Resumo: Este artigo vem apresentar, de forma sucinta, a importância do orçamento participativo como instrumento de democracia e participação da comunidade, a fim de poder influenciar na definição do orçamento público e das prioridades de investimentos públicos.
Palavras-chave:orçamento participativo democracia; participação popular; direito financeiro.
Abstract: This article briefly presents the importance of participatory budgeting as an instrument of democracy and community participation in order to influence the definition of the public budget and public investment priorities.
Keywords: participatory budgeting democracy; popular participation; financial law.
Sumário: 1. Introdução – 2. Orçamento Participativo: conceito e previsão normativa – 3.Orçamento Participativo: os dois lados da moeda– 4. Há vinculação do Poder Executivo ao Orçamento Participativo?– 5. Considerações finais – 6. Referências.
1. Introdução
O surgimento do Estado Democrático de Direito trouxe consigo a premissa de que a soberania popular é a fonte primeira de todo e qualquer poder, disseminando na cultura ocidental a necessidade de participação popular e de representatividade como fonte de legitimação da democracia.
É sabido que a ampliação dos conglomerados urbanos e a consequente complexidade das questões políticas e urbanísticas ensejaram no abandono do Modelo Grego de Democracia Direta, por meio do qual os cidadãos exerciam diretamente a potestade pública, deliberando diretamente e pessoalmente nos assuntos de interesse público das cidades-Estado.
Com consequência, abriu-se espaço para o monopólio da democracia indireta nos sistemas democráticos, a exemplo do que ocorreu na República Federativa do Brasil, que adotou a modalidade representativa, inspirada em figura contratual típica do direito civil: o contrato de mandado. Em aperta síntese, é como se o povo outorgasse uma procuração para que o representante fosse o seu procurador no exercício da potestade pública. Como nenhum sistema é desprovido de falhas e lacunas, a democracia atualmente vigente também enfrente suas crises que nada têm a ver com aquela enfrentada pela democracia direta.
Trata-se de uma crise de representatividade que tem como origem fatores diversos, mas que permanece arraigada no seio social diante da falta de credibilidade do cidadão na idoneidade e na capacidade das instituições e dos agentes políticos.
A verdade é que a grande maioria dos cidadãos não se sente representado nas Câmaras Municipais, nas Assembleias Legislativas e nem mesmo no Congresso Nacional. É factível e o distanciamento de maciça parte da sociedade em relação às instâncias de tomada de decisão, que beira o descaso pela política, a ponto de nem mesmo saber quem é aquele que o representa.
O desequilíbrio entre o cidadão comum e agente político, bem como a insatisfação dos governados em relação aos seus governantes fez surgir a necessidade de “democratizar a democracia”, aproximando o exercício do poder político ao seu cidadão, através de mecanismos de democracia direta, tais como o plebiscito, o referendo e iniciativa popular.
O que pouca gente sabe é que esses não são os únicos instrumentos de reforço à qualidade das deliberações participativas e democráticas. A Constituição Federal ainda preconiza, por exemplo, a participação de trabalhadores em colegiados de órgãos públicos; a participação do usuário de serviço público na tomada de decisões das concessões e permissões públicas; a legitimidade do cidadão para denunciar irregularidades perante o Tribunal de Contas; a participação de trabalhadores, empregadores e aposentados na gestão da seguridade; a gestão democrática do ensino público. Outros diplomas legais consagram, ainda, participação do cidadão em audiência públicas e no Conselho de Saúde.
Por último, mas nem por isso menos importante, a Lei de Responsabilidade Fiscal prevê a figura do Orçamento Participativo, consistente na consulta popular no momento de elaboração da proposta orçamentária com fins de melhor decidir a aplicação e destinação do dinheiro público, o que será objeto de maior aprofundamento no presente estudo.
Diante dos problemas apresentados, parece intuitivo que a solução da crise de representatividade parece residir na integração entre o Estado e a Sociedade Civil através da participação discursiva e deliberativa dos interessados.
Nesse aspecto, a comunicação, a expressão de opiniões, ideias e vontades dos cidadãos ganha um papel de relevo, na medida em que decisões políticas devem se basear em razões públicas, levando em consideração as diversas e heterogêneas perspectivas existentes na sociedade.
Torna-se cada vez mais evidente a demanda por um espaço público de discussão que não se limite ao âmbito estatal ou aos agentes do Estado. Ao contrário, imperiosa a criação de mecanismos de participação direta na gestão política, como forma de qualificar as políticas públicas, uma vez que elas alcançarão efetivamente as necessidades experimentadas pela comunidade.
