da infração[57].
A conduta social também não deveria elencada como circunstância judicial desfavorável, por estar relacionada ao agente do fato, e não ao fato criminoso em si.
A consideração da conduta social como circunstância judicial ofende o Princípio da Intervenção Mínima e o Princípio da Ofensividade (ou Lesividade) e seus dois subprincípios, quais sejam, Exterioridade e Alteridade.
De acordo com as orientações de um Direito Penal do Equilíbrio, o direito penal não deveria levar em consideração o que diz respeito a uma atitude interna do indivíduo, o que não excede o seu próprio âmbito, suas condições e seus estados existenciais e suas condutas desviadas que não afetam qualquer bem jurídico, vale dizer, seu modo de vida, sua conduta social, atendendo-se, assim, ao brocardo garantista nulla lex poenalis sine injuria.
A circunstância agravante prevista no artigo 61, alínea I, do Código Penal é, assim como os maus antecedentes, a prova da falha do Estado na concretização da função preventiva especial positiva da pena. Diz o artigo, in verbis:
Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituam ou qualificam o crime:
I – a reincidência[58]
A reincidência nada diz respeito ao fato criminoso cometido pelo agente. Consagra, portanto, o direito penal do autor em lugar do desejado direito penal do fato.
Não há que se falar, para se defender a análise da reincidência como circunstância agravante, em materialização do princípio constitucional da Individualização da Pena, pois este, orienta, em sua acertada interpretação, que as penas aplicadas aos agentes que agem em concurso de pessoas devem ser individualizadas conforme o modo de participação – maior ou menor - de cada um no fato criminoso pelos quais estejam sendo processados.
A consideração da reincidência como circunstância judicial agravante não deveria estar prevista como tal, pois é de toda inconstitucional, por contrariar os princípios orientadores de um Direito Penal Mínimo e a principiologia constitucional limitadora do poder punitivo estatal.
A reincidência leva em consideração o fato que por fora praticado no passado pelo agente e resultou em sentença condenatória desfavorável.
Fatos anteriores que não guardam relação com o fato por qual está sendo julgado o agente não deveriam ter ligação com fatos criminosos posteriores para fins de agravação da pena
Se levada em consideração a anterior condenação, há materialização do bis in idem, ou seja, o réu seria apenado duas vezes pelo mesmo fato.
Registra-se, contudo, que o Supremo Tribunal Federal – STF, no bojo do Recurso Extraordinário 4530000[59], por unanimidade, decidiu pela constitucionalidade da aplicação do instituto da reincidência como agravante de pena como agravante da pena criminal.
A tese do autor do recurso, interposto e apresentado pela Defensoria Pública, era de que a aplicação da reincidência caracterizaria bis in idem. Durante a sustentação oral no Plenário, o Defensor Público Federal Afonso Carlos Roberto do Prado comparou a situação com a de pessoas que cometem infração de trânsito e nem por isso são punidas como reincidentes[60].
“O agravamento pela reincidência traz a clara situação de penalizar outra vez o mesmo delito, a mesma situação com a projeção de uma pena já cumprida sobre a outra”, afirmou. De acordo com o defensor, a regra também contraria o princípio constitucional da Individualização da Pena, estigmatiza e cria obstáculos para o réu a uma série de benefícios legais[61].
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, negou provimento ao recurso ao afirmar que “o instituto constitucional da individualização da pena respalda a consideração da reincidência, evitando a colocação de situações desiguais na mesma vala”. Conforme asseverou o ministro, o instituto da reincidência está em harmonia com Constituição Federal – e “a regência da matéria circunscreve-se com a oportuna, sadia e razoável política criminal, além de envolver mais de 20 institutos penais”[62].
Nesse sentido, ele destacou que as repercussões legais da reincidência são diversas e não se restringem à questão do agravamento da pena. Por essa razão, caso a regra fosse considerada inconstitucional, haveria o afastamento de diversas outras implicações que usam a reincidência como critério, a exemplo do regime semiaberto, da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou por multa, do livramento condicional, da suspensão condicional do processo, dentre outros[63].
“Descabe dizer que há regência a contrariar a individualização da pena. Ao reverso, leva-se em conta, justamente, o perfil do condenado, o fato de haver claudicado novamente, distinguindo-o daqueles que cometem a primeira infração penal”, afirmou o ministro no mesmo julgado[64].
Seu voto foi acompanhado por todos os demais ministros que participaram do julgamento – Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e o presidente, Joaquim Barbosa.
A ministra Cármen Lúcia ponderou que a regra é uma forma de se tratar igualmente os iguais, deixando a desigualdade para os desiguais e garante àquele que cometeu um delito “a oportunidade de pensar sobre isso para que não venha a delinquir novamente em afronta à sociedade”[65].
O presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, destacou que a pena tem finalidade ressocializadora e preventiva, de modo que o condenado que volta a cometer novo crime demonstra que a pena não cumpriu nenhuma dessas finalidades[66].
Em que pese a decisão da Suprema Corte, além de caracterizar uma falha do próprio Estado na efetivação da função reeducadora da pena por ele imposta e executada, não há como negar que a reincidência faz referência a um fato passado e sua consideração para o agravamento da pena caracteriza bis in idem.
O ponto de partida para a compreensão do modelo constitucional de responsabilização penal no Estado Democrático de Direito é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que, entre nós, encontra guarida no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. A dignidade da pessoa humana constitui o epicentro que confere legitimação ao poder punitivo estatal, sendo, então, de observância obrigatória quando do exercício do jus puniendi e do jus punittionis[67].
Do respeito à dignidade da pessoa humana decorre o princípio da não violência, que estabelece limite à intervenção repressiva estatal. Nesse sentido Marcio Sotelo esclarece que:
‘‘a violência é por definição injusta, e não deve ser confundida com a força, que é recurso necessário do direito. A violência atinge a dignidade que todo o indivíduo deve ostentar como integrante humano. A força consiste só na superação da resistência do direito, e tem como limite necessário a integridade física e moral daquele se se opõe’’[68]
No mesmo sentido, Noberto Bobbio diz que:
‘‘o fundamento de uma sociedade democrática é o pacto de não agressão de cada um com todos os outros e o dever de obediência às decisões coletivas tomadas com base nas regras do jogo de comum acordo preestabelecidas, sendo a principal aquela que permite solucionar conflitos que surjam em cada situação sem recorrer à violência recíproca’’[69].
A intervenção repressiva estatal, portanto, deve ser realizada com o uso controlado da força, nunca com um ato violento contra o indivíduo. Na perspectiva da dignidade da pessoa humana, as normas penais deixam de ter função meramente protetiva do bem jurídico para adquirir, também, função limitadora do poder punitivo estatal.
Na lição de João Marcelo de Araújo Júnior:
‘‘hoje a concepção teórica do direito penal mudou. O direito penal não tem mais por finalidade fazer justiça, compensando a culpa com a pena. Essa ideia de compensação entre culpa e pena é indemonstrável e possui caráter meramente metafísico. O direito penal de um Estado Democrático de Direito, laico, não se vincula a finalidades teleológicas ou metafísicas, mas sim destina-se a fazer funcionar a sociedade... O direito penal moderno repeliu a ideia de retribuição e adotou um conceito funcional de prevenção geral e especial positiva. Abandonou a ideia de que o autor precisa sofrer para emendar-se (as ideias de arrependimento e emendas são secundárias). Hoje, a missão do direito penal não é mais causar sofrimento, mas sim reforçar no âmbito da cidadania a ideia de vigência, utilidade e importância, para a convivência social, da norma violada pelo criminoso’’[70].
Em um Estado no qual todo o poder emana do povo, para preservar a liberdade individual, a função primeira do ordenamento jurídico repressivo é estabelecer claramente as regras que autorizam a criação dos tipos penais e suas respectivas penas.
A tarefa de proteger bens jurídicos com o direito penal deve iniciar pela proteção da dignidade da pessoa humana do acusado. Nesse sentido, o modelo garantista de Luigi Ferrajoli é, hoje, a referência mais importante para a conformação de um sistema democrático limitador do poder punitivo estatal.
Segundo Luigi Ferrajoli, o sistema de garantias é constituído por dez axiomas fundamentais, dos quais derivam quarenta e cinco teoremas que estabelecem limites ao poder repressivo estatal. Ferrajoli vislumbrou seis axiomas relacionados ao direito penal material e outros quatro relacionados ao direito processual penal.
Os axiomas fundamentais do sistema garantista são:
1. Nulla poena sine crime;
2. Nullum crimen sine lege;
3. Nulla lex (poenalis) sine;
4. Nulla necessitas sine injuria;
5. Nulla injuria sine actione;
6. Nula actio sine culpa;
7. Nulla culpa sine judicio;
8. Nullum judicium sine accusatione;
9. Nulla accusatio sine probatione;
10. Nulla probatio sine defensione.[71]
O primeiro, segundo e terceiro axiomas enfrentam a questão de quando e como castigar, oferecendo garantias contra a utilização da pena. O quarto, quinto e sexto enfrentam os problemas de quando e como proibir, oferecendo garantias contra a incriminação. E o sétimo, oitavo, nono e décimo axiomas enfrentam a questão de quando e como julgar, sendo garantias que visam consecução do devido processo legal garantista.
