1 Considerações iniciais
A proposta deste artigo é o de analisar a teoria da substancial performance e seus reflexos nas relações obrigacionais e contratuais.
Inicialmente, cumpre salientar que os sujeitos de direito, pessoas físicas e jurídicas, travam diversas relações obrigacionais e contratuais cujo objeto pode ser uma obrigação de dar, fazer ou não fazer. Seu fim natural, por assim dizer, é o seu adimplemento total, o cumprimento de todas as obrigações impostas na relação jurídica. É o atendimento do postulado Pact Sunt Servanda. Realizado o pacto obrigacional, os sujeitos se vinculam e devem se sujeitar as estipulações e o objetivo traçado com a parte oposta, as prestações e contraprestações negociadas.
Nesse sentido, o jurista Lúcio Flávio Siqueira de Paiva leciona[1]:
Todos os dias, pessoas – físicas ou jurídicas – vinculam-se umas às outras por intermédio de relações jurídicas, assumindo reciprocamente obrigações positivas (fazer ou dar) ou negativas (não fazer). E o fazem, destaque-se, com o objetivo de criar, modificar ou extinguir direitos. Assim surgem os negócios jurídicos. Essas obrigações assumidas têm um único destino normal e esperado, qual seja, o seu adimplemento. Assim, o artesão que se compromete a fazer uma escultura, deve entregá-la no prazo determinado; a construtora que vende um apartamento na planta, deve entregá-lo na forma e no termo previsto no contrato de compra e venda da unidade habitacional; o empregado que tem contato com informações confidenciais (segredo industrial, por exemplo) da empresa em que trabalha e que assume o dever de guardar sigilo sobre as mesmas, deve abster-se de divulgá-las. Enquanto essas obrigações são devidamente observadas e cumpridas pelos contratantes, os negócios jurídicos formam-se, desenvolvem-se e se encerram de maneira saudável.
Entretanto, às vezes, nas obrigações e relações contratuais, há eventos diversos que impedem a total liquidação da obrigação ficando, por vezes, parcela residual vencida de relativa menor importância, haja vista que a obrigação principal foi devidamente atendida. É o caso, por exemplo, de um empréstimo feneratício contratado em trinta e seis parcelas mensais e sucessivas em que o devedor tenha adimplido vinte e oito parcelas, mas por um desemprego inesperado tenha deixado de honrar as parcelas restantes. É observável neste caso que o devedor efetuou uma considerável amortização do empréstimo tendo, ao menos, restabelecido ao credor o capital disponibilizado.
Assim, nesses casos, a jurisprudência inglesa, inicialmente, construiu a teoria da substancial performance, que parte do pressuposto de que, quando o valor principal tenha sido honrado, a obrigação pode ser revista ou até mesmo extinta, verificadas as circunstâncias que ocorreram o inadimplemento.
Vale advertir que a regra da obrigação é a sua extinção total com o adimplemento pleno da relação jurídica travada. Tal teoria ora em análise trata-se de uma exceção e é aplicada em fase posterior, quando o direito do credor se queda inerte no seu intento principal e, já em vias judiciais, o magistrado, analisando o caso em concreto, decide por aplicar a citada teoria para por fim a relação obrigacional ou revisá-la com condições novas com o intuito de ajustar a relação obrigacional à nova realidade fática.
Assim, o presente trabalho buscará traçar, sem pretensão de esgotar o tema, uma visão panorâmica das relações contratuais e obrigacionais e suas formas de extinção, bem como, em momento posterior, adentrará na teoria citada buscando responder as seguintes indagações: Em quais situações cabe aplicar a teoria do adimplemento substancial (também chamado de inadimplemento mínimo)? Quais os reflexos nas relações contraídas? Tal teoria é compatível com o sistema jurídico vigente no Brasil?
2 As relações obrigacionais e contratuais
As relações jurídicas de cunho obrigacional ou contratual são firmadas entre sujeitos de direito com capacidade e legitimidade plena para contrair tal benesse ou encargo, pessoa física ou jurídica, com um objeto específico (dar, fazer ou não fazer), lícito, em geral a obrigação possui prazo certo para o seu adimplemento, estipulado em razão da vontade livre e consciente das partes envolvidas.