Como bem ministra o professor José Luiz Quadros de Magalhães, a tão desejada participação popular e o controle social ocorrerão de maneira mais efetiva e eficiente junto ao poder local, uma vez que a população se encontra mais sensível aos problemas urbanísticos do dia-a-dia. (MAGALHÃES, 2006).
Daí a primordialidade no fortalecimento das competências municipais e na busca da maior descentralização angariada na democracia participativa local capaz de romper as barreiras entre o Estado e a Sociedade Civil.
2. ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: CONCEITO E PREVISÃO NORMATIVA
É indiscutível a importância do orçamento público na política e na economia do Estado, uma vez que através dele se planeja a execução dos programas de Governo, fixando-se despesas e distribuindo receitas de acordo com as necessidades públicas primordiais e secundárias em determinado exercício financeiro.
Nesse aspecto, a Constituição da República, em seu art. 165, conferiu ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de elaborar os projetos de lei orçamentária. É ele, portanto, que tem a incumbência de planejar a estimativa de receitas e a projeção de despesas por áreas (Saúde, Educação, Meio Ambiente, etc,), delineando, em última instância, o formato da gestão orçamentária e das contas municipais.
Obviamente, a discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, na medida em que existem instrumentos de freios e contrapresos que equilibram a supremacia do Chefe do Executivo, a exemplo das propostas orçamentárias encaminhadas pelas instituições dotadas de autonomia administrativa e funcional como o Ministério Público e o Poder Judiciário e a apreciação e do projeto final pelo Poder Legislativo que pode, inclusive, alterá-lo e emenda-lo.
E é justamente sob essa perspectiva de controle das contas públicas que exsurge a importância do tema aqui tratado.
Mas o que realmente vem a ser Orçamento Participativo?
O sítio eletrônico oficial do Ministério do Planejamento o define como um importante instrumento de complementação da democracia representativa, através do qual a população decide as prioridades de investimentos em obras e serviços a serem realizados a cada ano, com os recursos do orçamento da prefeitura.
Segundo Danilo R. Streck, propõe-se como um instrumento do Poder Executivo de escuta das comunidades, de prestação de contas e fiscalização da ação de estado por parte da comunidade. (STRECK, 2003, p. 122).
Em suma, nada mais é do que um mecanismo governamental que permite aos cidadãos influenciar ou decidir sobre os orçamentos públicos, através da participação da comunidade, assegurando-se, assim, participação direta na definição de prioridades para os investimentos públicos
Sérgio de Azevedo sintetiza o procedimento básico do orçamento participativo:
“Embora variando bastante para cada cidade, os diferentes modelos do Orçamento Participativo possuem alguns pontos comuns. Normalmente, o processo tem início com a realização de assembléias que congregam moradores de bairros próximos localizados em cada uma das regiões tradicionais da cidade. Os moradores são então informados sobre a composição do orçamento municipal e o montante de recursos disponível, e são realizadas uma ou mais assembléias para a seleção das demandas da sub-região e a escolha dos delegados que irão defendê-las no Fórum Regional. Na seqüência do processo, os delegados eleitos nessas assembléias participam do Fórum Regional, em que definem uma ordem de prioridades das demandas de serviços e obras a serem encaminhadas ao Fórum Municipal.
Na instância regional, em muitos casos, é ainda realizada a escolha dos membros que irão representar cada região na Comissão ou Grupo encarregado do acompanhamento e fiscalização do Orçamento Participativo, por ocasião da implementação das obras e serviços. Por fim, o Orçamento Participativo é consolidado no Fórum Municipal na versão que será encaminhada à Câmara dos Vereadores para apreciação dos parlamentares. Pode-se dizer que o Fórum Municipal é um evento de cunho político, no qual culmina todo o processo. Após o encaminhamento oficial da proposta ao legislativo municipal, há diferentes tipos de mobilização para que a população potencialmente beneficiada atue na Câmara de Vereadores, a fim de garantir a aprovação da maior parte das obras e serviços pactuados durante o processo do Orçamento Participativo.”
As primeiras experiências com Orçamento Participativo remontam à década de 80, de iniciativa de governos municipais alinhados a Movimentos Sociais, com a finalidade de criar processos orçamentários públicos transparentes que permitissem aos cidadãos o envolvimento direto nos resultados específicos das políticas públicas.
A partir da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, o orçamento participativo passou a ser considerado como um dos instrumentos de transparência fiscal, consoante a redação do art. 48, parágrafo 1º, I daquele diploma legal.
