RESUMO: Este artigo é um estudo do direito de greve sob o aspecto constitucional. Pretende-se demonstrar a trajetória que o instituto da greve percorreu até ser elevado à categoria constitucional em nosso ordenamento jurídico. Após a análise histórica, será demonstrado como o movimento grevista pode e deve ser pensado em consonância com os Direitos Fundamentais e Sociais constitucionalmente estabelecidos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito. Greve. Constitucional. Histórico. Direitos Fundamentais e Sociais.
ABSTRACT: This article is a study of the right to strike under the constitutional aspect. It is intended to demonstrate the trajectory that the institute of the strike went through until being elevated to the constitutional category in our legal order. After the historical analysis, it will be demonstrated how the strike movement can and should be thought in line with the Constitutionally and Fundamentally Established Social Rights.
KEYWORDS: Right. Strike. Constitutional. Historic. Fundamental and Social Rights.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Histórico – 3. A Greve no Brasil – 3.1. Fundamentos - 3.2. As Constituições e a Greve - 3.3. A Constituição de 1988 - 4. Greve, Direito e Garantias Fundamentais – 4.1. A greve como um direito – 4.2. Direitos Fundamentais do Homem e a Greve - 4.3. Liberdade de trabalho e a greve – 4.4. Direitos Sociais e a Greve – 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
No decorrer do desenvolvimento social, democrático e econômico, o instituto da greve vem sendo consagrado como uma forma de reivindicação, objetivando melhores condições de trabalho.
O Professor José Afonso da Silva pensa a greve como um “instrumento dos trabalhadores coletivamente organizados para a realização de melhores condições de trabaIho”[1], ao passo que o Mestre Alexandre de Moraes define a greve como “um direito de autodefesa que consiste na abstenção coletiva e simultânea do trabalho, organizadamente, pelos trabalhadores de um ou vários departamentos ou estabelecimentos, com o fim de defender interesses determinados”[2]. Amauri Mascaro Nascimento analisa alguns autores, trazendo, desta forma, consideráveis ponderações a respeito da greve, a saber:
“Paul Durand propõe a seguinte definição: toda interrupção de trabalho, de caráter temporário, motivada por reivindicações suscetíveis de beneficiar todo ou parte do pessoal e que é apoiada por um grupo suficientemente representativo da opinião obreira. Para Hélène Sinay a greve é a recusa coletiva e combinada de trabalho, manifestando a intenção dos assalariados de se colocarem provisoriamente fora do contrato, a fim de assegurar o sucesso das suas reivindicações.” [3]
No Brasil, as primeiras constituições não tratavam sobre o direito dos trabalhadores, sendo que um dos fundamentos para essa ausência era o baixo desenvolvimento industrial existente no Brasil naquela época. Na realidade, o movimento grevista dos trabalhadores brasileiros passou a ser pensado somente na Constituição de 1937, mas não na condição de direito constitucional e sim como recurso anti-social, nocivo ao trabalho e ao capital.
A Constituição de 1946 foi a primeira a reconhecer o direito de greve, mas foi com o advento da Constituição de 1988 que o direito de greve ganhou elevação jurídica e passou a ser considerado um direito fundamental dos trabalhadores.
Do exposto, o presente artigo é uma análise do direito de greve sob o enfoque constitucional. Considera uma temática que trata a greve como um direito fundamental democrático, e não apenas como um fato social presente em nossa sociedade. Pretende-se, portanto, relacionar os aspectos históricos do surgimento da greve, bem como os fundamentos que permitem tratá-la como um direito constitucional.
2. HISTÓRICO
A greve é um instituto presente e atuante na vida social brasileira. Surgiu a partir de alguns ideais reivindicatórios e ganhou força como instituto jurídico quando foi elevada a direito constitucional.
A origem do vocábulo greve ocorreu na França, mais precisamente em uma praça localizada em Paris, no ano de 1873, denominada Place de Greve. Naquele local, operários se reuniam para reivindicar melhores condições de trabalho e também para demonstrar suas insatisfações. O professor Arnaldo Süssekind ensina:
“A história da greve, hoje reconhecida como direito do trabalhador, se confunde com a do sindicalismo. Mesmo porque ela sempre foi utilizada como um dos processos de atuação dos sindicatos, visando ao êxito das suas reivindicações em favor dos trabalhadores por eles representados. Daí porque a greve foi conceituada como delito, quando foram proibidas as coalizöes operárias; tolerada, quando admitido os sindicatos; elevada, a pouco e pouco, à categoria de direito dos trabalhadores, em decorrência do reconhecimento do direito de sindicalização. No curso da história, todavia, muito antes do aparecimento dos sindicatos, eclodiram algumas greves de trabalhadores, sem que o procedimento fosse, como hoje, admitido pela ordem jurídica. Tratava-se, na verdade, mais de rebeliões ou motins; mas concerniam a aspectos da prestação de serviços, embora numa relação jurídica predominantemente escravagista”.[4]
O fenômeno da greve já apresentava sinais de existência antes de 1873. A luta por direitos e melhorias já existia nas civilizações antigas, uma vez que a manifestação de movimentos com ideais reivindicatórios é uma conduta natural, ou seja, o ser humano procura se rebelar contra algo que lhe traga prejuízo ou insatisfação. Ocorre que não se poderia pensar em greve naquela época porque não existia propriamente uma relação de trabalho assalariado. Movimentos existiam; mas não existia uma fundamentação jurídica.