É celebre a frase esculpida na obra literária o mercador de Veneza, de Willian Shakespeare, traduzindo uma relação obrigacional daquela época[2]:
Se for comigo ao notário e lá selar um compromisso simples que dirá que se não pagar em certo dia e local a soma mencionada na nota, a multa imposta fica arbitrada numa libra justa de sua carne alva, a ser cortada. E tirada da parte de seu corpo quando na hora da escolha me aprouver.
Em que pese a multa pelo atraso com sofrimento físico, uma libra da própria carne, ser inadmissível no nosso ordenamento pátrio, há uma série de elementos válidos na peça de Shakespeare: as formalidades, a autonomia privada, o compromisso entre as partes, o dia e local do pagamento e a possibilidade de multa por atraso no pagamento. Todos estes elementos são plenamente aplicáveis nas relações jurídicas obrigacionais e contratuais.
A teoria do inadimplemento mínimo foi concebida no direito contratual anglo-saxão razão pela qual vale a ressaltar de que ele guarda distinções com o direito pátrio. Tratando sobre as relações contratuais americanas, Juliana Salles Almeida realça o enfoque dado pelos tribunais do common law[3]:
Conclui-se que, por ser o "common law" baseado primeiramente em decisões judiciais ("cases") e não em lei, como ocorre nos países que adotam o "civil law", dentre eles o Brasil, a matéria relativa a relação contratual deve ser analisada de acordo com o prisma enfocado pelas cortes americanas, as quais mostram uma tendência forte em analisar os elementos subjetivos da relação contratual, ou seja, a intenção das partes quando feita a oferta e quando fora esta aceita, resguardando, sempre que possível, a obrigação das partes, as quais possuem o dever de agir com boa-fé e velar pela segurança da relação contratual.
Do exposto, verifica-se que o direito pátrio, descendente do direito romano, privilegia o formalismo e a análise jurídica, inicialmente, focava-se unicamente no texto obrigacional firmado, o princípio do pacta sunt servanda, em que as partes eram escravas dos pactos firmados. Já com a influência do direito norte-americano ocorreu um gradativo repensar dos institutos culminando na positivação de diversos institutos no Código Civil de 2002. Houve um olhar mais atento ao interesse a intenção das partes ao firmar eventual contrato.
3 O inadimplemento obrigacional
O dicionário Aurélio define a inadimplência como sendo “Falta de cumprimento de um contrato ou de qualquer de suas condições”[4].
Tal conceito, apesar de não estar incorreto, mostra-se incompleto do ponto de vista jurídico. O bojo da obrigação ou do negócio jurídico reside no cumprimento do que fora avençado. Não cumpriu, verifica-se a inadimplência.
Ocorre que, à luz do direito civil-constitucional, a relação não é travada apenas dentro dos ditames obrigacionais e contratuais internos: há deveres anexos como a boa-fé, a ética e a função social do contrato.
Nesse sentido, os professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald explicam[5]:
Para além das obrigações delineadas por seus partícipes, o negócio jurídico é modelado, em toda a sua trajetória, pelos chamados deveres anexos ou laterais, oriundos do princípio da boa-fé objetiva. Enquanto as obrigações principais são dadas pelas partes, os deveres anexos são impostos pelas necessidades éticas reconhecidas pelo ordenamento jurídico, independentemente de sua inserção em qualquer cláusula contratual.
O inadimplemento é tratado por muitos doutrinadores como uma patologia do negócio jurídico ou obrigacional como se observa no comentário de Lúcio Flávio Siqueira[6]:
Estudar, pois, a figura jurídica do inadimplemento das obrigações é perscrutar o terreno doentio do negócio jurídico, no que o jurista muito se aproxima do médico: pesquisa as causas da doença, conhece seus efeitos e busca a cura. E o mais curioso: assim como o médico normalmente é consultado quando a doença já se instalou, também se busca o jurista quando a patologia negocial se manifesta.
