INTRODUÇÃO
A proposta deste trabalho é o de analisar no Direito Brasileiro a forma de dissolução do casamento através do divórcio extrajudicial. Para isso, é necessário traçar um breve escorço acerca do enlace matrimonial civil e as formas de rompimento do mesmo ao longo da história da legislação brasileira.
“Até que a morte os separe”. Há muito tempo, tal frase dita pelo padre católico esvaiu o seu significado, com a instituição oficial do divórcio no Brasil, em 28 de junho de 1977, através da Emenda Constitucional n°. 09, devidamente regulamentada pela Lei ainda em vigor de n°. 6515, de 26 de dezembro do mesmo ano. Após tal evento, o discurso religioso sofreu pequena alteração como uma forma de protesto contra a Lei Brasileira que veio atender as alterações da sociedade: “O que Deus uniu, o homem não separa”.
Tal discurso, contudo, não mudou o então panorama brasileiro. Muito embora, o casal que pretendesse romper seu vínculo matrimonial sofresse uma verdadeira “via crucis” para lograr êxito no seu intento: o processo judicial que, por vezes, diante da morosidade da justiça brasileira e para atender a todos os requisitos para o divórcio, arrastava-se por anos. Enfim, um trâmite denso e complexo fruto de um resquício religioso que buscava, ao máximo, dificultar o rompimento da relação conjugal.
Inegavelmente, com a promulgação da Lei n°. 11.441/2007, que inseriu o artigo 1124-A no Código de Processo Civil e, posteriormente, com a aprovação do Projeto de Emenda à Constituição n°. 28/2009 (PEC do divórcio), em 13/07/2010, que gerou a Emenda n° 66/10, houve um grande avanço e celeridade na forma de extinção do casamento, já que desafogou a Justiça e simplificou o fim do casamento.
Assim, é possível, nos dias atuais, graças as alterações legislativas promovidas, diante do fogo da paixão, fazer juras de amor eterno pela manhã e, à tarde, rever seu posicionamento, consumido pelo ódio pelo ser humano que outrora fora amado. É verdade o ditado popular que diz que seja eterno enquanto dure.
Demonstra-se, portanto, a relevância do tema que se pretende abordar, sem intenção de esgotá-lo, de maneira a viabilizar o entendimento do funcionamento do divórcio realizado em cartório, distante das vistas do juiz e, também, do padre.
2. A UNIÃO CONJUGAL
Já dizia a letra bem-humorada da música cantada por Adelmário Coelho: “Se casamento fosse bom / não precisava testemunha / Pra que padre? / Pra que juíz? / se o que faz a gente ser feliz / é amar, amar, amar”.
A letra acaba por descortinar um pouco as formalidades que cercam o casamento. Para o saudoso Silvio Rodrigues, casamento é “o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”[1].
Com a evolução jurisprudencial, tal conceito doutrinário já não está totalmente adequado, pois o STF, nas ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF, reconheceu a inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo e, na Resolução nº 175, do CNJ, foi autorizado expressamente a celebração de casamentos para pessoas do mesmo sexo, as denominadas uniões homo afetivas. Ponto para o amor.
Todavia, existe ainda um trâmite formal para a celebração de um casamento.
O casamento é um acordo de vontades, livre de máculas, formalizado por meio de uma espécie de contrato que tem por objeto a união de um casal, qualquer que seja o gênero dos nubentes, com o intuito de formar uma família. Diz o art. 1.511 do Código Civil - CC: “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.
Não basta pura e simplesmente a intenção de casar, os nubentes devem ainda habilitar-se para tal finalidade, serem capazes para tal ato (art. 1.517 e seguintes do CC), se assegurarem que inexistam causas que impeçam o casamento (art. 1.521 e seguintes do CC), preencherem todos os requisitos (art. 1.525 e seguintes do CC) e, ai sim, após tudo isso, o juiz os declararem casados. E mesmo na hipótese do casamento religioso, este só será possível, válido, desde que também atenda aos requisitos da lei e seja registrado no registro próprio.
Nesse seguimento, o cônjuge passa a ser, junto com os descendentes, o núcleo familiar daquela pessoa, bem como o casamento passa a irradiar os seus efeitos, tais como: alterar o estado civil dos nubentes, interferir nas suas relações comerciais, haja vista, que, a depender do regime de bens, a anuência do outro cônjuge torna-se condição obrigatória para determinados atos como, por exemplo, para venda de um bem imóvel.
