Resumo: Este trabalho possui como intento o desenvolvimento de uma síntese da terceira parte da dissertação de Tatiana Aguiar que dialogue com os postulados da Teoria de Sistemas de Niklas Luhmann.
Palavras chave: sistema tributário; teoria da linguagem e dos sistemas.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Desenvolvimento – 3. Conclusão – 4. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
Este trabalho possui como intento o desenvolvimento de uma síntese da terceira parte da dissertação de Tatiana Aguiar[1] que dialogue com os postulados da Teoria de Sistemas de Niklas Luhmann.
Em seu trabalho, Tatiana dá azo à conversa entre economia e direito, observando condutas elisivas do Sistema Tributário à luz das Teorias da Linguagem e dos Sistemas.
2. Desenvolvimento
Tatiana inicia a Parte III de sua obra em ótica retroativa, apontando que evasão fiscal e sistema tributário sempre coexistiram, necessariamente. Mas isso é dedutivamente lógico, afinal, tributos são o principal fomento do tesouro estatal, ou seja, sempre existirão, ao passo que é inerente à psicologia humana se esquivar ao máximo de ter descontos tributários de seu patrimônio.
A autora distingue elisão, evasão e fraude fiscal. Segundo sua classificação, a elisão, dotada de licitude, se daria quando, por meio de planejamento fiscal, o sujeito evitasse a ocorrência de uma obrigação tributária por não praticar o fato gerador dessa exigência ou por optar por um negócio jurídico menos oneroso tributariamente – seria, portanto, uma economia legítima de tributo. Por outro viés, a evasão fiscal se definiria como atitude dolosa e ilícita para se eximir de pagar tributos – sendo, assim, a fraude fiscal apenas uma forma da evasão.
Pode-se concluir, então, que a elisão e a evasão fiscal têm o mesmo intento: a minimização da carga tributária. O que ilustra a diferença entre os termos é o meio com o qual se atinge esse mesmo desiderato: que se encontra no binômio licitude/ilicitude. O resultado também é uma forma de distinção: na medida em que a elisão comina no não nascimento de relação tributária ou na gênese de um negócio jurídico menos carregado tributariamente, a evasão mascara a incidência da cobrança tributária, não havendo, portanto, pagamento do imposto.
Embora haja uma larga divergência doutrinária acerca dos termos e etimologicamente a construção do significado deles pudesse ser mais fidedigna, Tatiana busca facilitar essas definições. Por exemplo, ainda que a palavra elidir remeta etimologicamente a omitir e pudesse ser usada mais logicamente para o conceito ligado ao vocábulo evasão, a escolha da escritora é fugir de possíveis confusões: como a evasão é instantaneamente ligada à ilicitude pelo senso comum, optou-se por uma classificação mais clara.
Tatiana continua sua obra caminhando pelas relações entre princípios e atos elisivos. O princípio da legalidade, elencado pela autora como pedra angular de um Estado Democrático de Direito, com a roupagem tributária, pode ser assim encarado: nenhum tributo será cobrado se não em virtude de lei. Esse princípio se liga diretamente ao princípio da liberdade, já que todo indivíduo é livre para fazer tudo o que não for proibido por lei, o que embasa toda a noção de elisão.
Outro princípio trazido na dissertação é o da Tipicidade Cerrada, que reza que toda regra-matriz de incidência tributária deve descrever minuciosamente os fatos ensejadores da exação. Esse princípio também dá azo a atos elisivos: basta que o sujeito planeje seu agir de modo que ele não se identifique com um tipo tributário. O Princípio da Capacidade Contributiva também dá abertura a processos elisivos, já que se a pessoa não demonstrar fatos presuntivos de riqueza, não dará cabimento a uma maior carga tributária.
O princípio de Proteção à Propriedade Privada, por sua vez, guarda atos elisivos como ferramentas para concretização de sua essência - já que a elisão em si é uma forma de proteger os bens particulares. Por último, o princípio da Segurança Jurídica se relaciona com a elisão sob um prisma negativo: a segurança de quem age elisivamente é a da não-proibição de suas condutas.