Por intermédio do primeiro brocardo – nulla poena sine crimine -, entende-se que somente será possível aplicação de pena quando houver, efetivamente, a prática de determinada infração penal, que, a seu turno, também deverá estar expressamente prevista na lei penal – nullum crime sine lege. A lei penal somente poderá proibir ou impor comportamentos, sob a ameaça de sanção, se houver absoluta necessidade de proteger determinados bens, tidos como fundamentais ao convívio em sociedade, em atenção ao desejado Direito Penal Mínimo – nulla lex (poenalis) sine necessitate. As condutas tipificadas pela lei penal devem, obrigatoriamente, ultrapassar a pessoa do agente, isto é, não poderá se restringir à sua esfera pessoal, à sua intimidade, ou ao seu particular modo de ser, somente havendo possibilidade de proibição de comportamentos quando estes vierem a atingir bens de terceiros – nulla necessitas sine injuria -, exteriorizados mediante uma ação – nulla injuria sine actione -, sendo que, ainda, somente as ações culpáveis poderão ser reprovadas – nulla actio sine culpa -, não havendo, portanto, responsabilidade penal objetiva[72].
Os demais brocardos garantistas erigidos por Ferrajoli apontam para a necessidade de adoção de um sistema nitidamente acusatório, com a presença de um juiz imparcial e competente para o julgamento da causa - nulla culpa sine judicio – que não se confunda com o órgão de acusação – nullum judicium sine accusatione. Fica, ainda, a cargo deste último o ônus probatório, que não poderá ser transferido para o acusado da prática de infração penal – nulla accusatio sine probatione -, devendo ser-lhe assegurada a ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes – nulla probatio sine defensione[73].
As limitações político-criminais de um direito penal democrático constituem princípios que, não obstante também serem indiscutivelmente reconhecidos pela moderna doutrina, estão expressos ou implícitos na Constituição e indicam o caminho para a realização da material justiça. Vale registrar que a superação da dogmática positivista fez reconhecer a normatividade dos princípios e a operacionalidade de suas orientações. O constitucionalismo do final do século XX acentuou a hegemonia axiológica dos princípios, os quais constituem a base normativa sobre a qual se assenta todo o edifício do sistema jurídico.
Como toda ciência, a política criminal possui liberdade de investigação, sendo este, portanto, o único ponto passível de elogio à Teoria do Direito Penal do Inimigo elaborada por Jakobs, vale dizer, qualquer iniciativa de investigação científica que procura solucionar o problema por ela identificado deve ser louvada tão somente pela sua existência, mas refutada, porém, no que tange à desrespeito a de princípios humanitários conquistados com muito esforço ao logo de muito tempo.
As estratégias de atuação na realidade social sofrem algumas limitações. A atividade repressiva do Estado não se legitima, unicamente, por critérios utilitários de necessidade e eficiência do enfrentamento da criminalidade. A intervenção na esfera de liberdade individual deve preservar os padrões de justiça vigentes na sociedade, de modo que o sistema de princípios acolhido relaciona-se diretamente com os valores sociais socialmente predominantes, não podendo, destarte, serem renegados – nem pela sociedade e, muito menos, pelos operadores do direito, máxime pelos legisladores - em momentos de animosidade exaltada.
Em um Estado Democrático de Direito, os princípios penais devem limitar a atividade repressiva estatal, estabelecendo quais são as garantias inafastáveis. O poder que emana do povo, embora utilizado para atender aos interesses da coletividade, não pode ser descuidado com qualquer de seus indivíduos.
Podem-se identificar, como fundamentos de legitimidade do Estado Democrático de Direito e limitações do poder punitivo estatal, vários princípios, todos derivados direta ou indiretamente dos axiomas garantistas elaborados por Luigi Ferrajoli.
O Direito Penal do Inimigo choca-se por, exemplo: a) com o princípio orientador de todo o sistema jurídico, qual seja, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; b) com o Princípio constitucional do Devido Processo Legal (Contraditório e Ampla Defesa); c) Princípio da Alteridade, por penalizar condutas que não ultrapassem o âmbito do agente do fato; d) Princípio da Exteriorização do Fato, ao considerar como inimigo certos indivíduos que possuem, segundo a teoria, uma personalidade perigosa; e) Princípio da Intervenção Mínima, por optar por um direito penal que não interfere de maneira fragmentária e subsidiária. f) Princípio da Legalidade, em todos os seus desdobramentos, etc.
Em termos jurídicos, por tudo que se colocou até aqui, o discurso do Direito Penal do Inimigo encontra-se em evidente posição antagônica, e por isso incompatível, ao modelo principiológico garantista de Direito Penal Mínimo que vem se mostrando o mais adequado até o momento a tarefa de enfrentamento da criminalidade, por conseguir proteger os bens jurídicos mais importantes da sociedade - mas o fazendo apenas quando estritamente necessário, de forma fragmentária e subsidiária, intervindo minimamente nos conflitos interindividuais, limitando, dessa forma, o poder repressivo estatal – e, ao mesmo tempo, servindo de instrumento de controle social ao reprimir e prevenir condutas indesejadas que atentem de maneira grave contra os bens jurídicos essenciais à manutenção da vida em sociedade, conciliando, destarte, a proteção de bens jurídicos e o respeito à dignidade da pessoa humana.
