RAFAEL FERREIRA FONSECA
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo propõe uma discussão sobre a constitucionalidade da condução coercitiva à luz da Constituição Federal de 1988. O Código de Processo Penal foi promulgado em 1941 e possui uma série de artigos anacrônicos e incompatíveis com os princípios fundamentais da Constituição Cidadã de 1988, motivo pelo qual ajuizaram Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs), para que o Supremo Tribunal Federal avaliasse a compatibilidade do art. 260 do CPP à luz dos princípios que regem a nossa Carta Magna e que passa-se a presente análise. Utilizou-se como método geral de pesquisa a bibliográfica, bem como a análise documental.
Palavras-chave: Condução coercitiva; Constituição Federal; Direitos Fundamentais.
1. INTRODUÇÃO
Devido ao inexorável interesse público e político, o julgamento dos supostos crimes cometidos ex-presidente Luís Inácio da Silva, comumente conhecido como Lula, foi um processo ímpar, marcado por diversas arbitrariedades e diversas discussões acerca da constitucionalidade de algumas medidas adotadas ao longo do processo, em especial pelo magistrado Sergio Moro.
Uma das mais importantes discussões acerca das diligências do referido processo foi acerca da condução coercitiva do réu. Entende-se como condução coercitiva o instituto processual penal que permite, de forma impositiva, levar qualquer sujeito do processo às autoridades policiais ou judiciárias. Consoante os arts. 218, 201 e 260 do Código de Processo Penal, para que seja utilizada essa medida, irrevogavelmente devem ser observados alguns requisitos – o não comparecimento injustificado da pessoa cujo comparecimento em juízo ou perante autoridade policial devidamente solicitado, por meio de intimação.
O grande debate trata sobre a constitucionalidade de tal prática à luz da Constituição Federal. O Código de Processo Penal foi promulgado em 1941 e possui uma série de artigos anacrônicos e incompatíveis com os princípios fundamentais da Constituição Cidadã de 1988, motivo pelo qual o Partido dos Trabalhadores e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizaram Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs), para que o Supremo Tribunal Federal avaliasse a compatibilidade do art. 260 do CPP à luz dos princípios que regem a nossa Carta Magna.
2. O CASO
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental trata de um instituto, previsto no art. 102, § 1º da Constituição Federal, que tem por objetivo evitar o descumprimento de normas constitucionais que tratem questões de ordem política e jurídica do Estado, ou seja, os princípios basilares do Estado brasileiros que, uma vez transgredidos, geram insegurança no âmbito político e jurídico.
A ADPF 395, proposta pelo Partido dos Trabalhadores, busca a inconstitucionalidade da condução coercitiva tanto na fase de investigação, tanto na fase de instrução do processo criminal, sob alegação de que a parte ré tem direito de não produzir provas contra si. A tese defende que a não autoincriminação é decorrência do direito da dignidade da pessoa humana, logo, como a condução coercitiva é a antítese dessas prerrogativas constitucionais, o art. 260 §3º do Código de Processo Penal de 1941 não poderia ser recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
Por sua vez, a ADPF proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, de número 444 tem objeto muito mais limitado, entendendo que a inconstitucionalidade ocorre apenas quando a condução coercitiva ocorre na fase de investigação, portanto, o pedido de inconstitucionalidade é apenas parcial. O entendimento é que a medida proposta no art. 260 §3º do CPP viola uma série de princípios constitucionais, dentre eles, o da imparcialidade, do direito ao silêncio, nemo tenetur se detegere (direito de não produzir provas contra si), do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, o princípio do sistema penal acusatório e da paridade de armas. Subsidiariamente, foi requisitado que o entendimento acerca da condução coercitiva na fase de investigação seja mudado – a condução coercitiva então só poderia ser feita caso o sujeito deixe de comparecer injustificadamente após ser devidamente intimado.
Ambas ADPFs continham pedidos liminares, visto que foram ajuizadas em data próxima ao recesso do judiciário. O relator Gilmar Mendes, em suma, concedeu as liminares entendendo que a medida de fato é incompatível com os preceitos constitucionais.
Dessa forma, em 7 de junho de 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento das supracitadas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental. Como tratavam de matéria similar, foram apreciadas conjuntamente pela mais alta instância judiciária de nosso país.