E mais, se desejar o cônjuge, o casamento afeta, inclusive, um direito da personalidade: o direito ao nome, consoante preceitua a Doutora Roxana Cardoso Brasileiro Borges:
O Código Civil de 2002, expressamente, no art. 1565, § 1º, prevê qualquer dos nubentes, querendo, pode acrescer ao seu nome o sobrenome do outro nubente, independente do gênero. Esse é mais um âmbito de autonomia jurídica individual quanto aos direitos de personalidade[2].
Destarte, devido à relevância do instituto do casamento, que acaba por gerar alterações significativas na vida dos cônjuges, antes de 1977 tal união somente era rompida com o falecimento de um dos parceiros.
Daí porque, o saudoso doutrinador Washington de Barros Monteiro chegou a conceituar o casamento como “a união permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos”[3]. Como será visto adiante, é necessário um pequeno reparo em tal conceituação, além do já mencionado “homem e mulher”, de modo a subtrair a palavra “permanente”.
3. A EVOLUÇÃO DA DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO
Apesar do divórcio ter sido legalmente instituído somente em 1977, desde 1890, com a proclamação da República e a separação entre Igreja e Estado, já havia a figura da “separação de corpos”, muito embora esta não tivesse o condão extinguir o vínculo matrimonial.
Ressalta-se, entretanto, que a “separação de corpos” só era possível, na hipótese de consenso ou de comprovação de adultério, injúria grave ou abandono do lar por parte de um dos cônjuges.
Em 1916, com a aprovação do Código Civil, foi criada a figura do “desquite”, que autorizava tão-somente a separação dos cônjuges (podendo cada um morar em locais diferentes) e o encerramento do regime de bens (os bens poderiam ser partilhados), mas não um novo casamento, pois o vínculo jurídico permanecia indissolúvel.
Finalmente, em 1977, conforme pontua a professora Clarissa Bottega, o divórcio é instituído no Brasil através da Emenda Constitucional n°. 9, de autoria do Senador Nelson Carneiro e que foi regulamentada pela Lei do Divórcio (Lei n°. 6.515/1977), que inicialmente permitia apenas mais um casamento e alterava o nome do antigo instituto denominado “desquite” para o de separação judicial.
Na época, a Igreja e a sociedade tradicional criticaram severamente a possibilidade de rompimento do vínculo conjugal chegando a afirmar que seria o fim da família.
Com a Constituição Federal de 1988, mais precisamente no seu art. 226, § 6º, e a Lei n°. 7.841 (17/10/1989), que revogou o art. 38 da antiga Lei do Divórcio, houve a exclusão da limitação numérica do divórcio.
O fato é que a separação judicial foi instituída como uma fase intermediária para a dissolução definitiva do casamento, como se fosse um estágio para saber se realmente era essa a vontade dos ex-cônjuges.
O Código Civil de 2002 manteve o mesmo sentido da Constituição Federal de 1988, prevendo a questão da separação judicial ou separação de fato como requisito para o pedido de divórcio (arts. 1.571 e seguintes do CC).
Em 2007, ocorreu a inserção do artigo 1.124-A no Código de Processo Civil da época, através da Lei n°. 11.441/2007, o que iniciou a possibilidade do rompimento do casamento através do procedimento extrajudicial, o divórcio cartorário, desde que a extinção do vínculo matrimonial fosse consensual e houvesse o preenchimento certos requisitos determinados nesta Lei.
Por sua vez, em 13/07/2010, foi aprovado o Projeto de Emenda à Constituição n°. 28/2009 (PEC do divórcio), o que gerou a Emenda n°. 66/2010. A mesma pôs fim aos prazos para o rompimento do vínculo do matrimônio, imprimindo maior celeridade no fim do casamento. Veja-se a Ementa da PEC n°. 28/2009:
Ementa: Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.
Explicação da ementa: Permite a extinção do vínculo matrimonial pelo divórcio independentemente de prévia separação judicial ou de anterior separação de fato.
Cumpre salientar que antes das alterações legislativas citadas, havia somente duas possibilidades para por um ponto final no casamento: a separação de corpos, de fato, por dois anos e após o ingresso em juízo do divórcio direto; ou o ingresso de uma ação de separação judicial, com prazo de “carência” de, no mínimo um ano, com a posterior conversão desta em ação de divórcio. Ou seja, o fim do casamento podia ocorrer de maneira consensual ou litigiosa, mas sempre judicialmente.