Assim, verifica-se o inadimplemento interno, no bojo da relação obrigacional ou contratual que se caracteriza pelo descumprimento do que fora avençado e o inadimplemento externo, fruto da inobservância dos princípios civil-constitucionais norteadores das relações jurídicas qual seja a boa-fé, eticidade e função social.
Pode-se citar como exemplo de boa-fé e transparência o dever do vendedor de um estabelecimento empresarial de informar eventuais pendências financeiras ou tributárias que acompanham o acervo patrimonial que possa inferir na decisão do comprador de celebrar ou não o negócio. A tentativa de acobertar tais dívidas pode levar, em que pese o contrato de compra e venda venha a estar em perfeita conformidade com a ordem jurídica vigente, a sua anulação por quebra do dever lateral de informação.
Além disso, a relação clássica obrigacional ficava adstrita as partes envolvidas. Atualmente, há um terceiro interveniente: a sociedade e o seu interesse no negócio. Assim, o negócio pode estar perfeito entre as partes, mas se a função social não é atendida tal relação pode ser revista pelo juiz, pois haveria um inadimplemento para com a sociedade, conforme preceitua o jurista Marcos Jorge Catalan[7]:
Aliás, a necessidade de observância da função social do contrato, expressamente inserida no texto do atual Código Civil, sob as vestes de cláusula geral, demonstra a preocupação do legislador em proteger a coletividade, concedendo ao magistrado, efetivo poder jurígeno quando da aplicação da norma ao caso concreto. Pode concluir-se então que não seria válido o pacto firmado com finalidade anti-social, ferindo assim interesse protegido pela Lei maior, considerando-se o negócio jurídico assim contratado, ato jurídico lato sensu passível de ser revisto, ante a ofensa aos interesses sociais previstos na Constituição.
Vale ressaltar também que há uma gradação do inadimplemento que perpassa pelo absoluto (total ausência de cumprimento do que fora avençado) até o ínfimo (de diminuta importância para a relação contratual como um todo) sendo este último o foco do presente trabalho, pois não há que se falar em aplicação da teoria da substancial performance quando a inadimplência é relevante para o negócio firmado.
Do exposto, depreende-se que a inadimplência no cenário atual é bem abrangente podendo atingir diversas fases da relação jurídica firmada, razão pela qual a teoria do inadimplemento mínimo não deve se restringir apenas a relação contratual formalmente subscrita, mas ao negócio jurídico como um todo.
4 A teoria da substancial performance
Tratando do início da aplicação da teoria do inadimplemento mínimo, primeiramente na Inglaterra, a jurista Aliciene Bueno Antocheves de Lima leciona[8]:
A doutrina do adimplemento substancial teve sua origem em 1779, nos tribunais ingleses, com o caso Boone versus Eyre (OMAIRI, 2005), no qual o Julgador da questão, Lord Mansfield, declarou ser o direito de resolução, naquela situação, abusivo, permitindo apenas a indenização, já que o contrato havia sido adimplido substancialmente. No Brasil, o responsável por introduzir a doutrina da substancial performance foi o jurista Clóvis do Couto e Silva, fundamentando a sua utilização em decorrência do princípio da boa-fé objetiva, embora este ainda não fosse expresso no Código Civil de 1916. A sua definição desta doutrina foi reproduzida por Jones Figueiredo Alves (2005, p.408), a qual seria “Um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo tão-somente o pedido de indenização e/ou de adimplemento, vez que aquela primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé.”
A mesma autora revela a não positivação da teoria no nosso direito pátrio e sua relação próxima com a boa-fé objetiva:
Mister ressaltar que, embora já largamente adotada pela jurisprudência brasileira, a doutrina do adimplemento substancial não estava expressa no Código Civil de 1916, e também não foi positivada no Código Civil de 2002. Porém, sua aplicação ganhou uma base mais sólida com o implemento da boa-fé objetiva no art. 422, já que ambos os institutos estão estritamente relacionados.