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante: (Redação dada pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
Oportuno consignar que a redação originária da Lei 101/2000, anterior à Lei Complementar n.º 131 de 2009 já elencava a participação popular como instrumento de transparência fiscal. A alteração legislativa posterior apenas modificou o parágrafo único para fins de acrescer outros preceitos informativos à lisura orçamentária, tais como a “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público” (inciso II) e a “adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.” (inciso III) .
Da mesma forma, é possível se extrair um amparo constitucional ao Orçamento Participativo no art. 29, XII da Carta Maior, que estabelece como preceito à gestão dos Municípios a cooperação de associações representativas no planejamento municipal.
3. ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: OS DOIS LADOS DA MOEDA
Como visto, os Orçamentos Participativos, ao promoverem a inserção popular na gestão pública municipal através do debate político econômico, permitem não só um controle mais eficiente da Administração Pública, como desperta nos atores sociais a consciência de responsabilidade com a coisa pública e um maior engajamento político nos problemas diários da comunidade.
De tal forma, o povo deixa de ser objeto da política e passa a atuar como protagonista da mesma, assumindo papel de relevo na definição das bases orçamentárias que servirão de alicerce às políticas públicas, estabelecendo, juntamente com os agentes políticos, as prioridades sociais na aplicação das receitas oriundas da tributação e no gerenciamento e distribuição das despesas públicas.
A abertura dos canais de participação popular, especialmente os comunicativos e deliberativos traz consigo a benesse de fortalecer a democracia, na medida em que confere maior legitimidade à tomada de decisões.
Na grande maioria das vezes, porém, a democracia tem um custo. Mas com igual frequência ela vale o custo que gera, muito embora os resultados iniciais pareçam irrisórios.
É bem provável que num cenário ideal de participação popular direta ocorram problemas de operacionalização do Orçamento Participativo, tais como a alocação física para comportar os interessados num único espaço de debate, a organização por áreas ou distritos municipais, a forma de votação, a criação de Conselhos de Participação, a eleição de diretores a representar determinada categoria da sociedade ou região específica...enfim, são inúmeros os desenhos institucionais que a legislação municipal pode conferir para viabilizar a concretização da efetiva inserção popular e, consequentemente, a necessidade de se adaptar a estrutura administrativa para tais fins.
Outro fator a ser considerado na aplicação do orçamento participativo perpassa pela necessidade de conhecimentos mínimos acerca de orçamento público e de seu papel enquanto instrumento de gerência e controle de recursos.
Daí questionar-se se a população teria capacidade técnica para decidir sobre gestão urbana, especialmente considerando que a grande massa da sociedade ainda tem dificuldades de acesso ao Ensino Básico ou baixa escolaridade.
Afinal, são maiores as chances de se alcançar resultados positivos quando as decisões relativas ao ato de planejar e orçar provêm daqueles que possuem expertise para tanto.
Todavia, não se pode olvidar que nem sempre o próprio Chefe do Poder Executivo possui tal expertise. Até mesmo decisões que aparentam ser puramente políticas e discricionárias podem pressupor conhecimentos específicos que fogem ao âmbito de competência do Prefeito. Por exemplo, a viabilidade e o impacto orçamentário no aumento ou na redução da tarifa de ônibus, por exemplo, fato este que atualmente têm causado desconforto social no Município de Manaus. Deve-se questionar: Qual o impacto na folha de pagamento dos trabalhadores rodoviários? Qual o impacto pra os usuários do serviço público? A majoração da tarifa traria alguma melhora na prestação do serviço. Na maioria das vezes, decisões como estas também passam pelo crivo estudos ou da oitiva dos interessados, de especialistas e de órgãos técnicos.
Ora, por que não estender esse debate à toda a comunidade? Não existem óbices a que eventuais esclarecimentos ou estudos sejam igualmente apresentados à população, expondo de forma clara e informal as vantagens e desvantagens de cada uma das possibilidades de escolha.
Afinal, a garantia da participação popular não deve ser vista sob uma perspectiva meramente formal, não bastando que se confira um espaço público ao debate. Ao contrário, deve-se possibilitar o efetivo acesso do leigo às matérias de interesse público, preparando-o e habilitando-o para melhor exercer a sua cidadania.
A abertura dos canais de participação política contribui para o despertar da consciência política do cidadão e fertiliza o terreno para uma culta de educação acerca da coisa pública que já deveria vir de base, através do estímulo aos estudantes e às escolas a frequentarem tais espaços e a participarem do diálogo.
Talvez seja este o recurso (educação e conscientização) para combater o baixo percentual de participação da população no Orçamento Participativo, como foi constatado nas poucas experiências brasileiras que decidiram incorporar esse sistema.
