Resumo: Procura-se neste artigo trazer os conceitos das modalidades de prisão em flagrante delito e a diferença prática de cada uma, especialmente quando da aplicação da lei de crimes de drogas em seus diversos tipos penais mistos alternativos.
Palavra – chave: prisão em flagrante; modalidades; lei de drogas; crimes permanentes.
Abstract: This article seeks to bring the concepts of the types of imprisonment in flagrante delicto and the practical difference of each one, especially when applying the law of drug crimes in its various alternative mixed criminal types
Key words: prison in flagrante; modalities; drug law; crimes.
Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito de prisão em flagrante; 3. Modalidades de prisão em flagrante; 4. Repercussão da diferença entre as modalidades de prisão em flagrante nos crimes da lei de drogas; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.
1. Introdução
O código de processo penal prevê em seus artigos, o conceito de prisão em flagrante de onde a doutrina extraiu algumas de suas modalidades, complementando-as a outras trazidas pelos estudiosos do Direito.
Algumas dessas prisões não previstas no texto do CPP são consideradas ilegais, e outras dependem ainda, de autorização judicial para ocorrerem, em vista da proteção ao direito fundamental de liberdade.
A Lei 11.343/2006, denominada Lei de Drogas, prevê autorização judicial para a modalidade de prisão em flagrante retardado, diferido ou postergado. É a única modalidade de prisão em flagrante que depende de autorização judicial, o que parece bastante contraditório, haja vista ser a prisão verificada no momento em que os fatos estão ocorrendo, ou seja, aquilo que “queima”, conforme a própria etimologia da palavra.
Por isso se faz necessário a diferenciação das modalidades de prisão em flagrante, para que os operadores do Direito, especialmente aqueles da atividade policial que lidam frequentemente com tal espécie de prisão, possam proceder a sua efetivação dentro da legalidade.
Assim, essa prisão em flagrante é a ferramenta constitucionalmente assegurada para autopreservação social e, se justifica para evitar a consumação do delito; evitar a fuga e levantar elementos indiciários que viabilizem uma futura deflagração da persecutio criminis.
2. Conceito de prisão em flagrante
A prisão em flagrante, tratada no capítulo II do Título IX, pertence à modalidade de prisão processual (provisória ou cautelar), da qual é espécie, ao lado da prisão preventiva, da prisão temporária, da prisão decorrente de pronúncia e a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível.
É uma medida de autodefesa social, caracterizada pela privação da liberdade de locomoção, independentemente de prévia autorização judicial, daquele que é flagrado durante o cometimento de um delito ou momentos depois. Tem como objetivo fundamental evitar a fuga do infrator, auxiliar a colheita de provas, impedir a consumação ou o exaurimento do delito.
3. Modalidades de prisão em flagrante
A doutrina elenca as modalidades dessa prisão a partir dos artigos do CPP e traz ainda outros exemplos, são elas: 1) Flagrante próprio, perfeito, real ou verdadeiro (art. 302, I e II); 2) Flagrante impróprio, irreal ou quase flagrante (art. 302, III ); 3) Flagrante presumido, ficto ou assimilado (art. 302, IV); 4) Flagrante preparado ou provocado (crime impossível por obra do agente provocador, crime de ensaio); 5) Flagrante esperado; 6) Flagrante forjado 7) Flagrante prorrogado/retardado/diferido (ação controlada);.
O flagrante próprio, perfeito, real ou verdadeiro é o que ocorre quando o agente está consumando a infração ou acabou de cometê-la (delito já consumado). Essa forma de flagrante deve ser realizada no ‘locus delicti’.
Impróprio, irreal ou quase flagrante ocorre quando o agente, já tendo consumado o delito, ou em meio aos atos executórios, é interrompido por terceiros. Ao fugir, é perseguido e preso. A perseguição deve ser ininterrupta (não pode sofrer solução de continuidade), não importando o tempo de sua duração. ‘Logo após’ é o tempo entre o acionamento da polícia e o seu comparecimento ao local do crime para obtenção de informações quanto ao agente. Não se exige na perseguição o contato visual ininterrupto com o agente.