No século XII a.C, Ramsés Ill reinava no antigo Egito e presenciou uma espécie de movimento grevista. Denominaram-na de pernas cruzadas, uma vez que as pessoas se recusaram a trabalhar porque não receberam alimentos e vestuário que lhes tinha sido prometido. Também houve um movimento reivindicatório no Baixo-Império. Na Idade Média também ocorreram movimentos reivindicatórios, conhecidos como Jacqueire.
Em relação ao aspecto histórico, é importante ressaltar que a sociedade vive em constante evolução. Assim, os movimentos reivindicatórios que ocorriam na Idade Antiga eram violentos, correspondendo a uma correlação ao modo violento de como as pessoas eram tratadas pelo Estado.
Na Idade Média, o feudalismo expandiu suas idéias de hierarquização de trabalho, fazendo com que a sociedade aceitasse, de certa forma, o sistema vigente. Já na Idade Moderna o absolutismo ganhou força. As greves eram, portanto, repudiadas por essa ideologia, uma vez que movimentos reivindicatórios poderiam ir de encontro aos interesses do poder absoluto. Com o advento da Revolução Francesa e Industrial, dando início a Idade Contemporânea, a greve ganhou novos contornos.
Assim, a greve ou paralisação coletiva de trabalho pode ser dividida em dois períodos para um melhor entendimento.
O marco da separação é a Revolução Industrial. Antes da Revolução tem-se a chamada origem remota, na qual estavam presentes a coalizão e a resistência tópica. Após, surgiu a origem próxima, a qual sofreu grande influência da Revolução, “passando-se da coalizão para a união organizada dos núcleos coletivos profissionais e da simples resistência para a reivindicação de melhoria das condições gerais de trabalho”.[5]
A greve ganhou força com a Revolução Industrial, a qual proporcionou uma fundamentação material e serviu de marco divisório entre dois períodos. A Revolução Francesa propiciou amparo ideológico, ou seja:
“O abandono coletivo do trabalho somente assumiu feições que o aproximaram das greves surgidas após a Revolução Francesa: a) na fase de decadência das corporações de ofício(séculos XV e XVI), quando os “companheiros” se rebelaram contra os “mestres” que os exploravam, sendo que alguns fundaram associações para defender seus interesses e outros abandonaram os burgos; b) na fase que se seguiu, das manufaturas monopolizadas por atos do rei, quando verdadeiros contratos de trabalho substituíram a relação medieval entre mestres e companheiros no Direito. A greve, então conceituada como direito, se processa como meio de pressão contra empregadores para a melhoria das condições de trabalho”.[6]
A Revolução Industrial, de acordo com José Augusto Rodrigues Pinto, pode ser pensada como “um fato econômico que alterou profundamente o sensível tecido social e, por inevitável decorrência, o tecido jurídico das relações de trabalho humano”.
Esta Revolução foi um processo ágil e que trouxe consequências até os dias atuais. Ela teve início com a substituição do trabalho humano por meios mecânicos de produção ou de transformação de bens. As obras de Montesquieu e Rousseau, anteriores à Revolução Francesa, e alguns ideais de liberdade e igualdade fundamentaram as transformações que ocorreram com a revolução industrial.
Devido a força dos movimentos operários, a greve passou a ser pensada como um problema jurídico. Diante da existência deste fato social, surgiram três teorias predominantes a respeito da greve.
A primeira tolerava a greve, encarando-a, simplesmente, como um fato social. Ela não seria, portanto, conduta atentatória ao direito. A segunda teoria pensava a greve como sendo uma determinada liberdade do ser humano e a terceira teoria pensa a greve como um direito.
Interessante saber que os fundamentos do direito de greve partem da premissa muito evidente de que ele só interessa desde o momento em que a greve começou a ser pensada como direito. E isso ocorreu somente com a consolidação do movimento sindicalista, ao longo do século XIX.
Pensar a greve como um direito é algo que deve estar ligado aos aspectos sociais e econômicos da sociedade. Como direito, ela pode ser fundamentada, segundo Amauri Mascaro Nascimento, no Princípio da Liberdade de Trabalho. Este é um princípio amplo e que se liga intimamente ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Interessante ressaltar que o princípio da liberdade de trabalho só passou a ser realmente respeitado a partir da sedimentação da ideia de contrato de trabalho, quando a coerção deu lugar à autonomia de vontades entre os contratantes.
Ademais, o direito de greve é um meio de pressão, um direito negativo no sentido de não se fazer algo e apresenta um caráter instrumental, servindo para compor conflitos entre trabalhadores.
Também é importante ressaltar que a greve pode ser pensada e classificada de diversas formas. Conforme entendimento do Professor Amauri Mascaro Nascimento, as greves podem ser legais ou ilegais, com ou sem abuso de direito. De acordo com o objeto, elas podem ser políticas, de solidariedade ou impróprias.
As greves políticas têm por objeto o fato de se impor aos atos praticados pelo poder governamental. Nesse caso, o movimento grevista se impõe ao Estado. As greves de solidariedade ocorrem quando os trabalhadores de determinada categoria aderem à paralisação exercida por trabalhadores pertencentes a outra categoria profissional. Nessa modalidade, o empregador sofre prejuízos sem ter culpa pelo ocorrido. Já as greves impróprias são aquelas em que os empregados cumprem a jornada que lhes foi imposta, mas trabalham de uma forma lenta e negligente. É a chamada Operação Tartaruga. Assim, o direito de greve tem se tornado um instituto em constante crescimento em razão dos problemas econômicos e sociais existentes na sociedade brasileira. É, portanto, uma faculdade que os trabalhadores têm de pressionar ou conseguir concessões de seus patrões.