A jurisprudência enfrenta o tema a contento, a despeito de inexistir legislação específica tratando sobre tal teoria. É o que se verifica no REsp 272739 / MG, DJ 02/04/2001 p. 299, com Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar:
Ementa: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido.
O citado ministro-relator ponderou em seu voto demonstrando a plena aplicabilidade do instituto da teoria do inadimplemento mínimo ao sistema jurídico brasileiro relacionando com a boa-fé contratual:
A extinção do contrato por inadimplemento do devedor somente se justifica quando a mora causa ao credor dano de tal envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da prestação devida, pois a economia do contrato está afetada. Se o que falta é apenas a última prestação de um contrato de financiamento com alienação fiduciária, verifica-se que o contrato foi substancialmente cumprido e deve ser mantido, cabendo ao credor executar o débito. Usar do inadimplemento parcial e de importância reduzida na economia do contrato para resolver o negócio significa ofensa ao princípio do adimplemento substancial, admitido no Direito e consagrado pela Convenção de Viena de 1980, que regula o comércio internacional. No Brasil, impõe-se como uma exigência da boa-fé objetiva, pois não é eticamente defensável que a instituição bancária alegue a mora em relação ao pagamento da última parcela, esqueça o fato de que o valor do débito foi depositado em juízo e estava à sua disposição, para vir lançar mão da forte medida de reintegração liminar na posse do bem e pedir a extinção do contrato. O deferimento de sua pretensão permitiria a retenção dos valores já recebidos e, ainda, obter a posse do veículo, para ser revendido nas condições que todos conhecemos, solução evidentemente danosa ao financiado.
É observável no caso em tela a atitude abusiva do credor ao tentar constranger o bem alienado fiduciariamente tendo o devedor pago quase a totalidade do financiamento. Deve-se buscar sempre um ponto de equilíbrio entre o direito do credor em ter seus créditos satisfeitos e do devedor de não sofrer condutas abusivas por parte do seu credor. Acertadamente, o ministro afastou a constrição judicial mais penosa ao devedor, mas também não excluiu o direito creditório deixando aberta a possibilidade da cobrança ordinária do saldo residual pendente.
É nestes casos que a teoria substancial performance deve incidir. Diferente do inadimplemento total ou parcial da dívida que emerge ao credor todas as possibilidades possíveis para licitamente buscar a satisfação do seu crédito. Nesse sentido, Alves Jones Figueiredo[9]:
-Inadimplemento relativo: este se configura quando o cumprimento da obrigação ainda é possível, embora seja tardio.
-Inadimplemento absoluto: ocorre quando o descumprimento da obrigação contratada inviabiliza qualquer forma de manutenção posterior do contrato, restando apenas a sua resolução e indenização.
-Inadimplemento insignificante: este ocorre quando o descumprimento do contrato atinge proporções mínimas, de tal modo que não chega a afetar os efeitos esperados pelo contrato.
Assim, diante de um inadimplemento insignificante, o contrato não chega a ser afetado na sua estrutura primordial descabendo a sua resolução total ou a constrição mais gravosa ao devedor.
Deve-se ressaltar que a boa-fé é uma via de mão dupla: tanto o devedor quanto o credor devem observá-la. De igual sorte, a eticidade, a conduta proba, que deve permear as relações contratuais e obrigacionais existentes.
Vale ressaltar também que não há uma estipulação quantificativa do que seja um inadimplemento insignificante. O ministro do STJ Ruy Rosado, corroborando com o tribunal a quo de Santa Catarina, já decidiu outrora que o valor do saldo devedor correspondente a 20 por cento do valor do bem financiado não autorizaria a sua retomada (Resp 469577 / SC, DJ 05/05/2003 p. 310). É necessário a análise casuística de cada relação contratual inadimplente para se verificar se o saldo devedor é representativo ou não para a eventual aplicação do princípio substancial performance.