O julgamento teve fim no dia 14 de junho e por maioria dos votos, o STF declarou que a condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, previsto no artigo 260 do CPP, não foi recepcionada pela Constituição de 1988. O entendimento é que tal prática representa restrição à liberdade de locomoção e viola a presunção de não culpabilidade, sendo incompatível com a Constituição.
Analisar-se-á no seguinte trabalho, portanto, os votos dos juízes sobre o tema pontuando os principais argumentos que motivaram a seguinte decisão.
3. VOTOS
Tendo em vista que já foram apresentadas noções sobre o entendimento do STF quanto a condução coercitiva, percebe-se assim a necessidade debruçar sobre os votos dos juízes.
Em resumo, a votação se deu por 6 votos a 5, pelo qual o STF entendeu inconstitucional o uso da condução coercitiva. Os ministros que entenderam ser inconstitucional a condução coercitiva foram: Gilmar Mendes, Rosa Weber, Ricardo Levandowski, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Celso de Mello. E os que se posicionaram a favor da condução coercitiva foram: Edson Fachin, Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Desse modo, para uma melhor compreensão dos argumentos de cada ministro, passa-se a análise detalhada de cada voto, sendo os seis primeiros contrários a condução e os cinco últimos a favor.
JULGAMENTO LIMINAR E VOTO DO RELATOR
Como já exposto, o Ministro Gilmar Mendes, relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental 395 e 444, concedeu as medidas liminares requisitadas pelos impetrantes, bem como considera a condução coercitiva uma medida lesiva aos preceitos fundamentais.
Preliminarmente, delimita os motivos pelos quais as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental em questão atenderem aos requisitos de admissibilidade: a ausência de meios para sanar a questão, atendendo ao princípio da subsidiariedade, além de o objeto da ação ser de relevante interesse público, justamente por se tratar de suposta transgressão aos preceitos fundamentais de nossa Carta Magna. Acrescenta ainda que a existência de ações ordinárias que tratem sobre o tema não pode excluir a possibilidade de ajuizamento de uma ADPF, posto que as “incongruências hermenêuticas” sobre um determinado tema podem lesar direitos fundamentais, sendo necessário unificar os entendimentos em um tribunal constitucional. A ausência de julgados sobre uma controvérsia constitucional deixa lacunas para que ocorram práticas divergentes das normas constitucionais.
Para o relator, a ideia da condução coercitiva na ação penal se tornou obsoleta, considerando que, com o advento da Constituição Federal de 1988, o acusado passou a ter direito ao silêncio, dessa forma, o processo pode prosseguir ainda que com a revelia da parte ré. No entanto, demonstra que a prática é extremamente utilizada em investigações de alta complexidade – inclusive salienta que a Operação Lava Jato executou cerca de 222 conduções coercitivas, prática incomum em processos ordinários.
Disseca então a ADPF 444. Entende que o direito ao silêncio não foi transgredido, posto que, ainda que o acusado seja levado a interrogatório, pode optar por permanecer em silêncio ou inclusive manifestar-se em contrariedade com o que está sendo alegado, corroborando para sua defesa. Em suma o direito a não autoincriminação é facultativo, e o relator entende que não há transgressão ou potencial lesivo a esse preceito, desde que o réu seja informado de seus direitos.
O direito ao tempo necessário à preparação da defesa, no entendimento do Min. Gilmar Mendes, também não é transgredido, visto que o réu não pode escolher o momento em que será interrogado, especialmente no decurso da investigação, em que não há uma acusação propriamente formada e que as diligências e investigações devem ser realizadas tão logo se tenha notícia dos delitos – e consonância com o art. 6º, V do CPP. Complementa que os direitos aplicados no decurso do processo penal – como o prazo mínimo para resposta à intimação – não podem ser projetados na fase do inquérito.