Antes da promulgação da Emenda n°. 66, dispunha o art. 226, § 6º da Constituição Federal da seguinte maneira:
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. (Grifo nosso)
Isso porque havia a distinção entre a sociedade conjugal e o vínculo matrimonial: este se caracterizava pela formalização do casamento com a intervenção estatal; já aquele era a vontade dos cônjuges em unir-se e constituir família. É o que se verifica, por exemplo, na decisão do STJ abaixo:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATO DE SEGURO DE VIDA - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO-OCORRÊNCIA – CLÁUSULA SUPLEMENTAR DE INCLUSÃO DE CÔNJUGE - DISPOSIÇÃO CONTRATUAL QUE ABRANGE, TAMBÉM, O SEPARADO JUDICIALMENTE QUE NÃO TENHA SE DIVORCIADO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. Não existe negativa de prestação jurisdicional no acórdão que, a despeito de adotar fundamento diverso daquele pretendido pela parte, efetivamente decide de forma fundamentada toda a controvérsia.
2. A separação judicial, diversamente do divórcio, não põe termo ao vínculo matrimonial, senão apenas à sociedade conjugal.
3. Em se tratando de contrato de seguro, a melhor exegese orienta a que a cláusula de inclusão de cônjuge na qual se emprega o verbete "cônjuge", deve abranger também o beneficiário que, separado judicialmente, não tenha convertido a separação em divórcio, como sucede in casu.
4. Recurso especial improvido.
REsp 1129048 / SC - RECURSO ESPECIAL 2009/0050950-5
Relator(a) : Ministro MASSAMI UYEDA (1129)
Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento: 15/12/2009
Data da Publicação/Fonte: DJe 03/02/2010
Cumpre ressaltar que, apesar da simplificação da possibilidade do divórcio, o STJ tem entendimento de que, apesar da Constituição não condicionar mais o divórcio a prévia separação, judicial ou de fato, ela não aboliu o instituto, mas permitiu o “exercício pleno de sua autonomia privada”. Assim, os cônjuges podem optar em se separar judicialmente ou já mover um divórcio direto[4].
Desse modo, como dito alhures, é possível casar e pleitear logo em seguida o divórcio, inclusive extrajudicialmente, em alguns casos, como será tratado no tópico seguinte.
4. O DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAL
Nesse quadrante, atendendo ao reclamo da comunidade jurídica brasileira, e da própria sociedade, para desjudicialização das separações conjugais/divórcios quando não houvesse litígio, é possível atualmente o desfazimento do casamento sem intervenção judicial, pela via administrativa, bastando à simples manifestação de vontades dos cônjuges, por intermédio de escritura pública. Senão vejamos o que diz o art. 733 do Código de Processo Civil:
Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.
§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
Desse modo, como asseveram Cristiano Chaves, assim como as pessoas podem se casar mediante simples declaração de vontade, podem descasar pelo mesmo procedimento, dispensada a intervenção judicial que não houvera outrora, quando contraíram as núpcias[5].
Em outras palavras, o divórcio extrajudicial veio como resposta à pressão social, que almejava a interferência mínima do Estado em tais questões, já que a judicialização quanto à dissolução de casamento feria o seu livre arbítrio.
É claro que alguns críticos levantaram bandeiras de protesto dizendo que a dissolução extrajudicial iria banalizar o instituto do casamento, tal como ocorreu em 1977 com a possibilidade do rompimento conjugal. Contudo, o fato é que a existência de prazos para a separação ou a solenidade imposta para o fim do casamento não seria óbice ao seu desenlace, até porque, na prática, casais já rompiam seus vínculos, antes mesmo da possibilidade de divórcio.
Fato é que a desburocratização foi um avanço importante em prol da liberdade e da autonomia privada em estabelecer seus vínculos.
4.1. REQUISITOS PARA O DIVÓRCIO EM CARTÓRIO
É observável a possibilidade de rompimento do vínculo do casamento em cartório quando o casal não tiver filhos menores de idade ou incapazes e tenham entrado em um acordo sobre três questões fundamentais: a pensão alimentícia, uso do sobrenome e partilha de bens.