3. A GREVE NO BRASIL
3.1. FUNDAMENTOS
A greve dos trabalhadores das Oficinas das Casas Armadas no Rio de Janeiro e a greve dos pescadores do Recife, ambas anteriores a Constituição do Império de 1824, foram os primeiros movimentos noticiados no Brasil.
No período imperial, a estrutura social não proporcionava condições de normatização da greve como direito. Conforme as idéias de José Augusto Rodrigues Pinto, não trazia surpresa a falta de normas que regulavam o trabalho e a liberdade de trabalhar.
No Brasil, em 1892, surgiu o Partido Operário, o qual reivindicava direitos e condições de trabalho mais dignas.
No mundo, os ideais socialistas de liberdade se desenvolviam. A greve se tornou instrumento de luta contra as explorações, contra as desigualdades sociais e contra as condições de trabalho desumanas. Ou seja, a essência do movimento era a valorização da pessoa do trabalhador.
Com a 1º Grande Guerra, houve o crescimento das indústrias pelo mundo, inclusive no Brasil. Esta explosão industrial trouxe consequências sociais e econômicas que proporcionaram um aumento dos movimentos grevistas, como o caso da Grande Greve de 1917.
“Esta greve foi um marco nas relações entre capital e trabalho dentro daquele período da nossa história; a questão social, a partir daí, passou a ser objeto de debate tanto em relação ao Estado, quanto em relação à sociedade civil; enfim, houve uma alteração sensível nas relações entre as classes a partir daquele momento”.[7]
O trecho abaixo revela a dimensão da referida greve:
São Paulo é uma cidade morta: sua população esta alarmada, os rostos denotam apreensão e pânico, porque tudo está fechado, sem o menor movimento. Pelas ruas, afora alguns transeuntes apressados, só circulavam veículos militares, requisitados pela Cia Antártica e demais indústrias, com tropas armadas de fuzis e metralhadoras. Há ordem de atirar para quem fique parado na rua. Nos bairros fabris do Brás, Mooca, Barra Funda, Lapa, sucederam-se tiroteios com grupos de populares; em certas ruas já começam a fazer barricadas com pedras, madeiras velhas, carroças viradas e a polícia não se atreve a passar por lá, porque dos telhados e cantos partem tiros certeiros”.[8]
Comprova-se, portanto, um avanço do socialismo sobre o anarquismo. Esse grande movimento de 1917 iniciou-se nas grandes fábricas têxteis de São Paulo, com a reivindicação de melhores salários e melhores condições de trabalho, mas foi controlado pela força policial.
Até 1930, período em que a greve fora considerada fato social, os governos não despendiam a necessária atenção com questões sociais e econômicas que estavam surgindo em um Brasil em franco desenvolvimento. Assim, as constituições brasileiras foram, ao longo do tempo, se adaptando e se transformando conforme os momentos sociais e econômicos vividos no Brasil.
3.2 AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E A GREVE
A Constituição Política do Império de 1824 era omissa em relação ao direito de greve, assim como a Constituição de 1891. A primeira, originada após a independência, foi outorgada por D. Pedro l e elaborada pelo Conselho de Estado.
Ela relacionava-se com um regime monárquico-parlamentar e não tratava dos direitos dos trabalhadores. A segunda surgiu após proclamada a República, sob a decisiva influência da Constituição norte-americana. O Estado brasileiro se tornou presidencialista e liberal, não dando ênfase aos direitos trabalhistas.
Interessante ressaltar que a não previsão do direito de greve nestas constituições fundamenta-se, entre outros fatos, no fato do Brasil possuir um baixo desenvolvimento industrial.
O Código Penal de 1890 proibia a greve na forma de seu art. 206[9]. Essa lei penal foi alterada pelo Decreto 1.162 de 1890, que deu nova redação ao art. 205 do Código Penal2°. Percebe-se, então, que após a referida alteração somente ficou proibida a greve que fosse exercida por meios violentos.[10]
Após 1930, depois de criado o Ministério do Trabalho, todas as constituições posteriores referiam-se aos direitos dos trabalhadores brasileiros.
A Constituição de 1934 demonstrava uma preocupação maior em relação ao aspecto social e econômico, mas a greve ainda não era pensada como um direito constitucional. Naquela época, a greve ainda estava se fundamentando na sociedade brasileira. A Carta de 34 apresentava um título que englobava aspectos econômicos e sociais. Fundamentou-se na Constituição de Weimar, extraindo ideais sociais e democratas, e na Constituição dos Estados Unidos da América, extraindo ideais liberais e individualistas.
A Constituição outorgada por Getúlio Vargas em 1937 possuía essência intervencionista e tinha consagrado o Estado Novo, fortalecendo o Poder Executivo. Nesse período, a greve era tida como recurso anti-social e incompatível com os interesses da produção nacional. Analisando aquela Constituição juntamente com o Código Penal de 1940 percebe-se que a greve teve uma diminuição valorativa.
Em relação à Constituição de 1937, analisando seu art. 139[11], verifica-se que a Carta de 1937, espelho do absolutismo fascista, absorveu sua concepção de que toda paralisação coletiva do trabalho ou da produção deviam ser considerados recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital.