Frise-se que o Ministro relator considera que, muito embora o processo penal admita apenas medidas cautelares devidamente previstas no Código de Processo Penal, a condução coercitiva não se trata de medida absolutamente atípica, sendo, portanto, admitida sem que viole o direito do devido processo legal. Nesse momento o Min. Gilmar Mendes explica que existem duas correntes acerca da produção de provas no processo penal: uma admite todos os meios de produção de prova, desde que “não atente contra a moralidade, nem violente o respeito à dignidade humana” (TOURINHO FILHO, 1999, p.356), já a segunda corrente também admite “provas não nominadas”, no entanto, em casos excepcionais, com muitas ressalvas. Aduz também que a hipótese prevista no art. 260 §3º permite a restrição a liberdade dos envolvidos e de terceiros momentaneamente a fim de produzir provas, no entanto, em consonância com entendimento do STF, acerca da tipicidade dos atos processuais até o momento em que foi emitido o parecer, o relator compreende que inexiste atentado ao direito do devido processo legal.
Quanto ao direito à imparcialidade, à paridade de armas e à ampla defesa entende o Min. Gilmar Mendes que tal direito não é transgredido no momento da investigação pelo art 260 §3º do CPP, visto que o direito à ampla defesa nesse momento é assegurado por meio da presença do advogado, sem a qual o interrogatório ou depoimento poderão sofrer nulidade – consoante com o art. 7º, XXI, da Lei 8.906/94.
Entretanto, o Ministro Relator entende que existem claras violações ao direito à liberdade de locomoção e à presunção de não culpabilidade, motivo pelo qual considera a medida incompatível com o texto constitucional. Muito embora os direitos supracitados não sejam absolutos, ou seja, é permitido a restrição desses direitos em algumas hipóteses, ainda assim o relator entende que há violação ao texto constitucional, visto que as hipóteses em que ocorre a condução coercitiva não apresentam justificativa plausível para restrição de direitos fundamentais basilares:
Aí reside a falácia principal que fundamenta a condução coercitiva: a alegação de que seria um minus em relação à prisão preventiva por conveniência da instrução criminal. A condução coercitiva é, de fato, menos gravosa do que a prisão preventiva. A questão, entretanto, é que realizar o interrogatório não é uma finalidade legítima para a prisão preventiva. A consagração do direito ao silêncio impede a prisão preventiva para interrogatório, na medida em que o imputado não é obrigado a falar.
Por isso, a condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal. (MENDES, 2017)
Ante o exposto, o Min. Gilmar Mendes entende que o art. 260 §3º do CPC está em desacordo com a Constituição Federal, portanto, não foi recepcionado pelo texto constitucional de 1988, concedendo a liminar.
3.1. VOTOS A FAVOR
Seguindo o voto do relator, a ministra Rosa Weber decidiu pela procedência dos pedidos principais solicitados nas ações. Para ela, a garantia constitucional de permanecer em silêncio impede qualquer imposição legal ou judicial ao investigado ou ao réu de prestar depoimento perante qualquer autoridade.
Assim, se a narrativa dos fatos é ato facultativo acompanhado pelas garantias, nada justifica o comparecimento forçado. Nenhuma consequência a ele desfavorável pode advir desta opção, esclareceu a ministra.
Para ela, a condução coercitiva possui caráter restritivo da liberdade, bem como a condução para o interrogatório seria medida restritiva de liberdade, uma vez que a Constituição estabelece o direito ao silêncio, o direito à não autoincriminação. Sendo, portanto, um meio de defesa no processo penal, e não meio de prova.
Dessa maneira, o investigado ou réu que não comparecer, terá imposto legalmente o interrogatório, sendo conduzido para tal fim, confrontando assim a medida restritiva de liberdade e o próprio texto constitucional.
Também, ao encontro do voto de Gilmar Mendes, o ministro Dias Toffoli cita Carnelutti, dizendo que as algemas eram um emblema do Direito, e o mais autêntico e expressivo de seus emblemas é a balança e a espada, sendo necessário que o Direito nos ate as mãos.
Para Toffoli, o processo penal também é instrumento de contenção estatal e que a vedação ao princípio da liberdade de locomoção vigora da legalidade estrita. Não cabendo ao juiz o poder de cautela, uma vez que a legalidade estrita não admite poder geral de cautela em matéria de liberdade de ir e vir.
Conforme o art. 5º, LIV da Constituição Federal, o processo penal é um instrumento limitador do poder punitivo estatal, observando a legalidade e a forma prevista. Nesse sentido, o ministro Toffoli menciona Francesco Carrara:
As cautelas que a lei procura restringir as prisões preventivas constitui o critério pelo qual se deve julgar o grau de respeito outorgado a liberdade civil de um povo - a lei deve preestabelecer taxativamente como se pode dar o encarceramento preventivo.(TOFFOLI, 2018)
Além do argumento da não previsão legal da condução coercitiva, o ministro Dias argumenta quanto a espetacularização das prisões cautelares e o uso abusivo de algemas, instrumentos em sua maioria convertidos para constranger o investigado ou réu.