No flagrante presumido, ficto ou assimilado não há perseguição. Aqui, o agente é apenas encontrado posteriormente com objetos que façam presumir sua autoria.
As três modalidades acima referidas estão previstas no CPP, e para explicar algumas situações corriqueiras, especialmente da atividade policial, a doutrina desenvolveu conceitos de outras quatro modalidades.
Criação doutrinária, o flagrante preparado é também chamado de crime impossível por obra do agente provocador ou “crime de ensaio”. São sinônimos de crime impossível: “crime oco”, “tentativa inidônea” e “quase crime”. Caracteriza-se pelo induzimento à prática do crime pelo agente provocador, que tomando as medidas necessárias, torna impossível a consumação do delito. Infelizmente essa modalidade de prisão em flagrante ocorria com certa frequência, tendo o STF rechaçado qualquer legalidade aparente, sumulando entendimento:
STF Súmula 145 não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.
Também ilegal, e rechaçado pela doutrina e jurisprudência, o flagrante forjado ocorre quando o fato típico não é praticado, mas é simulado pela autoridade ou por qualquer do povo com o objetivo de incriminar o suposto agente. É uma prisão absolutamente ilegal, passível, ainda, de responsabilização penal e administrativa dos responsáveis. Temos como exemplo comum o policial que “planta” a droga no veículo de algum alvo de investigação.
Já o flagrante esperado é considerado legal, já que não há qualquer provocação do agente policial que apenas toma conhecimento antecipado de que ocorrerá um crime e se dirige ao local, aguardando o momento de flagrância para efetuar a prisão.
Difere do flagrante retardado, postergado ou diferido pois neste, o fato está ocorrendo, mas o agente policial não efetua a imediata prisão, aguardando o melhor momento para realiza-la a fim de prender maior número de autores ou apreender o produto e instrumento de crime. Trata-se de modalidade prevista em leis esparsas e que recebe o nome de ação controlada, por depender em determinadas situações, de autorização judicial.
4. Repercussão da diferença entre as modalidades de prisão em flagrante nos crimes da lei de drogas
Especialmente sobre a prisão em flagrante denominada ação controlada é que precisamos tecer algumas considerações sobre sua repercussão na lei de drogas.
Se a autoridade, seja ela policial ou administrativa, constatar que existe uma infração penal em curso, ela deverá tomar as providências necessárias para que esta prática cesse imediatamente, devendo até mesmo realizar a prisão da pessoa que se encontre em flagrante delito. Isso é um dever não uma faculdade, sob pena de responsabilização da autoridade.
A experiência demonstrou, contudo, que, em algumas oportunidades, é mais interessante, sob o ponto de vista da investigação, que a autoridade aguarde um pouco antes de intervir imediatamente e prender o agente que está praticando o ilícito. Isso ocorre porque em determinados casos se a autoridade esperar um pouco mais, retardando o flagrante, poderá descobrir outras pessoas envolvidas na prática da infração penal, reunir provas mais robustas, conseguir recuperar o produto ou proveito do crime, enfim obter maiores vantagens para a persecução penal.
Algumas leis, a até mesmo convenções internacionais, preveem essa modalidade a fim de trazer maior eficiência para as investigações policiais, tais como a Lei 12.850/13 (lei da organização criminosa); Lei 9.613/ 98 (lavagem de capitais); Lei 11.343/06 (lei de drogas) e a Convenção de Palermo que assim versa:
Artigo 20, Técnicas especiais de investigação
1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiada se, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.
(...)
4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.
Especialmente em relação a Lei 11.343/2006, há previsão de autorização judicial especifica para que a autoridade policial deixe de efetuar a prisão em flagrante num determinado momento, a fim de aguardar momento mais favorável a prisão de maior número de envolvidos bem como maior quantidade de droga, assim o art. 53:
Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
(...)
II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.
Ocorre que a diferença peculiar entre as modalidades de prisão em flagrante se torna de essencial conhecimento das autoridades envolvidas na persecução penal, justamente no que tange aos crimes previstos na lei de drogas, por versar sobre inúmeros crimes permanentes, nos quais, em tese, a prisão em flagrante poderia ocorrer em qualquer momento, já que a consumação dos delitos se protrai no tempo.