Em 15 de março de 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra regulamentou a cessação do trabalho através do art. 10 do Decreto Lei 9.070[12]. Conforme ensina Nelson Nery Costa, houve, portanto, o reconhecimento do direito de greve, mas disciplinado com rigor. Esse decreto era tido como inconstitucional até a promulgação da Constituição de 1946.
Foi com a Constituição de 1946, promulgada por uma Assembleia Constituinte e apresentando ideais democráticos, que o direito de greve passou a ser reconhecido, embora submetido a uma regulação por lei posterior. O art 158[13] da Carta Constitucional reconhecia o direito de greve, mas uma lei deveria regular seu exercício.
Posteriormente, a Carta Constitucional brasileira de 1967 reconhecia e permitia o movimento grevista dos trabalhadores do setor privado nos termos de seu art. 157[14], salvo nos serviços públicos e nas atividades essenciais. Ela foi promulgada no governo de Castello Branco, pelo Congresso Nacional, após a Constituição de 1946 sofrer vinte e uma emendas e quatro atos adicionais. Esse texto de 1967 sofreu alterações com a aprovação da Emenda Constitucional n°.1 de 1969. Através dessa Emenda, a Junta Militar não alterou direitos trabalhistas, mas sim questões relacionadas à ordem econômica, sendo que o seu objeto principal seria a realização do desenvolvimento econômico e da justiça social.”
Na realidade, pode-se pensar essa Emenda Constitucional n°.1 como sendo responsável por uma grande reformulação na Constituição, já que nem mesmo a denominação da Constituição foi mantida; de Constituição da República Federativa do Brasil passou para Constituição do Brasil.
Devido a essa mudança de conteúdo trazida pela referida emenda, muitos juristas acreditam se tratar de uma nova Constituição. Seria, seguindo essa linha de pensamento, a chamada Constituição de 1969.
3.3 A CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 surgiu após um período autoritário e apresenta enfoque na pessoa humana, o que é demonstrado pelos inúmeros direitos fundamentais presentes no corpo constitucional. Ela é a Constituição Cidadã, elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte, que teve Ulysses Guimarães como presidente.
Essa Constituição modificou alguns aspectos relacionados ao direito do trabalho e, por sua vez, ao direito de greve.
Devido ao surgimento de novas condições de trabalho, como por exemplo a diminuição da jornada, a possibilidade de turnos ininterruptos e a diminuição de salários, a negociação coletiva foi incentivada e o direito de greve ganhou grande amplitude no ordenamento jurídico atual. Mas toda essa amplitude adquirida passou a ser pensada paralelamente com a ideia de abuso de direito, possibilitando, então, a responsabilização de quem incorreu em um eventual abuso.
Assim, tendo em vista a ineficácia dos enunciados sobre o direito de greve nas constituições passadas, a Constituição atual consagrou o direito de greve, mas de uma forma que não exista abuso de direito no seu exercício.
De uma forma geral, “a constituição brasileira de 1988 consagra expressamente o direito de greve, fixando alguns parâmetros que condicionam a lei ordinária, com reserva de posições fundamentais que impedem limitações em outros níveis normativos, para garantir uma maior amplitude em alguns pontos, mas deixando espaços abertos”[15].
A Constituição de 1988 assegura o direito de greve no seu art. 9° como um direito fundamental, em contraposição à Constituição de 1967. Ou seja, em regra o direito de greve é admitido no serviço público, desde que haja uma lei especifica e também é admitido, na forma da lei, aos que desempenham atividades essenciais.
Pode-se distinguir quatro grupos de trabalhadores elencados pela CF de 88:
O primeiro grupo pode ser pensado como sendo o dos empregados de empresas privadas, das sociedades de economia mista e das empresas públicas. Estes podem exercer o direito constitucional da greve disposto no art. 9° da carta maior, mas o exercício fica condicionado à obediência da lei 7.783 de 28 de junho de 1989.
Um segundo grupo é o dos servidores públicos, tanto da administração direta como da administração indireta. Nos termos do art. 37, inciso VII da Constituição Federal, o direito de greve pode ser exercido caso exista uma lei específica, e não mais uma lei complementar como era exigido antes da Emenda Constitucional n° 19. O artigo 37, inciso VII assim dispõe: “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.
Aqui é importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento dos Mandados de Injunção nº. 670, 708 e 712 definiu que a lei 7.783/89 deve ser aplica à greve dos servidores públicos, desde que não haja afronte à supremacia do interesse público. Ou seja, entre outros requisitos, é imperioso que a Administração Pública seja informada com antecedência da intenção de deflagrar o movimento. Também deve ser mantido a continuidade mínima do serviço público, impedindo graves prejuízos à sociedade.
Um terceiro grupo trata dos militares das Forças Armadas. Nos termos do art. 142, IV da Constituição da República, é proibido o direito de greve a essa categoria profissional.
O quarto grupo seria composto pelos militares dos Estados, Distrito Federal e Municípios, pertencentes a Policia Militar e ao Corpo de Bombeiros.
Dessa forma, o que é constitucionalmente proibido – ao contrário da greve do servidor público civil - tem aplicação plena e imediata e não comporta interpretação, salvo quanto aos destinatários da norma proibitiva.
O caput do art. 9° da Constituição Federal assegura o direito de greve como um direito e uma garantia fundamental, sendo que o seu §1° autoriza uma lei ordinária a limitar o exercício da greve quando se tratar de atividades tidas como essenciais.