A Teoria do Direito Penal do Inimigo, atenta contra praticamente todos os princípios de um Estado de Direito. Não há um suavizador contra o ímpeto da violência do direito penal do inimigo, que seria o próprio direito penal garantista.
Nota-se, portanto, que medidas de política-criminal cuja dogmática orientadora seja a Teoria do Direito Penal do Inimigo não podem prosperar. Evidente que são inconstitucionais, por atentarem contra vários - senão todos - os princípios que visam limitar a atuação repressiva estatal e fomentar a existência de um Estado materialmente Democrático de Direito. É, então, totalmente inaplicável ante ao atual modelo constitucional limitador do poder punitivo estatal.
O vício de inconstitucionalidade de medidas de política criminal baseadas na teoria do direito penal do inimigo não é a única mazela de tal sistema. A inconstitucionalidade é apenas e tão somente a consequência da adoção das políticas ‘‘inimiguistas’’. Sua causa está no mimetismo da violência que se espalha, sobretudo, pela adoção do modelo capitalista, mas, também, pela difusão feita pelas mídias sociais de apelos pelo recrudescimento do sistema penal como forma de amenização da criminalidade.
Faz-se necessário, então, fazer a principal crítica deste trabalho, referentes às causas originárias e as consequências da manutenção da adoção de medidas de políticas criminais baseadas no Direito Penal do Inimigo, caso em que o remédio pode se tornar inevitavelmente mais amargo do que a própria doença, mostrando ser o Direito Penal do Inimigo, conforme se demonstrará, ineficaz no que diz respeito à sua promessa de combate à violência das modernas sociedades, inclusive, por exemplo, por negar que a pena tenha qualquer caráter ressocializador, se prestando apenas e tão somente a inocuizar o indivíduo que considera inimigo.
As causas que motivam à adoção de medidas de políticas criminais com ideias assemelhadas – quando não idênticas – as da Teoria do Direito Penal do Inimigo têm origem na perpetuação de um processo mimético da violência.
René Girard é criador da Teoria Mimética. O ponto principal de sua pesquisa é focado na gênese da violência presente nas sociedades humanas.
Segundo a teoria da mimetização, a violência tem como uma de suas principais raízes o processo de imitação. Desejar o que o outro deseja, ter o que o outro tem, agir como o outro age, reagir como o outro reagi. Eis a gênese da violência, segundo Girard. Esse processo de mimetização é campo fértil para o ressentimento, a inveja, a disputa de oportunidades e espaços e, consequentemente, a violência. Essa violência, ademais, pode surgir na forma de uma pretensa busca de justiça.
Realmente essa pode ser uma das vias explicativas para a proliferação dos atos de terrorismo religioso ou político, quando povos ou grupos se sentem explorados ou oprimidos e querem se igualar aos exploradores ou opressores. Ademais, esse teoria pode ser a via explicativa, também, de outras espécies de criminalidade, das mais simples as mais complexas.
Toda essa gênese de reprodução mimética da violência há de contar com alguma válvula de escape, de controle a impedir que o caos absoluto se instale e que a sociedade em geral venha a ruir. Girard identifica esse mecanismo de controle no ‘‘bode expiatório’’ por meio do qual, ainda por um processo de mimetismo, todos se unem na mesma reação de violência e exclusão contra determinados ‘‘eleitos’’:
‘‘todas as sociedades humanas, sem exceção, têm tendência a se transformar sob o efeito de sua violência interna. Quando isso se produz, elas dispõem de um meio de restabelecimento que escapa a elas mesmas e que a antropologia nunca descobriu: a convergência espontânea, mimética de toda a comunidade contra uma única vítima, o ‘bode expiatório’ em que todos se descarregam sem se difundir catastroficamente ao redor, sem destruir a comunidade.’’[74]
O mecanismo do bode expiatório não é uma novidade para o mundo da criminologia. Uma identificação da sociedade punitiva com o infrator é apresentada por Reik, Alexander e Staub, baseadas no mecanismo de ‘‘projeção’’ freudiana, que levou Paul Reiwald a desenvolver sua teoria do criminoso como um ‘‘bode expiatório’’, alguém sobre quem recai a descarga de culpas inconscientes[75].
