RESUMO: Os direitos fundamentais, essenciais à existência humana, direcionam a atuação estatal a fim de concretizar os fins perseguidos pelo Estado. O disposto no art. 5º da Constituição Federal deixa claro que todos são iguais perante a lei, garantindo-se, dentre outros direitos, a inviolabilidade do da intimidade, da vida, honra e a imagem das pessoas. Com a nova noção de família, desatrelado do que é considerado convencional, revela-se possível o surgimento de relações entre pessoas homoafetivas, com diversas consequências jurídicas daí decorrentes. O presente artigo busca fazer uma análise dessas novas relações e da observância dos direitos das pessoas com relacionamentos homoafetivos.
Palavras-chave: Direito. Família. Casais homoafetivos. Entidade familiar.
I – DIREITOS FUNDAMENTAIS: ASPECTOS HISTÓRICOS
A definição de direitos fundamentais não é tarefa fácil. Deve-se apresentar o que os dá características peculiares, demonstrando o seu duplo caráter, uma vez que, ao mesmo tempo, servem como limites para a atuação do Estado, evitando abusos (übermassverbot – vedação ao excesso), e como limite ao desempenho das ações individuais de cada cidadão, na medida em que é vedado a um particular invadir a esfera dos direitos de outro.
Vários acontecimentos marcaram a luta por condições mais dignas de vida e deram origem ao reconhecimento de direitos fundamentais, conforme ensina José Afonso da Silva (2006, p. 150). Segundo o autor, importantes documentos foram elaborados na Inglaterra a fim de assegurar direitos fundamentais, como a Magna Carta de 1215, a Petition of Rights, o Habeas Corpus Act e o Bill of Rights, que condicionaram a formação de regras de ampla proteção a tais direitos.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Constituinte Francesa em agosto de 1789, também proclamou direitos importantes, como a liberdade, a igualdade, a propriedade e legalidade, garantias liberais que permanecem nas declarações contemporâneas.
No Brasil, todas as constituições versaram sobre direitos fundamentais. As Constituições brasileiras sempre trouxeram uma declaração de direitos fundamentais. Desde a Constituição do Império, de 1824, diversos direitos fundamentais foram trazidos, dentre eles a ideia de igualdade, legalidade, livre manifestação de pensamento, proibição de censura prévia, reserva legal e anterioridade, juiz natural, direito de petição, dentre outros.
A Constituição de 1891, posteriormente, também trazia em seu corpo uma declaração de direitos, que assegurava aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos referentes à liberdade, segurança e propriedade. Referido documento resguardava, basicamente, os direitos e garantias individuais.
A Constituição de 1934, promulgada, foi sucedida pela de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, instituindo um regime totalmente ditatorial em nítido desrespeito aos direitos e garantias fundamentais.
A Constituição de 1946, num movimento de superação de retrocessos operados pela Constituição “Polaca”, voltou a contar com uma declaração de direitos, estabelecendo normas sobre a nacionalidade e a cidadania, bem como sobre direitos e garantias individuais do cidadão.
Por fim, a Constituição Federal de 1988 reforça a necessidade de garantia e solidificação dos direitos fundamentais ao ser a primeira a trazer o título relacionado às garantias dos indivíduos antes do capítulo que trata da organização do Estado. Trata-se de sutil – porém simbólica – mudança, que indica a preocupação do constituinte de 88 com os problemas vividos na década anterior, especialmente pela constante violação de direitos humanos ocorridas no período de exceção.
II – A UNIÃO HOMOAFETIVA – BREVE HISTÓRICO
Na Grécia antiga, era privilégio dos bem nascidos o livre exercício da sexualidade, de modo que fazia parte da vida cotidiana dos deuses, heróis e reis o homossexualismo. Famosos casais de pessoas do mesmo sexo foram retratados pela mitologia grega, tal como Zeus e Gamimede, Aquiles e Patroclo. A heterossexualidade, na sociedade grega, era considerada uma necessidade reservada à procriação da raça humana, onde homem e mulher se juntavam para multiplicar a espécie. Já a homossexualidade era tida como uma necessidade natural, digna de ambientes cultos, legítima manifestação da libido. As representações teatrais dão claros sinais das tendências homossexuais da civilização grega, onde os papéis femininos eram sempre representados por homens travestidos.
As severas leis gregas condenavam a pederastia, tolerando-a somente para os gregos adultos que tutelavam meninos para fins educacionais e para sua inserção no convívio social. O mito de Orfeu representava a pederastia, pois, após a morte de Eurídice, se apaixonou por pessoas do mesmo sexo.