Ou seja, caso optem, o casal, de forma consensual sobre as questões supra expostas (pensão, repartição dos bens e ao nome), poderá ser lavrada a escritura pública pondo fim ao casamento de maneira célere, sem prazos desnecessários.
Observa-se, nesse tocante, que a lei foi muito restrita na utilização do divórcio extrajudicial, pois a existência ou não de filhos menores ou incapazes não deveria ser um limitador para o divórcio mais célere. Nem tampouco a partilha de bens do casal.
Até porque, a relação dos pais com os seus filhos é distinta da relação do casal. Ainda mais agora, em que a regra é a guarda dos filhos de maneira compartilhada entre os pais.
Da mesma forma os bens, pois estes podem ser repartidos em uma ação judicial própria caso não haja um acordo, distinta do vínculo conjugal. Aliás, a este respeito, tem-se a Súmula n°. 197 do STJ que dispõe que “o divórcio direto pode ser concedido sem que haja a prévia partilha de bens”.
Com efeito, o divórcio extrajudicial deveria ser possível nos casos em que há consenso tão somente em relação à pensão alimentícia e ao nome, pois após o divórcio não seria possível o pedido de pensão e ao uso do nome. As demais questões poderiam ser tratadas via judicial, tais como a partilha de bens ou a guarda dos filhos.
O fato é que, em que pese às considerações supramencionadas, a Lei exige o preenchimento dos requisitos nela elencados como condição sine qua non para a concessão do divórcio extrajudicial.
Assim, preenchidos os requisitos para a faculdade legal, os cônjuges devem dirigir-se a um cartório acompanhados de um advogado ou defensor público, nada impedindo que estes sejam representados por procuradores com poderes especiais, devidamente munidos de procuração pública, a fim de que um tabelião de notas possa lavrar a escritura pública.
A exigência de acompanhamento de advogado/defensor é salutar, com vistas a garantir que os cônjuges recebam orientação jurídica profissional no momento de encerrar seu casamento, bem como sejam cientificados, pelo seu advogado ou defensor, das suas consequências.
Como bem salienta Paulo Lôbo, a assistência dada pelo advogado quando do divórcio extrajudicial não se perfaz na mera presença formal ao ato para sua autenticação, até porque esta não é atribuição do advogado, mas sim, de efetiva participação no assessoramento e na orientação dos cônjuges (art. 1º da Lei n°. 8.906/1994), elucidando as dúvidas de caráter jurídico e elaborando a minuta do acordo ou dos elementos imprescindíveis para a lavratura da escritura pública. De modo que, considerando que o advogado é escolha calcada na confiança e que sua atividade não é meramente formal, não pode o tabelião indicá-lo (só podendo fazê-lo em relação à Defensoria Pública), se os cônjuges o procurarem sem acompanhamento daquele[6].
4.2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS SOBRE O DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAL
Para regulamentar o divórcio consensual extrajudicial, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou a Resolução n°. 35/07, a fim de buscar uma efetiva segurança e estabilidade nas relações jurídicas.
Nesse sentido, visando maiores esclarecimentos de alguns pontos quanto ao procedimento cartorário para a realização do divórcio extrajudicial, bem como elucidar algumas dúvidas que frequentemente acometem os advogados que militam nessa área, deve-se trazer a baila algumas considerações contidas na Resolução n°. 35/2007 do CNJ.
A escritura de divórcio extrajudicial é de competência do cartório de notas, de acordo com a Lei n°. 6.015/73, e por tratar-se de competência em razão da matéria não é necessária a lavratura da escritura no local que ocorreu o casamento (art. 1° da Resolução n°. 35/07 e do Provimento n°. 04/07). Isto é, esclarece, Eugênio Guedes de Oliveira:
A competência para a lavratura de tais escrituras é única dos cartórios de notas. Saliente-se que se trata de uma competência em razão da matéria e que desta forma não há necessidade de ser realizada no local onde haja o registro do casamento[7].
Verifica-se, portanto, que o casal não está adstrito a romper seu vínculo no mesmo local que celebrou o casamento. É importante destacar também que: “a nova Lei veio proporcionar aos interessados a celeridade pela opção da via administrativa. Ao consulado é atribuída a competência para a prática de ato notarial. Assim, nada obsta que a separação e o divórcio sejam ali efetuados”[8].