Efetivamente, tal raciocínio já se encontrava presente na criminologia psicanalítica freudiana, quando da definição de ‘‘tabu’’ como algo desejável, mas proibido. A base do tabu seria uma ação proibida para cuja realização existe forte inclinação do inconsciente. Assim sendo, as ações consideradas desviantes têm a característica de serem atrativas aos integrantes da sociedade em geral (afinal, não seria necessário proibir algo que não seria de modo algum desejado), gerando a conclusão de que a punição dos infratores das regras sociais proibitivas se dá por um mecanismo inconsciente de identificação de desejos reprimidos[76]. Freud assevera que:
‘‘[...] é igualmente claro por que é que a violação de certas proibições tabus constitui um perigo social que deve ser punido ou expiado por todos os membros da comunidade se é que desejam não sofrer danos. Se substituirmos os desejos inconscientes por impulsos conscientes, veremos que o perigo é real. Reside no perigo da imitação, que rapidamente levaria à dissolução da comunidade. Se a violação não fosse vingada pelos outros membros, eles se dariam conta de desejar agir da mesma maneira que o transgressor’’[77].
No contexto desse referencial teórico é possível constatar que, em meio ao paroxismo da escalada da violência nas sociedades contemporâneas, emerge a iminência do caos da violência coletiva que pode decompor todo o tecido social. É nesse exato momento que se perfaz a oportunidade ideal para a tentativa de recomposição, mediante a unificação ou equalização em torno de um ‘‘inimigo’’ comum eleito, em outras palavras, de um ‘‘bode expiatório’’. Funciona como se a dispersão caótica de ódios e violências recíprocas geradas e alimentadas pelo processo mimético fosse controlada e canalizada pelo mesmo processo imitativo para um alvo comum, visto agora como fonte de todas as dores, de todas as ofensas, obstáculos e problemas. Esse inimigo comum passa a ser objeto de um ódio generalizado, massificado, imitativo, enfim, compartilhado por quase toda a comunidade, que vê em sua destruição ou punição um alívio.
Nota-se que sempre o processo mimético que comanda todo o processo de violência, que, aliás, não terá fim, se as instituições não interromperem esse processo de mimetização.
Poucos são os que conseguem escapar a esse círculo vicioso de imitações instintivas, e o fazem correndo o risco de também se tornarem alvo do ódio ou, ao menos, de serem comparados aliados do inimigo da vez.
Não é difícil perceber o conteúdo mimético ínsito a Teoria do Direito Penal do Inimigo. O então inimigo age de forma a negar a pertinência da ordem jurídica e, em movimento mimético, imitativo, os demais componentes da sociedade passam a agir como ele, ou seja, desprezando a ordem jurídica vigente e não aplicando ao tal inimigo os princípios, normas e regras atinentes a qualquer pessoa humana. Isso é, em última instância, rebaixar-se ao nível do infrator, igualar-se a ele, imitá-lo. É reintroduzir o mal no meio da sociedade, deixando de lado a oportunidade de negar-se ao mimetismo do mal, mediante a escolha do caminho do bem. Por isso dizer que o dito remédio direito penal do inimigo pode se tornar mais amargo do que a própria doença da criminalidade.
Em síntese: a sociedade, em seu afã imitativo, tem a pretensão de agir da mesma forma que os criminosos que condena, simplesmente desprezando a ordem jurídica constitucional e legal vigente, assim como os demais princípios norteadores de um direito penal garantista, dentre os quais aquele fundante, qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana.
A forma de tratar o criminoso inimigo seria idêntica ao mimetismo encontrado na Lei do Talião. Para o cruel, a crueldade; para o injusto, a injustiça; para o assassino, a morte. Olho por olho, dente por dente. Sempre a mesma imitação, e sempre da imitação a geração da violência em um círculo vicioso infindável.
Conforme André Luiz Callegari e Nereu José Giacomo:
‘‘os paradigmas preconizados pelo Direito Penal do Inimigo mostram os seus ‘‘inimigos’’, toda a incompetência estatal. Ao reagir com irracionalidade, ao diferenciar o cidadão ‘‘normal’’ do ‘‘outro’’. A excepcionalidade há de ser negada com o direito penal e processual constitucionalmente previstos, na medida em que a reação extraordinária afirma e fomenta a irracionalidade’’[78]
É necessário, portanto, por fim ao processo de mimetização da violência, e não estimulá-lo por meio das instituições estatais, sobretudo do direito penal, ramo do ordenamento jurídico que é estigmatizante por si só, por natureza, no qual, aliás, a sociedade vem depositando suas esperanças, seus anseios de justiça, alimentando, dessa forma, o processo mimético.
Não é o direito penal o responsável primário pela educação da sociedade. A função de educar o corpo social deve ser prestada por outros meios, nunca prioritariamente pelo direito penal, que tem, através da cominação da pena, a função de proteção aos bens jurídicos mais importantes para o convívio social, servindo, em última análise, para prevenir e reprimir o crime através da aplicação da pena, nunca para infundir valores positivos na consciência dos indivíduos da sociedade. O direito penal, e a pena, têm, sim – ou pelo menos deveria ter -, a função de reeducar aquele que cometeu um ilícito, reeducando aquele que não foi capaz de se comportar de acordo com o contrato social vigente, que, aliás, talvez violou a norma mais por omissão do próprio Estado no que tange às suas obrigações de ter que ter educado e zelado pela paz social de uma maneira geral dos seus cidadãos antes que esses chegassem ao ponto de cometer crimes.