O perfil socioeconômico e a baixa escolaridade de determinadas camadas da sociedade também podem gerar uma desigualdade na deliberação popular. Os grupos mais abastados poderiam se fazer representar por advogados ou consultores técnicos e conduzir o debate político a interesses coorporativos, em detrimento daquele cujo acesso à participação é limitado por razões de ordem material ou intelectual.
À título de exemplo, por mais que o cidadão que labora como montador no Distrito Industrial de Manaus tenha plena ciência dos problemas pelos quais passa o seu bairro ou o coletivo que o transporta, é bem difícil imaginar que, perfazendo uma jornada de trabalho que muitas vezes chega a 10 (dez) horas diárias, encontre tempo para comparecer a uma sessão pública de orçamento participativo.
Sob tal perspectiva, até se mostra interessante a divisão da cidade em distritos ou bairros com a eleição de diretores ou representantes que possam levar as insatisfações locais e as propostas de investimento ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo.
Por outro lado, corre-se o risco de que esta segunda via de representatividade ceda a pressões de categorias corporativas de maior poder econômico, ou sucumba à manipulação de políticos mal-intencionados, que apenas têm como objetivo corresponsabilizar a população pelos eventuais fracassos da gestão pública.
4. há vinculação do poder executivo ao orçamento participativo?
Um tema que suscita intenso debate doutrinário diz respeito à (im) possibilidade de vinculação do Orçamento Participativo ao Chefe do Poder Executivo. Em outras palavras, poderia determinada lei municipal estabelecer que as decisões dos órgãos de consulta popular vinculam a vontade do Chefe do Poder Executivo? E, caso a resposta seja negativa, a ausência de vinculação comprometeria a eficácia do instituto?
Parece defensável a tese de que muito embora o Orçamento Participativo seja uma prática a ser estimulada e incorporada a cultura fiscal de nossos Municípios, a vinculação encontraria um limite intransponível, que é o fato de Chefe do Poder Executivo ter a última para dar o formato da Lei Orçamentária.
Por outro lado, como visto anteriormente, a participação popular deve ser um espaço de decisão e não somente de ideias. O que significa dizer: o desacatamento da consulta popular deve ter o condão de gerar um ônus argumentativo adicional para o administrador, que deverá prestar satisfação à população, explicando o porquê de a proposta orçamentária popular ter se mostrado inconveniente ou inoportuna.
Inclusive, a necessidade de motivação e fundamentação do ato que contraria o orçamento decorrente de deliberação social deveria ser vista como obrigação inarredável e cogente ao administrador. É possível imaginar um cenário em que o descumprimento do dever de motivar resulte em sanção administrativa ao Chefe do Poder Executivo.
Penso, contudo, que nada impede a criação de um desenho institucional por meio do qual se preveja hipóteses excepcionais aptas a autorizar a vinculação do Chefe do Poder Executivo, como forma de ponderar instrumentos constitucionais da democracia indireta com garantias típicas de uma democracia direta.
É bem provável, no entanto, que um dispositivo legal que preconize a vinculação da vontade do Chefe do Poder Executivo seja questionado no Supremo Tribunal Federal que, por sua vez, possui jurisprudência no sentido de que a lei resultante de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições precípuas a outro poder, como é a elaboração do orçamento, padece de inconstitucionalidade. Vejamos precedentes judiciais nesse sentido:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO ESTADO DE SÃO PAULO. CRIAÇÃO DE CONSELHO ESTADUAL DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DO SANGUE - COFISAN, ÓRGÃO AUXILIAR DA SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO DE INICIATIVA.INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. I - Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CR/88). Princípio da simetria. II - Precedentes do STF. III - Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei estadual paulista 9.080/95. (ADI nº 1.275/SP, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe de 08/06/2007)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 12.385/2002, DO ESTADO DE SANTA CATARINA QUE CRIA O PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA ÀS PESSOAS PORTADORAS DA DOENÇA CELÍACA E ALTERA AS ATRIBUIÇÕES DE SECRETARIAS ESTADUAIS. VÍCIO FORMAL. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo estadual para legislar sobre a organização administrativa do Estado. Art. 61, § 1º, inc. II, alínea e, da Constituição da República. Princípio da simetria. Precedentes (...) (ADI nº 2.730/SC, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 28/5/2010)
No julgamento do Agravo de Instrumento 222351, do Rio Grande do Sul, publicado no DJe em 03/09/2010, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, questionou-se a constitucionalidade da Lei n.º 4.123/96, de Canoas, que instituiu a participação direta da população no planejamento, deliberação e fiscalização de tudo quanto diga respeito à elaboração de lei orçamentária anula, garantindo, ademais, que essa participação popular se daria a partir de regiões político-administrativas da cidade e de plenárias temáticas municipais, obrigando o Poder Executivo a promover o assessoramento técnico das decisões a serem tomadas, cominando-lhe, ademais, prazo para regulamentar todos os diversos aspectos daquela lei.