Em um próximo momento, Tatiana faz breve análise do parágrafo único do artigo 116 do CTN, além do instituto da simulação. O artigo, in verbis: “Art. 116 (omissis): Parágrafo Único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos estabelecidos em lei ordinária.”
A autora encara o dispositivo legal como mais uma forma do poder legislativo tentar frustrar a livre iniciativa, já que dá abertura para que as autoridades da fazenda ultrapassem seu poder. Ela segue explicando a simulação, que seria a tentativa de omitir um ato ilícito pela prática de um ato lícito, tendo por objetivo a indução de terceiros em engano, na seara tributária, o próprio Estado.
Um ato do mundo social só pode existir para o mundo jurídico se há como prová-lo juridicamente. Assim, a autora sustenta que, para que o Estado dissolva um negócio jurídico firmado entre particulares, ele deverá provar que as vontades das partes são divergentes daquelas emitidas no contrato, configurando, assim, uma simulação. Elisões, portanto, não são atingidas pelo artigo retrocitado.
Em seguida, a autora inicia capítulo sobre negócio jurídico indireto, abuso de forma e de direito. O ato jurídico indireto se daria pela adoção de um formato diverso para a situação de fato para driblar a incidência do tributo do negócio jurídico direto. Atos jurídicos indiretos podem ser, a meu ver, tanto evasivos quanto elisivos, distinção que se dá em cada caso.
O abuso de forma/de direito se caracteriza por uma forma não usual de praticar determinado ato ao se realçar a causa que se pretende alcançar. Tatiana, em seu ataque à vedação ao abuso de forma/direito, defende que, ainda que o Código Civil preveja em seu artigo 187 essa veda, ela não seria cabível no campo tributário, já que o princípio da tipicidade cerrada, supracitado, é incompatível com tipos abertos.
A autora lembra que a condenação dos atos de abuso de forma/direito e de negócios indiretos se dá por serem considerados ilícitos atípicos, já que o Art. 116 só abarca atos dissimulados. Faz menção, em sua argumentação, a Luhmann: o sistema jurídico, segundo esse autor, se daria pelo binômio lícito/ilícito e, assim, tudo aquilo que não for ilícito é, portanto, lícito. Ainda que certas condutas sejam rechaçadas socialmente, não podem ser condenadas juridicamente se dotadas de legalidade. Assim, para a autora, pouco importa a atipicidade de um ato, bastando que respeite os limites legais.
Em próximo passo, tratando de analogias em relação ao Direito Tributário, Tatiana traz à tona a redação do artigo 108 do CTN, que diz que o emprego da analogia não poderá ser usado para cobrar tributo não previsto em lei. A lei 104 do CTN, continente do Art. 116 supra transcrito, dá azo para que se exija um tributo por analogia: ao outorgar a destruição de um negócio jurídico simulado, prevê que seja cobrado o tributo análogo ao que seria cobrado do ato que deveria ter sido praticado naquele contexto.
Novamente, a autora defende que atos jurídicos comprovadamente dissimulados sejam condenados, mas repreende possíveis censuras a atos jurídicos indiretos ou dotados de abuso de forma/direito – não previstos na lei 104, que apenas remete às simulações.
Com tudo isso, Tatiana Aguiar pretende demonstrar que o Art. 116 da lei 104 do CTN não abraça as elisões, já que antinômica seria uma norma que autuasse a licitude. Condenar atos válidos – ou seja, não dolosos, fraudulentos ou dissimulados, seria como tributar um negócio que não se realizou, ou um não-ato, o que esculpiria veemente afronta aos princípios da legalidade e da liberdade. Assim, o alcance do artigo em comento seria a evasão fiscal, por assim dizer, a prática ilegal de omissão tributária.
Tatiana traz à tona também a Teoria da Interpretação Econômica, para tratar a elisão por mais um viés. A teoria, nascida na Alemanha, defendia que a norma tributária deveria ter como mira os sinais exteriorizados de riqueza, e não a roupagem jurídica do negócio. Assim, de acordo com a tese, atos jurídicos com o mesmo efeito econômico deveriam estar sob a incidência dos mesmos dispositivos legais tributários, independentemente de sua forma jurídica.