Em compreensão do Ministro Dias Toffoli, é chegado o momento a esta corte, na tutela da liberdade de locomoção, zelar pela estrita observância dos limites legais para a imposição da condução coercitiva sem dar margem para que se adotem interpretações criativas que atentem contra o direito fundamental de ir e vir e da garantia do contraditória e da ampla defesa e da garantia da não autoincriminação.
Nesse sentido, o ministro Ricardo Lewandowski inicia seus argumentos se reportando a própria corte, relatando julgamentos como, por exemplo, as súmulas vinculante 11 e 26, conceituando como jurisprudência garantista em matéria penal.
Em meio ao seu voto, Gilmar Mendes interrompe e diz que a história do STF é de valoração do status libertatis. Dessa maneira, em meio ao seu voto foram trazidos casos, como o habeas corpus coletivo que libertou mais de 4.500 presas grávidas, lactentes e mães de crianças de até 12 anos - todas presas preventivas - todas hipossuficientes e mais cerca de 2 mil crianças presas com elas.
Trouxe também a questão que o STF tem travado contra a arbitrariedade de todo gênero, praticado por parte das mais distintas autoridades, se volta exatamente para a proteção das pessoas pobres - justamente aquelas que superlotam o sistema prisional.
Ainda, sobre a prisão coercitiva de mais de 100 jovens que estavam indo a um baile funk em uma favela de Santa Cruz/RJ - apenas 11 tinham antecedentes criminais - muitos perderam o emprego e sofreram violência enquanto estavam presos.
Portanto, voltar-se contra conduções coercitivas para depor, sem prévia intimação e sem presença de um advogado, são claramente abusivas, nada tem a ver com a proteção de acusados ricos e nem com a tentativa de perpetuar a corrupção e corrupção institucional, concluiu o ministro.
E para a paralisação dos efeitos da condução coercitiva do réu para o interrogatório, principalmente diante de sua flagrante inutilidade, entende-se que o direito constitucional ao silêncio, art. 5º, LVIII, é suficiente. Nesse sentido citou o caso Miranda x Arizona - julgamento da Suprema Corte dos EUA sobre o direito ao silêncio.
A sustentação do ministro Celso de Mello, iniciou com o relato do episódio que ocorreu no STF em 1971, ao apreciar o RHC 48 – o ministro lançou uma grave adversão, sobre a posição a respeito entre as relações do Estado e os direitos básicos da qualquer pessoa que venha a ser submetida à atos de persecução penal. Em suas palavras:
O novo Estado Constitucional Brasileiro, bases democráticas e legitimado que sempre se caracterizou como um solo fértil onde germinou e desenvolveu a semente da liberdade, espaço de defesa e proteção das franquias individuais e coletivas, além de representar em sua atividade institucional como órgão de cúpula um veto a corrupção do poder, ao abuso de autoridade, prepotência dos governantes e ao desvio e a deformação da ideia de Estado Democrático de Direito. (FILHO, 2018)
Nesse sentido, ressaltou que o Supremo constitui por excelência como espaço de proteção e defesa das liberdades fundamentais, devendo os seus julgamentos serem imparciais, isentos e independentes, não podendo se submeterem a pressões externas, sob de pena completa subversão do regime constitucional dos direitos e garantias individuais e de aniquilação de inestimáveis prerrogativas essenciais que a ordem jurídica assegura a qualquer réu, mediante instauração em juízo do devido processo penal.
Dessa maneira, assim como a jurisprudência do STF tem entendido como abusiva e ilegal a utilização do clamor público como fundamento da prisão cautelar e outras medidas restritivas da esfera jurídica das pessoas, aquelas sob investigação do Estado. É necessário que o processo decisório ocorra em ambiente institucional que valorize a racionalidade jurídica, uma vez que ‘a resposta ao criminoso não pode ser cega, há de ser pautado de regras, perante juízes imparciais num viés que neutralize as paixões’.