Faculta-se lavrar atos de conversão de separação em divórcio, nos termos do art. 52 da Resolução n°. 35 do CNJ:
Art. 52. Os cônjuges separados judicialmente, podem, mediante escritura pública, converter a separação judicial ou extrajudicial em divórcio, mantendo as mesmas condições ou alterando-as. Nesse caso, é dispensável a apresentação de certidão atualizada do processo judicial, bastando a certidão da averbação da separação no assento do casamento. (Redação dada pela Resolução nº 120, de 30.09.2010)
Por oportuno, cumpre registrar que, na hipótese de realização do divórcio extrajudicial, não será possível a sua reversão pela mesma via administrativa, em caso de posterior arrependimento.
De sorte que, expedida a escritura pública de divórcio não caberá a sua alteração, salvo para corrigir erros materiais, consoante salienta o professor Cristiano Chaves, in verbis:
Após a realização da escritura pública, não mais será possível a sua alteração – salvo para a correção de erros materiais. Não há, portanto, a possibilidade de retratação do acordo celebrado (o que evidencia, inclusive, a necessidade de assistência por advogado). Assim, caso pretendam as partes dispor, novamente, sobre o patrimônio deverão fazê-lo por meio de simples negócio jurídico, nos termos gerais do Código Civil (inclusive, não se tratando de bem imóvel, poderá ser celebrado por escritura particular)[9].
Em outras palavras, visando resguardar a segurança jurídica do ato, só restará para o casal que se arrependeu de se divorciar administrativamente retornar para celebrar novo casamento ou celebrar uma escritura pública de união estável, se assim o desejar.
Aqui, impende registrar que, existindo, contudo, causa de nulidade ou anulabilidade, pode-se recorrer ao judiciário para que proceda a alteração ou cancelamento da escritura emitida por equívoco, por exemplo.
Outro ponto importante a se observar, é que as partes não estão impedidas de realizar o divórcio extrajudicial, mesmo existindo processo de divórcio em andamento pela via judicial, desde que este último ainda não tenha sido julgado. Neste caso, optando o casal pela via cartorária, caberá ao tabelião ou aos interessados, após a lavratura da escritura de divórcio extrajudicial, informar ao juiz da vara onde tramita o processo de divórcio judicial sobre a lavratura desta escritura e enviar uma cópia para que seja anexada ao processo, com vistas a que o mesmo seja arquivado sem resolução do mérito (art. 2° da Resolução n°. 35/07 do CNJ).
Ademais, a escritura de divórcio efetuada no cartório constitui instrumento hábil e autossuficiente para transmissão dos direitos constituídos pela dissolução do casamento – tais como a partilha de bens móveis, imóveis e saldos em contas bancárias – não havendo necessidade de alvarás judiciais para tal fim, como se procede nos processos judiciais, devendo os órgãos públicos, bem como as instituições financeira arquivarem cópias autênticas das respectivas escrituras, salvaguardando desta maneira futuras responsabilidades por tais atos.
Nessa ordem de ideias, o notário deverá ficar atento quanto à transcrição de dados relativos aos direitos patrimoniais transmitidos pelas partes, diante do acordo consensualmente realizado, pois qualquer omissão ocorrida acarretará sérios transtornos junto aos órgãos públicos, bem como, às instituições financeiras, sendo que, as pessoas interessadas e legalmente investidas de tais direitos, não poderão receber o que lhe é devido.
Por fim, anota-se que a gratuidade do divórcio “compreende as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais” (art. 6º da Resolução n°. 35/07 do CNJ).
CONCLUSÃO
Da exposição realizada, conclui-se, que o divórcio extrajudicial é a forma mais célere e simplificada para a extinção do casamento, desde que se enquadre nos requisitos legais para tanto. Um grande avanço nas relações de direito de família, pois se verifica que a autonomia privada acaba por prevalecer sobre a intervenção estatal.
Nesse sentido, Cristiano Chaves afirma:
É preciso que se esteja atento para o sinal projetado pela nova sistemática das separações e divórcios consensuais: tal qual um exército vencido na guerra, retira-se o Estado de um ambiente que não lhe pertence e que lhe é estranho, a vida privada. Por isso, doravante, toda e qualquer interpretação de regras relacionadas à dissolução do casamento (mesmo que nos procedimentos judiciais) deverá estar em sintonia com a autonomia privada, afastando-se exigências burocráticas e indevidas. É um novo tempo. Um tempo de afirmação da dignidade humana, aqui materializada através do respeito à sua liberdade (afetiva e jurídica) de casar e de não continuar casado. É um tempo bom e a previsão do futuro depende do compromisso do jurista no presente. Enfim, já é chegado o tempo do bem, vencendo o mal...[10]
Portanto, a dissolução do casamento deve ter como princípios basilares: a autonomia privada, a dignidade da pessoa humana, a simplicidade, a celeridade, e, também, a boa-fé. É importante frisar que tal rompimento do vínculo conjugal não pode trazer prejuízos para a sociedade, principalmente para terceiros de boa-fé e aos próprios rebentos do casal.