Com isso, não se pode pensar a greve como um direito absoluto, uma vez que deve existir um equilíbrio nos atos jurídicos praticados pela sociedade. Ou seja, o direito de greve deve ser exercido de uma forma condizente com a atual estrutura social existente, sob pena de configurar abuso de direito.
Verifica-se, assim, que o direito de greve ganhou amplitude com o advento da Constituição Federal de 1988. A greve não pôde ser mais pensada como um simples fato social, uma vez que é um direito fundamental e os interesses a serem discutidos podem ser escolhidos pelos trabalhadores.
4. GREVE, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
4.1. A GREVE COMO UM DIREITO
Este tópico tem por finalidade demonstrar que a greve nem sempre foi aceita como um direito. Antigamente alguns autores não consideravam a greve como um direito; ela era pensada, no máximo, como uma certa liberdade e se encontrava dificuldade para pensá-la em consonância com a liberdade de trabalho.
Dessa forma, como já foi relatado na parte inicial deste trabalho, percebe-se que o movimento reivindicatório, o qual só depois de 1873 passou a ser chamado de greve, percorreu um longo caminho até ser aceito como direito.
Na fase antiga não era reconhecido e depois foi tido apenas como um fato social. Passou até mesmo ser considerado ato ilícito nos termos do art. 206 do Código Penal de 1890 e ganhou amplitude e elevação jurídica quando foi considerado direito fundamental pela Constituição de 1988.
Importante ressaltar que o direito constitucional de greve existente hoje no Brasil é um direito relativo, ou seja, ele deve ser exercido em conformidade com a estrutura social brasileira sob pena de configurar-se como abuso de direito.
Dessa forma, “a greve não é feita para a manutenção das normas convencionais existentes, e não seria razoável concebê-Ia dentro dos quadros definidos pelos direitos e deveres que estão sendo observados, porque a sua finalidade é exatamente a modificação desse quadro, no qual não é possível encontrar seu fundamento”. [16].
Considerando-a como um direito constitucional, a greve será analisada, a seguir, como um Direito Social pertencente à categoria dos Direitos Fundamentais.
4.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM E A GREVE
Na Constituição de 1988 o direito de greve está inserido no campo dos Direitos Sociais, que por sua vez é considerado um Direito Fundamental dos trabalhadores, uma vez que é um instrumento para melhorar as condições do homem trabalhador, proporcionando-lhe uma vida digna. Está, portanto, ligado a um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a saber: dignidade da pessoa humana.
Os direitos fundamentais enumerados em nossa Constituição são conquistas recentes e podem ser pensados como reconquistas da humanidade, uma vez que esses direitos já existiam, mas foram perdidos quando a sociedade se partiu entre proprietários e não proprietários.
Antigamente havia um interesse comum, uma vez que não existia a propriedade privada. Após o surgimento dela, os novos proprietários passaram a se impor sobre os demais, surgindo as grandes opressões sociais.
Diante dessas opressões, várias declarações de direitos foram sendo elaboradas. Na Inglaterra, surgiu a Carta -Magna (1215 - 1225) como um instrumento destinado a assegurar os direitos fundamentais. É verdade que ela foi destinada aos barões e aos homens livres, mas trouxe algumas contribuições relacionadas ao aspecto democrático.
Em 1776, surgiu a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, a qual tinha um aspecto democrático e uma preocupação em limitar a arbitrariedade do poder real.
A Declaração dos Direitos do Homem de 1789 foi a que, segundo o professor Paulo Bonavides, externou pela 1a vez a universalidade de direitos pertencentes ao ser humano.
“Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o genero humano. Por isso mesmo, e pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já feitas acerca da liberdade.”[17]
A Declaração do Povo Trabalhador e Explorado, segunrlo José Afonso da Silva, repete a ideologia da Declaração dos Direitos do Homem de 1789, ou seja, ela trata os direitos do homem de uma forma universal e de modo que abranja todos os trabalhadores.
Essa carta do povo trabalhador surgiu em uma época em que o homem não era pensado dentro de um aspecto econômico e social. Ele era visto como se não fizesse parte da realidade social.
Dessa forma, essa declaração não se limitara a reconhecer direitos econômicos e sociais, dentro do regime capitalista, mas a realizar uma nova concepção de sociedade e do Estado e, também, uma nova idéia de direito, que buscasse libertar o homem, de uma vez por todas, de qualquer forma de opressão.
Assim, com a sucessão dessas declarações ao longo da história, surge a Carta Constitucional de 1988 que apresenta um título denominado Dos Direitos e Garantias Individuais, o qual engloba, dentre outros direitos, os Direitos Sociais, que por sua vez engloba o Direito de Greve.
A ideia de direitos do homem, de direitos humanos e de direitos fundamentais existe com a intenção de proteger o homem do abuso do poder estatal. O Direito de Greve, por sua vez, pode ser pensado como uma forma de proteção às arbitrariedades cometidas pelos patrões.
Verifica-se que esses três termos acima citados são usados, normalmente, como sinônimos. Para O Professor Bonavides, os autores anglo-americanos e latinos preferem os termos direitos do homem e direitos humanos enquanto os alemães optam por direitos fundamentais. Este ilustre Professor entende os direitos fundamentais como sendo pressupostos essenciais para a existência de uma vida livre e digna, sendo, portanto, aqueles direitos que o direito positivo classifica como tais.