Em suma, o ministro Celso de Mello argumentou que o investigado tem o direito de não ser obrigado a não cooperar com a investigação. "Se revela inadmissível, sob a perspectiva constitucional, a condução coercitiva do investigado, do suspeito ou do réu, especialmente, se analisar a questão da garantia do processo legal e da prerrogativa contra a autoincriminação."
Celso de Mello, em sua argumentação explorou ainda os HC 96219/SP e HC 99289, no sentido da não autoincriminação e meio de prova. Perpassou pelo art. 7 do Pacto de Costa Rica e desenvolveu raciocínio em relação ao direito de liberdade, conforme sua sustentação:
A liberdade humana sob investigação criminal ou persecução penal não constitui uma dadiva do poder, nem se qualifica como mera concessão do Estado. Ao contrário, a liberdade traduz um dos mais expressivos privilégios individuais além de configurar o direito fundamental de qualquer pessoa, cuja origem tem sua gênese no texto da constituição. (FILHO, 2018)
E por fim, conclui que ausente os requisitos da custódia cautelar, não se pode impor a condução coercitiva como medida alternativa para a prisão preventiva - legalidade estrita - tipicidade processual para qualquer restrição direito de liberdade - art. 5º, LIV da Constituição Federal.
E de forma sucinta, para finalizar os votos que deferiram o pedido das ADFs, o ministro Marco Aurélio fala sobre a importância da interpretação e que a legislação não se aplica só aos investigados por corrupção. Dessa maneira, a liberdade de ir e vir cerceada - não deixa de ser uma “prisão relâmpago”. Para ele, a condução coercitiva é um desgaste do direito de ir e vir, é um desgaste da imagem do cidadão.
3.2. VOTOS CONTRÁRIOS
O ministro Alexandre de Moraes foi quem abriu a divergência parcial do relator. Ele concluiu pela legitimidade da condução coercitiva para interrogatório na fase de inquérito (investigação) e na fase processual penal, quando deve ser permitida a participação do advogado do investigado e resguardado o direito ao silêncio e à não autoincriminação.
Mas, segundo seu entendimento, somente há possibilidade de sua decretação nos termos do artigo 260 do CPP, ou seja, desde que o investigado não tenha atendido, injustificadamente, prévia intimação. Dessa forma, votou pela procedência parcial das ADPFs.
O ministro Edson Fachin concordou que, para a decretação da condução coercitiva, é necessária prévia intimação do investigado e ausência injustificada. Ele votou pela procedência parcial das ADPFs no sentido de que a medida é cabível sempre que a condução ocorrer em substituição a medida cautelar mais grave, a exemplo da prisão preventiva e da prisão temporária, quando o magistrado deverá apresentar fundamentação no sentido de que a aplicação do instituto é suficiente para atingir os objetivos do processo penal.
Ele salientou que, caso seja imprescindível a decretação da condução coercitiva, deve ser assegurado ao acusado os direitos constitucionais, entre eles o de permanecer em silêncio. “A exigência de observância do devido processo impõe uma interpretação que intensifique a proteção individual em face do Estado, e é incompatível com a finalidade dessa cláusula geral compreensão que acarrete resultado processual prejudicial ao indivíduo”, ressaltou.
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto do ministro Edson Fachin. De acordo com Barroso, é legítima a condução coercitiva quando o acusado não atender à intimação, injustificadamente, para comparecer ao interrogatório, e deve ser assegurado o direito de permanecer em silêncio e o de ser assistido por advogado. O ministro entendeu ainda que é cabível a condução coercitiva nas hipóteses em que seria legítima a decretação de prisão cautelar (temporária ou preventiva), também com direito ao silêncio e à assistência do advogado.
Para ele, o acusado tem o dever de comparecer como respeito à justiça e às necessidades no âmbito do processo penal. “Há atos processuais em que a presença do acusado é indispensável, até porque envolve o reconhecimento pela testemunha”, observou.
O ministro Luiz Fux acompanhou o voto do ministro Edson Fachin. Para Fux, o instrumento da condução coercitiva tem produzido resultados eficientes em processos de criminalidade de última geração, para os quais os meios probatórios estavam ainda incipientes para enfrentá-la. “Obedecido o direito ao silêncio e à não autoincriminação, a reserva de justiça e a presença de advogados e de familiares, é, no meu modo de ver, constitucional a condução coercitiva do artigo 260”, disse.