A noção de Direito Penal do Inimigo lamentavelmente encontra-se presente em várias legislações penais da sociedade, de Estados Democráticos de Direito. A necessidade trazida pela moderna sociedade de risco tem feito que a legislação pautada nessa corrente de Direito Penal Máximo se infiltre no ordenamento jurídico da maioria dos Estados, inclusive no do brasileiro.
Para Ferrajoli:
‘‘a história das penas é seguramente mais horrenda e infame para a humanidade que a própria história dos delitos: porque mais cruel, e talvez mais numerosas, que as violências produzidas pelos delitos foram as violências produzidas pelas penas; e porque enquanto o delito tende a ser uma violência ocasional, e às vezes impulsiva e necessária, a violência infligida pela pena é sempre programada, consciente, organizada por muitos contra um. Contrariamente à fantasiosa função de defesa social, não é arriscado afirmar que o conjunto das penas cominadas na história produziu ao gênero humano um custo de sangue, de vidas e de mortificações incomparavelmente superior ao produzido pela soma de todos os delitos’’[79]
Para se colocar um fim nesse processo de mimetização deve-se parar com a utilização das políticas criminais de Direito Penal Máximo. O direito penal deve ser sempre a ultima ratio, e mesmo assim, quando for utilizado, deve ser pautado nos princípios orientadores de um direito penal garantista, que, não obstante cumprir o papel de proteger os bens jurídicos tutelados pelo ordenamento repressivo, o faz da maneira mais amena, para que justamente esse processo de mimetização seja diminuído ou, quiçá em tempos futuros, até mesmo eliminado.
Em um Estado Democrático de Direito, a representação popular é legitimada através do mandato político. De um modo geral, os Poderes Legislativo e Executivo canalizam, por meio de eleições periódicas, a opinião pública.
Muitos, porém, são os fatores que levam a sociedade a considerar o direito penal como instrumento prioritário no enfrentamento da criminalidade, sobretudo o próprio aumento da criminalidade e, muitas vezes, a influência dos meios de comunicação de massa que em geral repetem soluções de grande apelo popular, porém pouco conteúdo técnico sobre segurança pública.
Nesse contexto, aumentam também as reivindicações populares junto ao Poder Público para a adoção de medidas mais severas contra a criminalidade. Os agentes políticos normalmente evitam discordar das ideologias defendidas por seus eleitores e, assim, procuram atender às suas reivindicações, sob a justificativa de adequação do ordenamento jurídico à realidade social.
O sistema representativo normalmente serve aos interesses dos representados, mas, não deveria atender necessariamente da maneira como requer a sociedade, haja vista que os atos públicos devem ser elaborados em harmonia com os ditames legais e constitucionais e conforme a boa técnica jurídica e legislativa.
No entanto, a promulgação de algumas leis, algumas delas logo após momentos de grande comoção social, demonstram que o Brasil também incorporou em seu ordenamento jurídico as ideias de um Direito Penal Máximo - sobretudo da Teoria do Direito Penal do Inimigo.
Conforme demonstrado ao longo deste trabalho, os princípios da Teoria do Direito Penal Máximo também podem ser encontrados na Lei do Regime Disciplinar Diferenciado; Lei dos Crimes Hediondos; Lei do Abate; no âmbito do Código Penal, na consideração dos antecedentes, personalidade do agente e conduta social como circunstâncias judiciais desfavoráveis; e ainda na reincidência como circunstância agravante da pena.
As políticas-criminais baseadas na Teoria do Direito Penal do Inimigo, no entanto, podem implicar em consequências práticas e jurídicas exatamente opostas às soluções de redução da criminalidade. No plano jurídico, essas políticas podem atentar principalmente contra direitos fundamentais Constitucionais; e no plano prático, enfrentam os efeitos da criminalidade e não as suas causas.
Cabe reconhecer que a violência decorre de um conjunto de fatores e, na topografia dos problemas sociais, o crime é a “ponta do iceberg”. Dentre esses fatores, pode-se apontar inclusive as falhas e omissões do próprio Estado na promoção da paz social.
Por isso, pode-se afirmar que a redução da criminalidade definitivamente não será atingida apenas com políticas de repressão criminal agressivas, mas também com outras medidas que se encontram inclusive fora do direito penal como, por exemplo, a educação, distribuição de renda, políticas sociais e a promoção de uma cultura da paz.