Na ocasião o Min. Dias Toffoli negou seguimento ao Agravo, por entende que os fatos demonstravam como nitidez a interferência indevida do Poder Legislativo na esfera de poder do Executivo, caracterizando, assim, o vício de inconstitucionalidade.
Por tais precedentes, vê-se que, de fato, é no mínimo questionável a constitucionalidade de uma lei que estabeleça a vinculação da proposta orçamentária popular, pelo menos quando a iniciativa da mesma parte do Poder Legislativo.
O vício talvez fosse afastado caso a iniciativa da lei fosse do próprio Poder Executivo, que possui a prerrogativa de legislar sobre as normas de elaboração orçamentária. Sob um ponto de vista prático, porém, é bem difícil conjecturar o Chefe do Executivo autolimitando seus poderes políticos, criando um instrumento que, no futuro, pode ser usado contra si mesmo.
Sem dúvida, a democracia brasileira ainda demanda progressão. Atualmente, o exercício da cidadania, na consciência da maioria do povo, se limita ao direito de votar e ser votado. Deposita-se toda a esperança de melhora da realidade social nas promessas – por vezes vazias – dos agentes políticos.
Nesse aspecto, a democratização do processo decisório e a abertura dos canais de participação popular não só confere maior legitimidade às decisões tomadas pelo administrador, aumento a probabilidade de acerto, como também compartilha com a sociedade a responsabilidade pelas opiniões deliberadas.
Afinal, os problemas vivenciados na cidade são primeiramente identificados pela comunidade, na rotina diária das ruas e bairros pelos quais frequentamos.
À luz de tais considerações, o Orçamento Participativo propicia o bom exercício da democracia e do aprendizado político, uma vez que o cidadão adquire novos conhecimentos sobre a realidade local e o regional, aprendendo sobre a organização e o funcionamento da sociedade; do quanto se gasta com o funcionalismo público; do quanto se destina à educação e à saúde e sobre a importância do dinheiro público.
De um lado, é certo que o Orçamento Participativo representa um mecanismo de deliberação e transparência na efetivação das políticas públicas, mas por outro, não se encontra isento dos riscos de captura, de corporativismos ou de manipulações políticas por meio de agentes mal-intencionados.
Ademais, não é desarrazoado questionar a eficácia do instituto, na medida em que as poucas experiências brasileiras não foram suficientes para inspirar a sua expansão. Soma-se a isto a questionável constitucionalidade de previsão legislativa que pretenda vincular as decisões de consulta popular à vontade do Chefe do Poder Executivo que, como visto, vem sendo rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal.
Imerso nessa perspectiva, o presente artigo buscou refletir, em linhas gerais, sobre algumas das questões relativas ao orçamento participativo, pretendendo, assim, estabelecer um fio condutor de raciocínio que permita evidenciar a importância e os riscos na adoção do instituto em apreço.
6. Referências
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AZEVEDO, Sérgio de. “Os desafios para o exercício da cidadania política nas sociedades modernas. In: SEMINÁRIO CIDADE, DEMOCRACIA E JUSTIÇA SOCIAL, 2003, Rio de Janeiro. Anais... Rio de janeiro, 2003.
BALESTERO, Gabriela Soares. “Os orçamentos participativos como instrumento de participação popular na efetivação das políticas públicas”. Disponível em http://www.unisc.br/portal/upload/com_arquivo/os_orcamentos_participativos_como_instrumento_de_participacao_popular_na_efetivacao_das_politicas_publicas.pdf GOMES, Marcus Lívio; ABRAHAM, Marcus; TORRES, Heleno Taveira. “Direito Financeiro na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”OLIVEIRA, Regis Fernandes de. “Curso de Direito Financeiro”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
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Brasil. Lei Complementar n.º 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp101.htm
ADI nº 2.730/SC, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 28/5/2010
ADI nº 1.275/SP, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe de 08/06/2007
ADI n.º 222351, Relator Dias Toffoli, Dje de 03/09/2010.
Pós-Graduada em Direito Processual Civil. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas.Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Amanda Souza de. Orçamento participativo como instrumento de democracia e cidadania Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52118/orcamento-participativo-como-instrumento-de-democracia-e-cidadania. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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