Entretanto, verifica-se que o CPC, que delimitou a dissolução do vínculo conjugal pela via extrajudicial, foi por demais cauteloso: poderia ser mais amplo com a possibilidade do divórcio “a jato”, exigindo para tanto consenso tão somente no que tange a pensão alimentícia e ao uso do nome. As demais questões, mesmo que controvertidas, como guarda de filhos e partilha de bens, poderia ser resolvida, à parte, na esfera judicial.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, J.B.Torres. Inventários, Partilhas, Separações e Divórcios Consensuais por Escritura Pública. São Paulo: JLA Editora e Distribuidora, 2007.
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada. 2ª edição. rev. São Paulo: Saraiva, 2007.
BOTTEGA, Clarissa. A evolução do divórcio no direito brasileiro e as no vas ten dências da dissolução matrimonial. Disponível em: . Acesso em: 16 ago. 2018.
FARIAS, Cristiano Chaves de. O Novo Procedimento da Separação e do Divórcio (de acordo com a Lei n°. 11.441/07). 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves de. A desnecessidade de procedimento judicial para as ações de separação e divórcio consensuais e a nova sistemática da Lei nº 11.441/07: o bem vencendo o mal. 2007, n. 3.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O Novo Divórcio. São Paulo: Saraiva, 2010.
IBDFAM. A trajetória do divórcio no Brasil: A consolidação do Estado Democrático de Direito. Disponível em: . Acesso em: 16 ago. 2018.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Divórcio e Separação Consensuais Extrajudiciais. Disponível em: . Acesso em: 16 ago. 2018.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito de Família. Vol. 2. 37ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004.
OLIVEIRA, Eugênio Guedes de. Separação e divórcio extrajudiciais: das seventias e do novo procedimento. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov. 2008. Disponivel em: . Acesso em: 16 ago. 2018.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família. Vol. 6. 28ª edição, São Paulo: Saraiva. 2004.
[1] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família. Vol. 6. 28ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 19.
[2] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada. 2ª edição. rev. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 226.
[3] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito de Família. Vol. 2. 37ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004.
[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em: 16/08/2018.
[5] FARIAS, Cristiano Chaves de. A desnecessidade de procedimento judicial para as ações de separação e divórcio consensuais e a nova sistemática da Lei nº 11.441/07: o bem vencendo o mal. 2007, n. 3.
[6] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Divórcio e Separação Consensuais Extrajudiciais. Disponível em: . Acesso em: 16 ago. 2018.
[7] OLIVEIRA, Eugênio Guedes de. Separação e divórcio extrajudiciais: das seventias e do novo procedimento. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov. 2008. Disponivel em: . Acesso em: 16 ago. 2018.
[8] OLIVEIRA, Eugênio Guedes de. Separação e divórcio extrajudiciais: das seventias e do novo procedimento. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov. 2008. Disponivel em: . Acesso em: 16 ago. 2018.
[9] FARIAS, Cristiano Chaves de. A desnecessidade de procedimento judicial para as ações de separação e divórcio consensuais e a nova sistemática da Lei nº 11.441/07: o bem vencendo o mal. 2007, n. 3.
[10] FARIAS, Cristiano Chaves de. A desnecessidade de procedimento judicial para as ações de separação e divórcio consensuais e a nova sistemática da Lei nº 11.441/07: o bem vencendo o mal. 2007, n. 3.
Advogado. Mestre em Direito pelo UniCEUB - Centro Universitário de Brasília. Especialista em Direito Público pela Associação Educacional Unyahna. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Bacharel em Administração pela Universidade do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, Alexandre Santos. Breves apontamentos sobre o divórcio extrajudicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 ago 2018, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52192/breves-apontamentos-sobre-o-divorcio-extrajudicial. Acesso em: 23 dez 2024.
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