Ademais, a opção por políticas de segurança pública de um Direito Penal Máximo elege o direito penal como prima ratio na resolução dos problemas sociais. No entanto, estas deveriam ser adotadas em último caso, após vencidos todos os esforços de pacificação, e, mesmo assim, deveriam visar a reeducação do condenado, caso contrário, estar-se-ia admitindo o duplo fracasso do Estado, primeiro nas suas funções de prevenir o crime e depois de ressocializar os apenados.
Quando o Estado falha em suas funções alheias ao direito penal, mas que previnem a violência, e elege a severa repressão como instrumento prioritário para o enfrentamento do problema da criminalidade, isso gera um mimetismo que, de certa forma, passa a ser praticado também pelo próprio Estado. Dessa forma, enfrenta-se violência com mais violência.
Assim, o recrudescimento do sistema penal por meio da adoção de políticas públicas baseadas no Direito Penal do Inimigo não se mostra eficaz ao objetivo a que se propõe, qual seja, a pacificação social, mas, ao contrário, tendem a fomentar ainda mais a violência por perpetuar o processo de mimetização da violência.
Portanto, para a redução da violência, as políticas de segurança públicas devem ser elaboradas em harmonia com as demais políticas estatais de redução da criminalidade, muitas delas fora do Direito Penal, não necessariamente a maior criminalização de condutas, o recrudescimento das penas e a extinção de garantias processuais penais.
Assim, o direito penal deve ser sempre a ultima ratio, e mesmo assim, quando recorrido, deve ser pautado nos princípios orientadores de um direito penal garantista, que, não obstante cumprir o papel de proteger os bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico, o faz da maneira mais amena, para que justamente esse processo de mimetização da violência seja diminuído ou, quiçá em tempos futuros, até mesmo eliminado.
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[6] GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. 7ª edição. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2014, p. 2.
[7] DOS SANTOS, Juarez Cirino. Criminologia crítica e reforma da legislação penal. Disponível em: www.icpc.org.br.
[8] QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal. Belo Horizonte: Editora
Del Rey, 1988, pp. 31-32.
[9] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 291.
[10] DARHENDORF, Ralf. A lei e a ordem. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1997, p. 109.
[11] DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa, Criminologia – O homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 411.
[12] LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Fabris, 1991, p. 28-29.
[13] PALIERO, Carlos Henrique Apud LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Fabris, 1991, p. 28-29.
[14] A seletividade do direito penal decorre do anseio de manutenção do poder das classes econômicas e politicamente dominantes que, invertem o valor da vida em relação ao patrimônio, consistindo, portando, em ser o direito penal mais direcionado para a punição dos que são econômica e politicamente desfavorecidos.
[15] WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, p. 26.
[17] RUBIN, Daniel Sperb. Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade. Jus navegandi, Teresina, ano 8, n. 62. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/3730, 2 de fevereiro de 2003. Acesso em 23 de setembro de 2014.
[18] OSNA, Gustavo. Apud GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. Niterói, RJ: Editora Impetus, 2014, p.21.
[19] RITA, Maria Monroe Danielle. Direito penal do inimigo: óptica filosófica, aspectos de legitimidade e crise da modernidade e do homem. Franca, 2009, p. 9.
[20] RITA, Maria Monroe Danielle. Direito penal do inimigo: óptica filosófica, aspectos de legitimidade e crise da modernidade e do homem. Franca, 2009, p. 9.
[22] Ibdem.
[23] Ibdem.
[24] CONDE, Francisco Muñoz. Edmund Mezger e o Direito Penal de seu Tempo: Estudos sobre o Direito Penal no Naional-Socialismo. São Paulo: Editora Lumem Juris, 2010, p. 66-65.
[25] Ibdem.
[26] CONDE, Francisco Muñoz. Edmund Mezger e o Direito Penal de seu Tempo: Estudos sobre o Direito Penal no Naional-Socialismo. São Paulo: Editora Lumem Juris, 2010, p. 66-65.
[27] DOS SANTOS, Juarez Cirino. O direito penal do inimigo – ou o discurso do direito penal desigual. Disponível em: www.icpc.org.br.
[28] DOS SANTOS, Juarez Cirino. O direito penal do inimigo – ou o discurso do direito penal desigual. Disponível em: www.icpc.org.br.
[29] RITA, Maria Monroe Danielle. Direito penal do inimigo: óptica filosófica, aspectos de legitimidade e crise da modernidade e do homem. Franca, 2009, p. 9.
[30] Ibdem.
[31] ELÚCIA, Antônia Alencar. A inaplicabilidade do direito penal do inimigo diante da principiologia constitucional democrática. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, n. 895, maio. 2010, p. 471-498.
[32] DOS SANTOS, Juarez Cirino. O direito penal do inimigo – ou o discurso do direito penal desigual. Disponível em: www.icpc.org.br.
[33] DOS SANTOS, Juarez Cirino. O direito penal do inimigo – ou o discurso do direito penal desigual. Disponível em: www.icpc.org.br.