Na verdade há uma confusão de conceitos que o legislador quis afastar, exigindo especificamente no caso de drogas, a autorização judicial para que a autoridade deixe de efetuar a prisão no momento da flagrância. A confusão de conceitos ocorre justamente porque algumas autoridades justificam a prisão posterior de autores envolvidos, por exemplo, com tráfico de drogas, pela condição de crime permanente, burlando a determinação legal de autorização previa para não realização imediata da prisão. O que determina a lei processual penal, é que a prisão seja efetuada no momento em que a autoridade verifica qualquer conduta descrita no tipo penal. Por exemplo, no caso de tráfico de drogas, o art. 33 da Lei 11.343/2006 previu dezoito núcleos do tipo, e a autoridade policial deve efetuar a prisão imediatamente quando verificar qualquer um dos núcleos.
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Assim, por exemplo, se a autoridade policial verifica dois autores parados aguardando o comprador da droga se aproximar e entregar o dinheiro para efetuar a prisão, ela deve ter a autorização judicial para essa espera, vista de que os autores ali aguardam já com a droga acondicionada, o que se verifica a flagrância do núcleo ter em depósito, ou mesmo expor ä venda. Não pode a autoridade policial, sem autorização judicial, aguardar a efetivação da venda da droga, sob o argumento de que esperava melhor momento para efetuar a prisão dos compradores por se tratar de crime permanente. Foi justamente isso que a lei de drogas quis coibir, a discricionariedade abusiva que ocorria em relação aos crimes de drogas.
Por isso mesmo, não cabe aos agentes policiais determinarem o melhor momento para efetuar a prisão em flagrante nos casos de crimes de drogas, porque eles tem o dever de efetuar a prisão imediata quando verificada a prática de qualquer núcleo do tipo. A prisão nesses casos, só poderá ser postergada para momento posterior, mediante autorização judicial prévia e desde que preenchidos os requisitos legais quais sejam, o conhecimento do itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.
5. Conclusão
Como dito acima não se pode confundir crimes permanentes, em que a consumação se protrai no tempo, com flagrante postergado, retardado ou diferido, a fim de justificar a não prisão imediata em crimes de drogas. O fato de se tratarem de crimes permanentes autoriza o agente a prender em qualquer momento enquanto o crime está ocorrendo, ou seja, durante a permanência o agente policial pode prender em qualquer momento em que ele verificar a primeira conduta típica. Verificada a conduta ele é obrigado a efetuar a prisão imediatamente, conforme as modalidades previstas no próprio CPP. A possibilidade do agente escolher o momento da prisão, após verificada a flagrância, somente será possível nos crimes da Lei 11.343/2006, mediante autorização judicial e desde que preenchidos os requisitos legais. Muitos policiais tem deixado de efetuar a prisão em flagrante quando verificam condutas suspeitas de traficantes de drogas, onde fazem campana e aguardam os compradores adquirirem a mercadoria, sob o argumento de se tratar de crime permanente. Mas a lei de drogas foi clara ao vedar essa discricionariedade, devendo os agentes estarem amparados de autorização judicial, conforme os ditames da legislação especial.
6. Bibliografia
AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 8. Ed. São Paulo: Método, 2016.
CAPEZ, Fernando. Processo Penal. 25. Ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2018.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 6 Ed. Salvador: Juspodvum, 2018.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 22 ed. São Paulo: Altas, 2017.
TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 13. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2018.
TÁVORA, Nestor. ARAÚJO, Fábio Roque. Código de Processo Penal Para Concursos. 7. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2016.
TOURINHO FILHO, Fernando Costa. Manual de Processo Penal. 17. Ed São Paulo: Saraiva, 2017.
Delegada de Polícia em TO. Graduada em Direito pela PUC Minas<br>Especialista em Estudos da Criminalidade e Segurança Pública pela UFMG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Jeannie Daier de. A Lei 11.343/2006 e as modalidades de prisão em flagrante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jul 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52088/a-lei-11-343-2006-e-as-modalidades-de-prisao-em-flagrante. Acesso em: 23 dez 2024.
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