Além da Teoria da Interpretação Econômica, a autora traz em seus enunciados outras teorias com pilares semelhantes, como a teoria do Propósito Negocial (Bussiness Purpose Theory) e a Doutrina da Jurisprudência dos Interesses, do alemão Philip Heck. O que essas teses têm em comum é a defesa de decisões jurídicas que se embasem em fatores extra-jurídicos, como os já mencionados efeitos econômicos de negócios jurídicos ou, em um resumo das teorias subjetivistas, a intenção do indivíduo ao praticar certo ato jurídico.
As teorias subjetivistas, apesar de terem um propósito louvável, vinculado à moral, não são palpáveis. Submeter o direito a análises psicológicas, imiscuídas no íntimo dos indivíduos, seria um atentado não só ao princípio da Legalidade, mas à Segurança Jurídica, ambos basilares e intrínsecos ao Estado Democrático de Direito. Além de que não existe como aferir a intenção do agir humano de forma confiável, já que ela só é acessível se materializada em campos objetivos, como contratos e verbalizações, podendo haver omissões, o que enfatiza a imprecisão em questão. Não há viabilidade alguma para aplicação dessas teorias, que poderia implodir os preceitos da democracia, com a criação de um direito não uno e subjetivo em excesso.
Além disso, Tatiana consegue rechaçar todas essas teorias sob a égide do mesmo argumento. Embora ela admita que fatos jurídicos também possam ser fatos econômicos, políticos e sociais, a literata defende que o direito só deva observar o binômio lícito/ilícito na aplicação de suas normas. Subjugar o código jurídico em detrimento do código econômico (ter/não ter), por exemplo, em certas decisões judiciais se revela algo extremamente preocupante.
Tatiana, em expressões que me remetem a Hans Kelsen, termina esse trecho da sua dissertação com os seguintes dizeres, em que delineia que o que as teorias intencionalistas têm em comum é "valorizar algo que está fora do Sistema Jurídico e pretender que as normas jurídicas busquem seu fundamento de validade em algo extralegal, e isso, a partir dos pilares teóricos que aqui construímos, é inadmissível".
Em uma combinação das teorias de Luhmann e Kelsen, pode-se fazer a seguinte análise: se uma norma, no sentido kelseniano, tira seu fundamento de validade de algo extra-jurídico, há evidencias de corrupção sistêmica.
No último capítulo da parte 3 de sua dissertação - antes das análises dos casos concretos, Tatiana fala finalmente da Elisão Fiscal a partir das teorias de Flusser e Luhmann.
Primeiramente, a partir da analogia criada por Flusser entre tradução e interpretação, Tatiana demonstra que um mesmo fato, interpretado por duas "linguas diferentes" poderão resultar objetos diferentes. Por exemplo, se para o direito a elisão é uma prática lícita, para a economia deve ser vista como maneira de reduzir custos. Assim, com certeza pode haver diálogo entre essas interpretações, mas uma não traduz a outra. Olhar para o direito com uma visão econômica não refletirá uma realidade jurídica, já que ela só tem olhos para uma realidade da economia. Para o Direito, não interessa o efeito econômico de um ato jurídico, mas seus efeitos legais. São realidades construídas com sistemas linguísticos diversos.
Mais uma vez, pode-se trazer Kelsen à tona. Ele veementemente defende em seus textos que pouco importa se o conteúdo da norma condisser com a moral ou qualquer outro sistema valorativo: uma norma é valida se tira seu fundamento de validade de uma norma superior, até que se chegue à constituição. Assim, ele aceita a existência de outros sistemas, mas não permite que eles interfiram na construção normativa, que se basta.