[34] DOS SANTOS, Juarez Cirino. O direito penal do inimigo – ou o discurso do direito penal desigual. Disponível em: www.icpc.org.br.
[35] Ibdem.
[36] Ibdem.
[37] JAKOBS, Gunter. Apud GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. Niterói, RJ: Editora Impetus, 2014, p.23.
[38] Ibdem.
[39] ALENCAR, Antônia Elúcia. A inaplicabilidade do direito penal do inimigo diante da principiologia constitucional. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, n. 895, maio. 2010, p.482.
[40] ALENCAR, Antônia Elúcia. A inaplicabilidade do direito penal do inimigo diante da principiologia constitucional. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, n. 895, maio. 2010, p.482.
[41] ALENCAR, Antônia Elúcia. A inaplicabilidade do direito penal do inimigo diante da principiologia constitucional. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, n. 895, maio. 2010, p.482.
[42] BRASIL. Lei n° 7.210 de 11 de Julho de 1984. Disponível em: . Acesso em 28 de outubro de 2014.
[43] MOREIRA, Rômulo Andrade. Este monstro chamado RDD. Disponível em: www.ultimainstancia.uol.com.br. Acesso em 17/10/2014.
[44] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Disponível em: http://www.planalto.gov.br, visita em 28 de outubro de 2014.
[45] GOMES, Luís Flávio. Legislação inglesa antiterror não vale. Disponível em www.juspodivm.com.br. Acesso em 17/10/2014.
[46] Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. Disponível em www.camara.gov.br/sileg/integras/315848.doc. Visita em 28/10/2014.
[47] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=443438&tipo=TP&descricao=ADI%2F4162
[48] BRASIL. Lei n. 8.702 de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm. Acesso em 28 de outubro de 2014.
[49] BRASIL. Lei n. 8.702 de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm. Acesso em 28 de outubro de 2014.
[50] SILVA, Ivan Luís Marques da. O contra-ataque garantista à globalização. Boletim IBCCRIM 177/6-7. São Paulo: IBCCRIM, agosto, 2007.
[51] SILVA FRANCO, Alberto. Crimes Hediondos. São Paulo. Editora RT, 2007, P. 114.
[52] BRASIL. Lei n. 8.702 de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm. Acesso em 28 de outubro de 2014.
[53] BRASIL. Decreto Lei n. 2.848/1940. Lei n. 8.702 de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em 28 de outubro de 2014.
[54] BRASIL. Decreto Lei n. 2.848/1940. Lei n. 8.702 de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em 28 de outubro de 2014.
[55] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. – 14. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
[56] Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicadas dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites impostos; III – o regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. BRASIL. Decreto Lei n. 2.848/1940. Lei n. 8.702 de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em 28 de outubro de 2014.
[57] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 14. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 560.
[58] BRASIL. Decreto Lei n. 2.848/1940. Lei n. 8.702 de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em 28 de outubro de 2014.
[59] Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=235084. Acesso em 30/10/2014
[60] Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=235084. Acesso em 30/10/2014.
[61] Ibdem.
[62] Ibdem.
[63] Ibdem.
[64] Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=235084. Acesso em 30/10/2014.
[64] Ibdem.
[65] Ibdem.
[66] Ibdem.
[67] GALVÃO, Fernando. Direito penal Parte geral. 5. Ed. Editora Saraiva: 2013, p. 123.
[68] FELIPPE, Márcio Sotelo. Razão jurídica e dignidade humana, p. 106.
[69] BOBBIO, Noberto Apud GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral. Editora Saraiva, São Paulo, 2013, p. 124
[70] ARAÚJO JÚNIOR, João Marcelo de. Societas delinquere potest – revista da legislação comparada e estado atual da doutrina, p. 94.
[71] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 14. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 10.
[72] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 14. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 10.
[73] Ibdem.
[74] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Violência e mimetismo: o direito penal do inimigo sob a ótica girardiana. Consulex: Revista Jurídica, Brasília, v. 17, n. 389, 1 de abril de 2013, p. 46-49.
[75] Ibdem.
[76] Ibdem.
[77] Ibdem.
[78] Apud VALE, Ionilton Pereira do. Direito penal do inimigo: fundamentos filosóficos e sistêmicos. Revista dos Trubunais, v. 100, n. 909, julho, 2011, p. 163-186.
[79] FERRAJOLI, Luigi Apud, VALE, Ionilton Pereira do. Direito penal do inimigo: fundamentos filosóficos e sistêmicos. Revista dos Trubunais, v. 100, n. 909, julho, 2011, p. 163-186.
Bacharel em Direito pela UDF Centro Universitário do Distrito Federal e advogado militante na área criminal.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Vantuir Galvão Melo. O discurso do direito penal desigual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jul 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52075/o-discurso-do-direito-penal-desigual. Acesso em: 23 dez 2024.
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