Durante o período Renascentista, vários intelectuais da época cultivavam paixões homossexuais, como é o caso, por exemplo, de Miguel Ângelo e Francis Bacon.
Convém registrar que o termo homossexualismo foi introduzido na literatura médica em 1869, pela médica Karoly Benkert, que o instituiu na raiz da palavra grega homo (semelhante) e a palavra latina sexus (sexo), que redunda em sexualidade exercida com uma pessoa do mesmo sexo. Por muito tempo, inclusive, o homossexualismo foi tratado como um distúrbio mental, uma doença.
Esse cenário passa a mudar nos últimos anos, ao perceber-se que a homossexualidade não é uma doença, mas orientação do indivíduo relacionada aos seus direitos da personalidade, especialmente com a dignidade da pessoa humana, no que diz respeito ao direito de guiar sua própria vida em conformidade com suas próprias decisões (autonomia).
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi dado um enorme passo na valorização e respeito ao cidadão, independentemente de qualquer ideologia ou distinção quanto à cor, origem, raça ou sexo. Sendo o direito uma ciência evolutiva, não poderia deixar de acompanhar a evolução das relações sociais. Por isso, necessário o debate acadêmico e jurídico, sempre em prol do atingimento dos objetivos constitucionais de proporcionar uma sociedade livre, justa e igualitária, promovendo o bem de todos.
III – O ORDENAMENTO JURÍDICO E A JURISPRUDÊNCIA: SUPERAÇÃO DO RIGOR LEGAL PARA O RECONHECIMENTO DE DIREITOS ÀQUELES QUE SE RELACIONAM COM PESSOAS DO MESMO SEXO
O ordenamento jurídico brasileiro não conta com uma legislação específica para a tutela dos direitos das minorias compostas pelos homossexuais. Aliás, o Código Civil de 2002, e até mesmo a Constituição Federal de 88, ao tratar das relações afetivas acabam por mencionar somente as relações entre homem e mulher.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Os referidos dispositivos legais, ao restringirem o reconhecimento da união estável às relações entre homem e mulher, acabam por criar uma tensão com o que dispõe o caput do art. 5º, também da Constituição Federal, que assegura a igualdade formal entre as pessoas, garantindo-lhes tratamento isonômico independentemente de qualquer tipo de distinção. Convém perceber, dessa forma, que a união entre pessoas do mesmo sexo, como decorrência das novas relações socioafetivas existentes, deve ser reconhecida, garantindo-se os direitos àqueles que, a despeito de serem do mesmo sexo, decidiram por manter uma relação baseada no afeto, o que é suficiente para a caracterização como entidade familiar.
É claro que esse entendimento não é imune a críticas. Diversas pessoas, a grande maioria pautada por paixões religiosas, acabam por criticar a possibilidade da referida união, mesmo que desvinculada de qualquer argumento jurídico apto a justificar a negativa do reconhecimento de direitos aos que se relacionam com pessoas do mesmo sexo.
Ora, sendo a relação entre duas pessoas um assunto de interesse meramente particular, protegido pelo direito à honra, à intimidade e à vida privada, a intervenção do Estado nessas relações deve ser mínima, incidindo tão somente em caso de eventuais violações aos direitos daqueles que estão inseridos em tais relações.
É certo que, hoje, a prioridade nas relações familiares é a presença do afeto, independentemente do sexo das pessoas de onde esse afeto parte. A dualidade de sexo deixa de ser uma exigência para que sejam reconhecidas as entidades familiares. Presente o afeto, é preciso garantir que as pessoas que compõem aquele núcleo familiar estejam protegidas pelo direito das famílias – independentemente do sexo das pessoas que o integram.
Esse entendimento, de defesa e reconhecimento dos direitos das entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo, foi afirmado pioneiramente pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277, do Distrito Federal, em conjunto com a Arguição de Descumprimento de Preceito fundamental 132, do Rio de Janeiro, em que se reconheceu enfaticamente a possibilidade de se reconhecer união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Segundo o Supremo Tribunal Federal:
Ementa:
1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.
2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.
3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição.
6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA INTERPRETAÇÃO CONFORME). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
Dessa forma, é de se concluir que o Poder Judiciário conferiu efeitos jurídicos àquilo que já vinha acontecendo, há muitos anos, no mundo dos fatos: as relações entre pessoas do mesmo constituem espécie de entidade familiar e devem receber a proteção e reconhecimento daí decorrentes.