Tatiana encara que a elisão, sob uma ótica sistêmica, provoca irritações recíprocas entre Direito e Economia. A interferência entre sistemas é inegável. Mensagens da economia, por exemplo, podem estimular o sistema jurídico, que pode assimilar algum fato e evoluir. A questão é que essa absorção gera mensagens jurídicas, e não econômicas. Tatiana explica essa interação em termos Luhmannianos: diz que os vários subsistemas não se interpenetram, apenas passam informações um para o outro: o que pode provocar uma irritação e possível assimilação, ou também nada influenciar. Os sistemas se integrariam sendo abertos em termos cognoscentes e fechados em termos operacionais.
3. Conclusão
Tatiana conclui suas observações citando Marcelo Neves. Ela diz que uma comunicação jurídica jamais pode tomar em conta outro código em detrimento do seu, o que poderia levar ao bloqueio das comunicações do sistema e, em casos extremos e repetitivos, a alopoiese, em razão da corrupção sistêmica.
O texto mostra bastante a interação inter-sistêmica entre as esferas direito e economia. É inegável que quase nenhum fato é exclusivamente pertencente a um sistema, diante da complexidade do mundo do século XXI e seu caráter global, o que é excelente, mas torna alguns cuidados extremamente necessários. Os fatos jurídicos sempre tem algum impacto em outro sistema, quer seja a economia ou a política, mas ainda que essa interação seja evidente e os acoplamentos estruturais cada vez mais firmem, é preciso um estudo cada vez mais detalhado e uma cautela sempre delicada para que não se perca a essência de cada sistema.
No âmbito jurídico, esse cuidado pertence principalmente à aplicação das leis. A análise das comunicações entre sistemas deve ser bem delineada na criação normativa, em que são sopesados os impactos jurídicos, econômicos, políticos, sociais, e etc de cada dispositivo legal. Por outro lado, as sanções devem ser aplicadas com a maior uniformidade possível, e dentro do tão supracitado binômio licitude/ilicitude, para que haja uma justiça mais efetiva. Lógico que há casos mais complexos, em que maior exame é necessário, o que traz à tona fatos multifacetados mas jamais pode permitir que se subjugue o código base do Direito em desvantagem ao de outro sistema – o que pode culminar, como supradito, em corrupção sistêmica, quando um sistema se torna dependente de outro, dele se nutrindo.
O que se enseja aqui não é motivar uma atitude kelseniana - que aceita a existência de outros sistemas mas nega a interdependência entre o direito e eles - e dar pouca brecha à exegese, mas demonstrar que pode ser preocupante levar em conta códigos não jurídicos para a aplicação da lei. Se há permissividade para que o aplicador da lei usualmente saia do domínio jurídico e caminhe por outras searas, como os resultados econômicos de tal negócio jurídico em detrimento da sua forma ou da intenção do indivíduo ao invés de sua efetiva ação, há azo para um estado de desmando e discricionariedade exacerbada, fatores diametralmente opostos aos preceitos do Estado Democrático de Direito.
4. Referências bibliográficas
AGUIAR, Tatiana. Proposta de interpretação para os atos elisivos: dialogando com a Filosofia da Linguagem e com a Teoria dos Sistemas. 2008 PUC – SP
CARVALHO, Paulo de Barros; Curso de Direito Tributário. 28. ed. São Paulo/SP: Saraiva, 2017.
CARVALHO, Paulo de Barros; Direito Tributário – Linguagem e Método. . ed. São Paulo/SP: Noeses, 2015.
LUHMANN, N. O conceito de sociedade. In: NEVES, C. B. ; SAMIOS, E. M. B. (Org.). Niklas Luhmann: a nova teoria dos sistemas. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1997.
[1] AGUIAR, Tatiana. Proposta de interpretação para os atos elisivos: dialogando com a Filosofia da Linguagem e com a Teoria dos Sistemas. 2008 PUC – SP
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Brasília - UnB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, Julia Gomes. Diálogo entre o Direito Tributário, com enfoque no estudo de atos elisivos, e a Teoria de Sistemas de Niklas Luhmann Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 ago 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52148/dialogo-entre-o-direito-tributario-com-enfoque-no-estudo-de-atos-elisivos-e-a-teoria-de-sistemas-de-niklas-luhmann. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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