Paulo Bonavides, a partir do que sustenta Carl Schimitt, faz uma diferenciação na caracterização dos direitos fundamentais. Sob o aspecto formal, os direitos fundamentais são aqueles garantidos e especificados na Constituição. Sob o aspecto material, os direitos fundamentais seguem as ideias de cada Estado.
Para o professor José Afonso da Silva,
“Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento juridico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais de homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos humanos fundamentais.”[18]
Dessa forma, para José Afonso, Direitos Fundamentais do Homem seria a expressão do termo mais adequado, uma vez que une principios norteadores do ordenamento jurídico e relaciona garantias e prerrogativas de uma vida livre e digna.
O direito de greve é, portanto, garantido e especificado na constituição e relaciona-se com o aspecto democrático do Estado, conferindo uma determinada liberdade ao trabalhador.
Por conseguinte, pode-se pensar os direitos civis e políticos como direitos fundamentais de la geração (direitos de liberdade). Os direitos sociais, econômicos e culturais constituem a 2ª geração (direitos de igualdade) e são uma espécie de herança socialista, enquanto que os direitos coletivos, destinado a todos os seres humanos, são tidos como direitos de 3ª geração (direitos de solidariedade). Esses direitos sociais podem ser relativos às relações individuais (art. 7° CF) ou relativos às relações coletivas (art. 9° a 11 CF).
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, a greve é, conjuntamente, direito de primeira, segunda e terceira dimensão. [19]
A primeira dimensão refere-se ao direito de liberdade, uma vez que trata de um non facere da atividade estatal. Ou melhor, o Estado consagra direitos e liberdades existentes, permitindo, dessa maneira, que as pessoas se reúnam para fins pacíficos.
A segunda dimensão refere-se ao direito de igualdade. Neste ponto, o direito de greve existe como um instrumento que possibilita aos empregados reivindicarem melhores condições sociais aos seus empregadores, atenuando, assim, as diferenças sociais originadas de uma desigualdade econômica surgida pela diferença de distribuição de renda em uma sociedade baseada no regime capitalista.
A terceira dimensão refere-se ao direito de fraternidade, uma vez que a greve é uma espécie de uma atitude solidária. A pessoas se solidarizam em torno de ideais de paz, desenvolvimento e progresso social.
Verifica-se, então, que a nossa Constituição estabelece normas relativas aos trabalhadores no Capitulo ll (Dos Direitos Sociais), Título ll (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). Ocorre que não são todas as constituições que incluem, na sua redação, as normas referentes ao trabalho. Alguns países tratam as questões relativas aos trabalhadores somente por leis ordinárias, como o caso da Constituição dos Estados Unidos.
O direito de greve, como direito fundamental que é, tem sua eficácia e aplicabilidade condicionada ao enunciado da carta constitucional.
A regra geral é que as normas relacionadas aos direitos fundamentais são de eficácia e aplicabilidade imediata, mas é importante ressaltar que a greve, sendo um direito social, depende de legislação ulterior para ser exercida. Assim, “o direito de greve é auto-aplicável, não podendo ser restringido ou impedido pela legislação infraconstitucional. Não está vedada, porém, a possibilidade de regulamentação de seu procedimento, como, por exemplo, a exigência de determinado quorum na assembleia geral, para que ela se instale”.
O direito de greve, e por consequência o direito de reunião enumerado no art. 5° de nossa constituição democrática, não são direitos fundamentais absolutos, uma vez que encontram limitações nos outros direitos enumerados na Constituição Federal.
Nas palavras de Alexandre de Moraes, “os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna”.
Dessa forma, existindo conflito entre dois direitos fundamentais, deve-se harmonizá-los de modo que não haja grandes prejuízos de um em detrimento de outros. Então, os movimentos grevistas não podem ir contra os direitos dos cidadãos, ou seja, deve haver um respeito aos demais direitos fundamentados pela constituição sob pena de se configurar abuso de direito.
De acordo com o exposto, o direito de greve deve ser exercido de forma coerente com a estrutura social, evitando incômodos e prejuízos à sociedade. Além disso, o direito de greve é relativo no sentido de que se deve evitar a ofensa aos outros direitos fundamentais, ou seja, o exercício do direito de greve deve respeitar a possibilidade de exercício dos demais direitos.
Finalizando este tópico, é importante ressaltar alguns aspectos que derivam da relação existente entre o direito de greve e os direitos fundamentais.
Sendo o direito de greve pertencente ao campo dos Direitos Fundamentais, os tribunais adotam procedimentos que garantem uma determinada proteção ao exercício e à efetividade do direito de greve, que por sua vez está vinculada às atividades privadas.
No setor privado o direito de greve tem aplicação imediata enquanto que no setor público há uma dependência de lei posterior – no caso, o STF já definiu que Lei 7783/89 pode ser utilizada por analogia - , sem prejuízo da máxima de que o direito de greve não pode sofrer diminuição na sua essência.
4.3 LIBERDADE DE TRABALHO E A GREVE
Inicialmente é importante ressaltar que o direito de greve se liga ao direito de igualdade, uma vez que o Estado Social não busca apenas a igualdade formal, mas sim uma igualdade real que se estenda a todos, independentemente dos grupos a que pertençam.
Antigamente o trabalho era feito pelos escravos, sendo considerado pelos gregos como um castigo. Como nessa época o trabalho era pensado dentro de um aspecto pejorativo, não se vislumbrava um contrato de trabalho nem direitos e deveres.