Em breve exposição, a Min. Carmen Lúcia deu ênfase na exposição midiática do acusado, compreendendo que a prática decorre um abuso de direito e não da própria norma, ainda, reafirma que a prática deve ser combatida. No entanto, no que tange ao art. 260 §3º do CPP, entende que não há incompatibilidade com a Constituição vigente. Dessa forma, opta por julgar parcialmente procedente, afastando a hipótese de incompatibilidade do instituto da condução coercitiva com a constituição, mas entendendo que a condução coercitiva não é cabível quando não forem cumpridos os pré-requisitos previstos em lei.
Nos tempos que vivemos as amostragens quase circenses podem conduzir a destruição física e moral do investigado, do acusado, do réu, de seus familiares, das comunidades que os rodeiam, e tal circunstância, portanto, não é admissível, entretanto, não há previsão e nem está contida, nem é permitida pelo sistema jurídico vigente esse tipo de prática que precisa, deve ser cortada imediatamente. Essas situações quando ocorram haverão de ter resposta coerente com a providência adotada, e que com certeza qualquer abuso será inconstitucional nesse caso. O que não leva, contudo, na minha compreensão, a se ter autorizada a extinção do próprio instituto, no caso da condução coercitiva para fins de interrogatório prevista no art. 260 do Código de Processo Penal quando tanto se der nos casos previstos em lei. (ROCHA, 2018)
CONCLUSÃO
Em apertada votação, por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a condução coercitiva é incompatível com o texto constitucional vigente.
O momento em que vivemos é delicado. Muito embora seja necessário e de extrema importância investigações que apuram crimes complexos e articulados, é de suma importância também que sejam resguardados os direitos dos indivíduos, na sua condição de hipossuficiência perante o poderio do Estado.
Considerando o momento em que a Constituição vigente foi promulgada, os institutos de proteção aos réus e aos condenados foram pensados justamente a fim de evitar que fossem expostos a investigações persecutórias, tais como as que outrora ocorreram na Ditadura Militar de 1964.
A linha entre tirania e democracia, portanto, é tênue, motivo pelo qual é necessário sopesar que a eficácia das investigações não deve estar acima dos direitos do cidadão. Nesse contexto, as apurações devem ser feitas primando pela dignidade dos réus.
Considerando que a condução coercitiva restringia direitos fundamentais sem, no entanto, ter um objetivo para tal restrição, considerando que a pessoa conduzida a interrogatório não é obrigada a produzir provas contra si. Com o objetivo esvaziado, o instituto em questão estava sendo usado, especialmente, para promover linchamentos morais aos investigados por meio do bombardeamento midiático quando esse tipo de diligência ocorre, expondo o acusado como se culpado fosse.
Logo, acertadamente, a instância judiciária máxima de nosso país decidiu pela não recepção do art. 260 §3º.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário declara a impossibilidade da condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório. Notícias STF, 14 jun. 2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=381510>. Acesso em: 04 ago. 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF começa a analisar compatibilidade da condução coercitiva com a Constituição. Notícias STF, 07 jun. 2018. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=380722 >. Acesso em: 04 ago. 2018.
CAPEZ, Rodrigo. No processo penal não existe o poder geral de cautela. Revista Consultor Jurídico, 6 mar. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mar-06/rodrigo-capez-processo-penal-nao-existe-poder-geral-cautela>. Acesso em: 29 jul. 2018.
COELHO, Gabriela. Condução coercitiva virou espetáculo midiático, diz ministro Gilmar Mendes. Revista Consultor Jurídico, 13 jun. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-07/conducao-coercitiva-virou-espetaculo-midiatico-gilmar-mendes >Acesso em 29 jul.2018.
POMPEU, Ana. Supremo registra 4 votos a 2 a favor da condução coercitiva de investigados. Revista Consultor Jurídico, 13 jun. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-13/stf-votos-favor-conducao-coercitiva-investigados>. Acesso em: 29 jul. 2018.
Graduanda do Curso de Direito; Universidade Federal do Rio Grande - FURG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Marcela Bertolino da. A condução coercitiva à luz da constituição cidadã de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 ago 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52183/a-conducao-coercitiva-a-luz-da-constituicao-cidada-de-1988. Acesso em: 23 dez 2024.
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