Por outro lado, cabe ressaltar também que a aplicação da teoria da substancial performance não pode inverter a regra do integral cumprimento da obrigação. Por isso, é necessário que se obedeça alguns requisitos para a sua aplicação no caso concreto, como bem pontuado pelo Ministro Relator Antonio Carlos Ferreira, no Resp 1581505 / SC (Quarta turma. DJe 28/09/2016):
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESCISÃO CONTRATUAL. REINTEGRAÇÃO NA POSSE. INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO PARCIAL DO CONTRATO. INADIMPLEMENTO. RELEVÂNCIA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. INAPLICABILIDADE NA ESPÉCIE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O uso do instituto da substancial performance não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem lógico-jurídica que assenta o integral e regular cumprimento do contrato como meio esperado de extinção das obrigações.
2. ressalvada a hipótese de evidente relevância do descumprimento contratual, o julgamento sobre a aplicação da chamada "Teoria do Adimplemento Substancial" não se prende ao exclusivo exame do critério quantitativo, devendo ser considerados outros elementos que envolvem a contratação, em exame qualitativo que, ademais, não pode descurar dos interesses do credor, sob pena de afetar o equilíbrio contratual e inviabilizar a manutenção do negócio.
3. A aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial exigiria, para a hipótese, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários (critérios adotados no Resp. 76.362/MT, QUARTA TURMA, j. Em 11/12/1995, DJ 01/04/1996, p. 9917).
4. No caso concreto, é incontroverso que a devedora inadimpliu com parcela relevante da contratação, o que inviabiliza a aplicação da referida doutrina, independentemente da análise dos demais elementos contratuais.
5. Recurso especial não provido.
Na mesma toada, ressalta-se que não há um limite específico de adimplemento, um percentual fixo, eis que depende das circunstâncias e peculiaridades do caso concreto. Outrossim, a jurisprudência do STJ nem sempre admite de modo pacífico a aplicação da teoria da substancial performance. Em pensão alimentícia, por exemplo, em um caso que o devedor adimpliu noventa e cinco por cento da sua obrigação, foi afastada a teoria do adimplemento substancial da dívida e denegada a ordem de habeas corpus ao argumento de que “a subtração de pequeno percentual pode mesmo ser insignificante para um, mas possivelmente não para outro mais necessitado”. (HC 439.973, 4ª Turma do STJ, Relator para o Acórdão Antonio Carlos Ferreira, julgamento em: 16/08/2018).
É oportuno também citar outro princípio que se relaciona ao ora em estudo: Duty to mitigate the loss. Tal princípio diz que é um dever do credor mitigar suas perdas. Assim, por exemplo, se o devedor já adimpliu boa parte do seu débito e os encargos incidentes no saldo devedor (multas, juros, etc.) estiver inviabilizando o seu adimplemento cabe ao credor reduzi-lo no intuito de minorar suas eventuais e possíveis perdas. Nesse sentido, o enunciado 169 da jornada de Direito Civil dispõe: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.
Há de se, por derradeiro, que a aplicação deste instituto vai ao encontro do princípio da preservação das relações contratuais, pois o mero inadimplemento mínimo não deve gerar a ruptura do vinculo negocial. Nesse sentido e de forma bastante pertinente, a jurista Aliciene Bueno, tratando sobre a teoria em comento, realça a sua “importância para o direito contratual, já que possibilita a preservação da relação negocial mesmo quando a legislação, tecnicamente, permitiria a sua resolução”[10].
5 Conclusões
Da exposição realizada, conclui-se, que as relações jurídicas obrigacionais e contratuais nascem da vontade livre de agentes capazes, em busca de um objeto lícito, contraindo direitos e obrigações. O transcurso normal da obrigação leva sua extinção pelo adimplemento.
Entretanto, por eventos estranhos a relação, nem sempre é possível seu adimplemento integral, mas por vezes também, grande parte da avença foi cumprida. Daí emerge a teoria da substancial performance no intuito de evitar o rompimento abruptro da relação, buscando conservar o contrato e suas derivações, e com a finalidade também de resguardar o devedor que cumpriu boa parte da obrigação.