Na Idade Média, o senhor feudal possuía grande poder sobre os servos. As corporações de ofício Iimitavam e regulavam todos os ofícios, não permitindo que os próprios homens regulassem as suas relações de trabalho.
Com o fim das corporações de ofício, surgiu a primeira forma jurídica da relação de trabalho. Era a locação de serviços, que “consistia no respeito total à liberdade volitiva do trabalhador e do empregador que se obrigavam, um a prestar serviços e outro a pagar salários, porém sem outras implicações maiores quanto às circunstâncias em que isso se dava”.
A Revolução Francesa consagrou o princípio da liberdade contratual. A lei Lê Chape/ier, de 17 de junho de 1791 propiciou uma liberdade para os indivíduos acordarem o salário e a jornada, sem intervenção das corporações de ofício. Tempos depois, “o declínio da liberdade contratual, com o intervencionismo jurídico, trouxe a figura do contrato de trabalho, revestindo-se de características de contrato de adesão”.
Dessa forma, a liberdade de trabalho existente em nossa sociedade democrática é de fundamental importância para que o direito de greve seja exercido. Ou seja, esse direito relaciona-se ao fato de ser um instituto que pode ser usado para demonstrar a insatisfação quanto ao trabalho desempenhado e exigir melhores condições de trabalho.
Chamado de Liberdade de Trabalho por Amauri Mascaro Nascimento e Liberdade de Ação Profissional por José Afonso da Silva, esse instituto não é, segundo José Afonso, um direito social do trabalho, mas sim um direito individual, uma vez que o dispositivo confere liberdade de escolha de trabalho, de ofício e de profissão, de acordo com as propensões de cada pessoa e na medida em que a sorte e o esforço próprio possam romper as barreiras que se antepõem à maioria do povo.
A liberdade sindical, que abrange o aspecto organizacional e dinâmico, e a autonomia privada coletiva são outros fundamentos da greve. Hoje, ao contrário do que acontecia antigamente, quando o trabalho era executado de uma forma escrava e não era pensado como uma forma de desenvolvimento, a proteção do trabalho é assegurada constitucionalmente e está intimamente ligada com os direitos humanos dispostos na Constituição.
A Constituição de 1988 consagrou a ideia de greve como direito, devendo ser pensada em conjunto com o instituto do abuso de direito, uma vez que o direito de greve sofre limitações e pode ser declarado ilegal.
4.4. DIREITOS SOCIAIS E A GREVE
Inicialmente é interessante ressaltar que vivemos em uma sociedade flexível, que sofre transformações de uma forma muito rápida. Diante da necessidade de existir uma sociedade justa, os direitos sociais passaram a ser incluídos nas constituições, refletido, em parte, a ideia da justiça social.
A interpretação dos direitos sociais presentes na constituição deve ser cuidadosa e estar de acordo com o aspecto social da sociedade.
Em relação aos direitos sociais, o Professor José Afonso da Silva explica que “a ordem social, como a ordem econômica, adquiriu dimensão jurídica a partir do momento em- que as constituições passaram a discipliná-Ia sistematicamente, o que teve início com a Constituição mexicana de 1917. No Brasil, a primeira constituição a escrever um título sobre a ordem econômica e social foi a de 1934, sob a influência da Constituição alemã de Weimar, o que continuou nas constituições posteriores”.[20]
Os direitos humanos ou individuais são uma espécie de comando negativo aos atos praticados pelo poder estatal, enquanto os direitos sociais impõem algumas ações ao Estado.
“Enquanto os direitos individuais, modernamente denominados por renomados plubicistas de direitos humanos de primeira geração, são uma espécie de comando negativo imposto ao poder estatal, limitando a atuação deste em função das liberdades públicas asseguradas ao individuo, os direitos sociais, também chamados de direitos humanos de segunda geração, impõe ao Estado uma prestação positiva, no sentido de fazer algo de natureza social em favor do individuo. O conteúdo dos direitos individuais, portanto, é um dever de não fazer por parte do Estado em prol de certos interesses ou direitos, como o direito à vida, à liberdade nos seus multifãrios aspectos (locomoção, expressão, religião, organização de grupos), ao passo que os direitos sociais constituem um dever de fazer, de contribuir, de ajudar, por parte dos Órgãos que compõe o Poder Público”[21].
Os direitos sociais são prestações positivas prestadas pelo Estado, direta ou indiretamente, aptas a trazer melhores condições de vida aos necessitados, tudo em busca da diminuição da desigualdade social.
Conforme o sustentado pelo Professor José Afonso da Silva, podemos agrupar os direitos sociais em cinco grandes grupos:
1. Direitos Sociais relativos ao trabalhador (direito de greve);
2. Direitos Sociais relativos à seguridade social;
3. Direitos Sociais relativos à educação e cultura;
4. Direitos Sociais relativos ao meio ambiente;
5. Direitos Sociais relativos à família, criança, adolescente e idoso.
Para Alexandre de Moraes, “os direitos sociais previstos constitucionalmente são normas de ordem pública, com a característica de imperativas, invioláveis, portanto, pela vontade das partes contraentes da relação trabalhista"[22].
Os direitos sociais relativos aos trabalhadores dividem-se, conforme a Constituição Federal, em duas categorias. A primeira trata das relações individuais de trabalho (art. 7°) e a segunda refere-se aos direitos relativos coletivos dos trabalhadores (arts. 9° a 11), sendo que o direito de greve pertence a esta categoria.