Ainda nesse sentido, recente é a manifestação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) sobre o tema. A Corte IDH é órgão jurisdicional e consultivo previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), do qual o Brasil é estado signatário.
Ao apreciar a Opinião Consultiva de nº 24, dois pontos específicos estão relacionados com a temática:
Mudança de nome e registro – A Corte considerou que o nome e a menção a sexo nos documentos de registro de acordo com a identidade de gênero autopercebida são garantias protegidas pela Convenção Americana de Direitos Humanos. Nesse sentido, os Estados parte da OEA estão obrigados a reconhecer, regular e estabelecer os procedimentos adequados para o alcance dessas garantias.
União entre pessoas do mesmo sexo – No que se refere à proteção dos direitos referentes à união homoafetiva, o posicionamento apresentado pela Corte reitera que a Convenção Americana não protege um determinado modelo de família. “Como a própria definição de família não é exclusiva daquela composta por casal heterossexual, o Tribunal considera que o vínculo familiar que pode derivar de um casal do mesmo sexo se encontra protegido pela Convenção Americana de Direitos Humanos. Por isso, todos os direitos patrimoniais que derivam desse vínculo devem ser protegidos – sem qualquer discriminação no que diz respeito às garantias já estabelecidas para uniões entre casais heterossexuais”.
IV – OBSERVAÇÕES FINAIS
Com base em tudo o que foi exposto, percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro precisa passar por uma atualização normativa. Primeiro, em sede constitucional, a fim de garantir expressamente proteção às entidades familiares compostas por pessoas do mesmo sexo. Em segundo momento, faz-se necessário alterar o art. 1.723, do Código Civil, com o mesmo objetivo.
Iniciando esse movimento jurídico de garantia de direitos às relações homoafetivas, o Supremo Tribunal Federal deu o pontapé inicial na jurisprudência dos Tribunais Superiores no importante julgamento conjunto da ADIN 4277 e ADPF 132, no sentido de reconhecer proteção às entidades familiares compostas por pessoas do mesmo sexo.
É importante perceber que a decisão do Supremo Tribunal Federal está alinhada ao recente entendimento da Corte IDH no sentido de que a Convenção Americana de Direitos Humanos reconhece a proteção às entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo.
É crescente, portanto, o reconhecimento jurídico, inclusive no âmbito internacional, da proteção às famílias compostas por pessoas do mesmo sexo. Apesar de inexistir um tratado internacional específico sobre o tema, é possível, através da interpretação dos direitos humanos já tutelados, chegar-se à conclusão de que é exigível tal proteção. Prova disso é a resposta dada, pela Corte IDH, à Opinião Consultiva 24/17.
Assim, apesar de o atual cenário político brasileiro, em que o candidato mais cotado a assumir a Presidência da República, por mais de uma vez, já deu manifestações homofóbicas, é possível visualizar que as cortes internas e internacionais estão voltadas à causa das minorias no sentido de conferir direitos caros a essas coletividades.
Espera-se que o ódio manifestado por determinada parcela da população brasileira não cause o chamado efeito backlash da jurisdição constitucional, o que poderia gerar um retrocesso na proteção dos direitos das minorias. Apesar do complexo cenário, a esperança é no sentido de serem mantidas e aumentadas as conquistas atingidas pela população LGBT, no sentido de garantir-se, cada vez mais, respeito aos seus direitos e à sua autonomia.
V - REFERÊNCIAS
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DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. RT, 2011.
DIAS, Maria Berenice. União homossexual – aspectos sociais e jurídicos. In: Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 4, jan./fev./mar., 2000.
DIMOULIS, Dimitri Martins, Leonardo – Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
FARIAS, Mariana de Oliveira; MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi. Adoção por homossexuais: a família homoparental sob o olhar da psicologia jurídica. Curitiba: Juruá, 2009.
SERAPIONI, M. O papel da família e das redes primárias na reestruturação das políticas sociais. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, supl. 0, set/dez. 2005.
TEIXEIRA, A. C. B. (2005). Família, guarda e autoridade parenta. Rio de Janeiro: Renovar.
Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Oswaldo Machado. União homoafetiva - a união homoafetiva e a garantia de direitos fundamentais àqueles que se relacionam com pessoas do mesmo sexo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52307/uniao-homoafetiva-a-uniao-homoafetiva-e-a-garantia-de-direitos-fundamentais-aqueles-que-se-relacionam-com-pessoas-do-mesmo-sexo. Acesso em: 23 dez 2024.
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