A sua utilização é realizada no seio jurisdicional cabendo ao magistrado no caso concreto analisar a pertinência de sua aplicação ou não. Assemelha-se a uma cláusula geral dando ampla possibilidade interpretativa para o juiz realizar o direito ao caso concreto definindo sua amplitude. Entretanto, cabe ao magistrado comedimento e razoabilidade ao empregar tal instituto, pois, como visto, trata-se de exceção à regra e o uso arbitrário pode ocasionar insegurança jurídica, outra patologia jurídica pior do que o próprio inadimplemento.
Em que pese a sua não normatização expressa no ordenamento jurídico pátrio, é observável que a presente teoria com ele é plenamente compatível e amplamente, conforme exposto, utilizada na jurisprudência nacional.
Nesse sentindo, tratando sobre a teoria do inadimplemento mínimo, a jurista Aliciene Bueno pondera[11]:
Portanto, pode-se afirmar que a substancial performance é a prova da relativização do direito do credor estipulado no art. 475 do Código Civil. Embora não esteja presente no Ordenamento Jurídico brasileiro como uma lei expressa, a jurisprudência se encarregou de consolidar esta teoria, podendo ela servir como um instrumento de defesa para a parte devedora sempre que esta tenha cumprido grande parte de suas obrigações e não queira ver sua pretensão frustrada sem uma real necessidade.
O que emerge de tudo que fora exposto é a necessidade de equilíbrio entre o desejo do credor em ter satisfeito o seu direito e o dever do devedor em honrar suas obrigações dentro da razoabilidade e sem coações desnecessárias quando o mesmo já adimpliu de forma densa boa parte da sua dívida.
Referências
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[1] PAIVA, Lúcio Flávio Siqueira de. O inadimplemento absoluto, a mora e a violação positiva do contrato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2206, 16 jul. 2009. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/13162>. Acesso em: 14 ago. 2018.
[2] SHAEKESPEARE. Willian. O mercador de Veneza. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999, p. 38.
[3] ALMEIDA, Juliana Salles. Breves considerações sobre o direito contratual americano e a formação dos contratos à luz do Common Law. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 405, 16 ago. 2004. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/5574>. Acesso em: 14 ago. 2018.
[4] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 6. ed. Curitiba: Positivo, 2004. p. 468
[5] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. São Paulo: Ed. LumenJures, 2006. p. 336.
[6] PAIVA, Lúcio Flávio Siqueira de. O inadimplemento absoluto, a mora e a violação positiva do contrato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2206, 16 jul. 2009. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/13162>. Acesso em: 14 ago. 2018.
[7] CATALAN, Marcos Jorge. O poder jurígeno dos sujeitos de direito. Disponível em: < http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/view/11197/9957>. Acesso em: 14 ago. 2018.
[8] LIMA, Aliciene Bueno Antocheves de. A teoria do adimplemento substancial e o princípio da boa-fé objetiva. Revista eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 2, n. 2, p. 75-84, jul. 2007. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/6796>. Acesso em: 14 ago. 2018.
[9] DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (coord). Novo código civil: questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo: Método, 2005. p. 407.
[10] LIMA, Aliciene Bueno Antocheves de. A teoria do adimplemento substancial e o princípio da boa-fé objetiva. Revista eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 2, n. 2, p. 75-84, jul. 2007. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/6796>. Acesso em: 14 ago. 2018.
[11] LIMA, Aliciene Bueno Antocheves de. A teoria do adimplemento substancial e o princípio da boa-fé objetiva. Revista eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 2, n. 2, p. 75-84, jul. 2007. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/6796>. Acesso em: 14 ago. 2018.
Advogado. Mestre em Direito pelo UniCEUB - Centro Universitário de Brasília. Especialista em Direito Público pela Associação Educacional Unyahna. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Bacharel em Administração pela Universidade do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, Alexandre Santos. Inadimplemento Mínimo: A teoria da substancial performance Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 set 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52202/inadimplemento-minimo-a-teoria-da-substancial-performance. Acesso em: 23 dez 2024.
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