A liberdade de atuação é o fator que possibilita que o sindicato realize as suas funções de uma forma autônoma, sem a intervenção do poder público na sua organização e funcionamento. Dessa forma, os sindicatos não estão mais sujeitos às vontades do Ministério do Trabalho ou de qualquer outro Órgão. Essa vinculação da greve e da liberdade de atuação fica nítida quando José Afonso da Silva aponta a greve como um instituto que se “desencadeia e se desenvolve sob a égide do poder de representação do sindicato, pois é um instrumento dos trabalhadores coletivamente organizados para a realização de melhores condições de trabalho para toda a categoria profissional envolvida”.
Além disso, a greve é tida pelo Professor Jose Afonso não apenas como um simples direito fundamental. Além de fundamental, ela é um direito instrumental e está relacionada às garantias constitucionais, “porque funciona como meio posto pela Constituição a disposição dos trabalhadores, não como um bem auferível em si, mas como um recurso de última instância para a concretização de seus direitos e interesses”.
Pode-se dizer, então, que a greve é garantia constitucional no sentido de ser um meio usado para fazer valer os direitos constitucionais enumerados na Constituição da República, sendo que as garantias constitucionais podem ser, segundo o professor José Afonso, individuais, coletivas, politicas e sociais. Em razão de todo o exposto, fica claro que esta última garantia é a que tem uma ligação mais intima com o direito de greve.
5. CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto no presente estudo, verifica-se que a greve é um direito social, mas foge, de certa forma, à regra geral. Isto porque a greve não é propriamente uma prestação positiva do Estado, mas sim um direito-garantia, um instrumento que possibilita a reivindicação de melhores e mais dignas condições de trabalho. A greve é, portanto, um direito que permite um não fazer. Sendo um dos direitos fundamentais aplicáveis a todos os trabalhadores, a greve concretiza-se em um instrumento que contribui para a manutenção de um Estado democrático de direito.
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990.
FONSECA, Ricardo Marcelo; GALEB, Maurício. A Greve Geral de 17 em Curitiba: Resgate da Memória Operária. Curitiba: lbert, 1996.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A Greve Como Direito Fundamental. Curitiba: Juruá, 2000.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2018.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Adminstrativo. São Paulo: Forense. 31ª ed. 2018.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 42ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016.
SÚSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3 ed. Rio de Janeiro Renovar, 2004.
[1] SILVA, Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional. 42 ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
[2] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 34 ed. São Paulo: Atlas, 2018.
[3] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do Trabalho na Constituição de 1988. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 289
[4] SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro. 3 ed. Renovar. 2004.
[5] PINTO, José Augusto Rodrigues. Direito Sindical e Coletivo Do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 305.
[6] SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro. Renovar. P. 460-461. 2004.
[7] FONSECA, Ricardo Marcelo e GALEB, Maurício. A Greve Geral de 17 em Curitiba: Resgate da Memória Operária. Curitiba. Editora IBERT, 1996, p. 56.
[8] DIAS, Everaldo. São Paulo, 1917: A Primeira Grande Greve Brasileira. Disponível em: wvwv.histÓrianet.com.br/conteúdo/default.asp×?código=55> Acesso em 22 jun. 2018.
[9] Código Penal de 1890, art. 206: “causar ou provocar a cessação de trabalho, para impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição do sen/iço salario. Pena - Prisão celular por um a três meses”.
[10] Decreto n°. 1.162, de 12.12.1890, que deu nova redação ao art. 205 do Código Penal de 1890: “desviar os operarios ou trabalhadores por meio de ameaças, constrangimentos ou manobras fraudulentas. Pena - de prisão celular por um a três meses, e de multa de duzentos a quinhentos mil réis".
[11] Constituição Federal de 1937, art. 139: “para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum. A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.
[12] Decreto n°. 1.162, de 15.03.1946, art. 10, caput: “a cessação do trabalho, em desatenção
aos processos e prazos conciliatórios ou decisórios previstos nesta lei, por parte de empregados em atividades acessórias e, em qualquer caso, a cessação do trabalho por parte de empregados em atividades fundamentais, considerar-se-á falta grave para fins devido e autorizará a rescisão do contrato de trabalho".
[13] Constituição Federal de 1946, art. 158: “É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”.
[14] Constituição Federal de 1967, art. 157: “A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, co base nos seguintes princípios: I - liberdade de iniciativa; Il - valorização do trabalho como condição da dignidade humana; § 7° - Não será permitida greve nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei.
[15] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 29ª Ed.São Paulo: Saraiva, 2014.
[16] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
[17] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo; Malheiros, 2016.
[18] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 42ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016.
[19] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A Greve Como Direito Fundamental. Curitiba: Juruá, 2000. p. 24.
[20] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 42ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016.
[21] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo: LTr, 1997.
[22] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2018.
Procurador Federal. Graduação em Direito Pela UFPR.<br>Pos Graduado em Direito Público. Pos Graduado em Direito e Processo Tributário Universidade Positivo. Membro da Comissão Da Advocacia Pública da OAB-PR Subseção de Umuarama.<br>Participação na Obra Coletiva - Direito Financeiro - Coleção Preparando para Concursos - Ed. JUSPOVM.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MICHNA, Felipe Cesar. O direito de greve, breve histórico e a Constituição Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 out 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52277/o-direito-de-greve-breve-historico-e-a-constituicao-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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